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1808 LAURENTINO GOMES Capitulo 5 – A partida Capítulo 6 – O arquivista real Capítulo 7 – A viagem Capítulo 8 - Salvador Capítulo 9 – A colônia Capítulo 5 A partida • Foi no dia 29 de novembro de 1807, que Dom João recebeu do mensageiro uma carta de Napoleão Bonaparte dizendo que iria invadir Lisboa, foi daí que resolveram por meio de reunião com a corte, partir para o Brasil com destino ao Rio de Janeiro. • Essa decisão foi muito arriscada e improvisada por conta de várias riscos que poderiam correr com a fuga. • Durante a fuga juntaram toda prataria, ouro e o dinheiro do tesouro real. • Guerra peninsular. • Os caixotes que chegariam só 1810 e as outras duas 1811. • Numa das embarcações estava o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos personagem cuja a vidas e os acontecimentos de 1807 mudaria radicalmente. Capítulo 6 O arquivista real • No final do outono de 1807, enquanto as tropas do imperador Napoleão se aproximavam da fronteira de Portugal, o arquivista Luiz Joaquim dos Santos Marrocos tinha a vida suspensa entre duas cidades — uma no passado e outra no futuro. Aos 26 anos e solteiro, morava com a família no bairro de Belém, em Lisboa, a capital do ainda vasto império colonial português, exótica e oriental, repleta de mercadores árabes, chineses, indianos e negros africanos. Dentro de três anos, estaria no Rio de Janeiro, a capital do Brasil colônia, uma cidade fervilhante de novidades, porto de reabastecimento e parada obrigatória dos navios que cruzavam os oceanos rumo às terras distantes da África, da Índia e da recém-descoberta Oceania. • Dois anos e meio depois, em março de 1811, o próprio Marrocos embarcaria para o Brasil, com a missão de zelar pela segunda remessa dos livros da biblioteca. Chegou ao Rio de Janeiro em 17 de junho, dias antes do seu aniversário de trinta anos. Nos dez anos seguintes, manteve uma correspondência regular com o pai, Francisco José, e com a irmã, Bernardina. Foram ao todo 186 cartas que, guardadas até hoje nos arquivos da Biblioteca da Ajuda, transformariam o arquivista num personagem importante para a história do Brasil e de Portugal. Essa correspondência de mão única — uma vez que não se tem notícia das respostas que Luiz Joaquim teria recebido no Rio de Janeiro — é considerada uma das fontes mais preciosas dos pesquisadores que estudam esse período da história brasileira. • São relatos simplórios, de um cidadão comum que testemunhe as enormes transformações que portugueses e brasileiros experimentaram nos treze anos em que a família real permaneceu no Rio de Janeiro. As intrigas na corte, a mesquinhez da burocracia e a dura realidade da escravidão aparecem de forma crua nas cartas de Marrocos, como num retrato instantâneo e sem retoques, sem o filtro dos documentos e relatórios oficiais. • A primeira carta foi escrita ainda em alto-mar, a bordo da fragata Princesa Carlota. É datada de 12 de abril de 1811, SextaFeira da Paixão, 10 horas da noite, nas imediações de Cabo Verde, na costa da África. A última é de 26 de março de 1821, um mês antes do retorno de D. João VI a Lisboa.2 Algumas dessas cartas tratam de eventos históricos, como a morte da rainha D. Maria I e a aclamação de D. João VI, e do movimento de entrada e saída de navios no porto do Rio de Janeiro. Outras resvalam para a fofoca pura e simples. • A Lisboa da família Santos Marrocos era uma cidade conservadora, profundamente religiosa e de hábitos antiquados. Com suas casas ornamentadas de tapeçarias orientais e varandas cobertas por colchas da Índia, era a mais oriental das capitais européias, na definição do historiador Oliveira Martins. Outros cronistas e viajantes a descreveram como uma cidade medieval, suja, escura e perigosa. O enterro de cadáveres em cemitérios só se tornou obrigatório a partir de 1771. Até então, eram abandonados, queimados ou enterrados em covas improvisadas na periferia da cidade. Quem tinha dinheiro ou poder, era sepultado nas igrejas. A falta de higiene era um problema crônico. “Atirava-se pela janela, sem aviso algum e a qualquer hora do dia ou da noite, a água suja as lavaduras da cozinha, as urinas, os excrementos acumulados de toda a família”, registrou o francês J. B. F. Carrère morador de Lisboa no final do século XVIII. “Quem anda nas ruas desta cidade está sempre em risco de ficar encharcado e coberto de porcaria. • “Esta grande cidade não tem iluminação durante a noite por via do que acontece freqüentemente de perder-se um sujeito, correndo o risco de ficar enxovalhado com as imundices que é uso despejarem das janelas às ruas, pois as casas não têm latrinas”, escreveu o viajante francês Jácome Ratton. • Nos meses que se seguiram à partida da família real, milhares de portugueses pegariam em armas para resistir à invasão francesa. Luiz Joaquim dos Santos Marrocos foi um deles. Antes de embarcar para o Rio de Janeiro, em 1811, serviu nos campos de batalha e lutou nas barricadas erguidas na entrada da capital portuguesa. Graças aos bons serviços prestados, acabou promovido à patente de capitão do exército português.18 Como todos os portugueses desse período, sua família passou por grandes tribulações. Com a partida da corte e a virtual paralisação do governo português, os pagamentos dos servidores públicos, como era o caso da família Santos Marrocos, ficaram atrasados mais de um ano. Os preços triplicaram. As pessoas passaram fome e grandes necessidades. Capítulo 7 A viagem • Não havia água corrente nem banheiros. Para fazer as necessidades fisiológicas usavam-se as cloacas, plataformas amarradas à proa, suspensas sobre a amurada dos navios, por onde os dejetos eram lançados diretamente ao mar. • A dieta de bordo era composta de biscoitos, lentilha, azeite, repolho azedo e carne salgada de porco ou bacalhau. No calor sufocante das zonas tropicais, ratos, baratas e carunchos infestavam os depósitos de mantimentos. A água apodrecia logo, contaminada por bactérias e fungos. Por isso, a bebida regular nos navios britânicos era a cerveja. • Por falta de frutas e alimentos frescos, uma das maiores ameaças nas longas travessias era o escorbuto, doença fatal provocada pela deficiência de vitamina C. Enfraquecida a vítima queimava de febres e sofria dores insuportáveis. A gengiva necrosava. Os dentes caíam ao simples toque. Por coincidência, 1808 foi o primeiro ano em que a jovem Marinha dos Estados Unidos começou a distribuir doses de vitamina C às suas tripulações, como forma de prevenir a doença. Nas regiões tropicais, outras ameaças eram a disenteria e o tifo, causados pela falta de higiene e pela contaminação da água e dos alimentos. • Para evitar as doenças e a proliferação de pragas, exigia-se que as roupas e as dependências dos navios estivessem sempre limpas, o que explica a disciplina rigorosa que os oficiais mantinham a bordo. Nesse aspecto, a Marinha britânica servia de exemplo. Em tempos de guerra, a Inglaterra ocupava mais de 60000 homens a bordo de sua gigantesca frota — número igual a toda a populaçãoda cidade do Rio de Janeiro em 1808. • Para os marinheiros, a vida no mar começava cedo, ainda meninos. Aos dezesseis anos, já eram profissionais formados. A alimentação deficiente e o trabalho extenuante, sem folga ou conforto de espécie alguma, encurtava a carreira para dez a quinze anos no máximo. A expectativa de vida não ia além dos quarenta anos. • A bordo dos navios britânicos, consideravam-se faltas graves dormir em serviço, desrespeitar um oficial ou fazer necessidades fisiológicas dentro do navio, em vez de usar as rudimentares cloacas. As punições eram severas para quem colocasse a tripulação em perigo, o que incluía não respeitar as regras de higiene e limpeza. Nesse caso, os marinheiros poderiam ser chicoteados. Em casos mais graves, o capitão tinha autonomia para mandar enforcá-los. As punições, sempre em público, serviam de exemplo aos demais membros da tripulação. • O excesso de passageiros e a falta de higiene e saneamento favoreceram a proliferação de pragas. No Alfonso de Albuquerque, em que viajava a princesa Carlota Joaquina, uma infestação de piolhos obrigou as mulheres a raspar os cabelos e a lançar suas perucas ao mar. As cabeças carecas foram untadas com banha de porco e pulverizadas com pó anti-séptico. • Smith se oferece para abrigar o príncipe regente no Hibernia, nau capitânia da esquadra inglesa, um navio mais novo e confortável. D. João recusou por razões óbvias: a corte portuguesa já se julgam suficientemente refém e dependente da Inglaterra. Viajar como hóspede do comandante britânico poderia soar politicamente incorreto. • Mal terminada essa reunião, passageiros e tripulantes foram surpreendidos por uma abrupta mudança climática. O vento, que até então impelia os navios para o oceano, inverte a direção e começou a soprar forte de través, ou seja, no sentido perpendicular das embarcações e contrário ao rumo planejado. • Em alguns momentos, ameaçava empurrar toda a frota de volta para costa portuguesa, já ocupada pelas tropas francesas. Depois de alguns momentos de angústia e tensão, os comandantes decidiram aproveitar a força da ventania e navegar na direção noroeste, como se estivessem indo para o Canadá, em vez do Brasil. Isso manteria os navios em alto-mar, evitando que fossem arrastados novamente para o litoral. • No dia 8 de dezembro, pouco mais de uma semana depois da partida, ao se aproximar do arquipélago da Madeira, um denso nevoeiro cobriu tudo. “Estava tão carregado que não conseguíamos ver além da distância equivalente a três vezes o comprimento do navio”, escreveu o capitão James Walker. • O maior perigo, no entanto, estava lá fora, mergulhado na escuridão da noite e coberto pelo nevoeiro. É um ponto conhecido como “Oito Pedras”. • Ao anoitecer, uma violenta tempestade começou a castigar os navios outra vez. Ventos fortíssimos vergastavam as velas apodrecidas, enquanto os marinheiros tentavam desesperadamente mantê-las presas aos mastros das embarcações. • Situado ao norte de Porto Santo, na Ilha da Madeira, esse conjunto de rochedos parcialmente submerso costuma ser uma armadilha fatal para marinheiros menos experientes. • No dia 22 de janeiro, após 54 dias de mar e aproximadamente 6400 quilômetros percorridos, D. João aporta em Salvador. O restante do comboio tinha chegado ao Rio de Janeiro uma semana antes, no dia 17 de janeiro. • A única vítima conhecida da travessia foi D. Miguel Caetano Álvares Pereira de Melo, o duque de Cadaval, que já havia partido de Lisboa doente e teve seus problemas agravados pelos infortúnios da nau D. João de Castro, de todos os navios o mais castigado pelas tempestades no Atlântico. • Com a chegada da corte à Baía de Todos os Santos começava o último ato do Brasil colônia e o primeiro do Brasil independente. Capítulo 8 Salvador • A escala em Salvador não estava prevista, pois pelo plano original toda a esquadra sempre navegaria na direção sudoeste, rumo ao Rio de Janeiro. • A unica parada seria em Cabo verde. • Até hoje não se tem uma explicação plausível para essa parada. ATé recentemente acreditava-se que era por causa de uma tempestade. • Ao descobrir que estava nas imediações do litoral baiano, D. João teria ordenado que os navios atracassem em Salvador. • Entretanto de acordo com Kenneth Light ele apresenta uma hipótese para explicar essa parada D. João foi à Bahia de forma deliberada e não forçado por um acidente meteorológico em alto-mar. • Uma visita a Salvador era, portanto, providencial. Seria uma forma inteligente de assegurar a fidelidade dos baianos e das províncias do Norte e do Nordeste num momento de grande dificuldade. • Era mais uma demonstração do quanto a Bahia era importante no tabuleiro político que a monarquia estava montando na sua fase americana. • No pouco mais de um mês em que passou na capital baiana, D. João assinou algumas das mais importantes medidas, que ajudariam a mudar o destino do Brasil e forjar a nova nação: • Abertura dos Portos e a criação do primeiro curso de ensino superior do país, uma escola médico-cirúrgica, que acabou se tornando a Faculdade de Medicina da Bahia. • Elevador Lacerda • Liteiras • Procissões e festas religiosas • Abertura dos portos • FMB - UFBA Capítulo 9 A colônia • Há 200 anos atrás o Brasil necessariamente não existia. Não era um país integrado e não havia fronteiras. • Ás vésperas da chegada da corte ao Rio de Janeiro, o Brasil era composto por regiões de certa forma autônomas, sem comércio ou comunicação entre si. • O idioma português e a Coroa portuguesa eram como ponto de referência em comum. • Não havia uma expressão definida para quem residia no brasil. Brasileiro, brasiliense ou brasiliano. • De acordo com o historiador Manuel de Oliveira Lima “O Brasil nada mais era do que uma unidade geográfica formada por províncias no fundo estranhas umas às outras” “Agora, porém, iam essas províncias fundir-se numa real unidade política, encontrando seu eixo natural na própria capital, o Rio de Janeiro, onde passava a residir o rei, a corte e o gabinete” • O Tratado de Madri, de 1750, revoga o antigo Tratado de Tordesilhas e redesenha as fronteiras das colônias portuguesas e espanholas. • De acordo com o secretário da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, ao vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos e Sousa. “Sem o Brasil, Portugal é uma insignificante potência; o Brasil sem forças é um preciosíssimo tesouro abandonado a quem o quiser ocupar”. • Brasil tinha pouco mais de 3 milhões de habitantes. • O povoamento ainda se concentrava no litoral, com algumas cidades no interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e ao longo do Rio Amazonas. • A Vila de Itu era considerada como a ‘’boca do sertão’’, pois foi o povoamento mais distante do litoral em todo o Brasil e também era de onde os bandeirantes saíam em direção ao interior. • Minas Gerais era a província mais populosa. • Explosão populacional no Rio de Janeiro após a chegada da corte. • Descoberta de ouro e diamante no final do século XVII, que causou uma onda migratória da Europa para o interior do Brasil. • Quase 2 milhões de negros cativos foram importados para trabalhar nas minas e lavouras do Brasil durante o século XVIII, sendo uma das maiores movimentações forçadas de pessoas em toda a história da humanidade. • Era um população carente e analfabeta, em São Paulo, somente 2,5% doshomens livres em idade escolar eram alfabetizados. • A saúde era precária e o exercício da medicina era o que lhe garantia o diploma e o direito de exercê-la. • Precariedade na comunicação. • Ignorância e ganância de Portugal. • Em 1548, Tomé de Souza recebe da Coroa portuguesa, doze instruções sobre como conduzir os negócios no Brasil. • A comunicação entre capitanias, só era permitida com devida autorização. • A ordem de prisão emitida contra o barão, naturalista e geógrafo alemão Alexander von Humboldt. • O Rio Grande do Sul produzia trigo e gado, usado na fabricação de charque, mantas de couro, sebo e chifre. • A Ilha de Santa Catarina, onde hoje está situada a cidade de Florianópolis, já naquela época deslumbrava os viajantes pela beleza e pela organização. • Segundo anotações do viajante John Mawe que em 1807 percorreu o sul do Brasil, vindo de Buenos Aires. “As casas são bem construídas, com dois ou três andares, assoalhadas de madeira, jardins tratados, apresentando excelente vegetação e flores” “A cidade proporciona agradável retiro aos comerciantes afastados dos negócios, comandantes aposentados e outras pessoas que, tendo assegurado a sua independência, procuram apenas lazeres para desfrutá-la.” • São Paulo, hoje a maior metrópole da América Latina, era um pequeno vilarejo com pouco mais de 20000 habitantes, incluindo os escravos. • O tupi foi a língua mais falada em São Paulo até o começo do século XVIII. • De acordo com Pompeu de Toledo, durante os dois primeiros anos do Brasil colônia “comia-se comida de índio, usavam-se armas de índio e até se falava, tanto quanto o português, ou talvez até mais, a língua geral dos índios” • Os homens e mulheres paulistas usavam chapéus de feltro, de cor cinza e abas largas, presas à copa por cordéis. O casaco e as calças eram de algodão escuro. Botas folgadas de couro cru, tingidas de preto, ficavam seguras abaixo do joelho por correia e fivela. Os homens traziam na cintura ou no cano da bota uma faca comprida, de cabo prateado, que servia de arma de defesa ou de talher nas refeições. • Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1808, o inglês John Luccock identificou de imediato um problema; • Graças ao ouro e ao diamante que brotavam da terra, a população das cidades mineiras explodiu no século XVIII; • O controle sobre a mineração era rigoroso; • Além do controle feito nas casas de fundição, havia postos de vigilância nas estradas, especialmente entre as minas e o litoral; • Entre 1772 e 1800, um total de 527 brasileiros se formou em Coimbra; • Um dos brasileiros formados em Coimbra era o santista José Bonifácio de Andrada e Silva, o futuro Patriarca da Independência; • A existência dessa pequena elite intelectual representava uma proeza numa colônia em que tudo se proibia e censurava; • Um caso exemplar do esforço do governo português em impedir a circulação de idéias na colônia foi o trágico destino da Sociedade Literária do Rio de Janeiro; • Era a época da Revolução Francesa, da Independência Americana e da Conjuração Mineira, o movimento de independência de Minas Gerais que transformaria o alferes José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, em herói nacional; • Para fugir à censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, era publicado em Londres; • Seu fundador, o jornalista Hipólito José da Costa, nasceu no Rio Grande do Sul e deixou o Brasil quando tinha dezesseis anos; • Hipólito que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil; • Por um acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número de exemplares do Correio Braziliense; • Na América portuguesa de 1808 as tensões políticas eram agravadas por um fator adicional; • Em 1794, uma rebelião de negros havia resultado num banho de sangue nas Antilhas Francesas; • O suplício judiciário, como era conhecido esse tipo de punição, tinha o objetivo de servir de exemplo e de reafirmação do poder do rei sobre seus vassalos; • Em lugar da ameaça e da coerção, no entanto, o D. João que chegou ao Brasil em 1808 usaria para governar um outro atributo fortíssimo da monarquia; Fim!
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