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Fidalgos e Filantropos - RUSSELL-WOOD

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Prévia do material em texto

Biblioteca Universitária
-UFSC-
A. J. R. Russell-Wood
\.J.R. Russell-Wood é Professor de História na
lohns Hopkins Univenity. Formado pela Universi-
dade de Oxford. onde obteve o título de bacharel
}m línguas modernas, foi posteriormente escolhi-
do Fellow de pesquisa do St. Antony's College.
;eus interesses principais de pesquisa são a histó-
a do Brasil-colónia. o colonialismo comparado
ias Américas e o império ultramarino português
Tendo morado por longos períodos no Brasi], Rus.
iell-Wood viajou e lecionou na Europa e nas Amé-
icas. O seu F/da/gos e F//anfropos, que ora apre-
sentamos em edição brasileira, recebeu o Prêmio
-lerbert E. Bolton (1969) e foi indicado pelo Comitê
lo Albert J. Beveridge Award como o ''melhor livro
le história latino-americana de 1969''. Russel
Vood foi co-autor e organizador de From Co/ony fo
lation: Essays on the Independence of Brazil (Ba\
imorg, 1975), e realizou um estudo sobre o pai do
aleijadinho, publicado em português, Mãnue/ Eram
/sco L/sboa (Universidade Federal de Minas Ge-
ais, 1968). Seu livro mais recente é um estudo revi-
onista das populações de origem africana no Bra
l-colónia, intitulado The B/ack Man /n S/avery and
:reedom /n Co/on/a/ afaz// (1982). Russell-Wood
:ontribuiu com numerosos artigos e resenhas para
periódicos acadêmicos, entre os quais se contam
Iniversitas, The Journal of Economia History, o
ournal of Latir American Studies. a American His-
orical Review, a Revista Brasileira de Estudos Polí-
ícos, e a Rev/sta de Hfsfór/a, assim como a colete.
ie8s de ensaios. Russell-Wood é membro vitalício
a Royal Geographical Society e sócio correspon
lente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Fidalgos
A Santa
e Filantropos
Casa da Misericórdia çla
Bahia, 1550-1755
:/DÁLGOS E F/Z.Á/VTROPOS é um abrangente es.
ido da evolução das Casas de Misericórdia portu
uesas, fraternidades leigas que, como parte das
lstituições administrativas do império português
ntendiam-se, no início do século XVll, de Nagasa
i a Salvador, como já acontecia em toda cidade e
arejo de Portugal. O presente volume é também
ma apreciação da história da sociedade e da eco-
omia da cidade de Salvador, então capital da Amé-
ica portuguesa. Analisando o período entre 1549
1763, A. J. R. Russell-Wood proporciona informa
ões notáveis sobre uma série de questões, como
posição da mulher na colónia, a saúde pública e
auxilio aos presidiários. entre outras. sempre
Tt9 brt [Ó NJ\,AJU l L./ OU \v
Este livro ou parte dele
não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita do Editor.
Impresso no Brasa
Editora Universidade de Brasília
Campus Universitário - Asa Norte
709] 0 Brasília -- Distrito Federa
Published in the United Kingdom by
The Macmillan Press under the title
Fidalgos alta Phitantropists
(Ê) A. J. R. Russell-Wood 1968
Direitos exclusivos de edição em língua portugue!
Editora Universidade de Brasília
SUMÁRIO
Reüisào gr(Â$tca:
Mõnica Femandes Guimarães e
José Raimundo Reis da Sirva
Prefácio
Agradecimentos
Abreviações e ortografia
1 . A Santa Casa da Misericórdia emPortuga]
As Santas Casas da Misericórdia na Ásia, Ãfrica e Brasil
A Cidades do Salvador,: 1 549-1 763
A Santa Casa da Misericórdia da Bahia
a. A Fundação
b. O Primeiro Século, 1550-1650
A Administração da Caüdade
Classe, Credo e Cor na Administração
A Caridade na Bania
a) A Personalidade da Caridade
b) O Impulso Caritativo
8. Dotes
9. Funerais
10. Justiça e Caridade
1 1 . . 0 Hospital de São Cristovão
1 2. A Roda dos Expostos
3. O Recolhimento do Santo Nome de Jesus
14. Conclusão
V
lx
XI
Amando Machado Camargo Filho
35
63
63
67
.75
89
19
€i'
3.
4.
Tipo (
Adql
D
Pr
Ro
5.
6
7. 111
111
121
-1'33
153
.185
205
233
253
267
/ 11} 1) 'í'
Q . 3. 7?' FICHA CATALOGRÁFICA
elaborada pela Biblioteca Central da UnB
Russell-Wood. A. J. R.. 1939--
Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da
Bahia, 1550-1755. Trad. de Sérgio Duarte. Brasília. Editora
Universidade de Brasília. 1981.
383 P. ilust. (Coleção Temas Brasileiros, 20)
APÊND ICES
a. Monarcas de Portugal e do Brasil, .1500-1760
b. Vice-Reis e Governadores-Gerais do Brasil na Bahía. 1 549-1 760
Provedores da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1 560-1755
a. Moeda em circulação no Brasi1, 1550-175.0
i. 1550-1640
291
291
295
299
299
1667) e Regência
299.
300
301
303
Título original
Casa da Misericórd
Fidalgos and Philanthropists: thi
of Bacia, 1550-1755.
Santa
981 .4:
t
serie
ii. Reinados de D. Jogo IV (1640-1656), D. Affonso VI (1656
de D. Pedra (1667-1683)
iii. Reinado de D. Pedro ll ( 1683-1 706)
iv. Reinado de D. Jogo V (1706-1750)
b. O preço da mao-de-obra, 1680-175Q
R968F Soda l(azuko Sakai -- nov. 81
Vlll FIDALGO E FILANTROPOS SUMÁRIO X
4. Pesos e medidas
i. Pesos
ü. Medidas de capacidade (secas)
iÜ. Medidas de capacidade(líquidas)
iv. Medidas de comprimento
Glossário
305
305
305
305
306
307
31 1
331
QUADROS
1. Admissão de irmãos àMisericórdia da Bahia, 1665-1755 . . . . . . . 98
11. Legados à Misericórdia para a celebração de missas ou para fins de caridade, 1600-1750 128
111. Legados àMisericórdiapara gins de caridade, 1600-1750 . . . . . . . . . . . . . . . . ]29
Bibliografia
Ihdice de Ihdice Remissivo
ILUSTRAÇÕES
Compromisso de 1 516 da Misericórdia de Lisboa
Reproduzido na ]Ds/ó/ü dePorüga/, (Barcelos, 1928-37) ed.
Damiãó Peles
Vista da Bahia em 1714
Reproduzida de Amédée Françoís Frézier, -Reü/ío/z dlz }''oyage
de áz J/m du .S d (Paó, 1716)
Um ex-poro do Século XVlll
Quadro da Igreja de Mont'Serrat, Balia
Jogo de Mattos de Aguçar
Quadro da Misericórdia da Bahia
Ffancisco Fernandes do Sim
Quadro da Misericórida da Bahia
A Misericórdia da Bahia participando da Procissão de. Quinta-Feira Santa
Azulejos da Igreja da Irmandade na Bahia
A ''Procissão dos Ossos
Azulejos da Igreja da Misericórdia na Bahia
Cortejo fúnebre de um imtão da Misericórdia
Azulejos da Igreja da Imlandade na Bahia
Castigo de um negro na Feira de Santana
Reproduzido de Jogo Mauricio Rugendas, I''agem Plforesca
.4awés du Bmsír(5a ed., São Paulo, 1954)
Uma Roda de enjeitados
Convento de Sta. Clara do Desterro, Bahia
A Santa Casa da Misericórdia da Bahia em 1 958
Reproduzido de Carlos Ott, ,4 Sa/zza Casa deJWiserz'córdü (ü Cidade
de Salvador(Rio de Janeiro, 1960)
158
160
161
162
163
163
164
164
165
165
MAPAS
Santas Casas da Misericórdia fundadas antes de 1750
O Recôncavo Baiano
A América Portuguesa em 1 750
24
33
57
PREFÁCIO
AS DESCO BERTAS feitas pelos navegadores que serviam às bandeiras dos reinos ibé
ricos nos séculos XV e XVI tiveram fortíssimo impacto na Europa Ocidental. Elas ha-
viam resultado não de uma Europa Ociderúal dinâmica, sequiosa de expansão territori.
al, mas de uma Europa introvertida que apenas começava a emergir de dois dolorosos séculos
de transição social e económica e de declínio territorial. Os bastiões periféricos do Cristia-
nismo jí haviam desaparecido no final do século Xlll.. O século XIV vira a derrubada da
cavalaria andante, e dos ideais que ela representava, por uma infantaria de peões e ple-
bleus. Os senhores feudais haviam. perdido a primazia para os especuladores e nln?ncistas,
e estes, por seu turno, se haviam arruinado antes que o século chegasse ao âim.. As cidades
que haviam sido os empórios comerciais da Europa durante os séculos XI, Xll e Xlll per
deram a importância devido à queda no comércio no final do século XIV e no início do
século XV. O descontentamento agrário se alastrada pela Europa. Em 1347 e nos anos
subsequentes a Europa inteira, do Peloponeso a Galway, fora dizimada pela Peste Negra
A chamada ''Expansão'' deve ser apreciadacontra esse pano de fundo sombrio de uma de
pressão geral da Europa Ocidental
Portugal é Castelã haviam liderado essa nova era dos descobrimentos. Sob o patrocí
nio um tanto ml'taco do Príncipe Henlique, o Navegador(1394-1460), os comandantes
portugueses haviam descido gradualmente as costas da Africa. Em 1488, Bartolomeu Dias
dobrou o Cabo da Boa Esperança. Em 1492, as descobertas do genovês CristovãoColam
bo a serviço de Castelã abriam o novo mundo das Américas. Em 1498, Vasto da Gama
chegavaaCalicut. Em 1500, Pedro Alvares Cabral descobria o Brasil. A partir dessas
tentativas e algumas descobertas acidentais, Espinha.e Portugal conwguiram o monopó
lio virtual das Américas e grande parte dos lucros a serem auferidos no comércio entre a
Agia e a Eiiropa e dentro da própria Agia-cSomente após 1600 a supremacia ibérica na
América e na Afia seria desafiada pelos holandeses, ingleses. e franceses
É por demais fácil reduzir a participação portuguesa nessa expansão comercial da
Europa a um calendário de 'datas e desembarques, combates navais, batalhas e conquistas
de cidades. Frequentemente ela é considerada como a história da Espada e da Cruz: cruel-
dade contra os povos indígenas, pirataria, incêndios criminosos, .ofensivas i4ustiâicadas
contra potentados locais e completo desprezo pelos costumes sociais e religiosos prevale
centes; de zelo missionário, abarcando o mundo do Japão ao Brasil, com os padres jesuítas
fornecendo o contrapeso espiritual ao copioso derramamento de sangue da conquista. Os
cronistas portugueses dos séculos XV e XVI se ocuparam desses dois aspectos. O exemplo
foi seguido por escritores modemos da história convencional, que censuram a alegada
crueldade de Afonso de Albuquerque ou tecem loas às realizações de S. FranciscQ Xavier
ou Padre José de Anchieta. O fator vital dessa grande epopéia -- os próprios liõrtugueses
tem sido em grande parte ignorado. Dessas ctõnicas oleitor muito aprenderá sobre os vice-
reis, govemadores, marechais, almirantes, santos e bispos do império português de ultra-
mar. Mas não terá podido penetrar nos costumes do soldado comum, dos marinheiros,
mercadores, advogados, pequenos proprietários, padres e artesãos que formaram pequenos
enclaves de portugueses por toda a África, Agia e Brasil.
xlv FIDALGO E FILANTROPOS
PREFÁCIO
XVI FIDALGO E FILANTROPOS
Bahia publicou suas alas no período 1 625-1 700. e algumas das cartas enviadas à Coroa no
âmd do século XVII. Entre outras fontes utilizadas, jí impressas, estão os escritos dos pri-
meiros jesuítas e as histórias contemporâneas de Gabriel Soarem de cousa, ltreí Vigente
do Salvador e Sebastião da Rocha Pitta. No caso da Bahia tivemos a felicidade de contar
com as coloridas, e geralmente precisas descrições da cidade feitas por visitantes europeus
taiscomoFroger,DampiereFrézier. . . . . .
Enquanto escrevia este livro, percebi com apreensão que resvalava .dos caminhos far-
da História para as trilhas mais estreitas de disciplinas como a medicina a sociologia a
contêm muita coisa interessante para os especialistas naquelas matérias: taxas de mortali-
dade, doenças prevalecentes, imigração, miscigenação, genealogas, escravidão, demografia
e a história económica da Bahia. Era importante fazer referênga .a essas questões e fomlu.
lar hipóteses. Somente no campo da arte não me aveííturei, poisjá recebeu tratamento ex-
celente e exaustivo nas monografias do Dr. Carlos Ott
A Misericórdia foi uma das inúmeras imlandades da Bahia colonial. Tais instituições
variavam desde as elites brancas da Misericórdia e das Ordens Terceiras até as irmandades
dos escravos, consagradas a São Benedito e a Nossa Senhora do Rosário. Seus membros
constituíam um largo espectro da sociedade baiana. Não se pode escrever uma história
social deâmitiva do Brasil enquanto os arquivos dessas imtandades não forem examinados.
O primeiro passo é sobrepujar a forte "falta de confiança", ou suspeita, que os guardiões
desses arquivos sentem em relação aos pesquisadores históricos (às vezes justificadamente)
escrever uma história wcial do Brasil verdadeiramente representativa
Este livro não se destina a nenhuma classe de leitores em particular. Os estudantes
da história colonial encontrarão sem dúvida aspectos interessantes, e estabelecerão com
parações que terão escapado ao autor. Os especialistas nas material acima mencionadas
encontrarão informações sobre assuntos de seus campos de estudo, tratadas aqui de uma
! n lil
rumos das caravelas 'por estes "mares nunca d'antes navegados" (nas palavras do poeta
português Luís de Camões) .4..r.R. Russell IVaod
AGRADECIMENTOS
Llangoed
Beaumaris
Ilha de Anglesey
Outubro de 1967
XVlll ?IDALGO E FILANTROPOS
Cooper, S.J., e o Dr. D.A.G. Waddell deram-me a pista das referências "'-) Japão e Novo
México, respectivamente. A Senhorita Gisela Mana da Concepção foi uma fonte impres-
cindível de intórmações sobre o Macau. O professor Raymund Cair fez valiosas suges-
tões na fase de edição. Ao agradecer a essas pessoas por :ua buda e estímulo, devo es
clarecer que elas não são de forra alguma responsáveis pelas opiniões expressas neste li
vro, nem por quaisquer erros de fato ou de interpretação que ele possa conter.
As Senhoritas Georgina Best e Rosemary Hunt colocaram sua habilidade técnica a
minha disposição, a primeira datilografando o manuscrito e a segunda .J-. .. . .+=
dedicando muitas
horas ao desenho dos mapas. Minha dívida inalar é para com meus pais, que reviram meti-
culosamente o manuscrito e fizeram muitas sugestõesv.aliosas para melhora-lo. Este livro é
dedicado a eles.
ABREVIAçõES E ORTOGRAFIA
Nas referências aos arquivos consultados, foram usadas as seguintes abreviações
nas notas de rodapé
Á./R. R- W. [, Balda.
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA EM PORTUGAL
A l R M AN DADE de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Mana da Misericórdia, foi sonsa.
grada no dia 1 5 de agosto de 1498 em uma capela da catedral de Lisboa. Segundo a tradição
o$ ftlndadores foram um grupo de leigos e um frade trinitárío. A nova irmandade foi aprova-
da pela Regente D. Leonor e conâlrmada por seu imlão, o Rei D. Manuel 1. Estabelece
ram-se os estatutos e o número inicial de membros foi limitado a cinquenta nobres e cin-
qüenta plebeus. O objetivo expresso da imlandade era proporcionar auxílio espiritual e
matêria] aos necessitados. Dessa origem modesta a umandade, conhecida popularmente
como a Santa Casa da Misericórd@ ou simplesmente a Santa Casa, espalhou-se por todo o
mundo de fala portuguesa. As filiais iam desde Nagasaki,no Japão, a Ouro Preto, no ante
dor do Brasil. A história da Misericórdia wmente é .compreensível a partir do pano de fun'
do da história mais antiga da assistência caritativa na Europa
A pobreza resulta de muitos fatores enter-relacionados, tanto físicos quanto econõmi.
cos e sociais. A Idade Média na Europa foi um período de sacrifício físico para as classes
mais baixas. A fome era freqÍiente, devido às reservas inadequadas de alimentos. Uma
economia agrá.ria previa as comunidades a nível de subsistência. O malogro de uma molhei.
ta signinlcava a fome. As comunicações e o transporte deHlcientes tornavam impossível a
circulação de alimentos de uma área para outra. Os assalariados marginais nâb dispunham
de recursos financeiros para resistir a dificuldades físicas. A pobreza cíclica resultante de
um único desastre frequentemente se convertia em pobreza endémica. A desnutrição e as
condições adversas tornavam as comunidades presas fáceis do outro'flagelo da Idade Mé
dia -- a peste. Apesar da grande mortalidade decorrente da fome e da peste, houve um
aumento da população da Europa Ocidental entre os séculos X e XIV. Isso causou outros
problemas. O aumento da força de trabalho não signiflicava aumento de produtividade
Na verdade, ocorreíl o oposto, e em algumas áreas o rompimento do equilíbrio ecológic-
o resultou em empobrecimentoi
As mudanças económicas e nciais nos séculos Xll e Xlll desmantelaram a vida das
classes mais baixas. O declínic} gradual do feudalismo a partir do final'do século Xll con-
1. G. Duby, lz mcieré aux X7e ef X77e síécles.dias Za reXlón máconnafse (Paria, 1953). p. 64. Para um
tudo geral da relação entre aumento de população c produtividade, ver Daüd Herlihy, ''The Agia
an Revolution in Southcrn France and ltaly, 801-1 150'',óz Skecdum,vo1. 33 pp.2341 ,que modifi
ca o (quadro supcrotimista dado por H. Pirenne ,.õ/edzepa/ Cffles. 77zefr orígins anc/ f/zerevira/ o.frrade
(Princcton , 1946), p. 81
2 FIDALGOS E FILANTROPOS A SANTA CASA DA bllSERICÓRDIA E\l PORTIJ(;AL 3
feriu maiores ónus ao indivíduo. Embora o sistema senhorial tivesse resultado em grande
exploração, por outro lado proporcionava ao servo certo grau de proteção. O declínio do
feudalismo foi acelerado pela crescente importância das cidades e pelo desenvolvimento
do comércio internacional. Veneza era a cidade mais rica da Europa no século XI devido a
suas ligações comerciais com Constantinopla. O capital auferido com o comércio foi inves-
tido em indústrias leves, como a tecelagem e a produção de aios. Essa atitude profissional
em relação à indústria acabou com as artes caseiras nas áreas rurais. A migração para as ci
dades resultou em mão-de-obra altamente . competitiva e forçou os salários para baixo, ao
mínimo. Pela primeira vez, a Europa enfrentou o problema da pobreza urbana
Formaraíh-se sociedades para proteger os interesses dos artesãos e para proporcionar
auxílio social. Desde o início deve-se fazer a distinção entre os gmpos artesãos, que se
multiplicaram nos séculos Xll' e Xlll, e as confrarias, cuja função primordial era propor
clonar assistência mútua. Os primeiros -- conhecidos por vários nomes como./urss, sczzo/e
.ou Zii/z./}e -- objetivavam proteger os interesses de determinado grupo. A observância reli-
giosa era característica importante dessas corporações. Os membros eram obrigados a
assistir missa na igreja da corporação e a comparecer aos festejos anuais em honra do
santo padroeiro. Os serviços nciais para os membros e seus dêpendêntes tomavam a forma
de doações ou esmolas propriamente ditas. Algumas corporaçoes chegavam a manter seus
próprios hospitais '.
As confrarias também tinham como característica aobservância religiosa. Ao contrário
das corporações, seus membros não provinham apenas de determinada classe social. Eram
compostas por homens e mulheres leigos que desejavam realizar obras de caridade cristã
para com seu próximo. A administração ficava com umajunta governativa cujo mandato
expirava depois de um ano. A junta atribuíadeveres aos membros, que executavam diver-
sos serviços de caridade num sistema rotativo. Comum a todas essas irmandades era a pro-
visão do bemestar social dos imlãos e de suas famílias. Essa provisão consistia de dotes,
esmolas, auxílio-encarceramento, tratamento hospitalar e funeral: Em algumas imlanda-
des predominava determinado aspecto: por exemplo, a Confraria de São Leonardo em Vi-
terbo, famosa por seu hospital no século Xll, e a Confraria de S. Giovanni Decollato de
Florença, do século XV, especializavam-se no acompanhamento dos condenados à forca e
no enterro subscqílente de seus corpos3
Em nenhum lugar as imlandades fundadas para fins caritativos se multiplicaram tão
profusamente quanto na ltália do norte e central. Em Veneza, Melão e Florença essas
sociedades se contavam por centenas. Todas as classes sociais foram contagiadas pelas
doutrinas estóicas de São Francisco e São Domingos. Alguns leigos, homens e molhe
res. escolheram a essência espiritual da renúncia e formaram grupos seculares de imtãos
terceiros, aliados a ordens mendicantes. Outros procuraram vocações mais mundanas e
estabeleceram irmandades específicas para auxiliar os pobres urbanos. As circunstâncias
relativas à fundação de uma das irmandades mais antigas de Florença, a Confraria de Nos-
sa Senhora da Misericórdia (Confraternità di Santa Mana della Misericórdia) ilustram a ma
negra pela qual as preocupações sociais eram percebidas por todas as classes, e contribuíram
para nosso conhecimento da fundação de sua homónima em Lisboa
No século Xlll, Florença era falfiosa por suas manufaturas de la; duas vezes por ano
realizava-se uma feira comercial. Nessas ocasiões, empregava-se grande número de carrega-
dores, que passavam seus momentos de lazer num porão do lado sul da atual Piazza Del
Duomo. Em 1244, um certo Piero Borsi, escandalizado pelas blasfémias desses indivíduos,
instituiu uma caixa de multa por.palavrões, para a qual todos os contraventores contei
buíam com uma cruza (cerca de meio pe/zny). As multas foram usadas para a compra e
manutenção de seis macas, guardadas em diferentes partes da cidade, para transporte
de doentes para o hospital e remoção dos corpos de vítimas de morte súbita nas ruas. Essa
foi a origem da Confraternità di Santa Mana della Misericõrdia4
A irmandade cresceu em prestígio e riqueza. Construiu-se um oratório particular no
terreno sobre o porão, doado à Misericórdia pelo governador em 1 248, em reconhecimen.
to pelos valiosos serviços à comunidade. As atividades humanitárias dos irmãos na grande
peste de 1325, na qual moreram cerca de 100.000 florentinos, trouxe grande prestígio à
Misericórdia. Aumentou-se o número de irmãos, originalmente limitado a setenta e dois
carregadores. Pela primeira vez, também, foram admitidos nobres, com o pagamento da
subscrição nomtal. As únicas condições eram pertencer à fé católica e ter boa reputação.
Com o aumento do número de membros, a Misericórdia pôde expandir seus serviços soci-
ais. Sete grupos, cada qual de quinze irmãos, visitavam duas vezes por dia cada parte da
cidade para cuidar dos necessitados. Houve também o aumento do corpo dirigente para
setenta' e dois membros, conhecidos como "Capa di Guardiã''. Eram escolhidos dentre di-
ferentes extratos sociais: dez prelados, quatorze nobres, vinte padres e vinte e oito traba-
lhadores. Todos os membros tinham igual poder de voto. O corpo dirigente elegia um
'Proveditõre'' que desempenhava as funções de Presidente durante quatro meses. Seus
auxiliares eram um Vice-Presidente e um Chanceler
O sucesso da Misericórdia despertou ciúmes em outras imtandades. Em 1425 , quando
a Misericórdia estava no apogeu, Cosimo di Media, voz poderosa em Florença e membro
da junta diretora da "Compagnia Maggiore di Santa Mana del Bigallo", sugeriu a união
dessa imtandade em dificuldades com a próspera Misericórdia. A união se realizou apesar
dos protestos da Misericórdia. Seus resultados foram altamente prejudiciais à Misericór-
dia, que sofreu perda de prestígio e teve de reduzir suas atividades caritativas devido à
falta de cooperação com a sócia indesejada. Somente em 1475,depois que um cadáver
permaneceu na rua durante diversas horas, foi que as autoridades municipais'tomaram
medidas para reviviõicar a Misericórdia. O papel relevante desempenhado pela irmandade
4. A descrição sumária que estamos fazendo se baseia em Plácido Landini, /sforü de//'Ora/orla e de/Za
lretterabile Arciconfraternitâ di Santa Mana delta Misericórdia della città di Firenze (F\avença, 1. 84 3)
em Mana Zucchi,''A Miscricordia de Florença'' fn The 'Z)uó/in Repfew, no 229 (1894) vo1. 114,
PP. 33345
2. Um estudo desses grupos artesãos na Franca sc CRI
poratbrts de métiers depois }eurs originem jusqu'à tc
ipecialmente pp. 1 7 1 4 sobre assistência mútua.
ttra em E. Martin Saint-Léon. .f/fsrofre des cor-
supressío/z en / 79/ (4' edição, Paras, 1941):
3 'Um estudo completo das irmandades italianas sc enc-
ha/í de// :4/ra e ]l/edü /fa/ü (2 volt., Veneza, 1927), espe
ttra em C
tlmentc
M . Menti, Ze conJlurei
11. 1, capítulos 4-7.
FIDALGOS E FILANTROPOS A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA EX{ PORTUGAL
durante a praga de 1494 restabeleceu âimtemente sua reputação.
A necessidade de assistência social, que dera origem à fundação de irmandades de ca-
ridade na ltália durante os séculos XI, Xll e Xlll, não'era menos presente em Portueal.
Também ali a reação positiva não foi menor, embora houvesse em geral menos recurs(n fi-
nanceiros disponíveis para a caridade do que nos empórios comerciais da ltália. As neces-
sidades podem ser resumidas na trilogia da praga, fome e guerra. A estas se podem adició-
nw o despovoamento agrário como resultado da expansão ultramarina no século XVI.
d$GHqÜ gBãURi:lã l
dos mortos se tomou um problema físico. A triste história se repetiu em ]333 ; nem os en-
"Partimos dos paços do Conde e cavalgamos por onde havia grande mortalidade devida
à praga,ta] comojamais allles eu vira. Atravessamos um mercado, ou vila. inteiramente
quanto cavala.vamos, nada vimos a não ser céu, água e urzes'z". --'-' ''õ"-v-,
Nas cidades, a situação era igualmente grave. A praga tomou conta de Lisboa de 1477
a 1479, apesar das medidas sanitárias determinadas por D.Jogo llo .'Contribuiu também o
:;:u :ful !::t;S* . li iilRÜil
boã, Almeirim, Sintra e Evora, na tentativa de escapar dos surtos de peste
A peste e a fome eram companheiros constantes. Portugal sofreu pelo menos cinco
períodos de fome durante seus primeiros quatro séculos como nação. A fome mais an
toga registrada data de 1122 e se estendeu do Minho ao Teço, terras que pouco antes
haviam sido conquistadas aos Mouros'" Um surto, em 1202, .abrangeu toda a Europa
ocidental e foi especialmente severo em Portugal, matando homens e anünais. Os anos de
1267, 1333 e 1356 foram anos de fome, freqüentemente ligada à peste. Os surtos locais
de fome não podiam ser combatidos facilmente, devido em grande parte ao excessivo nú-
mero de privilégios concedidos a municilialidades, vilas, castelos, igrejas e proprietários
. particulares de pontes e estudas, para cobrar taxas escorchantes sobre todo alimento que
por elas passasse, na área de sua jurisdição. Muitas municipalidades impunham leis sun.
tuárias e recusavam-se a permitir a exportação de alimentos ou a importação, proveniente
de outras regiões, de qualquer alimento produzido localmente. A dificuldade de encon-
trar transporte adequado também tornava virtualmente impossível às regiões prósperas
enviar auxílio aos vizinhos colhidos pela fome'
A essas vicissitudes naturais devem-se acrescentar os efeitos devastadores da guer
ra, fator constante na vida portuguesa do século Xll ao XIV. A agricultura desmantelavai
se e as vilas eram destruídas. A reconquista de Portugal durou um século, até que o terri-
tório nacional ficou finalmente consolidado com a conquista do Algarve em 1249. Os
reinados de D.Diniz(1 279-1325),D. Affonso IV (1325-57)eD.Jogo 11(148 1-95) foram peí'
turbados por guerras civis. Castelã era uma ameaça constante até que a batalha de Aljubar-
rota (1385) terminou com as pretensões de Juan l ao trono português. Fernão Lopes, o
cronista do sítio de Lisboa pelas tropas de Caste14 em abril de 1384, mostra as misérias
da guerra para o homem comum, acompanhadas pelo abandono da agricultura e os horro-
res da peste e da fome. Descreveu o êxodo de camponeses para Lisboa, pais com os fi
lhos ao colo e todos os seus. haveres em uma mula. Esse influxo súbito resultou em escas-
sez crónica de comida e água, apesar dos grandes fornecimentos de Jogo de Aviz. Todos
os incapazes de auxiliar a defesa da cidade foram expulsos, mê$ mesmo essa providência
não evitou os preços exorbitantes da comida e do vinho. Muitos recorreram ao lixo e
às raízes de plantas. Da fome â peste o caminho foi curto. Ironicamente. o exército de
Castelã sucumbiu primeiro ao flagelo. Em março de 1384, ao deixar'Santarém,Juan fora
aconselhado a não sitiar Lisboa devido â peste em suas cheiras. As condições de vida es-
tática e aglomeradanos acampamentos em tomo dos muros de Lisboa agravaram a situa,
ção: até que a morte diária de cerca de 200 soldados finalmente obrigou Juan a retirar-
Além das pestes de origem continental, havia .as que provinham das campanhas afn
canas. A primeira ofensiva ultramarina portuguesa contra Ceuta em 1415 resultou na
10: Henriquê da Gama Barcos, .P7hrd?ía da admf/tfs/xuçáó púb/fca em Por/ugu/ nos séczz/os X77 a .rl''
(l l vols., 24 edição, Lisboa, 1945-54), vo1. 5, p . 125
l.Henrique da Gama Baços, op. cit., vo1. 5, p . 130.
12.Fernão Lopes, Ci-ónlca de Z). Joáó .r (2 vais., Porto, 1945-9), vol. 1, capa. LXX, LXXXVI,
CXXXVI, CXLVlll e CXLIX
W
F. da Silva Correia fornece uma lista completa dos surtos flz Porrüga/ saniróHo, (Lisboa, 1937), capí-
$
6 FIDALGOS E FILANTROPOS A SANTA CASA DA ÀllSERICÓRDIA EM PORTUGAL
transmissão da peste ao Algarve pelos soldados que retomavam. O cronista do século XV
Zurara, referiu-se brevemente a esse aspecto negativo da conquista e relacionou os nomes
dos nobres mortos de pestes ? Mais tarde, especialmente após 1 500, as conquistas ultrama-
rinas perturbariam o equilíbrio ecológico das zonas rurais de Portugal. No início, elas for
neceraú uma válvula de escape para a superpopulação rural, mas a migração excessiva de
camponeses para Lisboa e ao ultramar finalmente acarretou o despovoamento de vistas
áreas do norte de Portugal. O personagem ridículo do ''ratinho'', ou vagabundo da roça
das peças de Gil Vigente, caracterizava as esperanças de rápido progresso social que indu-
ziam os jovens camponeses a ir para Lisboa e forneciam marinheiros improvisados pna as
caravelas da carreira da Índia
A filantropia social em Portugal, em sua forma mais primitiva, se originara nas
a/bePlgarãzs, ou hospedarias, situadas nas rotas dos peregrinos já no século XI. Os santu
brios locais eram comuns no Douro e no Minho e o culto a S. Jaime levava peregrinos de
toda a Europa a Santiago de Compostela14 . Estabeleceram-se hospedarias fundadas pela
Coroa ou nos mosteiros, ou simplesmente por indivíduos em busca de ganhos comer
dais. Essencialmente, essas hospedarias ofereciam abrigo aos peregrinos, mas em cer
tos casos havia disposiçoes especiais.para os pobres e até mesmo um serviço médico
rudimentar. Na verdade, algumas delas mais tarde se transfomtaram em hospitais. A
famosa "Albergaria dos Mirléus'', em Coimbrã: transformou-se em leprosário, e uma pes-
quisa de D. Diniz em 1321 revelou que a hospedaria de Pampiihosa albergava nove le-
prosos'' . A palavra "hospital'' era usada frequentemente como sinónimo de ''albergaria
mas nem sempre significava assistência médica, pois o grau de filantropia social variava
de uma hospedaria para a outra
A margem de diferenciação entre os diversos tipos de hospedarias não é clara, mas
a breve descrição seguinte indicará sua forma e funções. As hospedarias forneciam teto
e cama por três dias e pequena ração de comida e água. Nas maiores havia alojamentos
especiais para a nobreza. Nas hospedarias pequenas e isoladas da Beira Alta e do Alto
Doura, que faziam soar sinos para guiar os viajantes cansados através das montanhas
as acomodações se resumiam a um colchão de palha e um cobertor pesado. .A maioria
desses albergues estava situada ao longo das antigas estudas romanas entre Lisboa.
Cóimbra, Porto e Braga, com grande concentração na região montanhosa do Minho e
Alto Doura. Ao sul de Lisboa havia apenas 27 hospedarias, das quais a metade no
distrito de Evora, de um total geral para todo o país calculado em 186ió. Nem todos
esses albergues se localizavam sobre as estudas principais ou secundárias. Duas
das mais famosas eram a "Albergaria de Payo Delgado" em Lisboa e a "Albergaria de
Roncamador" no Porto, ambas datando do século XII. Uma reconstrução desta última de
monstra a natureza ambivalente de tais estabelecimentos. Anexo à hospedaria principal ha
L5.Comes E.ares de Zwua, Crónica da tomada de Chuta por E!-Rei D. Jogo l (Lisboa, 1915),
/z4 Para uma descrição /}/ d;lias p?reÊrmaço5s ver Mano Mastins, s. J., Pere8rfrzações e /ívros de
15 ..f7ísrória de Porftzga/. Edíçób J4onumentu/ (8 volt., Barcelos, 1 928-37, ed. por Damião Peles), vo1. 4.
1 6. F da Silvo Correia Estudos sóóre a Hísfó/ü da ,4ssfsré?leia. pp. 406-20 e Figura 76 ] 6.
11P
Pg
via um hospital com dezoito leitos para os pobres e cinco quartos particulares para .'cava-
lheiros distintos''. Também havia cozinha, pomar, uma capela privada e um cemitério''
Embora apenas uma hospedaria em cada quatro picasse em cidades, mais da metade dos
2 ll hospitais ficavam nas cidades de Lig)oa, Porto, Guimarães, Coimbrã, Evora e Santa-
rém. Somente Lisboa contava com .Perca de . cinquenta hospitais para seus cidadãos e
viajantes estrangeiros, muitos dos quais ligados. a hospedarias.
Aliados ao complexo hospedaria-hospital estavam os leprosários, sobre os quais exis-
tem maiores infonnações por estarem sob jurisdição real ou municipal.As invasões mç)u-riscas e o retomo a Portugal dos cruzados contaminados provocaram um aumento da lepra
nos séculos XI e XII. Como era considerada incurável, as autoridades não procuravam pro-
porcionar cuidados médicos. O indivíduo podia optar pela busca de alívio nos banhos sul-
furosos, dentre os quais os de LaMoes eram os mais famosos. Também não havia leis que
proibissem o.s leprosos de circular livremente nas cidades e nas estudas. O número de le-
prosarios em Portugal foi calculado em setenta e cinco, estimativa modesta se se considera
a prevalência dessa moléstia nos séculos Xll e Xlllt 8
Quanto à administração, os leprosários se dividiam em três grupos. Primeiro, os que
estavam sob jurisdição real, cujo diretor era nomeado pela Coroa. Assim era o leprosário
de S. Lázaro em Coimbrã, cujo primeiro diretor foi nomeado por D. Diniz e que recebeu
numerosos privilégios de outras reis. Em segundo lugar vinham os leprosários sob a juris-
dição de conselhos municipais, como o de S. Lázaro de Lisboa. Um terceiro grupo era
fiações para sua construção. Um dos leprosáíios mais antigos de Portugal era desse tipo,
havendo sido fundado em Santarém provavelmente no tempo de D. Affonso Henriques
Os estatutos mais antigos em vigor datam de 1217 e foram organizados pelos leprosos,
que elegiam seu próprio diretor e o corpo dq guardiães. A Coroa estimulava tais iniciati
vas mediante concessões de terras afastadas dos limites municipais para prevenir o nsco
de contágtoi 9 . A comunidade de leprosos típica consistia em uma capela e cerca de seis
ou sete casas para os leprosos, dentro de um pátio murado. Era auto-suficiente, êom hor-
ta e pomar, e dependia de esmolas para o sustento financeiro. Nos estabelecimentos
maiores, havia um zelador residente, porões, fogão de lenha, prensa de vinho ou de azei
te e dispensário. Uma colónia de .leprosos de Coimbrã, em 1452, possuía até mesmo pri'
são! As. regras para admissão em tais colónias eram rígidas. Ao entrar, o indivíduo con-
tribuía com uma~parcela de suas posses para a comunidade e somente podia sair com au
torização do zelador, que só era dada pata esmolar óu peregrinar. Em geral as casas de le-
prosos recebiam pessoas de ambos os sexos, casados ou solteüos, mas impunham pesadas
penas por concubinato. Os leprosos recebiam uma ração diária de comida e vinho, com
distribuições especiais nos dias santificados e festivais religiosos. Os leprosos cuidavaih
zelosamente de seus privilégios, examinando todos os pedidos de admissão para assegu-
. 7 . Magalhães Basta, #fs/ária da Sa?zra (:bsa da 4/fserícórdü do .lbrfa , (Porto, 1934),.pg. 327. 17
1 8. F.da Silvo Correia, .8sftzdos sobre a Hísrória da .4ssisré/zcü, plr. 43542
19. Damião Peles, op. cíf. , vo1. 4, pp. 548-56.
FIDALGOS E' FILANTR OPAS
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA Eb{ PORTUGAL 9
exaltaram sua caridade e humildade cristãs, apesar das críticas da Corte contra elaaa
D. Leonor era mais prática, e fundou um hospital em Caldas em 1485. Uma equipe mé-
dica residente composta de médico, cirurgião, "barbeiro"(para as sangrias), fannacêuti-
co e enfemleiras cuidava de cem doentes. Essa fundação foi o primeiro passo em direção
à reforma das condições hospitalares em Portugal
A caridade para com os necessitados e enfermos por parte dos leigos não estava limo.
tada à realeza. Como em outros países europeus, fomtaram-se grupos de leigos para a as
sistência social e ações de caridade. Mais uMa vez deve:se diferençar as associações de
natureza profissional e as imtandades leigas. Alguns historiadores consideram que as
associações profissionais apresentam duas faces: a civil, que consiste em interesses econõ
micos e na proteção desses interesses, e a religiosa,que corresponde à ;imlandade23 . Essa in-
terpretação é demasiadamente estreita e pressupõe uma conexão entre a associação e a
irmandade que de fato não existia. O historiador português MarceUo Caetan(i deu duas
definições para as associações de artesãos: primeiro, ''um agrupamento dos que exercem
o mesmo ofício'' e segundo "uma corporação, formada de mais de uma proâissãom . em-
bora isso fosse verdadeiro em relação a grupos de artesãos, tais uniões teriam sido ex-
tremamente raras entre as imtandades, orgulhosas de sua independência. A distinção
entre as associações e as irmandades é clara a partir de seus estatutos. As associações de
artesãos seguiam um "regimento'', ou corpo de nomias, aprovado pelo conselho munici-
pal ou pela Coroa, enquanto que as innandades tinham a flexibilidade de um ''compre»
misso'', ou estatuto, baseado na confiança mútua
As atividades caritativas das associações se limitavam a seus próprios membros. Mui-
tas tinham seus próprios hospitais, como o dos carpinteiros da Ribeira de Lisboa, o dõs
sapateiros de Torres Vedras e o dos tecelões de Leiria2s . Quanto às irmandades, sua pre-
sença em Portuga] desde data muito antiga é tão indubitável quanto não documentada
Uma breve consideração das funções de duas antigas imtandades fornecerá o contexto
histórico da filantropia social no qual se deve examinar a Misericórdia.
A "Confraria dos Homens Bons" foi fundada em Beja em 1297 e autorizada por
D. Diniz na condição de que sua riqueza e propriedades pemlanecesse em mãos leigas
Essencialmente aristocrática, lembra osl Zii/tffe gemiânicos para defesa mútua em bata-.
Iha. Os estatutos dispunham sobre a substituição de cavalos mortos na guerra, assistência
mútua para os imtãos a serüço do rei, e ordenava que a quinta parte dos botins fosse doa
da aos cofres comunais. Se tais cláusulas não são típicas das imiandades portuguesas, as
que tratavam de assistência médica, auxílio financeiro e celebração de missas eram comuns
22. Para um estudo das ordens monásticas e militares e a ação social do clero .em Portugal,ver Fortuna-
to de A[meida, .f#sfórü (ü ]kre@ em Portuga/ (4 vo]s., Coimbm, 1910-24), vo]. ], pp. 264-340 e pp
541-9;vol.ll,pp. 103-85 epp.43943,vo1.111(2êparte),pp.467-88. '' ''
23. Paul Viollet, J?fsíofre des /nsfífafíons po/iriques ef admhls#ufípes de la Flu/zce (3 voas.. Pauis. 1 890
1903), vo1. 3, bp. 143-76, especialmente pp. 164 5; L. LaUemand, #!sida'e de Za càaHfé (4 vob., Pauis,
1902-12),vo1.3,pg.333,nolepg.334,nç)7. ' ' ' ' '" ''""'
24.M.arcello Caetano, ''A antiga organização dos misteres da cidade de Lisboa'' fpz Franze'aul
Langhans, .4s corporações dos Qffcíos mecânicos -- szzósídios para a sua àísrórü(2 vais., Lisboa, 1943.
6), PP . xilxxiv.t
25. Damião Peles, ap. cfr. , vo1. 4, pp. 542-3
ios d estatu.
10 FID.4LGOS E FILANTROPOS
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA EM PORTUGAL
11
às mais plebéias2ó .A Irmandade da líllaculada Concepção de Singra ( 1 346.) era desse tipo.
Seus estatutos continham cláusulas sobre a missa semanal da inllandade, o jantar anual,
visitas a doentes, reconciliação de elemciltós ein discórdia, disposição sobre funerais
celebração de missas para as almas dos irmãos falecidos e suas famíliasz7. Essas duas ir-
mandades e a Ordem terceira de Sâo Francisco (1289) são as mais antigas irmandades lei-
gas de Portugal cujos pormenores conhecemos. Existem vagos relatos da existência de
uma innandade dedicada a Santa Níaria da Níisericórdia na catedral de Lisboa antes de
1230. Suas funções eram enterrar os mortos, visitar e consolar os doentes, assistir os pre-
.sos e acompanhar ao cadafalso os crbninosos sentenciados à morte.
No sécu]o XV existia já em Portuga] não apenas uma consciência social mas também
uma estrutura caritativa para satisfazer ;. esse sentimento. De fato, existia tal profusão de
leprosários, hospitais e irmandades de caH.Jade que era inevitável a superposição de ativi-
dades. Isso era especialmente verdadeiro em Lisboa e resultou em muitos abusos na aplica-
ção de esmolas. Na década de 1420, D. Pedro escrevera a seu imlão D. Duarte sugerindo a
intervenção real na adminisüação das hospedarias. O código de 1446, conhecido como
Ordenações Affonsinasj' estabelecera que os processos sobre legados a irmandades transi-
tassem nas cortes civis e não nas religiosas. Pelo âun do século XV transpareciam duas ati
tudesem relação 'a nUantropia social: primeiro, a necessidade de uma política oficial sobre
a assistência social; segundo,o dewlo de parte da Coroa de reduzir a jurisdição eclesiás-
tica sobre as imiandades caritativas leigas.
A primeira providência positiva foi tomada em 1479, quando o futuro D. Jogo ll,
ainda príncipe, conseguiu uma bula papal que autorizava a fusão de todos os pequenos
hospitais de Lisboa num único edifício. Essa política de centralização foi estendida a to-
das as cidades de Portugal por uma bula do Papa Inocêncio Vlll, em 1485. O primeiro re-
sultado dessaorientação foi a criação do Hospital de Todos os Santos, fundado em Lisboa
em 1492. O edifício reunia quarenta e três pequenos hospitais da cidade e arredores. Ao
ser terminado, cerca de dez anos depois, possuía cinco enfemiarias principais com cem lei-
tos, enfemiarias subsidiárias fora do ediflício principal, um lar para enjeitados e uma hos-
pedarias' . D. ManuçJ seguiu a política de seu predecessor e obteve uma bula papal em
1499 para amalgamar os hospitais de Coimbrã, Evoca e Santarém. Ao tempo de sua morte
em l S21 , essa era a prática corrente em Portugal inteiro.
Não há indícios concretos de que a fundação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
em 1498 constitua outro aspecto dessa centra]ização o6icia] da assistên(iia social. O fato
de que a imtandade mais tarde tenha vindo a desempenhar esse papel resultou de seu ime-
diato sucesso e do patrocínio real. Também não há provas que sustentem a opinião de que
a Misericórdia de Lisboa haja sido. influenciada por imlandades caritativas da ltália. Essa
afimlação se baseia em dois fatos: plímeiro, a similaridade de nome e função da Misericór-
29 . Damião de Goês, O'óníca do FeZjcfssímo Reí Z). ManDeI (4 vais., Coimbrã, 1949-55), la parte cap. l
26. F. da Salva Cones.Estudos sicióre a Hfsfórza da .4ssfsréncía, pp 288-9.
Z].A.-Braamcamp F'paire, "Compromisso de Confraria em 1346'' in Archivo Histórico Portuguez, va\ l ,
no IO (Lisboa, 1903) pp. 349-S5
28.A data de término varia entre 1501 e 1504 c a estimativa do número de leitos disponíveis vai de 103
150. Eduardo Freira de Oliveira. E/amem/os, vol. 1, pg. 379, no 2; Damião Peles, HísróPü, vo1. 4 pg.
558; F. da Salva Correia, Esfzzdos, pg. 524.
12 FIDALGOS E FILAN'IROPOS A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA EM PORTUGAL
13
da fundação. Embora a Misericórdia concordasse em 1575 que todas.as bandeiras das fi
leais da imtandade ostentassem as letras F.M.l., signiãcando ''Frei Miguel Instituidor", tal
reconhecimento foi mais diplomático do que histórico. A segunda corrente de pensamen
to diminui a importância de Contreiras e de D. Leonor, reduzindo o primeiro à posição
de padre da imlandade e a segunda à de patrocinadora real. Os indícios em que se ba-
seia essa teoria estão no prólogo do primeiro ''Compromisso", ou estatuto, em vigor, que
se refere a "alguns cristãos bons e fiéis" como fundadores. A "Estatística de Lisboa" de
1 552 sugere que um grupo de leigos foi estimulado a fundar a imtandade por D. Leonor.
Eram eles: Mestre Miguel, provavelmente um médico; Gonçalo Fernandes, livreiro; Jogo
Rodrigues, fabricante de velas; Jogo Rodrigues Ronca; um flamengo, Contém do Paço, e
um bordados de Valência. As duas correntes de pensamento se originam de diferenças
de interpretação: enquanto a primeira considera a fundação da Misericórdia como um
acontecimento sem precedentes, a segunda a coloca no contexto histórico da âHantropia
social leiga em Portugal"
O debate sobre a identidade do fundador centraliza-se nos papéis respectivos da ra-
inha e do frade. A participação do rei, D. Manual 1, tem sido descurada, embora a autori-
zação 6ulal para o funcionamento da imiandade tenha sido por ele concedida. Certamente
não foi ele o inspirador direto da nova imtandade. Em 1498 o rei esteve ausente de Lis-
boa entre 29 de março e 9 de outubro, e a inauguração da Misericórdia ocorreu no dia 15
de agosto3i . Nãõ há.razão para atribuir importância especial ao fato de que a Misericórdia
foi fundada durante a ausência do rei; isso poderia mesmo reforçar a natureza espontânea
da fundação pelo grupo de leigos. Não há dúvida de que durante o primero ano de exis-
tência da Misericórdia, D. Manuel reconheceu suas possibilidades para o avanço da políti-
ca de centralização de serviços de caridade. Em 14 de março de 1499 ele escreveu aos conse-
lheiros municipais do Pôrto recomendando-lhes a fundação de uma Misericórdia. Na mesma
época solicitou ao Papa autorização para fundir pequenos hospitais em Coimbrã, Evoca e
Santarém em hospitais únicos e grandes. A bula papal Cüm síf curfssimzzs, editada em 23
de setembro de 1499, sancionou o pedido. Em 12 de setembro de 1500, D. Manuel escre-
veu ao Senado da Câmara de Coimbrã sugerindo a fundação de uma Misericórdia naquela ci-
dade:z . Na mente de D. Manual, a política de centralização de serviços hospitalares passou a
incluir a fusão de outras formas de âHantropía social num organismo único -- a Misericórdia.
Para promover essa política, concedeu numerosos privilégios à Misericórdia durante os pri-
meiros anos da irmandade.
Enquanto viveu, D. Manuel concedeu cerca de trinta privilégios à Misericórdia, meta
de dos quais durante os primeiros três anos de existência da irmandade. Entre os privilé-
gios iniciais mais importantes estavam os relativos à caridade nas prisões. Os "mordomos
da Misericórdia tinham liberdade de acesso aos prisioneiros(13 de setembro. de 1498) e
eram responsáveis pela limpeza das prisões da cidade de Lisboa(15 de abril de .1499).. Os
deveres da imlandade compreendiam também a assistência geral e o sustento dos prisio-
neuos pobres (lO de setembro de 1501). A justiça portuguesa era lenta. Os presos passa'
vam muito tempo no cárcere antes de serem levados ajulgamento. Isso acontecia especial-
mente com os presos pobres que não podiaiç pagar as quantias exigidas por funcionários
menores, cada qual desejou de ganhar sua parte das custas legais. A verdadeira vítima era
a Misericórdia, que tinha de alimentar esses prisioneiros, e os privilégios foram concedidos
à imtandade para minorar essa carga
Tais privilégios recaíam em dois grupos: jurídicos e financeiros. Para apressar o curso
para mais longe eram perdoadas se houvesse um navio disponível para seu transporte,l:ne-
rlato ( 16 de outubro de 1 501). Forma também abolidos os direitos dos funcionários de
pedir goqetas antes de apresentar o processo de detemünado prisioneiro aos juízes(22 de
janeiro de 1512) cu pua acompanhar os exilados da prisão aos navios (29 de fevereiro de
1499). Havia disposições especiais para os escravos presos no Limoeiro, a principal prisu:o
de Lisboa. Nos casos em que os senhores se recusavam a alimenta-los, a alimentação cabia
ao carcereiro, por uma recompensa diária de 15 réis. No caso de morte de um Curava o
senhor pagava as custas; se o escravo fosse absolvido, as custas eram pagas pelo senhor an-
tes da libertação(27 de fevereiro de 1520). Outro auxílio à Misericórdia foi a concessão
mais gerais. Depois de 1500, foram conferidas à irmandade privilégios que abarcavam uma
gama mais ampla de atividades de caridade, âimtando assim a Misericórdia como a princi-
1=1mEÜl=HBI.==«:.::,: :: n:su: u
30. A primeira opinião é sustentada por Costa Godolphim, .4s JWiseHcórdias .(Lisboa: 1897), .e Vital
Rlbeiio. .A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (subsídio para wç histórias 1498-i898 (História e me-
mórias da Academia Real de Sciencias de Lisboa, Nova Serie, 2a Classe. I'omo IX, Parte ll,..Lisboa,
1902). Os propugnadores da segunda são Magalhães Basta, op. cír., e F. da Silva Correia, Esfz/dos
31 . Damião de Góis, op c/r.; par.te 1 , capa'tules XXVI e XXXII.
32. F. da Salva Correia,I'gados, pp. 557 e 579-80.
33. Esws privilégios estão reglstrados n.o:
breviação ASCNt B) voas. 206,.207 c 209
34. Damião Pores, op cír., vo1 4, Pg. 567
arquivos da Misericórdia da Bahi (daqui dian
l
14 FIDALGOS E FILANTROpOS A SANTA CASA DA bllSERICÓRDIA EM PORTUGAL
15
nos distritos vizinhos para a colete de esmolas destinadas àsatividades caritativas da ir-
mandade. A infração desses privilégios por parte de outras irmandades acarretava multas
pagáveis à Misericórdia (5 de julho de 1517). Numa época em que Lig)oa estava cheia de
cobradores para bulas papais, resgaste de cativos, dotes, órfãos e pobres, não se pode su-
perestimar a importância desses privilégios concedidos à Misericórdia.
A burocracia portuguesa nunca se distinguiu pela cooperação interdepartamenta] . As
autoridades se ressentiam da expansão das atividades da Misericórdia e ignoravam seus pri-
vilégios. A Misericórdia queixou-se ao rei.de que legados feitos à imlandãde por soldados
portugueses que morriam na Guiné e na adia jamais foram recebidos, mas permaneciam
nas mãos dos Tesoureiros dos Cativos. Isso foi resolvido por um privilégio real de 3 de se-
tembro de 1507, que ordenava a entrega de tais legados à Misericórdia. Mesmo em Portu-
gal metropolitano, os juízes civis emitiam a comunicação à Misericórdia dos legados devi-
dos à irmandade. D. Manuel ordenou a punição de tais omissões e a multa aos tabeliães
públicos culpados de tal negligência (27 de outubro de 15 14e 1 7 de abril de 1 5 1 8). Confen.
ram-se privilégios aos funcionários da irmandade. Durante o ano de seu mandato eles não
nmàs, o que frequentemente causou conflitos da irmandade com autoridades municipais,
judiciárias e eclesiásticas
Se a posição püvilegtada da Misericórdia a tornava excepcional entre as imlandades
portuguesas, o mesmo não se pode dizer de seu ''Compromisso'', ou estatuto. O Comprc»
misso era inteiramente tradicional, tanto no conceito quanto na aplicação. O extravio do
Compromisso original de Lisboa toma impossível reconstituir o âmbito da imlandade ta]
como inicialmente concebido. Os Compromisws mais antigos ainda existentes são os das
Misericórdias de Evora e do Porto, que apresentam apenas variações mínimas em relação
ao primeiro Compromisso impresso em Lisboa (1 5 ]6)3 : Esse Compromisso e as reformas
subsequentes foram seguidos por todas as âihais da Misericórdia tanto em Portugal quantono ultramar
O Compromisso de Lisboa. de 15 16 continha dezenove capítulos. Começava com um
sumário das obras de caridade, sete espirituais e sete corporais, a serem praticadas por to-
dos os innãos. Eram as seguintes
Dar bom conselho
Punir os transgressores com compreensão
Consolar os infelizes
Perdoar as injúrias recebida?
Suportar as deficiências do próximo
Orar a Deus pelos vivos e pelos mortos
Corporais
1 . Resgatar cativos e visitar prisioneiros
2. Tratar dos doentes
3. Vestir os nus
4. Alimentar os famintos
5. Dar de beber aos sedentos
6. Abrigar os viajantes e os pobres
7. Sepultar os mortos
A irmandade se compunha inicialmente de 1 00 membros3 6 . Estes eram divididos em
duas classes, numericamente iguais. A pümeira era a dos .''irmãos nobres'', às vezes desig
nados como 'lmiãos de maior condição". A nobreza nesse caso não signinlcava nobreza
de sangue, mas .compreenda os gentis-homens, as classes proâissionaise os eclesiásticos.. A
segunda era a dos plebeus, conhecidos como "oficiais mecânicos" ou "irmão de menor
condição)3 1. Todos tinham de ser de boa reputação, tementes a Deus, servir à irmandade
sem tergiversações e reunir-se quando convocados pelo sino da Misericórdia. O comparece
mento à Miseücórdia era obrigatório em três ocasiões anuais: a eleição da Mesa, ou corpo
de guardiães, no dia da Visitação; a procissão dos penitentes na Quinta-feira santa; e a pro-
cissão do dia de Todos os Santos ao cadafalso de Santa Bárbara para juntar os ossos doÉ
enforcados e dar-lhes sepultura digna no cemitério particular da Misericórdia. A expulsão
da imiandade -- exceto em casos escandalosos -- somente podia ser feita após três repn'
mandas do Provedor. Em troca da adesão, o irmão e sua família recebiam assistência fi-
nanceira e médica se delas necessitassem e um enterro com o comparçcimento da irman-
A Mesa consistia de treze irmãos, seis de cada classe. O Provedor, ou Presidente, era
sempre escolhido da classe superior. A eleição era indireta, isto é, por uma comissão falei
total de dez imtãos escolhidos pela totalidade da irmandade. Além do Provedor, o corpo
de guardiães era constituído pelo escrivão, nove conselheiros e dois mordomos. Todos
eram eleitos para um mandato de um ano, com exceção dos mordomos, cuja eleição era
mensal devido a seus pesados afazeres. Os resultados da eleição era anunciados a 3 de ju
Iho, quando a nova Mesa assumia a$ funções.
dado
Espirituais
1 . Ensinar os ignorantes
35. O Compromisso de Evoca diferia do Compromisso de Lisb(
ais, sendo que os primeiros dezanove coincidiam nos dois
promisso de Evara está transcrito cm Costa Godolphim, op. cí/
dc 1516 por conter d
orpos de estatutos.O
PP. 434-57.
IS capítulos adi.
ais antigo Com.
36. O Compromisso de 16 18 fixou o número de irmãos em 600 e alguns autores acreditaram.que .isso se
aplicasse ao nomeio inicial de membros, Antonio da Sirva Rego, .Hfsfól"ta das missões ao ruaroaao -r'or-
mgzzés do OHe?zre. /;zdü. /500-/542 (Lisboa, 1949), pp 237-8
37.Para um exame mais detalhado das distinções sutis entre as duas classes na Bahia, ver pp. 95-98.
16 FIDALGOS E FILANTROPOS A SANTA CASA DA NtlSERICÕRDIA ENI PORTIJGAL
17
O Provedor era sempre uma pessoa de boa posição social e de posses. Defendia a Mi-
sericórdia contra as incursões de autoridades civis e eclesiásticas nos privilégios da irman-
dade. Também delegava tarefas aos imlãos, mas wmente nas decisões menos importantes
:dispunha de independência para agir. Era obrigado a reunir a Mesa em todos os assuntos
de política, de despacho de petições e de transações financeiras. Para manter-se em conta-
do com as atividade da imtandade, era obrigado pelos estatutos a fazer visitas mensaisà pri-
são, ao hospital e aos necessitados assistidos pela Misericórdia, para assegurar a correra
aplicação das esmolas.
O escrivão era responsável pela supervisão da escrita da irmandade e pelas atas da Me-
sa. Com os nove outros membros, fomlava cinco pares, cada qual composto de um nobre
e um plebeu, que tinham deveres especíâtcos. O primeiro visitava bs doentes em casa e no
hospital, fornecendo alimento, remédios e roupa de cama quando necessário. O segundo
também visitava os doentes em casa e na prisão , distribuindo remédios e roupas, mas de-
dicando maior atenção ao bem-estar espiritual dos doentes. O terceiro cuidava do bem-es-
tar material dos presos; nos domingos distribuía aos mais necessitados um pedaço de car-
ne, uma caneca de vinhoe pão; nas quartas-feiras a ração era de pão e vinho. O quarto par,
o escüvão e um guardião, dava esmolas às pessoas que necessitavam e que houvessem sido
recomendadas â Misericórdia pelos padres da paróquia. O quinto tratava de assuntos fi-
nanceiros, coletando esmolas, aluguéis e legados. Os deveres dos mordomos eram diferen-
tes. O "mordomo) da capela'' era responsável pelo prédio da capela, esmolas, funerais e
missas. O "mordomo de fora'' fornecia assistência jurídica aos presos e pagava as taxas ne-
cessárias â sua libertação
Todos os irmãos auxiliavam nas atividades da imtandade, mas a Misericórdia tinha
também um pequeno corpo de empregados. Um capelão e dois capelães assistentes oficia
vam as missas. davam os sacramentos aos moribundos e celebravam os ritos fúnebres. Ha.
via também empregados para a limpeza da capela e serviços gerais. Os irmãos eram auxilia
dos por voluntários na roleta de esmolas e na distribuição de pão aos presos após a missa
de domingo. O equipamento da imlandade consistia na prata e paramentos da capela, a
bandeira da Misericórdia, o sino para convocar os irmãos, duas arcas para dinheiro e rou-
pas, uma essa para os funerais dos irmãos e uma liteira para os funerais dos pobres. A ir-
mandade possuía duas liteiras para transportar os cadáveres dos enforcados ou os restos
dos criminosos esquartejados e colocados às portas da cidade, de volta ao cemitério da Mi
sericórdia para serem enterrados
O Compromisso de 15 16 foi modificado por refomlas posteriores. Em alguns casos,
as funçõesse haviam tornado superadas; em outras a Misericórdia assumiu novas obriga
ções. A experiência administrativa também recomendava omenãas. O historiador da Mise-
ricórdia do Rio de Janeiro, Felix Ferreira, supõe a ocorrência de numerosas reformas no
primeiro século da existência da imlandade. Ele sugere que a primeira reforma tenha ocor
rido entre a data da fundação e a data do Compromissso impresso de 15 16. Baseando suas
suposições em decretos reais determinando novos deveres para a Misericórdia, como por
exemplo a administração do Hospital de Todos os Santos em 1564, ele indica novas re-
formas em 1564, 1577, 1582 e 1600. Esses decretos realmente ampliaram as atividades
da Misericórdia, mas seria exagerado considera-los como reformas. A maior reforma
38 . Para um exame das opiniões discordantes. ver Vital Ribeiro,OP. .cü. . PP 5 3-4as po. Costa Godol-
39 . F da SilvaCorreia,Esmo
phim, op. cjr., PP. 85423.;
PP
AS SANTAS CASAS DA M/SER/CóRD/A NÁ
ÀS/A, AFR/CA E ERAS/L
e
20
FIDALGOS E FILANTROPOS AS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA NA ÂSIA, ÂFRICA E BRASIL
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2 FIDALGOS E FILANTROPOS AS SAN'l'AS CASAS DA MISS':lil('óltDIA NA ÃSIA. ÁI''ltl('A I': l+liASI l
)ita] único. A fusão completa somente se realizou em 1706, e daí em diante o hospital
tudo. duvidosa
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FIDALGOS E FILANTR OPAS AS SANTAS ('ASAS l)A NllSI' l< :l)IA NA ÀSIA, ÁI'ltl('A I': BRASI 7
Após a fundação da casa de retiro, aboliu-se a prática de dar cargos como dote; estes pas-
saram a ser em dinheiro, pagos pelo Tesouro. As viúvas respeitáveis e esposas abandonadas
pelos maridos também eram aceitas como hóspedes pagantes
A moralidade das mulheres indo-portuguesas deixava muito a desejar. O navegador
holandês .Linschoten (1563-1611) comentou as .dificuldades enfrentadas por mulheres
castas e a prevalência do adultério em Goa. O Recolhimento de Mana Madalena era destina
da às ''mulheres que se arrependeram, convertendo-se e abandonando suâ vida de peca.
do''. Somente mulheres brancas eram aceitas c os regulamentos eram severos. Oferecendo
um lugar de refúgio, a Misericórdia proporcionava uma alternativa à fuga para território
nuçulmano e a conversão ao lsla. A irmandade contribuía para a política nacional de
casamentos mantendo contatos com as filiais em Málaca, Macau, Argola e até mesmo o
Brasil. Mandavam-se mulheres de Goa para essas nüiais, viajando sob a supervisão de um
guardião e com despesas pagas pelo Tesouro, que também fornecia o dote en] caso de
matrimónio.
O resgate de cativos e a.assistência aos presos se incluíam também nas obrigações de
todos os irmãos da Misericórdia. As filiais da Misericórdia cooperavam no resgate de
portugueses que houvessem caído em mãos inimigas, fosse na Arábia ou na Índia. Dava-se
prioridade aos cativos brancos e às mulheres e crianças, por serem de mais fácil conversão
ao lslã. Em 1623 a Misericórdia de Goa entrou em contato com a õl]ia] de S. Tomé de
Meliapor na costa de Coromandel para negociar o resgate dos prisioneiros da guerra de
Pegu. Em muitas ocasiões, missionários jesuítas serviram de intermediários. O tratamento
de prisioneiros por parte da Misericórdia suscitou os louvores de François Pyrard de Lavam
e será debatido pormenorizadamente no Capítulo 10. 0 viajante francês ficou também
favoravelmente impressionado pela ação da Misericórdia de Goa como fiduciária dos por
tugueses mortos na Índia ou no Extremo Oriente. Não pode ]iaver dúvida de que a Miscri
córdia de Goa cumpria à risca as obrigações do Compromisso, e era a mais poderosa HHial
da irmandade no Oriente
Frequentemente é mais fácil estabelecer a data de extinção de uma Misericórdia do
que a de sua fundação. Esse é o caso das filiais de Colombo, conquistada pelos holandeses
em 1656, e de Jaffna, que teve destino semelhante em 1658. O dinheiro e asjóias de am
bas foram enviados a Goa. O tesouro da segunda foi capturado pelos holandeses ainda em
transito, mas a Misericórdia de Goa questionou a completa restituição pelos holandeses
É certo que, até 1600, haviam sido organizadas Misericórdias em Cochin Chaul. Diu. Má
laca, Bassein, Hormuz, Cannanore, S. Tomo e Mannari?
A Nrlisericórdia de Macau era a filial mais importante no Extremo Oriente. Foi funda
da com um hospital, cerca de 1659, pelo Bispo D. Belchior Carneiro, horrorizado pela ma-
neira brutal com que os chineses tratavam de seus doentesi 3. Mais tarde a Misericórdia
12. J.F. FcrrcíraMartins,op. cff:. vol. 1, pg. 174, relaciona também as seguintes filiais da M iscricórdia
como tendo sido fundadas no século XVI : Calicut, Bengala, Damão, Mahim, Mangalorc, Manila, Muscat
Tarapur, l\lcgapattinam c Será. itá uma lista mais compreensiva das filiais do Oriente 'ü .4c/as do /r
Cb/zgresso das A//se/üordlas (3 volt., Lisboa, 1959), vol. 1, pg. 173
1 3. JoséCactanoSoarcs,op. cíf.. pg. 12. Isso contrasta. com os louvores dc Galcotc Pcrcira c Gaspar (
Cruz aos hospitais t]a China continental na mesma época, C.R. Boxes, Soar/z Chflm fn fAe S/xfee/rf/
('e?zrz/(y (Londrcs, ] 953), pp. 30-31 c pg. 123
üli;ül : !ü:ib :! ãn : u
pondencauem Portugal no século Xlll os. Moças cafres, malaias e chinesas arranca-
vam esmolas da Misericórdia usando expedientes tais como esconder animais sob as vestes
H
século XVll a irmandade aceitou algumas órfãs mais velhas e chegou a oferecer dotes váli
dos por quatro anos. Somente em 1727 organizou-se um orfanato. Este acolhia vinte ór-
fãos e aceitava algumas viúvas como hóspedes pagantes. Em dez anos a imtandade se viu
forçada a fechar o orfanato por dificuldades financeiras. . ,.. . ',..
A Misericórdia de Macau adotou o seu próprio Compromisso em lbZ/. Em ioiv os
privilégios da Misericórdia de Lisboa foram estendidos à ÕHial de Macau "em vista de ser
extremamente remota e devido à situação entre os infiéis"t4 Como fora o caso em Goa:
hlm ilRãa8. nmllêllil$
õlnanciou os galeões de Acapulco, tinha estreitas relações com suahomõnima portuguesa' :
" Na costa oriental da África, a posição estratégica de Moçambique como porto inter-
mediário para .os navegantes das Ihdias 'e mais tarde como posto comercial para as minas
de ouro de Monomotapa tomara necessário um hospital para o tratamento dos soldados.
O hospital suscitou o louvor de diversas gerações de üsitantes jguítas, mas parece que a
14.' Cartareal de 15 de janeiro de 1639 nos .4rquipos de JHacau (Macau, 1929 em andamento) 3
..i. 2Rn B2;3'n" ; :5lJ2%;,.m .,Im««, ,4«.Zs o/ Ma«. «ó rã. o/a J.p« r,«a., .r.S.S.S-.ró40
17. Para detalhes das negociações financeiras desta filial da Misericórdia, ver W.L. Schurz, The i4azzí/a
Galleon (Nova York, 1959, nova edição de obra inicialmente publicada em 1939), pp 167-72.
28 FIDALGOS E FILANTROPOS AS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA NA ÀSIA, ÀFRICA E SRAfit
:9
Miseücórdia apenas o administrava em nome da Coroa. A irmandade deve ter desfrutado
de posição importante, porque possuía o mesmo privilégio administrativo da filial de Diu
swahih os núcleos de portugueses nas feitorias de Kilwa, Macia, Penba, Zanzibar e
Patta jamais foram suficientemente numerosos para formar irmandades Mombaça era a
exceção, pois era o centro comercial da costa. Após a construção do Forte de Jesus em
1 593'. um número de portugueses suficiente para formar uma Misericórdia estabeleceu
Na costa ocidental da África o interesse português se concentrava em Angola. Inicial-
''nte a alividade limitou-se ao tráfico ilegal de escravos e uma expedição malograda para
procurar minas. Em 1 557 um embaixador do Ngola chegou a Lisboa e os portugueses co-
meçaram a tnteirardscdas possibilidades do país.A atitude comercial cedeu o passo ao dese
jo de conquista. Um decreto de 1571 dividiu Angola em duas partes sob a administração
de Paulo Dias de Novais, na dupla qualidade de govemador e chefe hereditário. Chegou a
Luanda em 1575 e mudou a cidade da ilha para o continente no ano
VD.vw u
seguinte, fundando
uma Misericórdia a conselho do padre jesuíta Garcia Simões. A Misericórdia atingiu sua
proeminência máxima no século XVII. A irmandade encontrou um poderoso aliado e pro-
tor na pessoa do bispo e governador (16214) D, Frei limão Mascmenhas, que refomlou
o hospital. Outro bispo do Congo e Angola, D. Francisco do Sovera], foi benfeitor da ir-
mandade. Doou dinheiro para esmola e sua generosidade bemlitiu a conclusão das
obras nas quatro enfemiarias do hospital. Em 1679 construiu-se uma nova igreja. Já na dé-
cada de ]680 a Misericórdia contava com cerca de setenta imlãos, era financeiramente prós-
ravos anualmente -- concessão estranha para uma organização de caridade! Mas nem mes-
no essa providência recuperou a irmandade, e em 1750 a Miõricórdia de Luanda estava
nteiramente decadente
A âHial organizada em Massangano cerca de 1660 era um constante osso na garganta
a Misericórdia de Luanda. O principal pomo de discórdia era o hospital
'' D''D.-- --
administrado
ela Misericórdia de Massangano, que servia às guarnições de Muxima, Cambembe e
Lmbaca. A Misericórdia de Luanda alegava a perda de renda proveniente das taxas recebi-
am pelo tratamento desses soldados. A]ém disso, a íi]ia] de Massangano recebia esmolas
nteriormente dadas à Misericórdia de Luanda, e reduzia a autoridade da matriz pelo sim-
les fato de existir. Essas queixas derivaram de interesses contrariados, e a Misericórdia de
lassangano sobreviveu devido ao tratamento médico imediato que proporcionava aos sel-
ados feridos em campanha
Do outro lado do Atlântico, a descoberta do Brasil (1500) tivera pouco impacto
uicial sobre D. Manoel. Os relatórios de Cabral e Vespúcio não haviam sido suficiente.
se ai
J.F. F
Antot
dÜ (12
eira Marfins, op. cíf., vo1. 3 , pp. 446-7 e pp. 460-1
da SUvaRcqLOoc:menrafão gma fsfóHa dasMíssá-
Lisboa, 1947-58) vo1. 1 2, n" 2 cap. 33 do Padr(»do Portuguez do Oriente
\
AS SANTAS CASAS DA MISERICÓRDIA NA ÀSIA' ÂFRICA it 13RASI l
FIDALGOS E FILANTR OPAS
carta LXVI de 1654.
h((3p'íe
unha sido destruída. Com a chegada de ''La Pêleríhe" em segurança a Marselha, uma frota
le dez a trinta navios seria enviada ao Brasil. Esse episódio forçou D. Jogo 111 a meditar
abre a colonização do Brasil.
Em 1532 D. Jogo 111 resolveu conceder capitanias hereditárias no Brasil a qualquer
pessoa capaz de levantar capital suficiente e que garantisse a defesa da área sob sua juris-
[ição. Nos anos de 1534-5 foram distribuídas capitanias a doze donatários. Cada donatá-
io tinha ampla jurisdição. Podia estabelecer cidades, cobrar impostos, nomear funcioná-
ios municipais e conceder terras para cultivo. A Coroa se reservava apenas o direito de
mposto sobre as exportações e o monopólio do pau-brasil. Os critérios para a seleção de
[onatários favoreciam os homens habituados à dura competição da atmosfera da ]ndia
)ortuguesa. Exceção notável foi o historiador Jogo de Barros, na capitania do Rio Grande.
essa forma de colonização fracassou. Raramente os soldados são bons administradores
ivis, e muitos donatários nem sequer visitaram suas capitanias. Os únicos donatários bem
ucedidos foram Martim Affonso de Sousa em São Vigente e Duarte Coelho em Pernam.
uco, ambos os quais estabeleceram plantações de cana de açúcar.
O malogro generalizado do sistema de donatários e o recrudescimento do interesse
tancés levou D. Jogo 111 a nomear Tomé de Sousa Govemador-Geral do Brasil,em 1 549.
)mé de Souza servira com distinção nas calmpanhas do Marrocos e da Índia. Seu ''Regi
lento'' era compreensivo. Havia cláusulas sobre os assuntos gerais de defesa, colonização,
ropagação do catolicismo e comércio. Um centro administrativo fortificado seria organi-
ado na Bahia, e os Tupinambás seriam subjugados. Far-se-iam concessões de terras no
{ecõncavo a colonos dispotos ao cultivo, e estimular-se-ia a construção de engenhos de
:ana. Isto feito, Tomé de Souza faria uma visita de inspeção das outras capitanias. Deveria
.ssegurar a aplicação da lei e tomar medidas destinadas a facilitar o comércio. Também
deveria certificar-se da adoção de providências defensivas adequadas contra os ataques dos
Índios, por terra, e dos piratas, pelo mar. Todos os esforços seriam feitos para a conversão
los índios ao catolicismo. Logo que certo grau de ordem pública fosse atingido nas áreas
.torãneas, deveriam partir expedições para explorar o interior. D. Jogo 111 recordara a seu
ovemador-geral que seus objetivos gerais deveriam ser "para exaltamento da nossa santa
é e proveito de meus Reinos e Senhorios e naturaes delles''zo. A medida do sucesso
btido por Tomé de cousa e pelos governadores seguintes logo se consubstanciou no
ápido aparecimento de cidades ao longo do litoral brasileiro e na crescente colonização
lo interior.
A honra da fundação da primeira Misericórdia no Brasil é disputada pelas Capitanias
le S. Vigente e de Pernambuco. Os historiadores geralmente concordam em que o galardão
leve caber à imlandade de Santos, fundada por Brás Cubas em 15432]l Essa fundação foi
0. Este Regimento está publica(k):zn 1. Acciolli-B. Amara1, 4/emórz'as /zísfóricas e po/üícas da prol,óicü
b Ba/z/a (6 voas., Bahia, 1919-40), vol..l, pp. 263-74
l .F. A. de Varnhagem, //fsfó/7'a Gera/do Bus// (2 volts., Rio de Janeiro, 1 854-7), vol. 1, pg. 303; Robert
outhcy,//isrory o/Bruzf/(3 voas., Londrcs, 1810-19), vÓ1. 3, p. 850; 1irnesto dc Sousa Campos, Safira
bsa da A/íserícórdla de Sa/zfos (São Paulo, 1943); Scrafim l Cite S.J., Hísfórü da Cb/rz/)a/z/zia de Jesus
ro Brasa/ (1 0 vais., Rio dc Janeiro Lisboa, 1938-50) vol. 1, pg. 262, concorda com a data dc t'undação
duvida da existência de um ]tospital antes dc 1549.
l
Universitarii
'q:-lFIDALGOS E FILANTROPOS
pela irmandade. Os privilégios concedidos por D. Manuel l foram confirmados por seus
cessores, que acrescentaram novas concessões. D . Pedro 11, quando Príncipe-Regente, deu
struções a Roque Barreto, que assumiria a govemadoria do Brasil em 1678, recordando
e especinlcamente que desse proteção especial às Santas Casas da Misericórdia. A âUial
ais importante da Misericórdia no Brasil era a da Bahia. Chegou o momento de estudar
a história dentro do contexto mais amplo do estabelecimento e desenvolvimento da
.dade do Salvador.
OCEANO
ATLÂNTICO
.v
® quilõmetr
O recôncavo baiano
3
A CIDADE DO SALVADOR IS49- 1 763
A baía dc Todos os Símtos Rica na costa adântica do Brasil, treze graus ao sul do
Equador. Um promontório separa o oceano da baia, que é um golfo natur.al, profundo, de.
45 km de largura e 35 km de comprimento. A entrada da baü é voltada para o sul. Em-
bora a barra meça cerca de 40 km, o acesso é reduzido a dois canais, um de cada lado da
iria de ltaparica. Essa ilha fértil e ondulada se estende diante da barra e se profeta para
dentro da própria baía. Juntamente com o promontório a leste, fornece proteção aos na-
vios, dentro da baía, contra as raladas de ventos do sudeste. A passagem para navios de
maior calado tem a largura de ce.rca de 9 km entre ltaparica e o promontório, na extremi-
dade oriental da baía. Nos tempos coloniais era necessária muita cautela porque os bancos
de areia reduziam a largura desse canal a pouco mais de 3 km. Os visitantes da Bahia colo
mal concordam unanimemente em que esse "pequeno Mediterrâneo" era um dos melho-
es ancoradouros do mundo, de fundo fímle e com proteção dos ventos prevalecentes. A
parte interior da baía é consideravelmente mais rasa do que a enseada, e há numerosas
ilhas. As maiores dentre essas são a Ilha da Maré, a Ilha dos Frades e a Ilha da Madre de
Deus. Na época colonial, os galeões que se aventuravam demasiadamente ao norte arrisca
cavam-se a encalhar nos diversos bancos dessa parte da baía ou a serem apanhados pelos
traiçoeirosventos cruzados entre as ilhas. O viajante francês François Pyrard de Lavam, na
viagem da Índia para a Europa, ficara retido em Salvador durante dois meses porque seu
avio se chocou com um banco.de areia' . Embora hoje em dia o primeiro dos dois perigos
haja sido eliminado pela dragagem constante, até mesmo iatistas experimentados muitas
vezes se vêem em dificuldades na parte interna da baía
O território adjacente à baía de Todos os Santos pode sei dividido em três regiões
geográficas distintas. A planície costeira, ou Recôncavo, se caracteriza por uma floresta de
chuva gemi tropical com alta umidade e vegetação luxuriante. O solo fértil favorece o cul
tive extenso de diversas colheitas, especialmente cana de açúcar e fumo. Essa região fértil
tem cerca de 80 km de largura e é atravessada por numerosos rios navegáveis que foram
importantíssimos, nos tempos coloniais, para as comunicações e transportes. O maior é o
rio Paraguaçu, que nasce na serra do Espinhaço e foi usado intensamente pelos proprietá-
ios de fazendas de Cachoeira para transportar os engradados de açúcar à cidade do Salva
l;rançois I'yrard dc Lavam, op. cfr., vo1. 2, capitulo XXV.
FIDALGOS E FILANTROPOS A CIDADÃ': DO SALVADOR, 1549-1763
37
or. Além do Recôncavo há uma região de terras irregulares e ascendentes que se estende
or outros 80 km para o interior. Mais além é o sertão, um planalto semi-árido a cerca de
.000 m acima do nível do mar. A monotonia dessa região deserta é quebrada por rochas
raníticas que surgem na planície em formas estranhas, totalmente sem vegetação. E a re-
lão da caatinga, com cactus e outras xerófilas atrevidas o bastante para sobreviver ao ve-
io escaldante que mata a vegetação e o gado. Esse planalto abarca grande parte do inte-
.or do Estado da Bahia. A cerca de 520 km da costa, o rio São Francisco atravessa a re-
.ão. Esse rio, navegável em grande parte de seu curso, nasce em Minas Gerais e desce pelo
não no sentido sudoeste-nordeste até voltar-se abruptamente para o leste e fomtar a
onteira entre a Bahia e Pernambuco. No início do século XVll haviam-se estabelecido
3zendas de gado às suas margens, e çom a descoberta de ouro o São Francisco tornou-se
ma das principais rotas da zona mineira.
No tempo do descobrimento do Brasil, os habitantes indígenas eram os índios Tupis,
ue ocupavam a região costeira desde a foz do Amazonas até São Vigente. Embora falas-
:m uma língua comum, os tupis estavam divididos em diversas nações, frequentemente
m guerra umas com as outras. Na Bahia havia duas tribos principais, os Tupinambás e os
upiniquins. Os Tupinambás ocupavam o Recôncavo e o território que se estende para o
orte, até o rio São Francisco.Os Tupiniquins viviam na área em direção ao sul, da Baía de
'odos os Santos até Porto Seguro. Esse último grupo fora descrito em tempos coloridos
or Vero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, em sua carta, de l de maio de
500. a D. Manuel relatando a descoberta do Brasil e os costumes do povo. A maior parte
los índios que viviam no interior da capitania era conhecida como Tapuias,termo genérico
ara cerca de setenta tribos que habitavam aquela regiâb à época da descoberta.
Cabral não visitara a baía de Todos os Santos em sua viagem de descobrimento, mas é
rovável que o navio de suprimentos despachado para Portugal a fim de anunciar o desco-
rimento o tivesse feito. Esse navio seguiu o litoral brasileiro em direçãó ao norte,de Porto
eguro ao Cabo São Roque, fazendo sondagens e mapeando a costa. E quase inconcebível
ue o. comandante deixasse de notar a maior baía dessa parte da costa, num ponto em
ue o litoral brasileiro se volta subitamente para nordeste. A primeira frota européia a lan-
ar âncora na baía foi provavelmente aquela que trouxera o cosmógrafo florentino
.médico Vespúcio, contratado por D. Manuel para fazer observações astronómicas e ma-
as. Esse esquadrão de três navios entrou na baía no dia de Todos os Santos em 1501 e os
istoriadores em geral concordam que o nome da baía deriva da data do desembarque.
lesma ocasião a frota permaneceu menos de üma semana, mas Váspucci pode haver revisi-
ldo a baía em 1503 e feito diversas viagens pelo Recôncavo.
A baía de Todos os Santos fora um dos principais centros da rivalidade comercial ga-
)-portuguesa. A primeira visita registrada de um navio francês à baía foi em 1504. Os
mercadores franceses não estabeleciam feitorias, como era o costume dos portugueses.
referiam deixar uM agente que confraternizava com os nativos e os estimulava a comer-
iar com os franceses. lsm contrastava flagrantemente com os portugueses, que assumiam
atitude de senhores em relação aos índios e procuravam estabelecer pequenos entrepos-
)s comerciais, como estipulado pelos ternos de seus contratos. Enquanto os franceses
ram assimilados,os p(xtugueses pemtaneciam como objeto de suspeitas. Houve uma exce
bém a construção de dois engenhos de açúcar para a moagem de cana. .
Esse ini'cio promissor logo se tomou por discórdias. A idade avançada e temperamen-
Tomé de Sousa como GovernadorGeral do Brasil em 1549. . . .
Tomé de Sousa desembarcou em 29 de março de 1549 na angra abrigada da costa su
ros, e o planejamento cuidadoso contrastava com o das frotas que anualmente zarpavam
do Teia para a Índia. O detalhado ''Regimento" era apoiado por cerca de l .O(xi homens
cuidadosamente selecionâdos para construir a nova cidade e para, uma vez cumprida essa
38 FI DALGOS E FILANTR OPOS A CIDADE DO SALVADOR, IS49-1763
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tarefa, organizar o governo civil. A defesa da Bahia foi confiada a 320 soldados de nacio-
nalidades mistas em serviço como mercenários. Um punhado de bombardeiros, piqueiros,
arqueiros e mosqueteiros qualificados compunha o contingente militar. A população vivi
se compunha de carpinteiros, pedreiros, azulqistas, caiadores e trabalhadores de taipa. A
mão-de-obra não qualificada era composta de cerca de 600 degredados. A construção da
nova capital foi entregue a esses homens, sob a direção do conhecido arquiteto e enge-
nheiro Luis Dias. A saúde da expedição estava a cargo do doutor Jorge de Valadares e do
farmacêutico Diogo de Castro. Um pequeno grupo de seisjesuítas, chefiados por Manoel
da Nõbre@., tinha a tarefa de propagar o catolicismo e converter os índios. D. Jogo lll
também dera à nova capital um corpo de burocratas para estabelecer a lei e ordem públi-
cas. Os mais importantes eram o Dr. Pedro Borges, Ouvidor Geral do Brasil, e Antonio Car-
doso de Barros, Provedor-mor da Fazenda Real. Esses funcionários possuíam equipes para
tratar de todos os aspectos da administração -- comércio, casos judiciários, cobrança de
impostos e direitos alfandegários, e a formulação de regras para a navegação costeiras .
Tomo de Souza tinha ordens para encontrar um lugar mais adequado para a constru-
ção de uma fortaleza e para a futura capital do que o escolhido por Francisco Peneira Cou-
tinho. O novo .lugar deveria proporcionar ancoradouro seguro, boas possibilidades defensi-
vas e salubridade. Durante o mês de abril de 1549, Tomé de cousa concentrou-se no forta-
lecimento da estacada de Vila Velha e no exame dos possíveis locais. da nova cidade. O lu-
gar finalmente escolhido ficava também na costa sudeste, um pouco mais para dentro da
baía do que Vila Velha. Um terreno acidentado encimando uma barranca íngreme, com
estreita praia, tornava o lugar ideal para a localização da nova cidade. O jesuíta Manoel da
Nõbrega descreveu o lugar como sendo em "muito bom sítio sobre a praia, em local de
muitas fontes, entre mar e terra'':3 . Ali se fundaria a Cidade do Salvador, capital do Brasil
de 1549 a 17634
As ferramentas e muitos dos materiais de construção para a nova cidade haviam sido tra-
zidos da Europa. Tomé de Sousa ganhara a confiança dos índios, que ajudaram na construção
de um armazém na praia. Um pequeno acampamento de casas, pelo menos temporárias,
para artesãos, levantou-se em volta .do armazém e fic(5u conhecido comumente como ''po
voação da praia''s . Um dos primeiros edifícios construídos por Tomé de Souza foi uma
pequena

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