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1 Disciplina: Direito Administrativo Constitucional Autores: M.e Luis Alberto Hungaro Revisão de Conteúdos: Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica: Juliano de Paula Neitzki Ano: 2018 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Luis Alberto Hungaro Direito Administrativo Constitucional 1ª Edição 2018 Curitiba, PR Editora São Braz 3 FICHA CATALOGRÁFICA HUNGARO, Luis Alberto. Direito Administrativo Constitucional / Luis Alberto Hungaro. – Curitiba, 2018. 55 p. Revisão de Conteúdos: Murillo Hochuli Castex. Revisão Ortográfica: Juliano de Paula Neitzki. Material didático da disciplina de Direito Administrativo Constitucional – Faculdade São Braz (FSB), 2018. ISBN: 978-85-5475-252-1 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da disciplina Esta disciplina propõe-se a abordar os seguintes conteúdos: os fundamentos da República Federativa do Brasil, incluindo direitos e deveres individuais aplicados às instituições militares federais e estaduais e a seus integrantes; o direito de nacionalidade e direitos políticos aplicados aos integrantes das instituições militares; as competências constitucionais e a legislação das instituições militares federais e estaduais; a disciplina constitucional da Administração Pública e das instituições militares federais e estaduais; a intervenção federal e estadual, contemplando a defesa do Estado e das instituições democráticas e funções essenciais à Justiça; as Inovações constitucionais acerca da competência da Justiça Militar dos Estados e seu reflexo para o exercício do poder disciplinar e da polícia judiciária militar; a Justiça Militar da União e Estadual e os novos rumos em face às propostas de alteração de sua competência; a internacionalização do Direito Penal Militar, bem como a tríplice responsabilidade dos militares. 6 Aula 1 – Fundamentos da República Federativa do Brasil e direitos e deveres individuais em intersecção com as Instituições Militares e seus representantes Apresentação da aula 1 Nesta aula serão estudados temas referentes ao Direito Constitucional e a sua influência no ordenamento jurídico militar. Dessa forma, serão contemplados os fundamentos da República Federativa do Brasil e as razões de sua classificação como Estado Social Democrático de Direito. Em seguida, serão vistos alguns dos direitos decorrentes dessa forma de governo. Por fim, serão relacionados os temas estudados com as Instituições militares, seus representantes e integrantes, especialmente no que concerne ao direito de nacionalidade e os direitos políticos. Nesse sentido, a presente aula é importante para quem quer compreender como o regime constitucional é fundado na concepção de Estado Social Democrático de Direito e como isso afeta a seara militar, mostrando-se como base para o desenvolvimento do presente curso. 1. Fundamentos da República Federativa do Brasil A República Federativa do Brasil tem suas bases previstas no art. 1º da Constituição Federal. O dispositivo citado prevê como fundamento da República a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Dessa forma, mostra-se fundamental discutir cada um desses atributos. CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 7 I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_1_.asp Esses fundamentos são decorrentes da concepção de Estado Social Democrático de Direito. No caso do Brasil, o próprio preâmbulo da Constituição Federal prevê a adoção dessa concepção. Estado Social Democrático de Direito Fonte: https://i2.wp.com/mundodapolitica.com/wp-content/uploads/2018/02/Estado- Democra%CC%81tico-de-Direito.jpg?fit=1200%2C628&ssl=1 Sucintamente, faz-se breve histórico da evolução do Estado, tendo como ponto de partida o Estado absolutista, que visa meramente atender às vontades de seu soberano. Tal panorama é irrompido com a Revolução Francesa, em 1789, em que se cria uma nova tendência na atuação estatal, rompendo com as práticas absolutistas. A partir desse momento, o Estado se preocupava em limitar os seus próprios poderes em respeito aos direitos dos administrados, em uma espécie de prestação negativa. Nesse momento, surge o Estado Democrático. Posteriormente, além dessa conduta negativa de não interferir na esfera dos seus administrados, o Estado passa a garantir os direitos sociais básicos e https://i2.wp.com/mundodapolitica.com/wp-content/uploads/2018/02/Estado-Democra%CC%81tico-de-Direito.jpg?fit=1200%2C628&ssl=1 https://i2.wp.com/mundodapolitica.com/wp-content/uploads/2018/02/Estado-Democra%CC%81tico-de-Direito.jpg?fit=1200%2C628&ssl=1 8 a regular a economia por meio de uma prestação positiva, chamado de Estado Social, tendo como expoentes a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar, em 1919. O ideal de Estado Social Democrático foi concebido no período da Revolução Industrial, que trouxe diversos problemas de ordem social à população, principalmente pela exploração da mão de obra do trabalhador. A partir desse momento, o administrado passa a ter uma série de direitos garantidos que visam o bem-estar social e condições dignas de vida, passando a ser considerado cidadão. Adiante, os fundamentos da República serão expostos em vista dessa concepção de Estado. 1.1 A soberania Importante A soberania remete ao poder do Estado, tanto em âmbito interno, perante os seus cidadãos e organizações da iniciativa privada, de modo que o Estado em si é a figura maior, bem como em âmbito externo em face aos demais Estados, impondo a sua independência e autonomia. Francisco Rezek aponta que a soberania é um dos traços de reconhecimento de um Estado, apontando que se identifica tal traço “quando seu governo — ao contrário do que sucede com o de tais circunscrições — não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em últimaanálise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências, e só se põe de acordo com seus homólogos na construção da ordem internacional (...)” (REZEK, 2011). Dessa forma, o Estado é a maior figura dentro do território Nacional e se mostra autônomo e independente em face aos outros países. Tal traço é inerente à figura do Estado e, no caso do Brasil, não seria diferente. 9 1.2 A cidadania O vocábulo cidadania provém do latim civitas, que significa cidade. Esse conceito está ligado intrinsecamente às pólis gregas e romanas e diz respeito à participação política (REZENDE FILHO, 2001). Em sua concepção antiga, a cidadania se referia às pessoas que faziam parte da cidade e possuíam direitos e deveres por habitar nela. A cidadania é um dos pilares do Estado Brasileiro. Sobre esse tema, Dalmo de Abreu Dallari ensina que: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” (DALLARI, Dalmo de Abreu. 1998). Portanto, a cidadania se mostra como base do Estado Brasileiro e, por isso, é fundamental a participação da população na fiscalização e participação da atuação estatal. Sobre os direitos que o cidadão possui, tem-se a chamada dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado, em relação intrínseca com a cidadania. 1.3 A dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana refere-se a um princípio-base do Estado Brasileiro, que imputa o dever de garantir ao cidadão a satisfação de seus direitos e necessidades mais básicas, ou seja, a proteção ao mínimo existencial. Assim, ainda que a atuação estatal vise alcançar a supremacia do interesse público, se aquela infringir a dignidade da pessoa humana de um cidadão, a ação do Estado deverá ser preterida (BARROSO, 2010). Nesse sentido, Luiz Roberto Barroso aponta que: “Em síntese sumária, a dignidade da pessoa humana está no núcleo essencial dos direitos fundamentais, e dela se extrai a tutela do mínimo existencial e da personalidade humana, tanto na sua dimensão física como moral” (BARROSO, 2010). 10 Vocabula rio Conforme Luis Roberto Barroso, o mínimo existencial é a locução que remete ao conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral (BARROSO, 2010). Como o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, trata-se de um dever fundamental do Estado efetivar o respeito a esse princípio, garantindo o mínimo existencial ao cidadão brasileiro e àqueles presentes em seu território. 1.4 Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa remetem basicamente ao trabalhador e ao empregador/empresário. Esses fundamentos da República são imprescindíveis, uma vez que o trabalho e a livre iniciativa do empreendedor são os motores da economia e, consequentemente, do desenvolvimento material da sociedade. O Direito do Trabalho se mostra uma ferramenta importante para garantir os valores sociais do trabalho e a proteção ao trabalhador. Ao mesmo tempo, a livre iniciativa também deve ser protegida, porém balizada pela lei, para que esses fundamentos tenham um equilíbrio entre si. Sobre a dignidade do trabalhador, Thereza Gosdal nos ensina que: “no âmbito das relações de trabalho a dignidade assume a característica de instrumento contra as violações de direitos fundamentais dos trabalhadores, que os desconsideram como sujeitos de direitos” (GOSDAL, 2007). Nesse sentido, se pauta o fundamento da república ora discutido: proteção ao trabalhador e de sua dignidade em face à dinâmica do mercado. Essa preocupação surge como traço do Estado Moderno no período da Revolução Industrial, período em que não havia qualquer proteção ao trabalhador. 11 Em relação à livre iniciativa, Celso Ribeiro Bastos ensina que essa se “consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado. Este princípio conduz necessariamente à livre escolha do trabalho, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana” (BASTOS, 2000). Vale citar que a livre iniciativa encontra restrições para a proteção do mercado, seus agentes e do próprio trabalhador, alcançando assim a noção de dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, temas já analisados. 1.5 O pluralismo político Uma das bases da República Democrática Brasileira diz respeito à pluralidade política, ou ainda, de partidos políticos, o que permite um número ilimitado de partidos políticos no cenário nacional, desde que atendidos os requisitos previstos na lei constitucional e eleitoral. Assim, visa-se contemplar diferentes ideologias e proteger a faculdade de participação da sociedade no âmbito político por intermédio das mais diversas legendas. Esse é um traço característico dos Estados Democráticos e evidencia o propósito de gerar a descentralização do controle de poder por parte de uma ideologia única. Tal fundamento se trata de um meio da proteção ao direito de expressão. Vale citar ainda a importância dos partidos políticos, conforme aponta Dieter Grimm (MENDES, 2013): “são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem a função de mediação entre o povo e o Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral”. 12 CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: Regulamento I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei. § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. § 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. § 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente: I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. § 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar. § 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiaçãoconsiderada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_17_.asp Evidentemente, o pluralismo político se mostra como base da democracia ao permitir a coexistência das mais diversas ideologias e ainda permitir que a pessoa humana exerça sua cidadania. 1.6 Os direitos e deveres individuais do cidadão Conforme já analisado, com a evolução do Estado, o cidadão adquiriu uma série de direitos e deveres que devem ser garantidos pela atuação estatal, seja em vista de não ferir os direitos fundamentais, mas também por intermédio 13 da prestação de serviços públicos essenciais ao bem-estar da população. Isso é garantido pela dignidade da pessoa humana, conforme já visto. No âmbito da Constituição Federal, os direitos e deveres individuais estão dispostos no decorrer de seu bojo, porém sua grande maioria se concentra no art. 5º e os seus incisos. O Estado Brasileiro tem como dever proteger tudo isso, conforme expresso no preâmbulo da Constituição. Luís Roberto Barroso ensina que No tocante à Democracia, é possível considerá-la em uma dimensão predominantemente formal, que inclui a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais, frequentemente referidos como liberdades públicas – como as liberdades de expressão, de associação e de locomoção –, realizáveis mediante abstenção ou cumprimento dos deveres negativos pelo Estado (BARROSO, 2010) Por se tratar da base Estado Social Democrático de Direito, as Instituições Militares e seus representantes deverão respeitar os direitos e deveres previstos na Constituição Federal, devendo, inclusive, atuar com vistas a efetivar esses direitos, defendendo a Pátria e garantindo os poderes constitucionais, sob autoridade do Presidente da República. 1.6.1 Os direitos de nacionalidade A declaração Internacional de Direitos Humanos prevê em seu artigo 15 que todo ser humano tem direito à nacionalidade, não podendo ser privado de ter tal direito, tampouco de mudar a sua nacionalidade. Esse direito possui notoriamente o status de direito fundamental e no Brasil não é diferente. A nacionalidade nada mais é do que “um vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Estado” (REZEK, 2011). Vale realizar algumas observações sobre a nacionalidade: O titular da nacionalidade se trata somente da pessoa humana e o Estado soberano é o único legitimado para outorgar a nacionalidade (REZEK, 2011). A Constituição prevê alguns critérios para se adquirir a nacionalidade brasileira: (a) nascer no território brasileiro (critério ius solis); (b) ser descendente de pai ou mãe brasileiro, independentemente do local de nascimento, (critério 14 ius sanguinis). Já as especificidades de aplicação desses critérios estão dispostas no art. 12 da Constituição Federal. CONSTITUIÇÃO FEDERAL [...] Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_04.06.1998/art_12_.asp 1.6.2 Direitos políticos Os direitos políticos são aqueles inerentes à participação popular no Estado Democrático, mediante a condição de cidadão. Por intermédio desses direitos, participa-se do processo político, seja pelo voto, ou outra manifestação. No Brasil, particularmente, tem-se o voto nas eleições, em referendos e plebiscitos. A Constituição Federal prevê nos arts. 14, 15 e 16 a especificação desses direitos. Vale citar a lição de Gilmar Ferreira Mendes acerca da temática: “Os direitos políticos formam a base do regime democrático. A expressão ampla refere-se ao direito de participação no processo político como um todo, ao direito ao sufrágio universal e ao voto periódico, livre, direto, secreto e igual, à autonomia de organização do sistema partidário, à igualdade de oportunidade dos partidos” (MENDES, 2013, p. 681). Ante a isso, fica evidente que os direitos políticos se mostram como base da Democracia e, assim, corroboram com o pluralismo político, fundamento da República Federativa Brasileira. Por fim, vale citar o que está previsto no art. 1º 15 da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Essa é mais uma ratificação que o legislador incluiu no texto constitucional com o intuito de reforçar o regime Democrático e a pluralidade política. 1.7 Os militares e os direitos políticos Os militares estão sujeitos a um regime diferenciado em relação aos seus direitos e, no caso dos direitos políticos, não seria diferente, por exemplo: a Constituição prevê a impossibilidade de se filiar a partidos políticos. Nessa via, é importante analisar como os militares e as suas instituições comunicam os direitos e deveres fundamentais, em específico, os direitos políticos. Partindo da restrição à filiação a partidos políticos, e, consequentemente, de serem eleitos enquanto constarem como servidores ativos do exército, os militares chamados ao serviço militar têm a sua cidadania passiva restringida, não possuindo o direito de serem votados (SILVA, 2000, p.391). Os Militares e os Direitos Políticos Fonte: https://pixabay.com/pt/os-militares-partida-servi%C3%A7o-569899/ Assim, aqueles chamados a cumprir o serviço militar não possuem capacidade eleitoral ativa e são absolutamente inelegíveis – os chamados conscritos nos termos do art. 3º, 5, do Dec. 57.654/66. Os militares de carreira não se incluem na vedação ora discutida, posto que a sua adesão ao exército se trata de exercício de sua vontade (CASSEB, 2015, p.135). 16 A Lei 6.880/80 prevê que os militares não poderão utilizar seus uniformes em manifestação e nem usar as designações hierárquicas para fins políticos. A Constituição Federal prevê a possibilidade do militar alistável se eleger, porém deverá se afastar da atividade militar ou será passado para a inatividade, a depender do caso (cf. art. 14, §8º da Constituição Federal), (SALGADO, E.D. 2013. p.354). Tais medidas visam proteger a Democracia e as atribuições do voto (CASSEB, 2015. p.135). Sobre essa possibilidade, cita-se o teor do art. 14, §9º. CONSITUIÇÃO FEDERAL Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_atual/art_14_.asp A partir do dispositivo supracitado, fica evidente que é legítima a restrição à elegibilidade dos militares, uma vez que visam proteger a democracia (CASSEB, 2015, p.139). Nesse sentido, há a intenção de se fundar um partido militar brasileiro, porém isso ainda não foiconcretizado. Consoante Eneida Desiree, tal medida pode ser interessante para verificar o alcance das restrições aos direitos políticos dos militares, bem como por a prova a extensão da Democracia do Brasil (SALGADO, 2013, p.358). 1.8 Os militares e o direito de nacionalidade A nacionalidade representa um critério fundamental para aqueles que deverão seguir a carreira no exército. Isso porque a Constituição Federal prevê 17 em seu art. 12, §3º que apenas os brasileiros natos poderão obter o cargo de oficial das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Isso significa que nos casos em que o oficial das Forças Armadas perder sua nacionalidade, ele consequentemente perderá seu cargo. O art. 12, §4º da Constituição prevê que o brasileiro nato perderá sua nacionalidade a partir do momento em que adquirir outra nacionalidade, salvo os casos em que comportar exceção (alíneas a e b do artigo em comento). A princípio, o militar que perder a nacionalidade deverá ser desligado dos quadros da Instituição, enquanto que o oficial deverá perder o posto e a patente, por ser considerado indigno para o oficialato nos termos do art. 120, IV do Estatuto dos militares (SOARES, 2012). Segundo o site do Itamaraty, a perda da nacionalidade se dará mediante processo administrativo, com direito ao contraditório e exercício da ampla defesa. O Órgão ainda afirma que esse processo não é automático, mas que pode ser instaurado pelas autoridades. Existe a possibilidade de reaquisição da nacionalidade, desde que a causa de perda se cesse, nos termos do art. 76 da Lei 13.445/2017. Nesse caso, o ex-militar não é reintegrado automaticamente às Forças Armadas e precisará prestar novo concurso público, caso deseje se tornar militar novamente (SOARES, 2012). Conclusão da aula 1 Conforme exposto durante a primeira aula, evidencia-se que o Brasil se configura como um Estado Social Democrático de Direito em que o cidadão possui uma gama de direitos e deveres garantidos pelo modelo de Estado. Nesse sentido, verifica-se que a consecução dessa prerrogativa do cidadão é o objetivo do Estado Brasileiro. Esses direitos e deveres deverão ser respeitados por todos e no caso das Forças Armadas não seria diferente. Ao longo da aula foi realizado a comparação entre os direitos políticos e o direito de nacionalidade em relação aos militares. A partir dessa análise, verificou-se que os direitos políticos dos integrantes das Forças Armadas são limitados em vista de proteger a Democracia, enquanto que a perda da Nacionalidade pode imputar na perda do cargo militar. 18 Nesse sentido, procurou-se inserir a questão militar no debate: a influência das forças armadas nesses direitos e deveres e a relação dos militares com os direitos políticos e de nacionalidade, em vista de se verificar se há particularidades no exercício dessas garantias por parte do agente militar. Atividade de Aprendizagem A Constituição Federal prevê em seu corpo uma gama de direitos e deveres aos cidadãos. Dessa forma, explique qual o fundamento para a garantia desses direitos e, à luz dos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, explique qual o papel das Forças Armadas em relação a essa prerrogativa dos cidadãos. Aula 2 – Competências constitucionais, legislação e a disciplina constitucional da administração pública das instituições militares Apresentação da aula 2 A presente aula tem como intuito o estudo de temas referentes ao Direito Constitucional e Administrativo, com destaque à intersecção entre essas matérias e as Instituições Militares de cunho federal e estadual. Dessa forma, será analisada a competência das Instituições Militares atribuídas pela Constituição Federal, fazendo uma breve análise da legislação militar. A seguir, será o momento de analisar a disciplina constitucional da Administração Pública e como a Constituição modulou a atuação dos agentes públicos, mediante os princípios constitucionais, realizando-se um cotejo com as instituições militares, enquanto parte do Estado, tendo o dever de atender o interesse público e a probidade administrativa. Em vista de compreender o universo das Instituições Militares, é fundamental verificar o tratamento dado a elas pela Constituição Federal pela legislação infraconstitucional, bem como se dá o funcionamento do ordenamento jurídico administrativo, para então constatar as especificidades da administração militar. 19 2.1 As competências constitucionais das instituições militares federais e estaduais A Constituição Federal prevê em seu bojo a competência das Forças Armadas no nível da Federação e das instituições militares em nível estadual. Os artigos referentes a essas competências são as estruturas do ordenamento militar, de modo que o tratamento mais específico fica por conta das leis infraconstitucionais, como será visto adiante. 2.2 A competência constitucional das Forças Armadas em nível Federal A competência constitucional das Forças Armadas está prevista no art. 142 da Constituição Federal. Em análise ao dispositivo, nota-se que as Forças Armadas são compostas por: Exército, Aeronáutica e a Marinha. O artigo também aponta a finalidade: a defesa da Pátria brasileira, a garantia dos poderes constitucionais, e, por iniciativa desses, a lei e a ordem, quando necessário. CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 142 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [...] Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_142_.asp A autoridade máxima das Forças Armadas é o Presidente da República, de modo que ele é responsável pela nomeação dos oficiais, dando-lhes a patente, com as devidas prerrogativas (cf. art. 142, I, da CFRB). O artigo em comento ainda prevê a impossibilidade do uso do Habeas Corpus em caso de prisão militar, a necessidade da promulgação de leis infraconstitucionais especiais para a tutela das Forças Armadas, entre outros direitos e vedações dos militares. 20 Outros pontos relevantes se tratam da vedação dos militares em participarem de Partidos Políticos, a sindicalização e a greve, bem como da possibilidade de perda de seu posto e da patente, no caso de indignidade ou incompatibilidade mediante decisão de Tribunal. Posteriormente, será analisada a competência referente à esfera estadual. 2.3 A competência constitucional das Forças Armadas em nível estadual A Constituição Federal tutela, a partir do artigo 144, a questão da segurança pública. O legislador optou por conferir a competência das Forças Armadas em nível estadual neste capítulo. A polícia estadual é composta pela Polícia Militar do Brasil e o Corpo de Bombeiros Militar e são tidos como forças auxiliares e reservas do Exército, subordinadas aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, nos termos do parágrafo 6º do art. 144. CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art.144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (...) § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As polícias militarese corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_144_.asp A Constituição ainda tratou de especificar a função da Polícia Militar como o dever de polícia ostensiva e preventivo, bem como pela preservação da ordem 21 pública, enquanto que o Corpo de Bombeiros, além das atribuições definidas em lei, deve executar as atividades de defesa civil. De um modo geral, o dever do Corpo de bombeiros trata-se de combate a incêndios, captura de animais silvestres, desempenho de primeiros socorros em casos de acidentes de trânsito e desastres naturais, além de outras práticas que visam o bem-estar da população. Como se tratam de entidades de nível estadual, cada Estado terá sua legislação referente ao trabalho dessas corporações. O legislador optou por prever a necessidade de criação de leis para tutelar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de modo a alcançar suas especificidades e garantir a eficiência das atividades em cada Estado. Acerca da estrutura, a polícia a militar possui a composição militar pautada em hierarquia e com o dever de disciplina, com as devidas patentes e graduações, porém não há o posto de oficial general (ROSA, 2007). O corpo de bombeiros, por sua vez, tem estrutura variada, mudando de acordo com o Estado em comento: em alguns casos, os bombeiros estão vinculados à polícia militar, em outros, configura-se como estrutura autônoma com suas próprias especificidades. 2.4 A legislação das instituições militares federais e estaduais Como já visto, a Constituição Federal instituiu a Competência das Instituições Militares em nível federal e estadual. Além disso, previu a necessidade de o legislador criar leis a fim de tutelar essas instituições, seja em nível federal ou estadual. Assim, mostra-se essencial analisar sucintamente quais são os principais diplomas referentes a essas instituições. Em âmbito federal, além do previsto na Constituição Federal, tem-se o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar, o Estatuto dos militares e outros diversos diplomas. Há o caráter especial do Direito Penal Militar em relação ao Direito Penal tradicional, posto o órgão especial que o aplica: As Justiças Militares e o Superior Tribunal Militar. Julio Mirabete ensina que a distinção entre o Direito Penal e o Direito Penal Militar só pode ser identificada 22 ao analisar o órgão encarregado de aplicar cada um desses direitos (MIRABETE, 2003). Há muitas divergências na doutrina acerca dessa especialidade, porém, entende-se que ela provém do objeto da tutela jurídica do Direito Penal Militar: a regularidade das instituições militares, compreendendo os crimes previstos no Código Penal Militar (NEVES, 2012). Consequentemente, existe também o Código de Processo Penal Militar, que prevê um procedimento diferenciado para se aplicar o seu regime penal especial. No mesmo sentido, aponta Gilmar Ferreira Mendes: “a competência da Justiça Militar limita-se aos crimes militares definidos em lei (art. 124 da CRFB) (...). Por essa razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento segundo o qual a Justiça especializada deve julgar os delitos militares e não os crimes praticados por militares” (MENDES, 2013). O Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980), por sua vez, regulamenta as obrigações, direitos, deveres e prerrogativas dos integrantes das Forças Armadas. Esse Estatuto foi promulgado em 1980 pelo então presidente João Figueiredo. É nessa lei, por exemplo, que se prevê que os membros das Forças Armadas formam uma categoria especial de servidores da Pátria. Lei 6.880 de 1980 Art. 1º O presente Estatuto regula a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas. Art. 2º As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei. Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares. [...] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880compilada.htm No que concerne às Instituições Militares Estaduais, conforme já citado, cada Estado fica responsável por legislar acerca da estruturação e regras de sua Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Notoriamente, as leis criadas em nível 23 estadual deverão estar em consonância com as normas constitucionais e federais, no que for aplicável, ante a hierarquia das normas jurídicas. Assim, cada Estado cria seu conjunto de leis em vista de alcançar as suas especificidades sociopolíticas. Via de regra, há um estatuto da Polícia Militar e um Estatuto do Corpo Bombeiros prevendo a organização geral, a hierarquia, os direitos, obrigações e outras informações inerentes à categoria. Por exemplo, no caso do Estado do Paraná, o Estatuto da Polícia Militar prevê os pontos supracitados e ainda atribui autonomia ao Corpo de Bombeiros. Curiosidade Observa-se que, em alguns Estados, o Corpo de Bombeiros é uma subdivisão da Polícia Militar, por opção do legislador. Lei 1.943 de 1954 - Paraná Art. 28. O Corpo de Bombeiros, como unidade militar integrante da Corporação, tem uma organização especial e atribuições de carater técnico, cumprindo-lhe defender a propriedade publica e particular contra o fogo e outras calamidades. Art. 29. Administrativamente, a unidade é autônoma para aplicar os meios que lhes foram atribuídos pelos órgãos competentes do poder público. Disponível em: http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codAto=14555 Superada a questão das competências atribuídas pela Constituição Federal às Instituições Militares Federais e Estaduais, bem como a breve análise da legislação infraconstitucional aplicável a essas instituições, evidencia-se que o Ordenamento Jurídico Militar possui diversas especificidades, inclusive tendo autonomia de julgamento de suas infrações. No que concerne a legislação referente à sua atividade, há alguns pontos que são exclusivos e outros que se aproximam do regime geral da Administração Pública, conforme será visto adiante. 24 2.5 A disciplina constitucional da administração pública A Constituição Federal Prevê em seu art. 37 diversos princípios que estruturam a Função Administrativa do Estado, que, por sua vez, é efetivada mediante a Atividade de Estado. Consoante Celso Antônio Bandeira de Mello, a função administrativa “é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica” (MELLO, 2012). Importante O Estado tem como princípio basilar, em sua atuação, a Supremacia do Interesse Público sobre o privado. Assim, fala- se em regime jurídico-administrativo: um conjunto de normas sistematizadas e voltadas para uma finalidade jurídica que é a efetivação do Interesse Público. Citam-se, em especial, os princípios estruturantes: o Princípio da supremacia do Interesse público sobre o interesse privado e o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público. Vocabula rio Consoante Celso Antônio Bandeira de Mello, o interesse público seria o resultado do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando consideradosem sua qualidade de membros da sociedade. IN: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. O Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado vincula a autoridade pública em toda a sua atuação, de modo que deve se ater às leis de direito público, como poder-dever, que visam proteger o Interesse Público sobre o interesse individual, sem qualquer desvio de finalidade e, assim, os cidadãos se sentem protegidos em relação aos seus direitos (DI PIETRO, 2012). 25 Intrinsecamente ligado ao supracitado princípio, tem-se o princípio da indisponibilidade do interesse público pelo privado, que prevê que o interesse público, da coletividade, não é passível de ser apropriado e que não estão à disposição do administrador, tampouco pode ser flexibilizado. Sobre esse princípio, é válido citar a concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Sendo os interesses públicos qualificados como próprios da coletividade, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja por inapropriáveis” (MELLO, 2012). O titular desses interesses públicos é o Estado, que protege e os exercita por meio da função administrativa, mediante conjunto de órgãos (chamados de administração direta), veículos da vontade estatal consagrada em lei. Além desses princípios estruturantes ainda temos os princípios decorrentes do caput do art. 37 da Constituição, quais sejam o Princípio da Legalidade, Princípio da Impessoalidade, da Moralidade Pública, o Princípio da Publicidade e o Princípio da Eficiência previstos na Constituição Federal. CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_04.06.1998/art_37_.asp Dessa forma, é necessário analisar brevemente os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. 2.5.1 Princípios do direito administrativo O princípio da legalidade se trata de importante premissa para o Estado de Direito, visto que remete à necessidade da Administração Pública, em todos os seus níveis, se submeter à lei e atuar pautada nela. Esse princípio “é em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na 26 conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei” (MELLO, 2012, p. 103); O Princípio da impessoalidade prevê que o Administrador Público jamais deverá atuar em favor de razões individuais, seja em seu favor, ou de modo a beneficiar ou prejudicar terceiros. “A ideia da impessoalidade vincula-se às experiências de vida dos administradores, as quais não devem afetar o seu proceder, obrigatoriamente informado pelo interesse público” (BACELLAR FILHO, 2005, p.45); O Princípio da moralidade evidencia que o agente público deve atender a moral em suas condutas. Sobre esse princípio, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que: “de acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição” (MELLO, 2012, p. 122); Já o princípio da publicidade prevê que a administração pública deverá divulgar os seus atos praticados, permitindo ao cidadão o livre acesso das informações e acompanhamento dos atos da administração, exceto os dados sigilosos. De acordo com Marçal Justen Filho, o princípio impõe que todos os atos do procedimento sejam previamente levados ao conhecimento público, que a prática de tais atos se faça na presença de qualquer interessado e que o conteúdo do procedimento possa ser conhecido por qualquer um” (JUSTEN FILHO, 2013, p.353); Por fim, o Princípio da eficiência trata do dever da Administração Pública em agir com eficiência ao exercer a função administrativa. Marçal Justen Filho ensina que a eficiência se trata da consideração da atividade administrativa sob o prisma econômico e político, em que os recursos escassos devem ser utilizados para 27 alcançarem o melhor resultado econômico, de forma quantitativa e qualitativa (JUSTEN FILHO, 2013, p.501). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Em seu livro Curso de Direito Administrativo, Marçal Justen Filho apresenta o direito administrativo como um instrumento de promoção da dignidade humana e de realização dos direitos fundamentais; de maneira didática e contemplando a jurisprudência atualizada dos tribunais. 2.6 A aplicabilidade das diretrizes administrativas às Instituições Militares Neste momento pretende-se realizar uma análise para verificar se a Disciplina Constitucional da Administração Pública é aplicável às Instituições ora estudadas. Os art. 142 e 144 disciplinam, respectivamente, a organização básica das Forças Armadas a nível federal e estadual. Os agentes públicos que atuam nas Forças Armadas são considerados uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares, conforme prevê o art. 3º do estatuto dos militares. Esses agentes possuem vínculo estatutário sujeito ao próprio regime jurídico, mediante remuneração de responsabilidade do Governo, logo, são servidores públicos especiais. A Constituição ainda prevê no art. 42 que os membros das instituições militares estaduais são militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios. O parágrafo primeiro desse artigo ainda prevê que esses agentes estão sujeitos a legislação própria. Nessa via, é evidente que há regime diferenciado em relação ao servidor civil. O art. 142, VIII da Constituição Federal prevê poucas possibilidades em que se aplicam ao Militares as previsões comuns do artigo 37, elas se encontram previstas nos incisos XI, XIII, XIV e XV. Vale lembrar que as diretrizes do regime jurídico-administrativo são válidas para todos os agentes públicos, incluindo as Forças Armadas, de modo que o militar poderá ser responsabilizado na esfera cível, penal e administrativa, caso sua atuação cause danos a terceiros. 28 CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite(...) XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores; XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_37_.aspConclusão da aula 2 Ante ao exposto, conclui-se que as Instituições Militares tiveram um tratamento constitucional especial, que lhe dão autonomia e tratamento diverso do que os servidores públicos tradicionais recebem. Além disso, essa autonomia também é traço marcante das instituições militares mesmo em âmbito estadual. Isso porque o legislador optou por permitir que cada Estado criasse seu conjunto de leis para tutelar a polícia militar e o corpo de bombeiros. Conclui-se também que há uma legislação diferente com o intuito de atender ao Regime das Forças Armadas, incluindo normas penais e procedimentais específicas para atender a essa diferenciação. Por fim, em um cotejo entre o regime jurídico administrativo e as normas constitucionais exclusivas referentes aos militares, ficou claro que o militar não pode ser considerado um agente público tradicional, mas sim um servidor público 29 especial. Apesar disso, o militar está sujeito às diretrizes do Regime Jurídico Administrativo, bem como à responsabilização por seus atos. Ao longo desta aula, assim, a competência constitucional atribuída às Forças armadas em nível federal e estadual, de modo que se demonstrou importante realizar uma breve análise da legislação infraconstitucional referente a essas instituições. Nesse ponto, foi verificada a autonomia de administração e de legislação em nível estatal. Posteriormente, foi verificada a fundamentação do Regime Jurídico de Direito Administrativo e, então, comparou-se esse regime às diretrizes do Regime Administrativo Militar, de forma que pôde-se evidenciar a diferença entre o funcionário público tradicional e os militares. Atividade de Aprendizagem Disserte sobre as competências constitucionais das Forças Armadas em nível federal e estadual, apontando as especificidades dessas instituições em relação ao Regime Jurídico Administrativo. Aula 3 – Modalidades de intervenção, defesa do Estado, das instituições democráticas e das funções essenciais à Justiça Apresentação da aula Nesta aula serão analisadas as modalidades de intervenção do Estado em âmbito federal e estadual, o cabimento de cada uma dessas e a finalidade do procedimento. Adiante, serão estudadas as formas da defesa do Estado e suas instituições democráticas, a partir do sistema constitucional das crises. Por fim, serão verificadas quais são as funções essenciais à Justiça. Com o advento da Constituição Federal de 1988, foram criados instrumentos de intervenção no Estado com o intuito de proteger as bases do Estado Social Democrático de Direito em casos em que a Democracia reste ameaçada pela conjuntura sociopolítica e religiosa do país. Por isso, para se 30 entender o papel das Forças Armadas, é fundamental analisar esses instrumentos. 3.1 A organização político-administrativa do Brasil Antes de se analisar a questão da intervenção, mostra-se fundamental verificar a estrutura político-administrativa do país. Conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 18, a estrutura político-administrativa do Brasil é dividida em União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, cada um desses entes possui sua autonomia, decentralizando, assim, a Administração do país. CONSTITUIÇÃO FEDERAL TÍTULO III Da Organização do Estado CAPÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 1º Brasília é a Capital Federal. § 2º Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar. § 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_18_.asp Os Estados assumem a forma federal em razão das diferenças geográficas e culturais de sua comunidade, isso permite atender as 31 especificidades de cada ente federativo. Além disso, há segurança democrática imbuída na repartição horizontal e vertical das funções, descentralizando o controle do poder (MENDES, 2013). Vale ressaltar que a forma federativa do Estado é uma cláusula pétrea, de modo que os Estados não possuem o direito de secessão e devem seguir algumas diretrizes previstas na Constituição Federal em sua administração e no processo legislativo. Importante Quando há acontecimentos excepcionais na unidade federativa, que possam atentar contra o pacto federativo, a ordem e outros valores da Democracia, é cabível a intervenção política nesse ente, conforme será analisado adiante. 3.2 A intervenção nos entes federativos A intervenção está disciplinada no art. 34, 35 e 36 da Constituição Federal. A União, como ente maior, decorrente da junção de todos os Estados é competente para exercer a intervenção federal. Em relação à intervenção nos entes federativos, a regra é de que tal procedimento não deve ser realizado, de modo que só poderá ocorrer a intervenção nas hipóteses previstas taxativamente no art. 34 da Constituição Federal. CONSTITUIÇÃO FEDERAL CAPÍTULO VI DA INTERVENÇÃO Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I – manter a integridade nacional; II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que: 32 a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_34_.asp Assim, a intervenção só poderá ocorrer nas hipóteses previstas no artigo supracitado. São sujeitos passivos da intervenção federal os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios integrantes de territórios federais. Vale lembrar que atualmente não existem territórios federais no Brasil. Da leitura dos artigos 34 e 35 fica evidente que a União não poderá intervir nos Municípios componentes dos Estados-membros, hipótese que será vista adiante. Saiba Mais Gilmar Ferreira Mendes aponta que “embora, hoje, não haja nenhum Território, a Constituição Federal abre ensejo a que eles sejam criados, por lei complementar federal (art. 18, §2º). Esses Territórios são descentralizações administrativas da União, carecendo de autonomia. In: MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva: IDP, 2013. p.800. 3.3 O procedimento de intervenção federal A competência para decretar a intervençãofederal é exclusiva do Presidente da República (art. 84, X, CFRB). Há casos em que o Presidente pode decretar a intervenção sem provocação, como nos incisos I, II, III e V da CFRB (intervenção espontânea). Em outros casos, o Presidente poderá ser requerido (Inciso IV) nos casos em que os Poderes da unidade se sentirem sob coação 33 indevida. Nesse caso, os respectivos chefes deverão provocar o presidente (intervenção provocada), (MENDES, 2013). Nos casos citados, a intervenção não é obrigatória para o Presidente, visto que a escolha é uma faculdade dele. De qualquer forma, a decisão deverá ser submetida ao controle político do Congresso Nacional no prazo de 24 horas para ser aprovada ou rejeitada. Nos casos de intervenção espontânea, o presidente deverá ouvir o Conselho da República, porém não se vincula a tal parecer (MENDES, 2013). Nos termos do art. 36, § 1º da CFRB, a intervenção sempre deverá ser realizada mediante esse controle político do Congresso Nacional. No caso de o Congresso não estar funcionando, deverá ocorrer a convocação extraordinária daquele no prazo de vinte e quatro horas. O artigo citado prevê as condições da decretação da intervenção, entre elas a de que se cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos poderão retomá-los e desempenhar sua atividade normalmente. Há duas hipóteses em que o controle político é dispensado: quando há intervenção para prover a execução de lei federal (art. 43, VI CFRB), ou ordem judicial, ou quando há afronta aos princípios previstos no art. 34, VII CFRB (intervenção requisitada). Nesses casos, o art. 36, §3º prevê que se o decreto que suspende a execução de ato impugnado for suficiente para restaurar a normalidade, dispensa-se o controle político. 3.4 A intervenção “estadual” Conforme visto, a intervenção federal permite que se intervenha nos Estados-membros, no Distrito Federal e nos Municípios componentes dos Territórios, porém, o que ocorre nos casos em que for necessário intervir sobre os Municípios componentes dos Estados-membros do Brasil? A Constituição Federal prevê a possibilidade de o próprio Estado intervir em seu Município, também em caráter excepcional, desde que presente um dos requisitos previstos no artigo 35 da Constituição Federal. Nota-se que as hipóteses são as mesmas para a intervenção federal nos Municípios dos Territórios. 34 CONSTITUIÇÃO FEDERAL CAPÍTULO VI DA INTERVENÇÃO Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_35_.asp Assim, no caso da intervenção estadual, quem tem a legitimidade para decretá-la é o Governador do Estado. Tal decreto deverá ser específico conforme a determinação da intervenção federal (amplitude, prazo, condições etc.) e, havendo um interventor, as autoridades afetadas serão afastadas até que a normalidade seja restaurada. No caso da intervenção estadual, o controle político é realizado pela Assembleia Legislativa nas mesmas 24 horas e, caso a Assembleia não esteja funcionando, essa deverá ser convocada extraordinariamente. Há ainda as mesmas hipóteses de dispensa do controle, qual seja quando o decreto se ater a suspender a execução do ato impugnado, e se tal medida for suficiente para restaurar a normalidade. Nota-se que a intervenção estadual se trata de modalidade semelhante à intervenção federal, com o diferencial relativo somente à autoridade competente para decretá-la e para realizar o controle político. Por fim, vale diferenciar a intervenção federal da intervenção militar. 3.5 A intervenção federal vs intervenção militar A intervenção federal não se confunde com a intervenção militar. Isso porque a primeira prevê o procedimento para instauração, em que o Presidente 35 da República é a figura ativa, devendo se ater a uma das hipóteses previstas na Constituição para realizar a intervenção. Além disso, o ato será submetido ao controle político do Congresso Nacional, podendo ser rejeitado. A intervenção militar é o instrumento para efetivar a intervenção federal e se trata do uso do poder das Forças Armadas em situações especialíssimas e só ocorre com a autorização do Presidente, ouvidos os Conselhos da República e da Defesa Nacional. No caso do Brasil, a Constituição Federal prevê o uso das Forças Armadas somente no caso da própria intervenção federal, no estado de defesa e no estado de sítio. Se a intervenção militar é comandada pelas próprias Forças Armadas e sem autorização, trata-se de golpe militar. Saiba Mais A intervenção militar de 1964 é considerada um golpe militar porque a sua instauração não encontrava legitimidade da Constituição de 1946. O uso da força militar foi baseado em interesses políticos, não havendo qualquer requisição pelo presidente João Goulart ou, ainda, pelo Congresso Nacional. Assim, mostra-se prática importante analisar a defesa do Estado e das Instituições democráticas, destacando o papel das Forças Armadas nessa prática de proteção, levando em consideração a necessidade da intervenção militar nos casos específicos. 3.6 A defesa do Estado, Instituições democráticas e funções essenciais à Justiça A Constituição Federal prevê em seu corpo disposições referentes à proteção do Estado e das Instituições Democráticas, de modo que há ferramentas excepcionais para efetivar a defesa em momentos de crise. O Estado de Defesa e o Estado de Sítio são os instrumentos aptos para alcançar esse fim de proteção, conforme será visto adiante. Esses instrumentos são decorrentes do chamado “sistema constitucional das crises”, que consiste em um conjunto de normas constitucionais que, embasadas pelo princípio da necessidade e da temporariedade, são aplicáveis 36 aos momentos de crise, de modo a manter ou restaurar a normalidade constitucional, mediante a imposição de restrições consentidas às liberdades do povo (MORAES, 2003). Assim, é preciso que haja a verdadeira necessidade da aplicação do Estado de defesa ou de sítio mediante eventos que justifiquem a adoção da medida nos termos da legislação constitucional, bem como que a aplicabilidade dessas medidas seja de caráter temporário (SILVA, 2005). Uma vez verificado o sistema constitucional de crises, passa-se a analisar os seus instrumentos. 3.6.1 O Estado de defesa O Estado de Defesa está previsto no art. 136 da Constituição Federal e é aplicado para preservar ou restabelecer a ordem pública e ou a paz social, ameaçadas por grave instabilidade institucional, ou ainda em casos de calamidades advindas de catástrofes naturais. A competência para decretar o Estado de defesa é exclusiva do Presidente da República. Essa medida terá a duração máxima de 30 dias e poderá ser prorrogada uma vez, por igual período, se houver justificativa. Seu procedimento está previsto no art. 136, caput, parágrafos 4º, 5º e 6º. O controle desse decreto é realizado pelo Congresso Nacional, que designará uma comissão exclusiva para fiscalizar as medidas do Estado de defesa. CONSTITUIÇÃO FEDERAL CAPÍTULO I DO ESTADO DE DEFESA E DO ESTADO DE SÍTIO Seção I DO ESTADO DE DEFESA Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da Repúblicae o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. 37 § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. § 2º O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação. [...] § 4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta. § 5º Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias. § 6º O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa. § 7º Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201302 Em outra via, o estado de sítio comportará poucas diferenças em relação ao Estado de defesa, apesar de ter sua situação de decretação diferente, conforme será analisado agora. 3.6.2 O Estado de sítio O Estado de Sítio é aplicável nos casos em que houver comoção grave de repercussão nacional ou pela ocorrência de fatos que tornaram ineficiente a medida de decretação do estado de defesa, sendo também aplicável nos casos de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. A competência para decretar o Estado de sítio é exclusiva do Presidente da República. Tal medida pode perdurar por 30 dias nas hipóteses previstas no art. 137, I ou pelo tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira, nos termos do art. 137, II. O procedimento do Estado de sítio está previsto nos artigos 137 e 138 e também é fiscalizado pela Comissão a ser criada pelo Congresso 38 Nacional para acompanhar e fiscalizar as medidas do Estado de sítio (art. 140 CFRB). CONSTITUIÇÃO FEDERAL Seção II DO ESTADO DE SÍTIO Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta. Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas. § 1º - O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira. § 2º - Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o Presidente do Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Nacional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato. § 3º - O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas. [...] Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa e ao estado de sítio. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_137_.asp Verificada como se dá a proteção do Estado e das Instituições democráticas, é chegada a hora de se discutir acerca das funções essenciais à Justiça. 39 3.7 Funções essenciais à Justiça A Constituição Federal tutela as chamadas funções essenciais à Justiça. Elas são imprescindíveis para que se efetivem as garantias processuais, o acesso à justiça e, consequentemente, a garantia dos direitos fundamentais. Assim, essas instituições coíbem as mais diversas violações aos direitos e deveres dos cidadãos. São as instituições: O Ministério Público, a advocacia pública, a advocacia e a defensoria pública. 3.8 O Ministério Público O Ministério Público tem como papel a proteção dos interesses mais importantes da convivência social e política, tanto no âmbito judiciário como administrativo. O art. 127 da Constituição Federal prevê que é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O Ministério Público tem como missão atuar na defesa, em âmbito cível, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Além disso, promover a ação penal pública. Ademais, é possível que o legislador infraconstitucional preveja outras competências (MENDES, 2013). Trata-se de instituição autônoma que atua em âmbito federal e estadual e sua estruturação está prevista no art. 128 da Constituição Federal. O ingresso no Ministério Público, via de regra, se dá mediante concurso público. São garantidos aos membros concursados do Ministério Público a vitaliciedade, inamovibilidade do cargo, bem como impossibilidade de redução salarial. 3.9 Advocacia Pública Prevista no art. 131 e 132 da Constituição Federal, a advocacia pública é responsável por desenvolver a defesa jurídica das pessoas políticas no âmbito judicial e extrajudicial. Seus protagonistas são os Procuradores e os Advogados da União. Além disso, é incumbida de prestar assessoria jurídica e consultorias ao Poder Executivo. O ingresso na advocacia-pública se dá mediante concurso 40 público, havendo ao funcionário público as mesmas garantias e prerrogativas daqueles que atuam no Ministério Público. 3.10 Defensoria Pública A Constituição prevê a assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes no rol de direitos fundamentais previstos no art. 5º, LXXIV. Dessa forma, é necessário que haja uma Instituição encarregada dessa proteção gratuita à população carente. Nessa via, os artigos 134 e 135 instituíram a Defensoria Pública para efetivar a assistência gratuita, e, dessa forma, a instituição se mostra essencial à função jurisdicional do Estado (MENDES, 2013). Assim, a Defensoria Pública auxilia a população nos processos judiciais e oferece orientação nos casos extrajudiciais também. O Defensor Público ingressa na carreira mediante a aprovação em concurso público, tendo como prerrogativa a inamovibilidade de domicílio, porém, não poderá advogar fora das atribuições previstas para a sua profissão. 3.11 Advocacia Por fim, tem-se a advocacia, prevista no art. 133 da Constituição Federal. Tal profissão é regulamentada pelo órgão de classe, a Ordem dos Advogadosdo Brasil – OAB. Para ser advogado, deve o profissional ser graduado em direito, ser brasileiro, portador de título de eleitor, ter quitado o serviço militar e ser aprovado no exame de admissão da OAB. O advogado se trata de peça indispensável para o funcionamento da justiça. O profissional tem imunidades para o exercício de sua profissão, no que concerne a inviolabilidade de seus atos e manifestações, respeitada a lei, conforme prevê o art. 133 da Constituição Federal. Conclusão da aula 3 Ante ao exposto, evidencia-se que o legislador constituinte se preocupou em prever elementos que permitam a proteção ao Estado Social Democrático de 41 Direito, bem como às suas instituições. Assim, há possibilidade do Presidente da República se utilizar da intervenção federal para manter ou restaurar a ordem no âmbito da União, dos Estados ou ainda Municípios integrantes de territórios. Na mesma via, o Governador do Estado-membro poderá intervir nos seus Municípios. Notoriamente, tal prerrogativa só é efetivada mediante alguns requisitos, havendo controle político pelo Poder Legislativo. Não obstante à intervenção, a questão da intervenção militar e o sistema constitucional de crise embasam dois instrumentos de proteção do Estado e das instituições democráticas, quais sejam o Estado de defesa e o Estado de sítio, que deverão ser utilizados em casos excepcionais em vista de garantir a ordem, restringindo temporariamente os direitos do povo. Por fim, conclui-se que há diversas instituições que se mostram fundamentais para a realização da justiça, coibindo as mais diversas violações aos direitos e deveres dos cidadãos, além de garantirem os direitos processuais mais básicos ao brasileiro, seja como seu procurador, ou como protetor do interesse público. Ao longo desta aula pôde-se expor os principais aspectos do Estado de Defesa e do Estado de Sítio como formas de se efetivar tal proteção, desde que alcançados os requisitos básicos, como a necessidade e a temporariedade. Por fim, foram evidenciadas as funções essenciais para a Justiça, pontuando suas atribuições, o ingresso na carreira e as prerrogativas de cada cargo. Atividade de Aprendizagem Tendo em vista a intervenção federal como um meio de proteção do Estado, que visa manter ou restaurar a ordem e a paz pública, diferencie essa modalidade de intervenção da intervenção militar, explicando ainda se essa última se trata de prática legal nos termos da Constituição Federal. 42 Aula 4 – A competência e estrutura da Justiça Militar Apresentação da aula Nesta última aula do curso será verificado o funcionamento da Justiça militar, sua competência e a sua estrutura, perpassando pelo âmbito estadual e federal. Então será verificada a alteração da competência da Justiça estadual militar mediante a emenda nº 45 e seus reflexos no âmbito da competência e punibilidade dos integrantes das Forças Armadas. Adiante, estuda-se como a lei 13.491/2017 alterou a competência da Justiça Penal Militar na esfera federal e ainda aumentou o rol dos chamados crimes militares e quais as consequências da instituição da nova lei. Por fim, será analisada a internacionalização do Direito Penal Militar e a tríplice responsabilidade dos militares (no âmbito cível, penal e administrativo). A Justiça Militar sofreu alterações em sua competência no decorrer de sua formação, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim, mostra-se importante analisar quais foram as principais mudanças e como elas afetaram o ordenamento jurídico militar. Uma vez compreendida essa questão, procura-se entender a internacionalização da Justiça Militar e os seus ditames, bem como a responsabilização do integrante das Forças Armadas no exercício de sua atividade. 4.1 A Justiça Militar A Justiça Militar é um ramo autônomo desde o período da Ditadura e, antes da atual Constituição Federal, tinha como competência o julgamento de crimes contra a segurança nacional ou contra instituições militares. A Justiça Militar foi mantida e tem sua estruturação prevista na Constituição Federal em seus artigos 122, 123 e 124. Essa estrutura é constituída pelo Superior Tribunal Militar e por Tribunais e Juízes militares. Porém, antes de se analisar a estrutura da Justiça Militar, é necessário verificar a competência da Justiça Militar. 43 4.2 Competência da Justiça Militar Quanto à competência da Justiça Militar, de um modo geral, trata-se do julgamento dos crimes militares definidos em lei (art. 124, CFRB). Atualmente, alguns desses crimes estão previstos no Código Penal Militar e outros crimes são contemplados pelo Código Penal, conforme será visto adiante. Vale lembrar que “a competência da Justiça Militar limita-se aos crimes militares definidos em lei (art. 124 da CRFB) (...). Por essa razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento segundo o qual a Justiça especializada deve julgar os delitos militares e não os crimes praticados por militares” (MENDES, 2013). Saiba Mais A respeito do crime militar, existem vários critérios para defini-lo: o ratione materiae, que se trata da infração que é matéria própria da vida militar; ratione personae, o sujeito ativo ou de sujeito passivo dos fatos possui a condição de militar; ratione temporis, crimes praticados em tempo de guerra ou período afetado pelas instituições militares; ratione loci, tendo em conta o local da atividade militar. In: NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p.115. E-book. O Código Penal Militar delimita os crimes militares em tempo de paz e os crimes militares em tempos de guerra em seus artigos 9º e 10º. O art. 9º foi alterado pela Lei 13.491/2017 adicionando-se as hipóteses previstas na legislação penal, essas alterações serão discutidas adiante. CÓDIGO PENAL MILITAR – Dec. Lei 1.001/1969 Crimes militares em tempo de paz Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; 44 II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: [...] § 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017) § 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017) I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017) II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017) III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017) Crimes militares em tempo de guerra Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra: I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra; II - os crimes militares previstos para o tempo de paz; III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente: a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado; b) em qualquer lugar, se
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