Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA JOAQUIM ROBERTO DE SOUZA NETO LINGUAGEM E FICÇÃO Análise da obra “Antes de Adão” sob a perspectiva dos limites e jogos da linguagem Trabalho apresentado como exigência de Prática como Componente Curricular na Disciplina Filosofia da Linguagem. Porto Alegre 2020 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................... 3 1. DESENVOLVIMENTO ............................................................................ 4 1.1 LIMITES DA LINGUAGEM ...................................................................... 5 1.2 JOGOS DE LIGUAGEM ...................................................................... 7 CONCLUSÃO ........................................................................................... 9 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 10 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é partir dos conceitos de limite de linguagem e jogos de linguagem no pensamento de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) para analisar a obra Antes de Adão, de Jack London (1876-1916), jornalista, aventureiro e ativista social norte-americano, que segundo Irving Stone (1970, p. 100), baseava grande parte de suas narrativas em situações vividas intencionalmente como parte de um método para obter referências realistas, que seriam desenvolvidas nas suas ficções. Em Antes de Adão, o autor nos conduz através das impressões de um narrador sem nome, homem na América moderna, que é aterrorizado em seus sonhos por visões de milhares de anos no passado, quando sua consciência é tomada pelas memórias de um ancestral pré-histórico, do Povo das Cavernas, em meio de ameaças selvagens e confrontos territoriais com outras espécies humanoides, pertencentes ao Povo das Árvores e ao Povo do Fogo. A obra é uma aventura num período onde sons guturais exprimiam sentimentos de prazer ou dor, reflexos dos motivos para fugir ou lutar impressos no cérebro ancestral e já demonstrando regras características dos jogos de linguagem. 4 1. DESENVOLVIMENTO A dificuldade do narrador, em consonância com Wittgenstein, encontra-se em traduzir as imagens formadas em sua consciência a partir das impressões de um ancestral que não possuía domínio de um código de linguagem como conhecemos atualmente. O que se passa com a linguagem que descreve minhas vivências interiores e que apenas eu próprio posso compreender? Como designo minhas sensações com palavras? (WITTGENSTEIN, 1999, p 100). Na narrativa fictícia da “aurora da humanidade” a mensagem transmitida é quanto aos sentimentos motivadores de ações e as imagens linguísticas são apenas similares por aproximação, pois predomina a tradução moderna do que o autor considera como manifestações possíveis de linguagem naquelas individualidades pré-históricas. Assim cresceu a linguagem. Pela pequena quantidade de sons que tínhamos, ficávamos incapazes de pensar um pouco além deles; então surgiu a necessidade de novos sons para que se pudesse expressar o novo pensamento. Porém, algumas vezes conseguíamos pensar muito além de nossos sons; alcançávamos abstrações (reconheço que confusas) que nos eram impossíveis de transmitir aos outros da Tribo. Pois, naquela época, a linguagem não se desenvolvera rápido. (LONDON, 2001, p. 33). 5 Segundo Machado (2004, p. 348), cada grupo segue regras especificas e suas ações são baseadas por elas. Podemos incorporar as práticas de outros grupos sem modifica-las, mas para obter um entendimento claro do significado para eles, seria necessário abandonar nossas próprias referências familiares e os modos de pensar sobre os quais nosso entendimento repousa, para assumir a perspectiva do outro, do diferente. Analisando essa imersão no mundo do outro, percebemos que a ficção Antes de Adão ousa nos levar ao limite entre sentimento e razão, desbravando com a imaginação o que seria um elo perdido entre a lógica e a explosão de sentimentos, na base de nossa caminhada evolutiva como seres humanos. 1.1 LIMITES DA LIGUAGEM As leituras são traduções subjetivas realizadas a partir das regras da linguagem em uso, pois as expressões precisam ser compreendidas por todos, da mesma forma ou dentro de um escopo de similaridade que permita a comunicação correta das informações, evitando anfibologias. Encontramos dificuldades para expressar fatos novos pela falta de palavras novas para defini-los. As sínteses ocorrem conforme aquilo que o narrador sabe de seu próprio mundo. Não necessariamente são as mesmas imagens que se formam na consciência do outro durante a tentativa de comunicação, mas os termos comuns servem como âncora no labirinto de sensações descritas, permitindo a racionalização da narrativa de uma forma compreensível. Em ressonância com Wittgenstein, evitando o risco de perder o significado pretendido. A linguagem é um labirinto de caminhos. Você entra por um lado e sabe onde está; você chega por outro lado ao mesmo lugar e não sabe mais onde está. (WITTGENSTEIN, 1999, p 93) Em sua ficção narrativa, Jack London ousa romper o limite da comunicação entre espécies neste retorno ao imaginário da humanidade primordial, mais próxima da irracionalidade dos instintos do que da maestria da razão. Nas primeiras páginas 6 da obra, o autor nos conduz numa visita ao circo, acompanhando o narrador moderno, em sua dissociação com o ente pré-histórico que habita em suas memórias e sonhos, quando observa pela primeira vez um leão enjaulado. Ao vê-lo indefeso, por trás das grades da jaula, fiquei enfurecido. Mostrei os dentes para ele, pulei para cima e para baixo, gritando zombarias incompreensíveis e fazendo caretas. Ele respondeu, investindo contra as grades e rugindo para mim sua fúria impotente. Ah! Ele também me conhecia, e os sons que eu fizera eram sons de velhos tempos, compreensíveis para ele. (LONDON, 2001, p. 10, grifo nosso). Nesta descrição, como em outras onde coloca o leitor frente ao inimigo mortal em aproximação pela selva ou numa corrida apaixonada pelo amor da fêmea, a narrativa exala sentimentos traduzidos em linguagem, mesmo entre um homem e uma fera cativa, com reconhecimento de regras em comum e desafiando o que consideramos os limites da nossa linguagem. Palavras carregam significados, o conjunto delas é a tentativa de traduzir nossos pensamentos em expressões comunicáveis aos outros. Contudo, mesmo a analise da linguagem é limitada pelos signos já em uso, uma fronteira que se expande na medida em que adquirimos novos conhecimentos e precisamos de novas palavras para representar novos conceitos. Como na ficção em análise, quando o narrador nos transmite a ausência da identificação por nomes pessoas na rotina daquela tribo proto-humana. As mães não os chamavam pelos nomes, porque isso a gente ainda não havia inventado. Ninguém tinha nome. As mães davam gritos ansiosos e lamurientos que eram reconhecidos pelos pequenos. Assim também, se minha mãe estivesse ali me chamando, reconheceria sua voz entre as vozes de milhares de mães, e, da mesma forma, ela teria reconhecido a minha entre milhares de outras. (LONDON, 2001, p. 44, grifo nosso). Um crescimento da linguagem que pode ocorrer absorvendo ou incorporando símbolos de outras linguagens, criando novas expressões, não como entidades abstratas, mas como parte de um amplo conjunto de regras, cada uma com seus usos no comportamento social das diversas culturas. 7 1.2 JOGOS DE LINGUAGEM Cada linguagem possui seu conjunto de regras e significados dominados por seus falantes. As regras válidas para um grupo não necessariamente são válidas em outros, podendo até mesmo ser opostas.Para a compreensão correta do sentido que está sendo transmitido precisamos conhecer as regras em uso, buscando compreender os contextos existenciais do outro nos despindo dos nossos. A consequência dessa visão se reflete no aprendizado - só podemos aprender efetivamente uma língua nova se convivermos com os nativos daquela língua e se compartilharmos as experiências às quais as expressões estão vinculadas. (COSTA, 2015, p. 162). Inclusive as sentenças lógicas de um sistema, consideradas evidentes e verdadeiras por alguns, podem não ser assim compreendidas em outros, sejam princípios inatos da consciência ou generalizações oriundas das observações experimentais. Em determinado ponto da obra Antes de Adão, o narrador pré-histórico é obrigado a abandonar sua família nas árvores e buscar refugio na tribo do Povo das Cavernas, da mesma espécie, mas utilizando um conjunto próprio de regras linguísticas. E todos fazíamos caretas – caretas ferozes; isso era instintivo em nós. Estávamos tão zangados quanto Dente-de-Sabre, apesar de nossa raiva estar aliada ao medo. Lembro que gritei e fiz caretas como os melhores deles. Não apenas eles serviam como exemplo, mas também eu sentia o ímpeto de fazer as mesmas coisas que faziam. Meu cabelo estava arrepiado e eu estava tremendo com um ódio violento e irracional. (LONDON, 2001, p. 53, grifo nosso). As expressões da linguagem utilizadas pelo Povo das Cavernas eram similares, ou familiares, com a comunicação do Povo das Árvores, mas com diferenças pontuais, semelhantes ao conceito de regionalismos entre falantes de um mesmo idioma. Para o narrador o aprendizado das regras linguísticas do Povo das Cavernas é mais do que aprender nomes e conceitos, mas tomar posse dos usos e interagir naquele cotidiano como parte integrante do jogo convencionado, para somente assim fazer parte do núcleo social. 8 Conforme Wittgenstein (1999) as interpretações dos símbolos linguísticos não podem ser consideradas como fixas, sistemáticas e determinadas universalmente, pois as regras são válidas apenas para o grupo que as vivencia em seu cotidiano regional. As línguas vivas estão em constante estado de transformação, adaptando os significados das palavras de acordo com os usos, ou jogos de linguagem, naquele período. A linguagem é um jogo no qual as peças são expressões linguísticas, e as regras iniciais consistem nas regras sintáticas que nos dizem como combinar as expressões para formar frases. (COSTA, 2015, p. 162). A linguagem possui ação regional válida em determinado período histórico ou localização geográfica onde habita uma população que faz uso daquele conjunto de regras e as mantém válidas. 9 CONCLUSÃO Quando entramos em contato com uma palavra qualquer, sabemos o que ela significa dentro do contexto em que está sendo utilizada. Determinar esse significado sem conhecimento das regras em uso pode levar a contradições e conflitos, pois a palavra se ajusta aos usos com plasticidade, podendo expressar diferentes imagens de significado. Só podemos compreender os sentidos na ordem das palavras, ou sons, conhecendo por quais regras elas foram reunidas, como expressa Jack London na descrição da linguagem do Povo das Cavernas. Chamo de sons, em vez de palavras, porque eram basicamente sons. Não tinham valores fixos para serem alterados por adjetivos e advérbios. E estes eram meios de linguagem que não tinham sido inventados ainda. Em vez de qualificar substantivos ou verbos pelo uso de adjetivos e de advérbios, qualificávamos sons pela entonação, através das mudanças em quantidade de sons e de tons, pelas pausas e acelerações. A duração do tempo empregado na pronúncia de um som específico dava a variedade de seu significado. (LONDON, 2001, p. 32, grifo nosso). A obra de ficção Antes de Adão é uma tentativa de explorar o período de formação da linguagem na pré-história com nosso imaginário moderno. É uma visita criativa aos jardins da humanidade nascente, percebendo a necessidade de expressar os pensamentos ou sentimentos interiores da forma mais exata possível para possibilitar a comunicação, organizar as ações numa linguagem, verbal ou não, limitada entre os membros daquela comunidade e construir o que Wittgenstein conceituou como mesmo conjunto de regras ou jogos de linguagem. 10 REFERÊNCIAS COSTA, Max William Alexandre. Uma introdução à filosofia da linguagem. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2015. DERNA, Pescuma; CASTILHO, Antonio Paulo F de. Referências Bibliográficas: um guia para documentar suas pesquisas. 5. ed. São Paulo: Olho d’Água, 2007. LONDON, Jack. Antes de Adão. 1. ed. Porto Alegre: L&PM, 2001. MACHADO, Alexandre Noronha. Lógica e forma de vida: Wittgeinstein e a natureza da necessidade lógica e da filosofia. 2004.429f. Tese de Doutorado em Filosofia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. STONE, Irving. A vida errante de Jack London. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. 1.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
Compartilhar