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PROFESSOR Dr. Diego Luiz Miiller Fascina Filosofia da Linguagem ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE Coordenadora de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Projeto Gráfico e Capa André Morais, Arthur Cantareli e Matheus Silva Editoração Dario Claros Mercado Design Educacional Giovana Vieira Cardoso Curadoria Cleber Rafael Lopes Lisboa Revisão Textual Ana Caroline Canuto de Sousa Ba- niogli Ilustração André Azevedo Fotos Shutterstock DIREÇÃO UNICESUMAR NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. FASCINA, Diego Luiz Miiller. Filosofia da Linguagem. Diego Luiz Miiller Fascina. Maringá - PR: Unicesumar, 2022. Reimpresso em 2023. 200 p. ISBN 978-65-5615-901-0 “Graduação - EaD”. 1. Linguagem 2. Filosofia 3. Reflexões Filosóficas. 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 401 FICHA CATALOGRÁFICA 02511191 Diego Luiz Miiller Fascina Sou o prof. Diego Luiz Miiller Fascina, responsável pela es- crita de Filosofia da Linguagem, livro que chega agora até você. Esse material foi preparado com bastante rigor e amor, marcas que tento sinalizar em todos os meus traba- lhos. Você perceberá que para além dos inúmeros concei- tos, discussões e reflexões abordadas há uma de minhas grandes paixões enlaçando e, de certa maneira, explicando o conteúdo: a arte. As músicas de Caetano Veloso, os textos de Clarice Lispector, os filmes de Bergman e Tarkovsky, além de tantas outras referências que foram comentadas estão sempre comigo dando sentido para a minha vida. Se tudo é linguagem, a artística é uma das minhas preferidas. Não é à toa que me formei em Letras e fiz especiali- zação em História da Arte. Depois, realizei Mestrado em Letras (Estudos Literários) com uma dissertação sobre a obra de Clarice Lispector. Esse estudo tornou-se um livro cujo título é Clarice Lispector: uma leitura materialista laca- niana, trabalho que muito me orgulha. A base da análise está ancorada no pensamento de Slavoj Zizek, rapidamen- te discutido em uma das unidades. Na sequência, realizei Doutorado em Letras (Estudos Literários) com uma tese sobre a obra do cantor e com- positor Cazuza, lenda e legenda dos anos 1980. Além da obra de Cazuza, a tese também abordou o rock e o Brasil daquela década. Novamente, o escopo para leitura se centrou no materialismo lacaniano de Zizek que, como deve ter ficado explícito, é um dos temas fundamentais de minhas pesquisas. Posteriormente, realizei um estágio de Pós-Doutorado em Ciências da Linguagem, com estudo a respeito de pro- gramas de auditório dos anos 1980, e outro estágio em Psicanálise, com estudo a respeito das obras de Cazuza e de Renato Russo. Na última década, venho realizando formação continuada em Psicanálise com ênfase na obra de Jacques Lacan. Como você pode perceber, esse livro, que agora se inicia, espelha uma faceta daquilo que sou, tanto na vida privada, quanto na vida profissional. Espero que ele seja uma boa companhia. Desejo bons estudos! Um abraço, http://lattes.cnpq.br/5927151835285131 http://lattes.cnpq.br/5927151835285131 “No Início era o Verbo, e o Verbo estava voltado para Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no início voltado para Deus. Tudo foi feito por meio dele; e sem ele nada se fez do que foi feito”. Esses são os versículos do prólogo do belo Evangelho de João. O Ver- bo, mais do que uma categoria gramatical, pode ser entendido como a palavra, aquilo que nomeia uma coisa. No sentido bíblico, o Verbo é a palavra de Deus. E a palavra de Deus tudo criou, inclusive, Jesus que é o Verbo feito carne. Observemos, com mais atenção, a citada passagem evangelística: se tudo é feito pela palavra, se ela é categoria básica da comunicação, se nada se faz sem ela, então é a linguagem o nosso elemento fundador, a nossa fonte da vida, e a nossa tábua de salvação. A linguagem é, também, um oráculo, um Cavalo de Tróia, uma pedra no caminho, uma via de mão dupla. É símbolo da nossa vida primitiva e da nossa mais profunda civilização. Esse é, apenas, o nosso princípio de reflexão acerca da potência da linguagem. Nas cinco unidades de seu material didático, você, estudante, percorrerá comigo, mo- mentos de grande importância para a compreensão desse vasto campo de estudo. O enfoque está nas relações da Linguagem com a Filosofia. É por esse motivo que a Filosofia da Linguagem se tornou uma disciplina com estatuto próprio que enlaça, definitivamente, esses dois campos. Nesse percurso, iniciaremos com os primórdios das reflexões filosóficas a respeito da linguagem até contribuições feitas na época do Iluminismo: o Crátilo, de Platão, alguns textos de Aristóteles até atingir a visão de Locke e de Rousseau. Verificaremos que, gradativamente, essas contribuições foram se injetando, cada vez mais, de preo- cupações de cunho filosófico. É a partir de Frege, Russell e Wittgenstein que temos, pois a sistematização da disciplina conhecida como Filosofia da Linguagem. Essa trindade enlaça filosofia e lin- guagem por meio de conceitos que envolvem o sentido e referência, o atomismo lógico e, de modo mais amplo, em torno de análises que se baseiam nas relações existentes entre linguagem, pensamento e mundo. FILOSOFIA DA LINGUAGEM A Linguagem, por intermédio da Ciência Linguística, também merece destaque: des- de os estudos clássicos, passando pela Idade Média até o Renascimento, no entanto, o foco recai, no pensamento de Saussure e nos desdobramentos de sua contribuição no decorrer do século XX: o gerativismo de Chomsky, as funções da linguagem propostas por Jakobson, a sociolinguística etc. Posteriormente, a Psicanálise é comentada: se, para essa terapêutica, a cura se dá por meio da palavra falada, algumas das contribuições de Freud e de Lacan, seu mais prolífico herdeiro, serão sumariamente expostas: de qual linguagem é feita nossos sonhos? O Inconsciente é estruturado como uma linguagem? E, de fato, a linguagem dá conta de explicitar o que eu desejo? Essas são algumas das reflexões discutidas no decorrer do material. Por fim, mas muito longe de esgotarem as relações entre filosofia e linguagem, o pensamento de Heidegger traz à baila, em um primeiro momento, por meio de Ser e o tempo, a ontologia do ser e, posteriormente, a compreensão da clareira do ser. É a linguagem, o élan e o resultado dessa análise. Como anunciamos anteriormente, é impossível esgotar a compatibilidade existente entre filosofia e linguagem. Dizemos mais: é tarefa ingrata tentar estabelecer um sim- ples mapeamento entre essas relações. Com o conteúdo desse livro não foi diferente:não se assuste, estudante, se em muitos momentos, você sentir falta de referências importantes ou sentir a necessidade de alguma reflexão mais acurada que não veio. É preciso fazer escolhas. E, quando escolhemos, algo é deixado para trás. Esse livro tem o intuito de trazer uma notícia acerca da filosofia da linguagem. Ele deve ser um farol, um trampolim para estudos mais amplos e específicos a respeito dessa área tão significativa e fundamental para a sua formação acadêmica. Espero que ele cumpra essa simples função. Um abraço, O Autor. IMERSÃO RECURSOS DE Ao longo do livro, você será convida- do(a) a refletir, questionar e trans- formar. Aproveite este momento. PENSANDO JUNTOS NOVAS DESCOBERTAS Enquanto estuda, você pode aces- sar conteúdos online que amplia- ram a discussão sobre os assuntos de maneira interativa usando a tec- nologia a seu favor. Sempre que encontrar esse ícone, esteja conectado à internet e inicie o aplicativo Unicesumar Experien- ce. Aproxime seu dispositivo móvel da página indicada e veja os recur- sos em Realidade Aumentada. Ex- plore as ferramentas do App para saber das possibilidades de intera- ção de cada objeto. REALIDADE AUMENTADA Uma dose extra de conhecimento é sempre bem-vinda. Posicionando seu leitor de QRCode sobre o códi- go, você terá acesso aos vídeos que complementam o assunto discutido. PÍLULA DE APRENDIZAGEM OLHAR CONCEITUAL Neste elemento, você encontrará di- versas informações que serão apre- sentadas na forma de infográficos, esquemas e fluxogramas os quais te ajudarão no entendimento do con- teúdo de forma rápida e clara Professores especialistas e convi- dados, ampliando as discussões sobre os temas. RODA DE CONVERSA EXPLORANDO IDEIAS Com este elemento, você terá a oportunidade de explorar termos e palavras-chave do assunto discu- tido, de forma mais objetiva. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881 APRENDIZAGEM CAMINHOS DE 1 2 3 4 5 ASPECTOS DA LINGUAGEM NOS PRIMÓRDIOS DA FILOSOFIA 11 FREGE, RUSSELL E WITTGENSTEIN: A LINGUAGEM NO CENTRO DA REFLEXÃO FILOSÓFICA 47 77 A CIÊNCIA LINGUÍSTICA 125 PSICANÁLISE E LINGUAGEM 163 OS CAMINHOS DA LINGUAGEM EM MARTIN HEIDEGGER 1Aspectos da Linguagem nos Primórdios da Filosofia Dr. Diego Luiz Miiller Fascina Na I unidade de seu material de estudos, você entrará em contato com alguns momentos fundamentais para compreendermos a evo- lução da Filosofia da Linguagem. Trata-se de comentários a respeito de alguns dos maiores filósofos, não apenas da Antiguidade Clássica, mas da História da Filosofia: Platão, Aristóteles e, também, Porfírio, Boécio, Guilherme de Ockham, Rousseau, dentre outros. Esses filó- sofos, embora não trouxessem para o núcleo de suas preocupações a questão da linguagem, ela aparece de maneira transversal em suas contribuições filosóficas. Dessa maneira, ficará claro para você que, mesmo antes da Filosofia da Linguagem se tornar uma disciplina for- mal, a natureza da linguagem e algumas de suas particularidades já eram discutidas por vários filósofos. UNIDADE 1 12 “Palavras não têm capacidade de traduzir sentimentos. As palavras são moles”. Essa frase foi proferida por Aleksei, personagem do filme O espelho, lançado em 1975, e considerado uma das principais obras do cineasta russo Andrei Tarkovski. A película possui um complexo trabalho estrutural que rompe com a linearidade e permite que o espectador mergulhe em fases distintas da vida do personagem: o pré (1935), o durante (anos 1940) e o pós-guerra (anos 1960 em diante). Nesse turbilhão temporal, símbolos, alegorias, mensagens cifradas, elementos oníricos e espaços distintos vão construindo uma narrativa fílmica repleta de reflexão filosófica e psicanalítica. Uma hipótese de interpretação do título seria, pois, que o espelho é o reflexo do percurso não apenas de Aleksei, mas de todos nós, isto é, enxergamos a nossa própria história, nossos dramas humanos, na tela. E, no caso específico, a própria história da Rússia. Posto isto, de que modo O espelho, especialmente, a frase citada se relaciona com a proposta deste livro? Tanto a frase quanto o filme e, também, a Filosofia da Linguagem compreendem que o homem é um ser de linguagem. Absoluta- mente, tudo que fazemos é linguagem: pensar, expressar sensações e sentimentos, descrever as coisas, elaborar a comunicação. 13 Linguagem é a ponte que conduz o homem ao mundo e o homem a si mesmo. E as palavras moles? Em que sentido essa combinação tão inusitada nos auxilia no entendimento da proposta? A primeira parte da frase explica: as palavras não dão conta de explicar tudo, sempre há muito por se dizer. E é possível que nunca seja dito. Essa possibilidade parece fazer referência a esse que, talvez, seja o grande dra- ma humano: falhar na comunicação. Seríamos, todos nós, seres do engano? Seres atropelados pela linguagem? Afinal, qual é o trabalho da Filosofia da Linguagem? Segundo Frédéric Nef (1995, p. 8-9), uma reflexão de caráter filosófico deve com- binar os seguintes traços: I - Superação do conceito empírico de língua por um conceito geral da lingua- gem, passagem da diversidade das línguas para a unidade da linguagem. II - Existência de uma problemática da origem da linguagem. III - Estabelecimento de uma relação entre a linguagem e as operações do espírito (linguagem e pensamento). IV - Problematização da representação da realidade pela linguagem. V - Avaliação da linguagem como instrumento de ações cognitivas (racio- cínio, expressão das emoções etc.). Partindo destas reflexões iniciais, escolha um texto, um filme ou uma música que problematize a natureza ou outras questões que envolvem a linguagem. Sabemos que tudo é feito de linguagem, mas nesse caso a obra selecionada precisa colocar, em relevo, a problematização citada. Verifique, na obra escolhida, como a linguagem está construída, qual é o nível de comunicação existente entre os envolvidos, quais os efeitos que ela causa. Anote as impressões que tal obra lhe causou, focando a atenção no campo da linguagem. Lembre-se de citar a autoria, o ano de lançamento/ publicação e aspectos do contexto, pois ele auxiliará na compreensão da proposta. NOVAS DESCOBERTAS A seguir, para aguçar sua curiosidade, segue uma crítica de O espelho, feita por Arthur Tuoto: UNICESUMAR UNIDADE 1 14 Agora que já percorremos alguns aspectos pelos primórdios das discussões a respeito da Linguagem, sugiro que você anote, de modo organizado, quais são as principais contribuições de Platão e de Aristóteles, e de que maneira, Porfírio, Boé- cio e Ockham, dentre outros filósofos citados revisam o pensamento aristotélico. Certamente, depois desse trabalho feito, suas reflexões serão mais claras e objetivas. 15 “Dizer algo falso não será dizer o que não é?”: Os impasses com a linguagem em Crátilo, de Platão. Descrição da Imagem: Descrição de imagem: a imagem trata-se de um mosaico romano colorido do século I a.C. Há sete figuras masculinas, formando um semicírculo. O da esquerda está mais à frente da imagem, tem barba e cabelo grisalhos, está com suas mãos levantadas na altura do peito, como se estivesse falando e ges- ticulando, ele veste uma túnica amarela com seu ombro e peito direito desnudo. Perto do seu pé esquerdo, há uma caixa amarela entreaberta. Os outros homens estão sentados e outros em pé, também com túnicas e seus rostos estão voltados para o homem de túnica amarela. Há outra caixa amarela aberta no centro da imagem. Algumas colunas, objetos e árvores no fundo constituem o cenário que é a Academia de Platão. Figura 1 – A academia de Platão Fonte: Wikimedia Commons ([2022]a, on-line). UNICESUMAR UNIDADE 1 16 A linguagem possui papel de atravessamento no desenvolvimento do sujeito, poisé por meio dela que as sociedades se estruturam, criam identidades, organizam pensamentos, além de ser o instrumento da comunicação. Não é à toa que ela tenha chamado a atenção da Filosofia desde os primórdios. A sociedade grega sempre foi afetada pelos efeitos da linguagem, todavia, essa sociedade precisou passar por um processo de negação do uso corrente da oralidade, presente, sobretudo, nas tradições poéticas e religiosas para dar início a técnica da Era Escrita e para estudar, mais profundamente, a linguagem e suas inúmeras habilidades. Monteiro Jr (2010) nos lembra que o século V a.C é um marco expressivo no quesito intelectual para o mundo grego, pois foi nesse período que a linguagem escrita foi propagada. Nessa mesma época, houve o auge do sistema democrático em Atenas, tornando a cidade o centro do mundo antigo. E nesse turbilhão, os primeiros relatos a respeito dos estudos técnicos envolvendo a linguagem apa- recem, sobretudo com os sofistas. Para o crítico anteriormente citado, os sofistas são conhecidos como mestres da oratória ou da retórica e foi por meio deles que a linguagem ganhou caráter autônomo e tornou-se fértil campo de investigação. Os pré-socráticos eram muito interessados na linguagem. Parmênides (530 a. C - 560 a. C), por exemplo, formulou o princípio da correspondência entre o pensamento e o ser. O trecho seguinte é muito explorado: “o que é, é, e não pode não ser; o que não é, não é, e não pode ser; O que é, pode ser pensado ou conhecido, expresso ou realmente nomeado; o que não é, não o pode” (LOPES, 1991, p. 98). Górgias (485 a.C - 380 a. C) também se preocupou com a linguagem, embora não tenha se debruçado exaustivamente sobre o assunto. Acompanhe o fragmento e observe como o filósofo reflete sobre a questão semântica da linguagem: “ Pois se existem seres visíveis, audíveis e universalmente sensíveis, e de uma existência que nos é exterior, desses seres, os visíveis são percebidos pela vista, os audíveis pelo ouvido, e esses sentidos não podem trocar os seus papéis. Assim sendo, como se poderá revelar a outrem esse ser? Pois o meio que temos de revelar é o discurso; e o discurso não é nem as substâncias nem os seres: não são, pois, os seres que nós revelamos àqueles que nos cercam; nós só lhes reve- 17 lamos um discurso que é diferente das substâncias. Assim como o visível não pode tornar-se audível, ou o contrário, assim também o ser que subsiste exteriormente a nós não poderia tornar-se nosso discurso: não sendo discurso, ele não poderia ser manifestado a outrem. Quanto ao discurso [...], sua constituição resulta das im- pressões vindas dos objetos exteriores, isto é, dos objetos da sen- sação: do encontro com o seu saber nasce em nós o discurso que será proferido com relação a essa qualidade, e da impressão da cor, o discurso referente à cor. Se é assim, o discurso não manifesta o objeto exterior; pelo contrário, é o objeto exterior que se manifesta no discurso (NEF, 1995, p. 12). Ainda na Antiguida- de Clássica, uma das primeiras referências à questão advém de Platão (428/427 a. C - 348.347 a. C), um dos filósofos centrais do mundo ocidental: tra- ta-se, mais especifica- mente de Crátilo, um de seus diálogos mais cômicos e difusos. Os estudiosos de Platão afirmam que esse diálogo faz parte da fase intermediária da obra do filósofo, pelo fato de que o texto possui uma es- trutura narrativa que se aproxima dos diálogos aporéticos (da primeira fase), em que Sócrates, com base em seu elenchos, debate os elementos da tese de seu interlocutor, mas se afasta tematicamente, pois trata de linguagem, verdade e significação que eram temas recorrentes da fase anterior. UNICESUMAR UNIDADE 1 18 Em linhas gerais, o Crátilo, de Platão, aborda uma análise “de cada nome- de seu sentido – individualmente, visando o melhor uso das palavras” (MONTEI- RO JR, 2012, p.14). Ademais, além desse estudo individual, havia também, uma espécie de estabelecimento das categorias gramaticais. E “ [...] no que diz respeito a tal investigação, costuma-se dizer que Pro-tágoras teria sido o primeiro a fazer uma distinção das partes do dis-curso (logos) em desejo, questão, resposta e ordem. Teria, também, o mesmo sofista sustentado a distinção dos nomes em três gêneros: masculino, feminino e o que se refere a objetos inanimados. No caso de Górgias, temos um relato de que ele escreveu um onomastikon que visava estudar detalhadamente alguns nomes. Ainda poderíamos falar de outros sofistas, como Pródico, citado por Sócrates, que se ocupou, sobretudo, da distinção entre sinônimos, e Hípias, que tratou do valor das letras e sílabas, dos ritmos e dos modos. Enfim, percebemos que esse estudo acerca das propriedades das palavras era, poderíamos di- zer, um modismo na época dos sofistas (MONTEIRO JR, 2012, p.17). Feito esses comentários, passemos para questões estruturais: podemos dividir essa obra em duas partes, de acordo com os interlocutores de Sócrates: Her- mógenes, que ocupa três partes do diálogo e Crátilo, que ocupa o quarto final. No entanto, a rigor, a obra possui três movimentos: uma rápida apresentação do tema (383a-384e); seguido da primeira parte, composta pelo diálogo entre Sócrates e Hermógenes (385a-427d), contando ainda, na primeira parte, uma longa seção a respeito das etimologias (396d-421c); e, finalmente, o diálogo entre Sócrates e Crátilo (428b-fim). Inicialmente, Hermógenes expõe para Sócrates as questões que se confrontam em relação ao fundamento da linguagem: Hermógenes afirma que os nomes são usados corretamente quando seguem convenção (syntheke) ou acordo (homo- logia) e dependem do uso e do costume (nomos e ethos). Já para Crátilo, cada coisa tem apenas um nome por natureza (physis) e tal denominação é a mesma para todos, gregos e bárbaros. Em outras palavras, para Crátilo, as coisas têm um nome apropriado que fogem da denominação que lhes foram convencionadas, se aproximando, dessa maneira, da teoria naturalista dos nomes. Já para Hermó- genes, os nomes são convenções humanas. 19 Frente às duas posições, Sócrates decide examiná-las. É interessante perceber que Platão traz à baila um debate comum na época dos sofistas: a oposição entre nomos e physis; e em Crátilo há duas figuras cujas correntes de pensamentos são diferentes: Hermógenes que se relaciona com as inovações temáticas tratadas pe- los sofistas e Crátilo, que segue a linhagem tradicional dos primeiros pensadores gregos, sobretudo Heráclito. Em um primeiro momento, o diálogo se funda em sua crítica, pois a “conse- quência mais imediata seria a total impossibilidade de conhecimento por meio da linguagem, devido ao seu caráter completamente arbitrário, dando nesse caso razão aos sofistas, para os quais basta falar para dizer a verdade” (PIQUÉ, 1996, p.172). Sócrates busca reduzir essa questão arbitrária ressaltando a importância da convenção para a coletividade em detrimento do subjetivo. Posteriormente, no decorrer do diálogo, ele “limita a convenção a convencionar o verdadeiro” (PIQUÉ, 1996, p.172). Como Hermógenes se põe resistente, Sócrates critica a tese de Protágoras da não-existência nas próprias coisas de uma essência de algum modo permanente” (PIQUÉ, 1996, p.172), pois para o sofista, não há essência, só aparência, isto é, não há verdade absoluta, porque todo conhecimento é pessoal. UNICESUMAR UNIDADE 1 20 Dessa maneira, para Sócrates, as coisas são em si mesmas, possuem essência permanente, não dependem da relação estabelecida co- nosco e não podem ser deslocadas de sua essência para explicar nossas fantasias. Nessa esteira, Piqué (1996, p.172) conclui: “ Assim, o Mundo, sejam os objetos, sejam as ações, tem uma organização permanente. A diferença ne-cessária entre o bom e o mau, o judicioso e o insen- sato, a razão e a sem-razão, diferença esta herdada por Platão do socratismo puro, implica nisso. Da mesma forma que a natureza de um corte depende da nature- za do objeto cortante e da naturezado objeto cortado, o dizer humano deve procurar recortar o Mundo se- gundo a natureza desse mesmo Mundo. Toda técnica humana, techne, se apoia na physis e age conforme sua própria natureza. Exemplificando: se uma tesoura corta uma folha de papel, é porque a folha é “cortável”, isso faz parte de sua natureza. O Mundo também, “se é recortado” pela linguagem, é devido a sua natureza, da qual faz parte ser recortável assim, ou dizendo o mesmo de outro modo, “conjuntizável” assim, já que o que existe é uma única operação: separar-reunir. Mas isso não significa que o seja de qualquer maneira. O Mundo não admite qualquer sentido. No desenvolvimento do diálogo, mais especificamente na terceira parte, Hermógenes se põe resistente à crítica de Sócrates e solicita um exemplo da natural exatidão dos nomes. Sócrates corrige, afirman- do que, na verdade, trata-se de uma certa correção e não de nomes exatos, concluindo que há algo de certo no que Crátilo afirma, em outras palavras, que os nomes das coisas derivam de sua natureza. A partir daí, Sócrates cita 140 nomes para criticar o natura- lismo linguístico e para expor as falhas do método etimológico. Inclusive, Sócrates sugere que Hermógenes observe os poemas homéricos, pois neles há uma distinção entre os nomes dados por 21 deuses e os nomes dados pelos homens, como é o caso do rio Xan- to-Escamandro ou Astianax-Escamandrio para o filho de Heitor. Na quarta e última parte do diálogo, Platão faz uma crítica fer- renha à teoria naturalista e suas teses. Ele refuta, conforme Piqué (1996), que a correta aplicação dos nomes consiste em observar como a coisa é constituída, pois a criação desses nomes primi- tivos implica erros e falsidade entre as palavras. Para Sócrates (1973), os nomes não são reproduções exatas e a sua natureza é a de apresentar semelhanças, uma vez que a própria representação não deixa de ser uma representação. Ou seja, “não é como dizia Hermógenes, nem falsas nem verdadeiras, e nem como Crátilo, para o qual eram sempre verdadeiras” (PIQUÉ, 1996, p.179). Dessa forma, para Platão, um objeto só seria bem nominado se os seus traços estivessem presentes no onoma. Como não é possí- vel, uma vez que há letras sem semelhanças que transmitem outros sentidos, a comunicação precisa de elementos da convenção para constituir a naturalidade da coisa. Platão (1973) também critica a tese de que a enunciação dos nomes tem por finalidade a instrução sendo seu único método verdadeiro, pois, como já foi salientado, os nomes podem trazer em si um elemento da convenção que é arbitrário ou porque pode haver erros na denominação e porque só é possível conhecer as coisas pelos nomes. Como os primeiros responsáveis por nomearem as coisas no- mearam as coisas sem os nomes primitivos ainda fixados? Para resolver essa questão, Platão descarta rapidamente uma explicação divina e afirma que o estudo das coisas deve vir da própria coisa e não por meio de seus nomes. A questão da mobilidade das coisas sensíveis, traz para o cen- tro da roda a impossibilidade de se pensar em um discurso ver- dadeiro ou até conhecido. Crátilo, que acreditava piamente em sua teoria, preferia apontar o dedo quando fosse fazer referência para algo. Acompanhemos um trecho do diálogo: UNICESUMAR UNIDADE 1 22 Crátilo – De que modo, Sócrates, dizendo a alguém o que diz, poderá não dizer o que é? Dizer algo falso não será dizer o que não é? Sócrates – Esse conceito, camarada, é por demais sutil, tanto para mim como para minha idade. Não obstante, responde-me ao seguinte: admites que não se possa dizer falsidade, mas que se possa falar? Crátilo – Penso que nem falar, também! Sócrates – Nem chamar ou saudar alguém? Por exemplo, se alguém te encontrasse no estrangeiro e, tomando-te da mão, te dissesse: Salve, fo- rasteiro Ateniense, Hermógenes, filho de Esmicrio! Essa pessoa diria, ou falaria, ou se dirigiria, ou saudaria, não a ti, mas ao nosso amigo Hermó- genes? Ou a ninguém? Crátilo – No meu modo de pensar, Sócrates, o que essa pessoa dissesse careceria inteiramente de sentido. Sócrates – Com isso fico satisfeito. Porém, falando desse jeito, quem as- sim falasse teria dito verdade ou mentira? Ou parte do que dissesse seria verdade, e parte mentira? Isso também me bastará. Crátilo – Diria que essa pessoa só produzi- ra um ruído, e que se agitara inutilmente, como se dá com o objeto de metal que percutimos. (PLATÃO, 1973, p.170-171) 23 Observe, no fragmento anterior, que Platão aponta que o discurso possui nature- za híbrida, ou seja, é falso e verdadeiro. A palavra, no sentido platônico, é a repre- sentação do inteligível e mesmo que problemáticas, as duas teses, de Hermógenes e de Crátilo, se convergem, pois possuem algo do verdadeiro eidos do onoma. Nos aproximando mais especificamente do interesse desse tópico, a per- gunta que insiste é a seguinte: de que maneira, o Crátilo, de Platão, é um texto importante para pensarmos a filosofia da linguagem e situá-lo, aqui, nos primórdios dessa discussão? Essa resposta é, deveras, complexa. Que o Crá- tilo traz a linguagem e seus usos é um fato incontestável, ademais, apresenta algumas linhas de pensamento e suas possíveis falhas e faz menções aos pen- sadores fundamentais para o estudo da linguagem, inclusive, algumas dessas bases aparecerão, mais pormenorizadamente, em outro diálogo platônico, o Sofista. Mas foquemos em mais alguns pontos da última parte do diálogo. Na argumentação que tem o intuito de desmontar o posicionamento de Crá- tilo, há um certo pessimismo com a linguagem. Esse pessimismo está relaciona- do com a afirmação de que se, de fato quisermos conhecer as coisas, devemos nos focar nelas e não em seus nomes, uma vez que elas são imagens imperfeitas. Platão parece querer propor outro tipo de contato quando desvaloriza o nome como canal de acesso, mas esse novo contato não é mencionado no Crátilo. Esse posicionamento abre margem para que alguns estudiosos pontuem que não há uma filosofia da linguagem em Platão. É o caso, por exemplo, de Aubenque (1974), que afirma que para Platão a filosofia não se deve tornar uma ciência das palavras, mas um estudo a respeito das coisas tais como elas são. Já Goldschmidt (1940) compreende que o Crátilo é uma vitrine que demonstra pontos de algumas teorias da linguagem daquela época, e que Platão tinha em mente um projeto mais audacioso: a construção de uma linguagem ideal em que os estudos de todos os nomes serviriam para uma verdadeira filosofia. Esse crítico, afirma, ainda, que Platão reconhecia o limite dos nomes, e que também reconhecia que a dialética transcende os nomes, mas como atividade, depende deles e, por esse motivo, é preciso criar uma terminologia que atenda às necessidades filosóficas. UNICESUMAR UNIDADE 1 24 Dessa maneira, a resposta para a pergunta feita, se há ou não filosofia da linguagem em Crátilo, essa aula não pretende entrar na disputa. O intuito aqui é explicitar que Platão tratou a linguagem. Esse tratamento foi feito de modo inovador, pois Platão se afastou de duas teses recorrentes nos estudos lin- guísticos do período: o relativismo-subjetivista dos Sofistas e o pensamento naturalista dos Pré-Socráticos. Ademais, esse diálogo platônico nos dá uma dimensão bastante interessante a respeito do desenvolvimento da linguística no mundo grego, além de nos deixar um material importante para compreen- dermos a linguística dos gregos. Borba (1971) contribui e esclarece a discussão afirmando que, sendo três interlocutores - Crátilo, Hermógenes e Sócrates, “ O primeiro defende o entranhamneto entre a palavra e o objeto; o segundo discorda e diz que a dominação precede consoante o uso e pede a opinião de Sócrates. Este concorda com Crátilo e cita uma série de exem- plos – os heróis (gr. heroes) recebem tal nome porque são filhos do amor (eros) entre um deus ou deusa e um mortal ou porque são hábeis oradores (gr. réto- res); ou deuses (gr.theoi) se identificam com astros,e o sol, a lua e a terra têm por natureza girar (gr. gyreuo). Acrescenta também que as letras têm determinadas propriedades e por meio delas se pode chegar a uma correlação entre o nome e a coisa: r denota vibração – rheo (fluir), rhóe (corrente); l é brando e fluido – leios (liso), lícarós (untuoso) etc. Não se sabe se Sócrates brincava ou falava a sério porque logo depois diz que tal não é exato como se vê em sklerós (duro) apesar do l. (BORBA, 1971, p.13) Pensemos, a partir de agora, no posicionamento aristotélico a respeito da linguagem e nos embates estabelecidos com o pensamento platônico. 25 A Questão da Linguagem em Aristóteles Embora não haja, em Aristóteles (384 aC - 322 a. C), um tratado específico a respeito da linguagem, ela é ponto fundamental de sua filosofia, pois é relacionada com as questões que envolvem à lógica e como possibilidades de diferentes formas de ex- pressão, tais como a poesia, a retórica, o teatro etc., basta pensarmos, por exemplo, em alguns de seus mais famosos textos: a Metafísica, a Poética, a Retórica, o con- junto enfeixado em Órganon. Em outras palavras, para esse filósofo, a realidade só pode ser examinada por meio da compreensão do funcionamento da linguagem. Descrição da Imagem: na tela vemos Aristóteles. Ele está sentado, com as pernas semicruzadas, veste túnica marrom e sandálias. Possui barba e é ligeiramente calvo. E faz anotações em um papel enquanto observa fixamente algum ponto que não é apresentado ao espectador da tela. Figura 2 - Aristóteles, de Francesco Hayez (1811) / Fonte: Wikimedia Commons ([2022]b, on-line). UNICESUMAR UNIDADE 1 26 Diferentemente de Platão, Aristóteles não pensa na “doutrina semântica da decomposição da proposição em nome e verbo (em onoma e rhema), e sim da decomposição da proposição em sujeito, cópula e predicado” (NEF, 1995, p.18). Ademais, como já salientamos, “ [...]não encontramos em Aristóteles uma obra específica sobre a linguagem ou semântica. Encontramos, sim, em várias obras, o exa-me da linguagem visando outros temas (lógica, inferência, a disputa contra os sofistas). Pode-se dizer que é nos textos lógicos, retóricos, sobre a argumentação, que se descobrirão as suas opiniões sobre a linguagem (NEF ,1995, p. 20). Descrição da Imagem: : a imagem é uma fotografia das ruínas de uma antiga biblioteca romana cons- truída em mármore, o ângulo da foto está de baixo para cima, voltada um pouco na diagonal para a esquerda. Na direita, há um texto talhado em uma parede estreita na língua grega com aproximadamente vinte linhas. Logo do lado direito, há uma base de uma coluna, há uma frase talhada em grego. Na parte esquerda da foto, tem cinco colunas Coríntias, e mais quatro colunas do mesmo estilo na parte cima das ruínas. No centro ao fundo, há uma parede com uma janela e o que parece ser uma estátua. Figura 3 - Inscrição de um texto em grego na Biblioteca de Celsus, na antiga cidade grega de Éfeso, atual Turquia 27 Na Poética, por exemplo, Aristóteles traz os enunciados e os elementos que o compõem, a citar: sílaba, conjunção, nome, verbo e as flexões nominais e verbais. Ademais, para o estagirita, um enunciado ou é uma coisa apenas ou é o resultado da junção de várias partes, o importante é diferenciar quais elementos possuem sentido e indicam referência. Por exemplo, nomes como Luís indicam referência, pois demarcam uma singularidade, enquanto conjunções do tipo “de agora em diante” não demarcam referência. E, como sabemos, a conjunção é elemento fun- damental em um enunciado, pois é a responsável pela ligação entre nome e verbo. Ainda sobre a Poética, é importante mencionar que ela se tornou, com o de- correr dos séculos, um marco fundamental para os estudos literários. Conceitos como os de arte, poesia, imitação, catarse, verossimilhança, dentre tantos outros, possuem imensa repercussão na história da arte e são renovadas e expandidas até os dias de hoje pelas modernas teorias. Na Poética, Aristóteles examina os gêneros literários e afirma que todos eles têm um ponto em comum: o caráter mimético, isto é, a recriação poético-ficcional da realidade. O filósofo vai afirmar, conforme Abrão (1999), que a poesia é o gênero que mais se aproxima da filosofia. Em uma sucinta comparação, enquanto o historiador narra fatos particulares, a poesia “encadeia os acontecimentos imaginados segundo suas causas necessárias. Nesse sentido, a poesia tende para o conhecimento do universal, que é o objetivo máximo da filosofia” (ABRÃO, 1999, p.67-68). Em Da interpretação, há a diferenciação entre nome, que é o som que possui sig- nificação, e o verbo, aquilo que acrescenta à sua própria significação. Faz-se impor- tante salientar que tanto o nome quanto o verbo possuem significação determinada, por esse motivo o verbo “sempre indica algo afirmado a respeito de alguma outra coisa [...] o verbo é sempre signo daquilo que se diz de outra coisa, saber de coisas pertencentes a um sujeito ou contidas em um sujeito (16b8-16b10)” (NEF, 1995, p. 24). A partir daí está estabelecida a relação entre as palavras, as ideias e as coisas postas no mundo, porém, como saber se um enunciado é verdadeiro ou equivocado? “ O homem real se reciproca segundo a consecução de existência com a asserção que é verdadeira a seu respeito. Efetivamente, se o homem existe, a asserção pela qual dizemos que o homem existe também é verdadeira; e, reciprocamente, se a asserção pela qual nós dizemos que o homem existe é verdadeira, o homem também existe. Entretanto, a asserção verdadeira não é, de modo algum, causa da UNICESUMAR UNIDADE 1 28 existência da coisa (pragma); pelo contrário, é a coisa que parece ser, de certa forma, a causa da verdade da asserção, pois é da existência da coisa ou da sua não existência que depende a verdade ou a falsi- dade da asserção (Categorias, 14b14-22) (NEF, 1995, p. 26) Ademais, como salienta Neves (1981), Aristóteles analisa o suporte biológico da função linguística quando fala da voz como um som ouvido. O filósofo observa que não há um órgão para a fala, uma vez que para que a voz seja produzida é necessária a ação de órgãos já capazes de funções biológicas determinadas. “A voz é condição para a linguagem, mas não é a linguagem. A capacidade de articular sons implica a capacidade de emitir sons, mas a recíproca não é verdadeira” (NEVES, 1981, p.57). NOVAS DESCOBERTAS Para saber mais a respeito do pensamento de Aristóteles, assista ao vídeo Pensadores - Quem somos nós?, elaborado pelo prof. Dr. Roberto Bolzani Filho. Segue o link: Na Política, Aristóteles explica a natureza da linguagem. O zôon politikón está ir- remediavelmente ligado à faculdade do falar, porque sem linguagem não haveria sociedade política. Portanto, o homem é um animal político que, naturalmente, vive em sociedade. Ao tratar desse tema, Aristóteles, contrariando Platão, não se interessa pela idealização de uma cidade justa. Ele revela uma marca muito forte de seu tempo: “o ideal da pólis já é letra morta, perante a expansão militar da vizinha Macedônia” (ABRÃO, 1999, p. 67). De acordo com Neves (1981, p.58), “ A natureza não faz nada em vão e, dentre os animais, o homem é o único que ela dotou de linguagem. Sem dúvida a voz (phoné) é uma indicação de prazer ou de dor, e também se encontra nos outros animais; o lógos, porém, tem por fim dizer o que é conveniente ou inconveniente e, consequentemente, o que é justo ou injusto. Isso é, com efeito, o que é característico do homem em face dos outros animais: que só ele tenha o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto ou outros valores semelhantes. E é a possessão comum desses valores que faz uma família e um Estado. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/11156 29 Aristóteles (1968) afirma que a linguagem se faz presente no homem pelo fato de ele ser um animal político, e essa vocação poderá ser cumprida por causa de tal recurso. É por meio da articulação entre voz e da palavra que é possível distinguiro bem do mal, aquilo que é justo do que é injusto e assim por diante. Na relação estabelecida entre a questão biológica e a questão do homem como animal político, Neves (1981) salienta alguns pontos em que o logos é posto: além da linguagem ser natural ao homem, pois corresponde à sua racionalidade e a finalidade de animal político, a crítica afirma que a linguagem é um exercício político e, por esse motivo, existe acordo (nomos, synthékc) na fundação da lin- guagem. Esse acordo é ainda propiciado pela capacidade intelectual do sujeito, que tem a capacidade de entender a referência ao campo da linguagem. Por fim, assim como existe o Estado, Neves (1981) informa que existe uma forma de lin- guagem acabada que também expressa a verdade e atinge um discurso que reflete a possessão comum da sociedade política perfeita. A respeito das palavras e das coisas, há duas definições aristotélicas que apa- recem em Categorias: os homônimos e sinônimos. Homónyma são aquelas coisas nas quais apenas o nome é comum, enquanto a noção do nome é ampla; e Si- nónyma são coisas que possuem comunidade de nome e identidade de noção. “ Assim, os nomes são símbolos das coisas, mas a relação entre o conceito (noéma) e o sinal (semeion) ou entre a coisa (prâgma) e o nome (onoma) não é sempre de congruência. Não se cobrem sempre inteiramente con- ceito e palavra. O que está no som é símbolo do que está na alma, mas não necessariamente o conceito que está no som, o significado, é congruente com o conceito que está na alma, embora só sob as formas de linguagem possam ser apreendidos os conteúdos mentais (NEVES, 1981, p. 59). Conforme aponta o fragmento anterior, embora haja correspondência entre a tríade conceito, palavra e objeto, não há, obrigatoriamente, congruência. Em ou- tras palavras, a expressão expõe a relação conceitual e, por isso, a coisa, mas entre a coisa e o nome não há uma relação de semelhança. O estagirita desenvolve essa questão, com mais propriedade, em Da inter- pretação, texto em que afirma que o está emitido nos sons da voz é símbolos dos estados da alma e as palavras são símbolos do que é emitido pela voz. Neves (1981, p.60) completa afirmando que: UNICESUMAR UNIDADE 1 30 “ [...]do mesmo modo que a escrita não é a mesma para todos os ho-mens, as palavras faladas não são também as mesmas, se bem que os estados de alma dos quais essas expressões são signos imediatos sejam idênticos para todos, como são idênticas também as coisas das quais esses estados são as imagens. Além disso, Dinucci (2009) afirma que a teoria da linguagem de Aristóteles possui uma visão diferente daquela proposta pelos sofistas, principalmente, no que se refere à natureza do diálogo entre os sujeitos. Basta pensarmos em Górgias para quem a palavra tem uma profunda função persuasiva e não há espaço para fun- ções de expressão e transmissão do discurso. Para Aristóteles, conforme expõe Dinucci (2009), as palavras postas no discurso são dirigidas a alguém e também falam de algo determinado. Na relação dialética, os dois interlocutores poderiam se contradizer e falar de coisas distintas a respeito do mesmo tema. A partir daí, o filósofo analisa dois pontos que poderiam ameaçar a significação uma no âmbito da própria teoria da linguagem. Segue um fragmento de sua Metafísica: “ E nada importa que alguém diga que [o nome] significa várias coisas, contanto que sejam em número limitado, pois a cada con-ceito se poderia dar um nome diferente; por exemplo, se se dis- sesse que “homem” não significa uma coisa única, mas várias, das quais uma seria “animal bípede”, havendo, porém, vários outros enunciados, ainda que em número limitado; pois se colocaria um nome particular a cada conceito, e se não se colocasse, mas se se dissesse que significava infinitas coisas, é claro que não poderia haver raciocínio; pois não significar alguma coisa é não significar coisa alguma, e, se os nomes não significam nada, é impossível dialogar uns com os outros, e, em verdade, também consigo mes- mo; não é possível, com efeito, que pense nada aquele que não pensa uma coisa [...] O nome [portanto] tem uma significação [...] única (ARISTÓTELES, 1970, p.11) Se aproximarmos esse fragmento de um trecho das Refutações sofísticas, ele ficará mais claro: 31 “ Ora, entre nomes e coisas não há semelhança completa: os nomes são em número limitado, assim como a pluralidade das definições, enquanto as coisas são em número indeterminado. É, por conse- guinte, inevitável que muitas coisas sejam significadas por uma mes- ma definição e por um mesmo nome (ARISTÓTELES, 1977, p.11). Na esteira dessa discussão, Dinucci (2009) aponta que em Aristóteles não é pos- sível estabelecer uma correspondência biunívoca entre coisas e palavras, isso porque as primeiras são em número indeterminado, e as segundas em número limitado. A consequência é que a mesma palavra pode significar várias coisas, e isso nos guia para a questão da equivocidade. Essa questão é rapidamente resolvida por Aristóteles. Ele afirma que é preciso distinguir as diferentes significações dando um nome diferente para cada uma delas. Dinucci (2009) traz um exemplo muito elucidativo: homem e cavalo são animais, e o termo “animal” parece um equívoco, no sentido de que parece não significar algo específico, no entanto, se for acrescentado uma diferença específica a questão do equívoco se dissipa: homem será “animal racional” e cavalo “animal” mais a sua de- vida diferença específica. Essa diferenciação resolve a discussão, se a palavra possuir um número determinado de significações, caso contrário não seria possível falar essa palavra e ser compreendido, pois sua significação seria sempre um equívoco. Merece comentário, a partir de agora, as opiniões que Platão e Aristóteles emitiram a respeito da atividade oratória. Ambos elaboraram intensa crítica à sofística, no entanto cada um deles tinha um posicionamento diferente em face dessa mesma questão. Esse contraste tem sua raiz na divisão do próprio sistema filosófico platônico e aristotélico ao relacionar a linguagem e o ser. Platão condena a oratória com base em uma negação do próprio estatuto da linguagem como elemento que media a consciência e a realidade. Em Crátilo, Sócrates afirma: “ Saber de que maneira deve-se conhecer ou descobrir as coisas que existem está talvez acima de minhas e de tuas forças. Contentemo--nos por convir que não é dos nomes que se deve partir, mas que é necessário buscar as coisas partindo antes delas próprias do que dos nomes (PLATÃO, 1961, p.439). UNICESUMAR UNIDADE 1 32 Já Aristóteles, mesmo sabendo do caráter precário da linguagem mediante a reali- dade que ele pretende representar, uma vez que ele já havia afirmado a infinidade do número das coisas, aponta a condição indispensável da linguagem para o pro- cesso comunicativo e, por esse motivo, as palavras precisam significar uma coisa só, pois “se as palavras não possuem significado será impossível toda discussão ou conversa com os que nos cercam: mais ainda, será impossível entender-se a si mesmo” (ARISTÓTELES, 1970, p.20). Se em Platão o uso da linguagem funciona como uma espécie de degradação do ser pelo fato de que ela o afasta do contato direto com o mundo das ideias, em Aris- tóteles, o poder e a faculdade de simbolizar por meio da fala, dá ao homem uma di- mensão própria que se define, sobretudo, pelo uso da linguagem e não pelo emprego da força. É por isso que ele afirmou que “se é vergonhoso não poder defender-se com o corpo, seria absurdo não envergonhar-se por não fazê-lo através da palavra, cujo emprego é mais próprio ao homem do que o corpo” (ARISTÓTELES, 1973, p.38). O fato é que a problemática da linguagem coloca Aristóteles em uma posição distante à de Platão e dos sofistas. Ele não concorda que Platão desconfie das palavras e não concorda que os sofistas neguem a identificação pura e simples com a verdade. Para Aristóteles, a linguagem é um poderoso suporte de reflexão filosóficae um importante veículo por onde se expressam os valores do homem. E essas duas funções são legítimas e merecem atenção. Por esse motivo, Aristóteles ataca, sobretudo, os sofistas: “ E seu combate vai travar-se dentro do próprio campo daqueles: o discurso. Nesse sentido, ao refutar os que sustentavam a legitimidade de afirmações contraditórias do tipo “uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo”, ele os alinha em dois grupos, uns assim pensam por ignorância, outros por convicção. Aos primeiros, declara que “não se deve combater sua maneira de falar, mas simplesmente dirigir-se à sua inteligência”. Referindo-se aos segundos, diz: “Ao contrário, o re- médio daqueles que professam esta opinião por sistema é a refutação, devolver-lhes seus argumentos tanto no que diz respeito ao som e voz de seu sistema quanto no que diz respeito às próprias palavras que pronunciam”. O desmascaramento do raciocínio sofístico, portanto, só será possível através do estudo dos processos linguísticos com que aqueles constroem seu pensamento (BRANDÃO, 1976, p.21) 33 No desenrolar dessa discussão, Aristóteles vai defendendo a retórica como ele- mento fundamental para persuasão e que, parecida com a dialética, ela também versa sobre questões que são comuns a quaisquer homens. Ela faz parte, desse modo, do campo das opiniões humanas e se constrói como instrumento de afir- mação da liberdade de opinião. É importante frisar que a questão da opinião ser vista como objeto de discurso não deve ser compreendida como uma concessão aos sofistas, mas apenas um aspecto importante da realidade humana. Platão discorda frontalmente, porque se interessa tão somente pela verdade como objeto de investigação, inclusive, conforme expõe Brandão (1976, p.23), há o confronto entre duas espécies de retórica: “uma reveladora da essência das coi- sas, outra (esta condenável) produtora de aparências; portanto criadora de ilusão”. Após essa breve discussão, passamos, agora, para algumas considerações a respeito da linguagem na Antiguidade tardia e na Idade Média. De Porfírio a Rousseau: Mais Alguns Aspectos da Linguagem De maneira geral, nossa Era se inicia com o Ocidente sendo dominado pela po- lítica do Império Romano e com a estruturação da Igreja Católica, seus dogmas e teses fundantes. Quando pensamos na Idade Média, nunca é demais destacar que os primeiros padres tinham como fonte de pesquisa, a tradição antiga para estruturar seus estudos. Isso quer dizer que as questões vão se alinhavando no raio da história e entrando para a tradição filosófica devido a revisão, a reapro- priação e ressignificação do que quer que seja. Com a questão da linguagem não foi diferente. É nesse período que se faz presente o “problema dos universais”, questão importante para o estudo da linguagem. Porfírio (234-304/309), filóso- fo neoplatônico, em Isagoge, comenta o estudo das Categorias, em Aristóteles, elaborado no final da segunda aula. Porfírio (apud LEITE JR, 2001, p. 17) afirma: “ Antes de mais, no que se refere aos gêneros e às espécies, a questão é saber se eles são realidades em si mesmas, ou apenas simples con-cepções do intelecto, e, admitindo que sejam realidades substanciais, se são corpóreas ou incorpóreas, se enfim, estão separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes. UNICESUMAR UNIDADE 1 34 Porfírio (apud LEITE JR, 2001, p. 17) com- plementa afirmando que “é um assunto de que evitarei falar; é um problema muito complexo, que requer uma indagação em tudo diferente e mais extensa”. Todavia, ele expõe a questão de maneira clara. Median- te aos gêneros e as espécies, conhecidos como termos universais, eles são realidade subsistente em si mesma (res, coisa), e se for o caso: a) são corpóreas ou incorpóreas; b) ou se estão separadas ou subsistentes nas coisas visíveis. Elas podem ser, ainda, con- cepções do espírito, neste caso são vox, isto é, apenas vocábulos. A questão do “problema dos univer- sais” começa, de acordo com Simon (1990, p.33), da “dúvida relativa ao ser dos uni- versais”. Em outras palavras, se a classifica- ção dos universais, gêneros e espécies em que as coisas são classificadas, no sentido linguístico, como “homem” e “cavalo”, para retomar o exemplo aristotélico, possuem status ontológico. Nef (1995, p.63) com- plexifica a discussão ao solicitar que pen- semos no termo humanidade. “ O termo “humanidade” é um termo universal ao qual recorremos para fa- lar de “todos os homens”. Sabemos que existe o homem singular (eu, o professor da faculdade, o padeiro da esquina etc.) e que este é um indivíduo Descrição da Imagem: na gravação, feita em preto e branco, está Porfírio. Ele está sentado e uma bancada, cujo centro possui uma placa intitulada Por- phire Sophiste (Porfírio Sofista), impede que observemos a parte inferior de seu corpo, a parte inferior de seu corpo. Ele usa um turbante na cabeça, veste uma espécie de túnica de mangas longas e tem barba de tamanho médio. Nela há alguns livros e Porfírio faz anotações. Figura 4 – Porfírio sofista, em uma grava- ção francesa do século XVI / Fonte: Wiki- media Commons ([2022]c, on-line). 35 concreto. Agora, o termo “humanidade” se refere a uma coisa con- creta ou não? Esta é a questão de fundo do problema dos univer- sais e que tem implicações nas diversas áreas do conhecimento. As respostas a esta questão variam conforme a opção que é tomada. Entretanto, “todas essas perguntas giram, pois, em torno de uma interrogação sobre a possibilidade de nomear o universal e sobre a natureza dos meios linguísticos e conceituais que tornam possível uma tal nomeação” (NEF, 1995, p. 63). Boécio (480-524/525) foi um dos primeiros filósofos que retomou essa questão. Ele tinha interesse em traduzir os textos de Aristóteles e de Platão, pois desejava comentar a similitude entre o pensamento dos dois filósofos. A questão das universais possui duas vertentes, uma platônica e outra aristotélica, e Boécio deu duas contribuições diferentes ao tema. Na introdução para as Categorias, de Aristóteles, Boécio (apud GILSON, 2001) informa que os termos universais não são coisas individuais, pois são comuns a muitos indivíduos, e o termo da espécie “animal” é um desses exemplos. E o gênero está relacionado à espécie, o que torna impossível que um universal seja res. Essa proposta gera conflitos. E Gilson (2001, p.164) expõe esses conflitos: “ Mas suponhamos, ao contrário, que os gêneros e as espécies re-presentados por nossas ideias gerais (universais) não sejam mais que simples noções do espírito. Em outras palavras, suponhamos que absolutamente nada corresponda, na realidade, às ideias que temos deles; nessa segunda hipótese, nosso pensamento não pen- sa nada pensando-as. Mas um pensamento sem objeto é tão só um pensamento de nada; não é sequer um pensamento. Se todo pensamento digno desse nome tem um objeto, é preciso que os universais sejam pensamentos de alguma coisa, de modo que o problema de sua natureza recomeça imediatamente a se colocar. Boécio tenta resolver esse engodo, afirmando que o espírito, em seu processo de recomposição dos dados que chegam até ele, pode encontrar nos seres corpóreos os gêneros e as espécies. E quando estão nos seres incorpóreos são tidos como abstratos. Ademais, Gilson (2001, p.166), afirma que esse posicionamento está diferente do que aparece no livro V, da Consolação da Filosofia. Nesse livro, Boé- cio afirma que “a inteligência vai além dos dados do sentido e contempla a forma pura e simples em si mesma, a ideia (ou o universal) configurando-se na visão UNICESUMAR UNIDADE 1 36 pura do pensamento”. Dessa maneira, fica claro que essa revisão do pensamento está intimamente relacionada com a filosofia de Platão, na qual o universal existe por si, independente da coisa sensível. Na esteira das discussões a respeito dos problemas das universais, merece desta- que a contribuição de Pedro Abelardo (1079-1142), cuja vida, inclusive o romance escandalosocom a abadessa Heloísa de Argenteuil, foi contada na História de mi- nhas calamidades. Abelardo nega que o universal seja uma coisa ou que ele subsista nas coisas corpóreas, e com essa afirmação ele contraria o posicionamento de Boécio. E ele diz isso porque parece confuso afirmar que o mesmo universal “animal” possa ser tranquilamente aplicado ao “homem” e ao “cavalo”, uma vez que tratam-se de es- pécies diferentes. Para Abelardo, professor e exímio lógico, tal afirmação invalidaria o princípio da identidade da lógica. A proposta estaria pois em pensar o universal não como uma coisa, mas como predicado. Gilson (2001, p.436) explica o posicio- namento de Abelardo a respeito dessa questão: “ A fonte de todas essas dificuldades é a ilusão de que os universais sejam coisas reais, senão em si mesmo, pelo menos nos indivíduos. Não é a realidade em si das ideias de Platão que Abelardo ataca, mas a realidade do universal do gênero em suas espécies, ou do universal da espécie em seus indivíduos. O motivo disso é simples. O universal é o que se pode predicar de várias coisas; ora, não há coisas, tomadas individual ou coletivamente, que se possam predicar de várias outras: cada uma delas não é mais do que ela mesma e o que ela é. Donde a conclusão decisiva de Abelardo: já que esse gênero de universalidade não pode ser atribuído às coisas, resta atribuí-lo às palavras. Os gramáticos dis- tinguem os termos universais dos termos particulares ou singulares. Um termo particular é predicável de um só e único indivíduo, Sócrates, por exemplo; um termo universal é aquele que se escolhe para predicar uma pluralidade de indivíduos, tomados um a um aos quais se aplica devido à sua natureza. A universalidade não é, portanto, nada mais que a função lógica de certas palavras. Em outras palavras, os universais só existem no intelecto, mas, simultanea- mente, estabelecem relação com as coisas particulares na medida em que os significados são dados. Assim sendo, “é como significado que os universais subsistem às coisas” (ABRÃO, 1999, p.108). Todas essas considerações que, 37 de certo modo, impulsionaram os estudos lógicos, foram feitas sem vínculos com a teologia. Paradoxalmente, elas fornecem à teologia um modelo de ar- gumentação fundamental para a escolástica: o confronto entre duas opiniões com o intuito de extrair uma solução satisfatória. “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo”. (Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, § 5.6) PENSANDO JUNTOS Realizando mais um salto temporal, chegamos a Guilherme de Ockham (1285-1347), no século XIV, que dará mais uma contribuição para essa discussão. Ele não aceita que os universais possam existir fora da mente, uma vez que são conceitos com significa- dos convencionais, sem status ontológico. Isso quer dizer que podemos mencionar relações, quantidades sem precisar assumir que os termos universais sejam entidades reais. O já citado exemplo da palavra “humanidade” não é uma entidade real que está fora da mente do sujeito, mas um vocábulo que a convenção permite que utilizemos para fazer referência a “qualidade do homem” ou “a todos os homens”. “ Os gêneros e as espécies não subsistem fora da alma, mas estão somente no intelecto, porque são apenas intenções ou conceitos formados pelo intelecto; eles exprimem as essências das coisas e as significam, mas não são as coisas, assim como o signo não é o seu significado. Eles não são parte das coisas, como também a pala- vra (vox) não é uma parte do seu significado. Eles podem servir de predicados para as coisas, mas não por aquilo que eles são: de fato, quando um gênero é atribuído a uma espécie, gêneros e espécies não se apresentam por si mesmos porque não se apresentam sim- plesmente (simpliciter), mas pessoalmente (personaliter) e assim se apresentam em lugar de seus significados, que são coisas singulares; mas esses gêneros e espécies são atribuídos às coisas representando as próprias coisas que eles significam. Assim, na proposição ‘Sócrates é um animal’, a palavra ‘animal’ não se apresenta por si mesma, mas em lugar de outra coisa: o próprio Sócrates. Mas, embora o que contém o intelecto, segundo o pensamento dos filósofos e segundo a verdade, sejam os gêneros e as espécies, além delas, as próprias pa- UNICESUMAR UNIDADE 1 38 lavras que lhe correspondem podem, de certo modo, ser chamadas gêneros e espécies, na medida em que tudo o que é significado por um conceito ou intenção na alma é significado por uma palavra, e inversamente; isso porém segue unicamente a decisão do instaura- dor da linguagem [Suma Lógica] (NEF, 1995, p. 77). Ockham também desenvolve a teoria da suposição. Essa teoria explica como uma proposição possui objetos que significam as coisas por meio de termos. Em outras palavras: o conceito é o signo mental que faz as vezes às coisas que existem na realidade. Gilson (2001, p.81) afirma que há três casos de suppositio: “ 1- Suppositio materialis: o termo significa a própria palavra que o constitui; exemplo: homem é uma palavra. 2- Suppositio personalis: o termo significa indivíduos reais; exemplo: o homem corre. 3- Su- ppositio simplex: o termo significa algo comum; exemplo: homem é uma espécie. “Homem” não é um indivíduo, mas uma comunidade, aquilo que é comum. De acordo com Morujão (2006, p.317), a suppositio simplex é a convenção de “um termo resultante de um ato mental que abstraiu das características particulares de todos os indivíduos pelos quais supõe”. Isso quer dizer que para Ockham, o significado de uma proposição com termos universais poderá ser explicado por meio de proposições que possuam termos singulares. Desse modo, a proposição “o homem é um animal” é verdadeira se puder afirmar a proposição “isto é um animal”. Ou seja, “um conceito universal, portanto, é um signo”. A chegada do Renascimento é marcada por um forte interesse nas questões que envolvem a teoria do conhecimento e da filosofia prática. Os estudos sobre a significação da linguagem acabam perdendo a força, bem como as discussões acerca da Lógica. Todavia, com o Humanismo e com a expansão das línguas vernáculas, as investigações no campo da linguagem se associam à origem do conhecimento e à gênese das ideias. Dentre as várias contribuições, pelo menos três filósofos merecem destaque: Hobbes, Locke e Rousseau. Thomas Hobbes (1588-1679) tem como ponto de partida de suas reflexões filosóficas a “devoradora” natureza humana ou o homem no estado de natureza. É dele o célebre pensamento: “que ninguém se engane: os homens não são ir- mãos. Ao contrário, são inimigos, capazes de matar um ao outro. O homem, na 39 verdade, é o lobo do homem” (ABRÃO, 1999, p.233). No campo das reflexões a respeito da linguagem, esse filósofo inglês, afirma que não há entidades reais universais, mas nomes que podem ser atribuídos a várias coisas. Um universal é tão somente um nome que, às vezes, é determinado por afetação direta ou por pronomes demonstrativos. Hobbes (2008) também foi um profundo analista do Estado. Para ele, a origem do poder político e do próprio Estado deveriam ser procurados na natureza, e não em Deus, mesmo que este seja o resultado da criação de Deus. A questão da linguagem aparece nessa análise, pois ele distingue o uso da palavra no discurso verbal e no mental: “ O uso geral da palavra é transformar nosso discurso mental em dis-curso verbal e o encadeamento dos nossos pensamentos em enca-deamento de palavras; isso em vista de duas vantagens: primeiro, a consecução dos nossos pensamentos [...] o outro uso consiste, quando muitos se servem das mesmas palavras, no fato de que os homens significam um ao outro, pela organização e relação dessas palavras, o que eles concebem ou pensam de cada questão (HOBBES, 2008, p. 25). De acordo com o fragmento do Leviatã, anteriormente exposto, a primeira van- tagem refere-se às marcas determinantes na mente do agente com o intuito de que ele se lembre de alguma coisa e, na segunda,são os signos. Estes expressam os sentimentos dos homens - portanto, também as mentiras, as possíveis mani- pulações, ofensas etc. Tais expressões são dirigidas a outros homens. Na esteira dessas discussões, Abrão (1999) afirma que a linguagem é, em Hob- bes, um instrumento visto para diminuir a perda das sensações. Ele compreende que as palavras são meras convenções, mas servem para fixar a imaginação e a memória. E nesse processo de realizar operações de associações e decomposições de conteúdos pode resultar em possibilitar o armazenamento de conhecimento. A leitura que John Locke (1632-1704), filósofo inglês conhecido como pai do Liberalismo, faz do homem é muito mais complacente que a de Hobbes. Para Locke, o que importa é a “soberania indivisível que garanta a paz” (ABRÃO, 1999, p.239). Não importa se essa paz é representada por Carlos I ou por Cromwell. Em Ensaio sobre o entendimento humano, de 1689, ele afirma que a expe- riência é a única fonte de ideias. Uma criança, por exemplo, só diferencia o doce UNICESUMAR UNIDADE 1 40 do amargo por causa da experiência. Dessa forma, a palavra exprime uma ideia. A relação é tão tênue que ele afirma: “ Há uma relação tão estreita entre as ideias e as palavras, e nossas ideias abstratas e nossas palavras gerais têm uma relação tão cons-tante que é impossível falar clara e distintamente do nosso conhe- cimento, que consiste inteiramente em preposições, sem conside- rar primeiramente a natureza, o uso e a significação da linguagem (LOCKE apud NEF, 1995, p. 110) Como se observa, Locke tem interesse pela linguagem, tanto é que na citada obra, ele apresenta uma divisão das ciências em: (1) física ou filosofia natural; (2) em prática; e em (3) semiótica ou conhecimento dos signos. Essa última estuda “a natureza dos signos dos quais o espírito se serve para entender as coisas, ou para comunicar o seu conhecimento aos outros” (NEF, 1995, p. 110). Nessa esteira, Locke compreende que a efetivação dos sons articulados necessita do uso de signos mentais, cunhado por ele como concepção interior. Tais signos sinalizam, conforme Nef (1995), as marcas que temos no espírito a fim de estabelecer a comunica- ção com outros homens. É por meio das palavras que essa expressão é possível: “ Por conseguinte, é das ideias daquele que fala que as palavras são sig-nos, e ninguém pode aplicá-las imediatamente como signos a nenhu-ma outra coisa, senão às ideias que ele próprio tem no espírito, pois usá-las de outra forma seria torná-las signos das nossas próprias con- cepções e aplicá-las, entretanto, a outras ideias, isto é, fazer ao mesmo tempo com que elas fossem e não fossem os signos de nossas ideias, e por isso mesmo que elas não significassem nada (NEF, 1995, p. 110). As discussões que Locke empreende a respeito da linguagem podem nos levar a pensar que ele a trata como privada, isto é, limitada ao falante, pois, como afirma- mos anteriormente, para esse filósofo as palavras são signos das próprias ideias. Problematizamos: como haveria, então, comunicação entre os indivíduos se a linguagem está a serviço da representação mental do falante? Locke resolve esse engodo afirmando que a palavra tem a função de fazer referências às coisas, isto é, além de ideias, as palavras representam coisas no mundo. 41 Outra questão se desprende dessa argumentação: como são formadas as ideias gerais ou universais? A respeito disso, “ Conceitos universais são, para Locke, ideias abstratas que são for-madas a partir de ideias particulares. Uma coisa ainda que pode mostrar que essas ideias abstratas, designadas por certos nomes, são as essências que concebemos nas coisas, é que tem o hábito de dizer que elas são inengendráveis e incorruptíveis, o que não pode ser verdadeiro sobre as constituições reais das coisas, que come- çam e perecem com elas. [...] Pois seja o que for que aconteça com Alexandre e com Bucéfalo, sempre se supõe que as ideias as quais ligamos aos nomes de homem e de cavalo continuam as mesmas, e por conseguinte, as essências dessas espécies são conservadas em sua integridade, quaisquer que sejam as mudanças que aconteçam a algum indivíduo, ou mesmo a todos os indivíduos dessas espécies. [...] Daí se segue, evidentemente, que as essências não são imutáveis; que essa doutrina da imutabilidade das essências é fundada sobre a relação que é estabelecida entre essas ideias abstratas e certos fun- dos considerados como signos dessas ideias, e que ela será sempre verdadeira, enquanto o mesmo nome pode ter a mesma significação (Ensaio, III – 19) (LOCKE, 1999 apud NEF, 1995, p. 110). Esse posicionamento de Locke abriu margem para inúmeras discussões sobre a origem da linguagem. Duas correntes de pensamento se instauraram: uma mais ra- cionalista e outra mais emotiva. De visão mais racional, destacamos a contribuição de Pierre de Maupertuis (1698-1759), filósofo francês, que recorreu a uma análise metafísica e propôs a seguinte situação: após um sono, o sujeito acordaria sem ne- nhuma lembrança e classificaria tudo o que via a seu redor. Como isso seria feito? “ Suponho que, com as mesmas faculdades que tenho de perceber e raciocinar, tivesse perdido as lembranças de todas as percepções que eu tivesse tido até aqui, e de todos os raciocínios que eu fiz; que depois de um sono que me teria feito esquecer tudo, eu me encontrasse subitamente atingido por percepções que o acaso me apresentaria; que a minha primeira percepção fosse, por exemplo, aquela que experimentou hoje, quando digo vejo uma árvore; que UNICESUMAR UNIDADE 1 42 depois eu tivesse a mesma percepção que eu tenho hoje quando digo vejo um cavalo; logo que eu recebesse essas percepções, eu veria imediatamente que uma não é a outra, procuraria distingui- -las, e como eu não teria imediatamente que uma não é a outra, procuraria distingui-las, e como eu não teria linguagem formada, eu as distinguiria por algumas marcas e poderia me contentar com essas expressões A e B, para as mesmas coisas que eu entendo hoje, quando eu digo vejo uma árvore, vejo um cavalo (NEF, 1995, p. 119). De linhagem mais emotiva, merece destaque a visão de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), cuja contribuição encerra, longe de esgotar, esse nosso percurso acerca dos estudos filosóficos da linguagem. No Ensaio sobre as origens da lín- gua, esse filósofo e político genebrino, também conhecido por ser uma das prin- cipais figuras do Iluminismo e um precursor do Romantismo, discorre a respeito da linguagem relacionando as línguas humanas, com a paixão e com a história. Acompanhemos um trecho: “ Com as primeiras vozes, formaram-se as primeiras articulações ou os primeiros sons, segundo o gênero da paixão que ditava uns ou outros. A cólera arranca gritos ameaçadores, que a língua e o palato articulam, mas a voz da ternura é mais suave, é a glote que a modifica e essa voz se torna um som. Só os seus tons são mais frequentes e mais raros, as inflexões mais ou menos agudas segundo o sentimen- to que acrescenta. Assim, a cadência e os sons que nascem com as sílabas; a paixão faz falar todos os órgãos, e adorna a voz com todo o seu brilho. Assim, os versos, os cantos, a palavra têm uma origem comum (ROUSSEAU, 1999, p. 303). A linguagem poética que ele utiliza para escrever esse ensaio filosófico será uma marca forte do Romantismo. Rousseau (1999) afirma que a linguagem se associa, intimamente, às paixões. E que a primordial linguagem humana, universal e enér- gica é o grito da natureza. Para finalizar, ele não se propõe a explicar o surgimento das ideias gerais que possuímos, todavia afirma que tais ideias resultam de um processo que envolve a capacidade da fala para depois estabelecer ideias e é por isso que “os nomes próprios precedem os substantivos” (NEF, 1995, p. 127). 43 Todas essas contribuições, como se pode imaginar, foram fundamentais para que a Linguagem ganhasse verdadeiro estatuto de discussão filosófica. A respeito dessa questão, trataremos na próximaunidade. No diálogo Sofista, Platão aborda a possibilidade do discurso falso, distinguindo dois níveis: i) O de nomear (seria o nível de sintaxe, combinação de nomes [onomata] e verbos [rhema]); ii) E o de dizer (seria o âmbito da semântica, das condições em que um enunciado [logos] é verdadeiro e significativo). A preocupação está no não ser. Pode-se negar um verbo, mas não um nome. A negação de “João joga futebol” é “João não joga futebol”; não faria sentido dizer “Não João joga fute- bol”. O que seria “não joão”?! Por isso, o ser deve ser enunciado. Platão afirma que temos, para exprimir o ser (ousia), algo como dois gêneros de signos, eles são chamados nomes ou verbos. O verbo ‘exprime as ações’ e o nome se aplica aos ‘sujeitos que fazem essas ações’ (262a). Com isso, temos um discurso, mesmo que seja breve, ele está completo. Este discurso é o que chamamos de “proposição atômica”, sem disjunção (o nosso “ou”) ou conjunção (palavras que conectam orações; exemplo: “que”, “contudo”, “logo” etc.). SILVA, L. D. Filosofia da Linguagem. Indaial: Uniasselvi, 2013. EXPLORANDO IDEIAS Escolástica e o estudo da linguagem O podcast consiste em uma breve explicação a respeito da Escolástica e o estudo da linguagem (de que trata o trivium), para depois examinar a realidade das coisas (o quadrivium). A partir daí, haverá a problematização acerca da relação entre as palavras e as coisas. Por fim, consider- ações e leitura de fragmentos do romance O nome da rosa, de Umberto Eco, serão feitas. NOVAS DESCOBERTAS O espelho (1975), de Andrei Tarkovski, filme citado na abertura dessa unidade de estudos, merece ser apreciado por você. Sugiro que, para aguçar a sua curiosidade, assista a crítica A força encantatória e som- bria de O espelho, elaborada pelo crítico Arthur Tuoto, conforme link abaixo: https://www.youtube.com/watch?v=JtvX7BB_ZD8 UNICESUMAR https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/13570 https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9715 UNIDADE 1 44 Prezado (a) Acadêmico (a), agora que chegamos ao final da primeira unidade de estudos, ficou explícito que o intuito dela foi norteá-lo(a) pelas discussões iniciais a respeito da Filosofia da Linguagem. Nas próximas unidades, nos deteremos, mais pormenorizadamente, na contribuição de alguns nomes que, de fato, trans- formaram esse assunto em uma área específica de reflexão e, por conseguinte, transformaram a Filosofia da Linguagem em uma disciplina com corpo próprio. No entanto, você já possui capacidade de refletir, mesmo que inicialmente, sobre a natureza e algumas características da Linguagem. Pensando nisso, é hora de partir para a prática: leia o fragmento a seguir: “Subsistunt ergo circa sensibiliza intelliguntur autem praeter corpora, eles subsistem em ligação com as coisas sensíveis, mas os conhecemos à parte dos corpos” (GILSON, 2001, p. 164) De que maneira você entende que esse fragmento discute aspectos do conteúdo apresentado no decorrer da unidade, e de que maneira há relação entre esse frag- mento e o poema Memória, de Carlos Drummond de Andrade, que segue abaixo? Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. ANDRADE, C. D. d. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2002. 45 Que tal avaliar os conhecimentos adquiridos na unidade? 1. O Crátilo, de Platão, pode ser dividido em duas partes: Hermógenes e Sócrates ocupam três partes do diálogo, e Crátilo e Sócrates, a última parte. A respeito dessa obra e das discussões a respeito da linguagem, considere as afirmativas a seguir: I - A oposição entre nomos e physis era comum na época e Platão traz a questão nesse diálogo; II - No decorrer do diálogo, Sócrates cita mais de uma centena de nomes com o intuito de criticar o naturalismo linguístico; III - Para Platão, o discurso possui caráter único e, por esse motivo, é sempre as- sertivo e correto; IV - Para Platão, o estudo das coisas deve vir da própria coisa e não por meio de seus nomes. Está correto o que se afirma em: a) I e II, apenas. b) I e III, apenas. c) I, II e IV, apenas. d) II, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 2. De modo geral, a obra de Aristóteles, além de ser uma das bases da filosofia ociden- tal, é sempre relida e reinterpretada. Com a contribuição desse filósofo a respeito do campo da linguagem não é diferente. No decorrer dos séculos, muitas foram as inves- tiduras acerca do tema. Sobre essa questão, considere as afirmações que seguem: I - Crátilo, de Platão, é uma releitura da Metafísica aristotélica, com o estabeleci- mento das categorias gramaticais; II - Górgias se baseou em vários diálogos aristotélicos para construir a noção se- mântica de sua proposta; III - Porfírio, ao reler Categorias, de Aristóteles, traz à baila, em Isagoge, o problema dos universais; IV - Boécio afirma em sua leitura de Aristóteles que os termos universais não são coisas individuais; V - Segundo Guilherme de Ockham, os termos universais são significados conven- cionais e não possuem status ontológico. 46 É correto apenas o que se afirma em: a) I, II e III. b) I, II e IV. c) I, III e IV. d) II, IV e V. e) III, IV e V. 3. A linguagem é uma preocupação constante em Aristóteles, embora ela não tenha recebido um tratado específico. No entanto, se pensarmos, por exemplo, em suas discussões a respeito da lógica ou da literatura, essas considerações ganham espaço. A respeito da questão da linguagem, em Aristóteles, considere as afirmativas a seguir: I - Em sua Poética, o estagirita traz o enunciado e os elementos que o compõe; II - O nome e o verbo são diferenciações feitas por Aristóteles em Da interpretação; III - O zôon politikón, discutido na Política, está totalmente ligado ao ato de falar; IV - A homónyma e a sinónyma são duas definições que aparecem em Categorias. Está correto o que se afirma em: a) I e II, apenas b) I e III, apenas c) I, II e III, apenas d) II, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 2Frege, Russell e Wittgenstein: a Linguagem no Centro da Reflexão Filosófica Dr. Diego Luiz Miiller Fascina Oportunidades de aprendizagem: nesta Unidade de seu material de estudos, um salto significativo é dado quando elaboramos uma com- paração com a Unidade I: nesse momento, aspectos do pensamento de três filósofos, a citar Gottlob Frege, Bertrand Russell e Ludwig Witt- genstein serão comentados, pois algumas de suas obras representam as preocupações com o estudo da linguagem no âmbito da investiga- ção filosófica. É a partir dessa tríade, cujas obras dialogam, em alguns momentos entre si, que a Filosofia da Linguagem ganha estatuto de disciplina e passa a ser um campo rico e vasto para análise. UNIDADE 2 48 Leia o poema a seguir: Ou isto ou aquilo Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares! Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, e saio correndo ou fico tranquilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo. MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. Ilustrações de Thais Linhares. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 49 O poema é de autoria de Cecília Meireles, escritora modernista que dedi- cou parte de sua produção ao público infantil. Nesse poema, notamos alguns possíveis dilemas, talvez relacionados a alguma criança: fazer escolha sempre envolve perder algo. A estrutura do poema, formada por estrofes de dois ver- sos, reforça esse esquema dual, dialético e pouco conclusivo. Assim é, também, com a Linguagem. As palavras
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