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2 Cerrado Introdução Ocupando a maior parte da América do Sul há aproximadamente 12 mil anos, as Sabanas (= savanas) são atualmente o segundo maior Bioma desse subcontinente. Sua abrangência é de parte da Bolívia, Paraguai e Brasil, esse grande ecossistema recebe aqui o nome de Cerrado. Dentro do território nacional, o Bioma ultrapassa as fronteiras dos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal. No total, são 2 milhões de quilômetros quadrados, a segunda maior área dos Biomas brasileiros. Curiosamente, mesmo Cerrado sendo o nome brasileiro da formação das savanas sul-americanas, sua etimologia é hispânica. Em tradução literal, “cerrado” significa “fechado”, e foi utilizado na chegada dos espanhóis em referência à vegetação densa típica da região. Vale ressaltar que a paisagem comum do Bioma também é denominada cerrado, a qual iremos abordar mais para frente. Essa sobreposição de nomenclatura também causa um problema de territorialidade. O cerrado, como vegetação, também é encontrado no norte do Brasil, especificamente no estado de Roraima. Esse fragmento remanescente de milhares de anos não pertence ao Bioma Cerrado, e sim ao Bioma Amazônico, devido à padronização. Adentrando especificamente no Bioma Cerrado propriamente dito, até metade do séc. XX, pouco havia sido explorado. Habitada especialmente por índios há cerca de 11.000 anos, a ocupação intensa dessa região iniciou em 1960 na busca de novas áreas férteis e com a fundação de Brasília. No que tange a expansão agrícola e pecuária no Cerrado, muito foi propiciado pelos terrenos planos, divididos entre chapadas e planaltos. Nessas regiões, ocorreu uma rápida degradação do habitat, levando-o ao status de Hotspot mundial¹. Atualmente, esse Bioma reflete tanto a diversidade brasileira quanto os efeitos nocivos de um desenvolvimento não sustentável. 1 Classificação internacional de regiões ameaçadas de desaparecimento que simultaneamente apresentam alta biodiversidade. Chapada dos Veadeiros, Goiás. A vegetação densa é apenas um tipo de paisagem do Bioma. 3 www.biologiatotal.com.br 2 Característica de permanência de fluidez da água. Oposto aos rios intermitentes. Clima Com pouca influência direta dos oceanos, o Cerrado tem um clima tropical continental. Dentre as principais características está a sazonalidade das chuvas, marcando duas estações do Bioma. Entre setembro e abril, as precipitações mensais superam 150 mm, e mantêm uma média de 1300 mm nesse período. Já entre julho e agosto, não se formam nuvens úmidas; por isso, geralmente as chuvas não ultrapassam 50 mm nesse período. Somando a ausência de chuvas com a alta radiação solar, decorrente da proximidade com a linha equatorial, a umidade relativa do ar chega a ser inferior a 15% durante o ápice da seca. Consequentemente, com a baixa quantidade de água no ar, pode ocorrer uma flutuação diária de temperatura, atingindo mais de 30 °C de dia, e chegando próximo de 0°C a noite. Entretanto, no restante do ano, as variações de temperatura são mínimas, mantendo uma média de 23 °C. Era de se esperar que, pelas altas temperaturas, a taxa de evaporação também fosse alta. Contudo, devido à porosidade do solo argilo-arenoso, grande parte da água acaba se infiltrando, formando robustos lençóis freáticos, diminuindo a taxa de evaporação. Assim, o Cerrado tem milhares de aberturas de nascentes, que formam diversos rios perenes². Ressalta-se que esses corpos hídricos são fundamentais para abastecer 8 bacias hidrográficas brasileiras. Entre elas, está a Bacia do São Francisco, na qual 94% do seu volume de água é proveniente do Cerrado. Outra característica importante do Cerrado é a ocorrência de incêndios. Eles podem iniciar por descargas elétricas, combustão espontânea, atrito com pelos de animais e até mesmo causas humanas. Os incêndios se espalham rapidamente nos períodos sem chuva devido ao acúmulo de matéria orgânica seca. O avanço das cidades vem lentamente destruindo o Cerrado. Com relevo acidentado, o Cerrado retém muitas nuvens carregadas de chuvas. O Cerrado é composto por muitos rios volumosos. Nos incêndios, as temperaturas superam 800 °C. 4 Com a queima da matéria orgânica, os minerais contidos nela se transformam em cinzas e são lixiviados para dentro do solo poroso, característico do Bioma. Com isso, a fertilidade geral do Cerrado se mantém baixa na superfície e alta nas regiões mais profundas. Flora Com um clima desafiador para a vida vegetal, a composição metálica do solo dificulta ainda mais o crescimento da flora.Com solo deficitário em zinco, as plantas do Cerrado não conseguem produzir o suficiente de um dos principais hormônios do crescimento, o ácido indolilacético. Por consequência, o Bioma é caracterizado por árvores baixas. Não obstante, o excesso de ferro no solo auxilia o baixo crescimento das plantas. Isso porque ele mantém o solo mais duro, dificultando a penetração das raízes e propiciando o crescimento lento delas. Sem raízes para sustentar e absorver nutriente, as árvores também têm seu crescimento reduzindo. Outra propriedade importante deste solo – a mais famosa – são as altas quantidades de alumínio. Responsável pela manutenção do pH baixo, esse metal é extremamente tóxico para as células quando em excesso. Por isso, as plantas evoluíram de modo a ter adaptações como a secreção de alumínio pelas folhas, por exemplo. Todavia, nem todo o alumínio consegue ser liberado, resultando no crescimento retorcido do tronco. Essa característica, em conjunto com a casca grossa dos troncos – adaptação aos incêndios – dão o aspecto escleromórfico³ da paisagem, típico do Cerrado. As árvores do Cerrado são facilmente reconhecidas pela sua aparência Importante: antigamente, a vegetação era sempre referenciada como xeromorfa, por apresentar algumas características de clima seco. Contudo, sabemos hoje em dia que está errada essa classificação. 3 Desenvolvimento acentuado do tecido celular mais externo, o esclerênquima Floresta de cabeça para baixo Resistente aos incêndios, a flora do Cerrado apresenta diversas adaptações exclusivas. Uma das mais importantes é a manutenção da maior parte das suas estruturas fora das áreas passíveis de serem queimadas. Em outras palavras, as estruturas vitais das plantas ficam enterradas no solo, tornando o Bioma uma verdadeira floresta de cabeça para baixo. 5 www.biologiatotal.com.br Surpreendentemente, mesmo com tantas dificuldades, o Bioma abriga uma das maiores diversidades vegetais do mundo. São reconhecidas 12.000 espécies de plantas - número que corresponde a 20% das espécies encontradas no Brasil. Toda essa diversidade é dividida especialmente em 3 formações vegetais, sendo elas: • Floresta Normalmente próxima aos rios e corpos hídricos, as formações florestais são reconhecidas pela mata fechada. Além disso, essa vegetação é dominada pelo dossel fechado e pelas árvores caducifólias4, abrigando grande biodiversidade. O exemplo mais famoso é do Cerradão, paisagem de floresta com árvores típica da savanas brasileiras. • Savanas Ocupando a maior parte do Bioma, as savanas constituem o imaginário popular do Cerrado. Com uma enorme diversidade de plantas herbáceas e esparsas árvores anãs tortuosas, essa vegetação ganha o mesmo nome do Bioma. Entretanto, ela não é uniforme em toda sua extensão, variando entre um cerrado denso até um cerrado ralo. Outra vegetação característica das savanas brasileiras são as veredas. Sempre próximas às áreas pantanosas, seus solos encharcados propiciam o crescimento de buritis. Consequentemente, ocorre a formação de sombra e a produção de alimentos, atraindo diversos animais da região. Por isso, as veredas sempre são associadas à uma alta biodiversidade. • Campos Também conhecida comovegetação campestre, essa formação tem o solo raso e pouco fértil. Dominado especialmente por vegetação baixa, existe uma divisão conceitual entre campos sujos e campos limpos. 4 Característica de perda das folhas no período de falta de água. As florestas podem se estender por centenas de quilômetros. Outro nome comum dessa paisagem é buritizal. 6 Enquanto o primeiro é composto por gramíneas mais altas e alguns arbustos, o segundo tem predomínio absoluto de plantas rasteiras. Somando toda essa diversidade de formações vegetais e paisagens, existe um ambiente único quando comparado aos Biomas próximos. Por consequência, 40% das plantas são endêmicas5 do Cerrado. Além dessas, diversas outras estão presentes em outros Biomas apenas nas regiões com vegetação similar, como por exemplo, as matas de interior da Mata Atlântica. Fauna Igualmente às demais savanas do mundo, o Cerrado abriga uma rica e complexa biodiversidade. Atualmente, são contabilizados mais de 2.500 vertebrados, sendo o grupo dos peixes o mais diverso. Esses são responsáveis por quase 50% de toda diversidade de vertebrados, podendo existir muitas espécies ainda desconhecidas pela ciência. Uma das espécies de peixe que mais se destacam são as piranhas. Cercadas de mitos, elas vivem em grandes grupos e podem matar animais de grande porte em pouquíssimo tempo. Contudo, esses animais não são topo de cadeia alimentar. Dentre os animais que podem se alimentar das piranhas estão os jacarés, especialmente os de papo-amarelo. Os campos são facilmente reconhecidos pela ausência quase absoluta de árvores altas. Frutas das chapadas brasileiras Desconhecidas em muitas regiões do Brasil, pequi, buriti, cajá manga e cagaita são frutas muito apreciadas no Cerrado brasileiro. Mesmo muitas dessas não sendo endêmicas ao Bioma, a população perpetuou o interesse pelas frutas nativas, diferentemente de outras regiões do país. Atualmente, diversas pesquisas vêm sendo feitas e têm demonstrado que, além de saborosas, essas frutas possuem inúmeras propriedades medicinais, como por exemplo a pitomba, taperebá, graviola e gabiroba. 5 Espécies exclusivas de determinada região. 7 www.biologiatotal.com.br Comuns em todo Brasil, os jacarés fazem parte das 180 espécies répteis descritas no Cerrado. Mesmo sendo um número inferior ao encontrado nos Biomas florestais do Brasil, a riqueza desse grupo ainda é considerada alta na esfera global. Só para efeitos comparativos, existem mais espécies de répteis no Cerrado do que em toda Europa. O mesmo ocorre com o grupo dos anfíbios, onde são reconhecidas 150 espécies. Eles são extremamente dependentes da água e da alta umidade do ar. Por isso, com a chegada da seca, muitas espécies diminuem seu metabolismo e produzem uma camada mucosa, evitando a perda de água corporal. Em continuidade, os mamíferos são o grupo de vertebrados mais conhecido pela população. No bioma, são reconhecidas 200 espécies desse grupo, dentre elas, as de maior porte encontradas no Brasil. Destacam-se onças-pintadas, tamanduás-bandeiras, lobos-guarás e antas. Entretanto, devido à destruição intensa do Bioma, todos os mamíferos citados anteriormente estão ameaçados de extinção. O mesmo ocorre com as aves, representadas por 850 espécies diferentes, distribuídas em todas as vegetações. Ao todo, são mais de 40 espécies ameaçadas de extinção neste grupo. Mesmo pequenos, estes são os peixes mais temidos no Cerrado. Filhotes de jacarés-do-papo-amarelo. As fêmeas de tamanduás-bandeiras camuflam os filhotes nas costas. O tucano-de-bico-preto é uma das aves do Cerrado ameaçadas de extinção 8 ANIMAIS COMUNS 9 www.biologiatotal.com.br Impactos Ambientais Intensificada nos anos 70, a história de destruição do Cerrado remete ao século XVII. Com a descoberta do ouro e pedras preciosas, grandes áreas foram desmatadas, especialmente na região de Minas Gerais. Outro impacto significativo foi a poluição dos corpos hídricos, especialmente por metais que facilitam a extração de ouro, como o mercúrio, por exemplo. Contudo, mesmo a mineração ainda causando impactos, a principal forma de destruição é decorrente do agronegócio. Inicialmente com a pecuária extensiva, grandes áreas foram desmatadas nos últimos 60 anos. O problema ainda é agravado pela utilização de técnicas impróprias, comprometendo a qualidade do solo e obrigando os produtores rurais a buscarem novas áreas. Somam-se aos principais impactos no Cerrado as monoculturas, especialmente de milho e soja. Inicialmente criadas para alimentar o gado, o solo ácido do Bioma era um problema para a agricultura na região. Contudo, com a revolução verde dos anos 70, diversas técnicas de regulação do pH possibilitaram o avanço exponencial da atividade. Atualmente, o agronegócio – composto por pecuária e agricultura – é responsável por 1/3 do PIB brasileiro, sendo fundamental para economia. Ao mesmo tempo, ambas as atividades são as principais responsáveis pelo desmatamento de 880.000 km², quase três vezes o desmatamento da Amazônia.A principal prática de criação de gado no Cerrado é a de pecuária extensiva. A maior parte das monoculturas servem para alimentar o gado. 10 Não ocorrendo de maneira aleatória, a degradação do Bioma segue no sentido sul-norte. Nas regiões mais impactadas, como os estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo, já é possível observar a redução drástica da disponibilidade hídrica e o desaparecimento de animais polinizadores. Um dos casos mais emblemáticos foi o colapso hídrico do Sistema Cantareira entre 2014 e 2016. Mesmo inserido dentro da Mata Atlântica, grande parte da água que abastece a represa nasce no Cerrado paulista. Com a destruição dos mananciais, a utilização da água para irrigação agrícola e a diminuição das chuvas, os reservatórios quase secaram por completo. Outro problema secundário está fortemente relacionado ao uso de agrotóxicos. Muito comuns nas No auge da seca, foi necessário retirar água da reserva técnica (volume morto), abaixo dos canos de captação. monoculturas, esses produtos químicos acabam envenenando a fauna polinizadora, especialmente insetos. Como consequência, a morte desses animais afeta diretamente a cadeia alimentar e reduz drasticamente a polinização da flora nativa. Considerando toda essa problemática, pesquisadores afirmam que o investimento em proteção do Bioma é essencial para a sua conservação. Atualmente, 8,2% do Cerrado está legalmente protegido, sendo que essa região não abrange 20% das espécies nativas. Sem o avanço na conservação e nas políticas de educação ambiental, o Cerrado corre o risco de desaparecer nas próximas décadas. Além da perda incalculável da biodiversidade, o Brasil – país com a maior disponibilidade de água doce do mundo – poderá ser acometido por uma crise hídrica generalizada, comprometendo inclusive o agronegócio. Além dos altos níveis de agrotóxico, as monoculturas tiram espaço das plantas nativas. O Cerrado presente nos estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo foi destruído quase que completamente. A destruição do Cerrado está diariamente comprometendo um dos locais mais diversos do mundo. contato@biologiatotal.com.br /biologiajubilut Biologia Total com Prof. Jubilut @paulojubilut @Prof_jubilut biologiajubilut +biologiatotalbrjubilut
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