Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS ENSAIO: A QUESTÃO PENITENCIÁRIA. Valdenice C. Martins1 Introdução O presente trabalho pretende apresentar uma breve descrição do sistema penitenciário, suas mazelas e os possíveis causadores de problemas sob a ótica do autor Augusto Thompson, discutida no livro A questão Penitenciária. Faremos isso discorrendo sobre o surgimento da escola penal e de como as regras impostas por ela influenciam até os dias atuais nos conflitos existentes nos grandes presídios e em seguida mostrando as implicações desse modelo social e político nos dias de hoje no tocante aos presídios. A realização deste trabalho é importante devido à necessidade de pesquisas a respeito do assunto, uma vez que o problema das penitenciárias persiste há anos. O direito é um campo muito amplo que não está apenas relacionado à construção, manutenção e cumprimento da lei, o direito está em movimento e acompanhando sempre as mudanças na sociedade, mudança esta, relacionada ao mundo globalizado, as novas tecnologias, as novas formas de comportamento que compõem o avanço da modernidade, criando formas de atender as necessidades e os interesses individuais. Sendo assim vamos tentar entender porque essas mudanças não chegam as grandes penitenciárias. 1. O problema social das penitenciárias O principal objetivo do sistema penitenciário é o cumprimento da pena, com o objetivo da ressocialização dos indivíduos. Portanto, o que ocorre efetivamente com os presos é o inverso, a prisão deixou de ser uma medida de ressocialização para ser um ambiente de torturas, tratamentos desumanos e desprezo aos direitos básicos. Isso ocorre devido à corrupção dentro e fora dos presídios e pela insuficiência de recursos e investimentos no sistema carcerário que além de não contribuir para ressocialização dos presos, faz com que eles ao sair de lá cometam crimes novamente e por isso a 1 Valdenice C. Martins Cientista do Estado pela UFMG. Graduada em Letras pela PUC MG. CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS população vivencia cada dia mais a violência nas ruas e, por não acreditarem na justiça, querem fazer a justiça com as próprias mãos. O que percebemos em nossa sociedade é que o problema prisional existe desde o surgimento da ciência penal, no qual temos a escola clássica onde as penas se baseavam na expiação moral e intimidação e ignoravam as mais elementares garantias de direito, o legislador tinha direito de punir aquele que rompesse o contrato social. A Lei era a única fonte do direito penal tendo o castigo como finalidade, queria apenas achar o culpado, enquanto na escola positivista os defensores pautam seus estudos na intervenção positiva para o criminoso buscando encontrar o motivo do crime. Nosso sistema penal passeia entre as duas teorias. Augusto Thompson em sua obra, faz uma reflexão da questão penitenciaria de como ela é influenciada por uma sociedade punitiva e da necessidade de fazer um reforma. A questão de superlotação penitenciaria é um problema mundial, cada vez mais se prendem pessoas, mas sem pensar nas consequências da prisão em si. O autor fala que se houver um reforma apenas penitenciaria não haverá melhorias, pois é necessário que haja recuperação dos presos, aumento do número de vagas, para que todos que forem enviados para lá, tenham condições dignas de habitação. E que um dos grandes problemas da atualidade é que os cidadãos na maioria das vezes exigem a punição do criminoso, e a manutenção do encarceramento o maior tempo possível, esse não é um problema de resolução fácil, pois temos um cidadão que ao se ver preso, é tolhido de todos seus direitos, uma vez que passa a viver num mundo fora da realidade, pois de acordo com o autor as penitenciarias são ambientes hostis. Ambientes superlotados, sem higiene e com espaços fétidos e insalubres, locais onde os criminosos são devidamente abandonados pelo Estado. Hoje, no Brasil, a população carcerária se aproxima dos 550 mil presos. Para o autor o problema penitenciário é um problema social, conforme o seguinte trecho: O uso generalizado da privação da liberdade humana como forma precípua de sanção criminal deu lugar ao estabelecimento de grande número de comunidades, nas quais convivem, de dezenas a milhares de pessoas. Essa coexistência grupal, como é óbvio, teria de dar origem a um sistema social. (THOMPSON, 2002, p.21) A cadeia não é uma miniatura da sociedade livre, mas um sistema peculiar, cuja característica principal é o poder composto por hierarquias formais informais, pois os dirigentes são oriundos das classes dominantes e os internos de um modo geral são CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS oriundos das classes baixas, sendo assim ao ir para a prisão aquele criminoso acostumado a intimidar por muitas vezes ter uma arma em seu poder, ao ser levado para lá passa a ter que seguir regras para manter sua estadia viável. Conforme trecho a seguir: Uma sociedade interna, não prevista e não estipulada, com fins próprios e cultura particular, emerge pelos interstícios da ordem oficial. A interação desses dois modos de vida, o oficial e o interno- informal, rende ensejo, naturalmente, ao surgimento de conflitos, os quais terão de ser solucionados por meio de processos de acomodação. (THOMPSON, 2002, p. 20) O que percebemos com isso é que além do poder administrativo, existe também um poder hierárquico entre os próprios presos, e que muitas vezes é até mais eficaz, pois entre eles muitas vezes os assuntos são resolvidos com violência, punição, muitas vezes piores do que as legais, onde o interno é condenado à morte pelos próprios presos. Essa questão de violência nos presídios é quase uma parte de seu funcionamento, embora não seja ideal é o que acontece. Assim como os presos os funcionários também precisam agir de acordo com uma rotina diferenciada, pois o que vivenciam lá é muito diferente do mundo fora dos muros, pois muitas vezes a hostilidade contra eles, faz com que eles hajam com mais violência e com falta de tato usado na sociedade fora dos muros. O que mais marca nesse sistema é o fato de que o sistema tenta criar e manter um grupamento humano submetido a um regime de controle total, ou quase total com regulamento minucioso a fim de manter a população carcerária obediente, o que nem sempre é possível, podemos citar, por exemplo, o Brasil que começou o ano 2017 com uma crise penitenciaria estourando, pois ocorreram vários motins entre eles as chacinas ocorridas em Amazonas e Roraima, esses fatos são recorrentes nas penitenciárias brasileiras por causa do seguinte fato: O muro da prisão, física e simbolicamente, separa duas populações distintas: a sociedade livre e a comunidade daqueles que foram, por ela, rejeitados. A altura e espessura da barreira, a presença, no cimo, de soldados armados de metralhadoras, o portão pesado, com pequenas viseiras, cuja abertura exige uma operação complicada por varias medidas de segurança, estão a demonstrar, inequivocamente, que os rejeitadores desejam muito pouco contato com os rejeitados. O uniforme destes, o estado de subordinação permanente, as trancas, os conferes, as revistas, lembra-os, a todo o instante, serem portadores de um estigma tão aparente e difícil de arrancar quanto o produzido pelo ferrete na res. (THOMPSON, 2002, p..57) CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS Isso é feito como uma forma de rebaixá-los cada vez mais, mostrar que eles são diferentes, de uma classe social inferior e que por isso tem que se submeter às regras e as Leis impostas pelos outros. Podemos ver isso claramente nas violações constantes que as famílias dos detentos passam quando vão visitá-los, embora a revista vexatória seja proibida por Lei , não é o que ocorre, os visitantes principalmente mulheres são expostas a situaçõesultrajante como, abaixar e levantar, independente da idade, abrir as pernas para que uma pessoa estranha olhe suas partes íntimas, as piadas constantes: de acordo com Longo: Entende-se por revista vexatória o procedimento pelo qual passas os visitantes de presos, que são obrigados a se desnudar, realizar agachamentos, ter sua genitália exposta e inspecionada, bem como passar por situações de deboches e abusos por parte dos agentes penitenciários. (LONGO, 2014, S/P) Essa prática é permitida em todas as penitenciárias por seus administradores que embora saibam que é proibida, fazem vista grossa para os fatos, pois cada funcionário trabalha para manter o sistema funcionando independente do método utilizado. De acordo com Thompson (2014, p.31) o diretor de uma penitenciária ao assumir um cargo pensa a princípio que terá poder absoluto, uma vez que a maioria é indicada pelos altos escalões políticos, mas tão logo começam seu trabalho é surpreendido por circunstâncias que provam o contrário, em primeiro lugar, encontra um sistema em já plena atividade, pois a maior parte de funcionários são concursados e mantem um trabalho no local por anos, e assim esse grupo permanente transmite ao novo diretor de maneiras alguma vezes sutis, outras não a forma o sistema funcionou, funciona e pode continuar a funcionar e que se for modificado substancialmente tal certeza será substituída pela duvida, sendo possível admitir, pelo menos especulativamente, a hipótese pode sofrer um colapso. Muitas vezes eles fazem isso em forma de chantagem emocional fazendo o novo diretor ver que continuar da mesma forma é que o ideal, este por sua vez sem conhecer o funcionamento acaba aceitando as condições. O que nos remete a questão das visitas vexatórias, por não receberem ordem de parar, isso virou uma epidemia difícil de ser “curada”. As justificativas dos agentes são de que fazem isso para garantir a segurança, mas Longo contraria isso: Um estudo feito recentemente pela Rede Justiça Criminal, uma entidade formada por movimentos sociais e ONGs que atuam com direitos humanos no sistema prisional, revelou um dado interessante acerca do tema: em 2012, somente nos presídios do Estado de São Paulo, foram realizadas aproximadamente 3,5 milhões de revistas CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS vexatórias. De todos os casos, em apenas 0,02% deles houve a apreensão de drogas ou celulares com os visitantes. (LONGO, 2014, S/P) Diante disso podemos dizer que os resultados não justificam os métodos, para Longo, isso é feito com um objetivo mais torpe que é afastar os familiares das penitenciárias para que eles não saibam das violências, extorsões e outros delitos ocorridos lá dentro praticados tanto por presos, quanto por agentes. Isso corrobora com Thompson que diz que o maior problema é social, porque o tratamento é degradante para a população mais pobre. Recentemente vimos na mídia uma determinada ex- primeira dama ter sua prisão decretada por desvios milionários do dinheiro público e em seguida ter sua liberdade promovida para cuidar do filho de 11 anos, e na mesma penitenciária em que ela estava foi flagrada uma mãe amamentando seu filho ainda bebê através das grades e ao ser perguntada sobre o que ela achava, esta detenta disse que infelizmente as coisas sempre foram assim, e embora tenha havido manifestações nas redes sociais e outras mídias a situação não se reverteu permanecendo a ex- primeira dama solta e a detenda pobre e negra atrás das grades. Estas injustiças muitas vezes são o estopim da violência lá dentro. Para Berclaz: As facções criminosas que agem nos presídios como grandes gangues ou cartéis, em verdade, nada mais fazem do que se aproveitar do abandono e do cinismo do Estado para propalarem um discurso que, por conta do contexto antes mencionado, amplia a sua capacidade de adesão, propiciando que distorções como estas ocorram. (BERCLAZ, 2017, S/P) Ele compara “execução penal” a um “patinho feio” para o Direito e para a Sociedade brasileira, uma vez que a execução penal existe para que burocratas servidores públicos esconda a necessidade de fazer uma mudança significativa. Para Sykes, a privação da liberdade do encarcerado é dupla: confinamento na instituição e confinamento dentro dela. Com a burocracia existente o sistema deixa de cumprir sua principal função que seria a organização dos serviços destinados à execução penal, tendo como objetivo a regeneração dos condenados, readaptando-os à vida social, entretanto o que ocorre é diferente, os detentos sofrem castigos severos, são tratados piores que animais abandonados numa condição sub-humana, onde também sofrem agressões físicas e são torturados pelos próprios presos e também por agentes penitenciários e policiais e com o judiciário moroso que temos as famílias não tem como recorrer. Para que houvesse uma ressocialização real do detento precisaria CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS renovar totalmente o método prisional com a tão falada humanização deles através de atividades nos presídios, o fim da corrupção dos funcionários que permitem a entrada de drogas e celulares, juntamente com um sistema pautado na saúde física e principalmente mental. Além de projetos capazes de valorizar o processo de recuperação. Além de todos os problemas citados os presos sofrem a estigmação, pois a sociedade vê uma vez bandido, sempre bandido, por isso ao sair das penitenciárias, ele tem dificuldade de se inserir na sociedade. A prisão além de não ressocializar ela estigmatiza. A prisão deixa uma marca para sempre. O que aconteceu em São Paulo nos últimos anos é somente a visibilidade maior do que já estava acontecendo há muito tempo. A polícia sempre matou, se a policia está matando de forma mais cruel é porque a violência também está mais cruel. Isso é só uma evolução de muitos anos. O PCC e essas outras organizações de presos nasceram por pura e simples inoperância do Estado. Pense numa escola, numa sala de adolescentes, diga para eles que não vão mais ter recreio, que vão ter que ficar presos em sala de aula por mais tempo além do horário normal, eles vão se rebelar, vão se reunir, faz parte da natureza humana. Essas comunidades carcerárias abandonadas há anos nada mais fizeram do que se organizarem. A gente imagina o crime organizado formado de ricos, no estilo mafioso. Mas o crime organizado é miserável, porque a penitenciária só tem pobres. A polícia não invade um apartamento nos Jardins, mas sim a favela, e tem drogas nos Jardins. O crime organizado só tem esse nome porque o Estado mesmo é cada vez mais desorganizado, incapaz de funcionar como ente que deve promover justiça. Considerações finais O presente trabalho teve como principal objetivo estudar a realidade vivida nos presídios brasileiros, e refletir sobre as dificuldades vivenciadas pelos internos, uma vez que além da privação de liberdade, as condições oferecidas a eles são abaixo do devido a dignidade humana, ao entrar nas penitenciarias eles deixam de ser sujeitos de direitos, passando pela humilhação interna e ainda saber que seus familiares também são sujeitos as piores tratamentos no momento de visitação Portanto, é preciso fazer uma reforma no sistema, mas de acordo com Thompson é mais do que isso, é necessário que haja com urgência, um trabalho de recuperação dos presos. A pesquisa não teve como objetivo esgotar o assunto, mas fazer um breve explanação da importância de fazer mudanças, como, por exemplo aumentar o número de vagas no sistema, CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS para que assim todos que forem enviados para as penitenciárias tenham condições dignas de habitação. E que assim faça valer todos os tratados assinados pelo Brasil e principalmente a Constituição Federal, que está positivada para serem respeitados por nós cidadãos e pelo Poder Legislativo, Executivoe Judiciário do nosso país. Segundo THOMPSON (2002, p. 77) “A vulnerabilidade do interno as agressões, roubos e violações é de tal natureza que quaisquer ameaças são suficientes para perturba-lo terrivelmente. Do que resulta vigorar, na cadeia, um regime de arreganhos e bravatas distribuídos a torto e a direito”. Esse excesso de violência faz com que seja cada vez mais difícil transformar o sistema carcerário. Referências BERCLAZ, Marcio. O caos no sistema carcerário brasileiro: em busca de alternativas. Publicado em: 09 de janeiro de 2017. Disponívem em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/09/o-caos-no-sistema- carcerariobrasileiro-em-busca-de-alternativas/. Acesso em 24 de novembro de 2017 LONGO, Ivan. “So quem abre as pernas ali sabe como é. Aquilo é um estupro”. publicado em: 09 de abril de 2014. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/2014/04/09/quem-abre-pernas-ali-sabe-comoe-aquilo- e-um-estupro/. Acesso em 25 de novembro de 2017. NETO, Jose Francisco. Estão faltando cadeias ou estão prendendo demais?. Publicado em 04 de março de 2013 Disponível em: http://infodireito.blogspot.com.br/2013/03/estao-faltando-cadeias-ouestao.html. Acesso em 24 de novembro de 2017 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. / Augusto Thompson. - R io de Janeiro: Forense, 2002.
Compartilhar