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DIREITO APLICADO AO AGRONEGÓCIO Luiz Fernando Pereira Desapropriação de terras para reforma agrária Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apresentar a desapropriação de terras segundo o Estatuto da Terra. Entender o processo de desapropriação por reforma agrária. Conhecer a fase judicial da desapropriação de imóveis rurais. Introdução Durante os séculos que se sucederam ao descobrimento, a ocupação do território brasileiro foi definida pelas medidas políticas tomadas pela Coroa portuguesa, inicialmente implantando o regime de sesmarias, com o objetivo de produzir alimentos e riqueza, proteger o território da Coroa frente a nações ou povos estrangeiros e incentivar o povoamento. Esse regime consistia na concessão de uma área de terra ao sesmeiro, que deveria cultivar o solo sob pena de ter o direito de posse cassado. Cumprindo as exigências do estatuto jurídico da sesmaria, o sesmeiro se tornava dono da propriedade. Uma das primeiras leis brasileiras relacionadas ao direito agrário foi a de nº. 601, de 18 de setembro de 1850, chamada Lei de Terras. Ela estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra, abolindo em definitivo o regime de sesmarias, mas também revalidando aquelas posses já existentes. Esse é, portanto, o marco inicial da questão fundiária. Em vista desse modelo de ocupação centralizador de terras, os movimentos de campo- neses e trabalhadores do campo começaram a reivindicar ao governo uma distribuição mais justa, culminando com a edição da Lei nº. 4.132, de 10 de setembro de 1962, logo sucedida pelo Estatuto da Terra. Essas normas regulamentaram a desapropriação para fins de reforma agrária. A questão da reforma agrária enfrenta problemas históricos, com finais trágicos tanto para proprietários quanto para reivindicantes. Mesmo em áreas onde os procedimentos de desapropriação são concluídos, o governo peca pela carência de apoio técnico e financeiro aos beneficiários dos novos lotes. Isso deixa claro que a reforma agrária não é somente um processo de distribuição de terras, necessitando também de um projeto pós-loteamento. Com base nesse breve compilado histórico, que possui relação estreita com o tema deste capítulo, você vai estudar os procedimentos de desa- propriação de terras para a reforma agrária, verificando as disposições do Estatuto da Terra acerca do tema. Você também vai analisar o processo administrativo conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Re- forma Agrária (Incra), bem como o processo judicial. O Estatuto da Terra Anteriormente ao Estatuto da Terra, a primeira norma a regular a desapropria- ção no Brasil, de que se tem notícia, é o Decreto de 21 de maio de 1821, que estabelecia a proibição de se tomar alguma coisa de qualquer cidadão sem a sua vontade. Posteriormente, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824, a primeira Constituição brasileira, garantia a propriedade, mas também a possibilidade de desapropriação mediante a prévia indenização do valor do imóvel, se o bem público exigisse a propriedade do cidadão, ou seja, se a necessidade pública assim exigisse. No entanto, a lei que definiu os casos em que poderia ser desapropriado o imóvel por interesse social e dispôs sobre sua aplicação foi a Lei nº. 4.132/1962, logo sucedida pelo Estatuto da Terra — Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964 —, essa última editada durante o governo militar. Para compreendermos a desapropriação de terras tratada pelo Estatuto da Terra, vamos fazer um compilado dos dispositivos mais importantes da norma, comentando assim definições, objetivos, características e meios para a reforma agrária, segundo a lei em estudo. É importante lembrarmos aqui que o Estatuto da Terra foi a lei que concebeu a função social da propriedade, dispondo que é assegurada a oportunidade de acesso à propriedade da terra, contanto que a propriedade desempenhe inte- gralmente a sua função social. Verificamos então que, excetuadas a pequena e média propriedade, conforme disposição da Constituição Federal de 1988, caso o proprietário não atenda aos critérios exigidos para o cumprimento da função social da propriedade previstos tanto no Estatuto da Terra quanto na Constituição, estará sujeito a ter seu imóvel declarado como desapropriável. Desapropriação de terras para reforma agrária2 Para adentrarmos no tema, é necessário termos uma exata definição do que é o programa da reforma agrária, criado pelo governo e implementado pela legislação agrária brasileira, como forma de democratização. Conforme o art. 1°, § 1°, do Estatuto da Terra (BRASIL, 1964, documento on-line), “[...] considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.” O Estatuto Rural dedica um título exclusivo para tratar da reforma agrária, estabelecendo o objetivo do acesso à propriedade rural no art. 16, com o seguinte texto: A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio” (BRASIL, 1964, documento on-line). Logo no artigo subsequente, fica definido que “O acesso à propriedade rural será promovido mediante a distribuição ou a redistribuição de terras, pela execução de [...]” (BRASIL, 1964, documento on-line), entre outras medidas, a desapropriação por interesse social. Mesmo parecendo óbvio, surge a necessidade de se conceituar o termo interesse social. Veremos que não é tão óbvio assim. Para Gischkow (1988), o interesse social se caracteriza quando a desapropriação se destina a so- lucionar problemas de ordem social, com fins de atender às classes pobres da sociedade, aos trabalhadores desamparados e à massa do povo em geral, visando à melhoria nas condições de vida desses cidadãos, a uma distribuição mais equitativa de riqueza e à atenuação das desigualdades sociais, a partir de planos de habitações populares ou de distribuição de terras. Sabendo o conceito de interesse social, voltamos às disposições do Estatuto da Terra, que elencou, em seu art. 18, as finalidades da desapropriação por interesse social, discriminando as hipóteses que autorizam essa forma de desapropriação: condicionar o uso da terra à sua função social ; [...] promover a justa e adequada distribuição da propriedade; obrigar a ex- ploração racional da terra; permitir a recuperação social e econômica de regiões; estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica; efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos 3Desapropriação de terras para reforma agrária recursos naturais; incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural; facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias (BRASIL, 1964, documento on-line). O Estatuto da Terra prevê que a desapropriação poder recair sobre todo o bem ou sobre parte dele. No caso de uma desapropriação parcial, poderá ser solicitada pelo expropriado a extensão da desapropriação sobre a outra parte, que restou inócua e inservível. Esse direito é expressamente reconhecido no artigo 19 do Estatuto da Terra. É importante agora sabermos qual é a destinação dada pelo governo a essas propriedades expropriadas, já que, a partir do momento em que o processo expropriatório é concluído, transitando em julgado a ação judicial de desa- propriação, passa a compor o patrimônio do Instituto Brasileiro da Reforma Agrária, autarquia criada pelo Estatuto da Terra, diretamente subordinada à Presidência da República. Já estudamos que a finalidade maior da desapropriação de terras para reforma agráriaé a igualitária e justa distribuição de terras, concedendo o acesso à terra e seu cultivo aos trabalhadores rurais. No entanto, a Lei que estamos estudando estabelece, em seu art. 24, para quem e quais são as formas de distribuição das terras desapropriadas, sendo elas: sob a forma de propriedade familiar [...]; a agricultores cujos imóveis rurais sejam comprovadamente insuficientes para o sustento próprio e o de sua família; para a formação de glebas destinadas à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial, por associações de agricultores organizadas sob regime cooperativo; para fins de realização, a cargo do Poder Público, de atividades de demonstração educativa, de pesquisa, experimentação, assistência técnica e de organização de colônias-escolas; para fins de reflorestamento ou de conservação de reservas florestais a cargo da União, dos Estados ou dos Municípios (BRASIL, 1964, documento on-line). Desapropriação de terras para reforma agrária4 Veja que, apesar de a lei não dispor sobre ordem de preferência, enumera a destinação das terras desapropriadas de forma a priorizar os trabalhadores rurais que não possuem imóvel para produzir ou, ainda, aqueles que possuem imóvel insuficiente para produção. De acordo com o Estatuto da Terra, o proprietário do imóvel desapropriado, desde que venha a explorar a parcela, diretamente ou por intermédio de sua família, poderá adquiri-la novamente, nos moldes estabelecidos pela lei. Não poderá adquirir a pro- priedade integralmente, mas apenas o lote concedido ao expropriado, investido na condição de parceleiro. O parceleiro, conforme conceituação dada pelo Estatuto, é “[...] aquele que venha a adquirir lotes ou parcelas em área destinada à Reforma Agrária ou à colonização pública ou privada” (BRASIL, 1964, documento on-line), ou seja, é o beneficiário do programa da reforma agrária. Para fins de distribuição das terras desapropriadas em forma de lotes, poderão adquirir tais parcelas apenas os trabalhadores sem-terra, salvo exce- ções previstas na própria lei, sendo que terão prioridade os chefes de famílias numerosas, cujos membros se proponham a exercer atividade agrícola na área a ser distribuída. Fazendo um compilado dos artigos que tratam das exigências relativas aos beneficiários, após receber a área do Incra por meio do título de domínio, da concessão de uso ou da concessão de direito real de uso (erga omnes), o beneficiário deve cumprir algumas exigências, tais como: não vender ou ceder a área pelo período de 10 anos, conforme determina o art. 189 da CF/88; não ser proprietário de terreno rural, de indústria ou comércio, ou funcionário público federal, estadual ou municipal; residir com sua família na parcela, explorando-a direta e pessoalmente; possuir boa sanidade física e mental e bons antecedentes e demonstrar capacidade empresarial para gerência do lote na forma projetada; 5Desapropriação de terras para reforma agrária cumprir a legislação ambiental, para também continuar cumprindo a função social da propriedade que anteriormente foi desapropriada com esse fundamento. A desapropriação para reforma agrária Segundo Mello (2001, p. 711): [...] desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real. Neste estudo, estamos tratando acerca da propriedade rural. Porém, evi- dentemente, a desapropriação pode ocorrer tanto sobre imóvel rural quanto urbano e, até mesmo, recair sobre bens móveis, cabendo frisar aqui que a função social da propriedade é aplicável a todos os imóveis. Pausen (1997) julga ser essencial compreender que a desapropriação é apenas um dos instrumentos que a União pode utilizar para promover a reforma agrária, não sendo, portanto, um caminho necessário e, muito menos, desejá- vel, já que existem outros instrumentos mais adequados e menos traumáticos para se alcançar uma melhor situação fundiária. Por exemplo: a tributação progressiva e efetiva da terra improdutiva, o incentivo à realização de contratos de parceria e arrendamento e a utilização de terras públicas, que já são de domínio da União. A Lei nº. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, chamada Lei Material da Re- forma Agrária, dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, estabelecendo como será feito o procedimento administrativo para fins de reforma agrária, desde o momento de notificação inicial para ingresso em determinado imóvel para levantamento de dados. Essa norma dispõe acerca dos conceitos e das penalidades para certas situações, da prévia e justa indenização, dos critérios de aferição da produtividade da pro- priedade rural, entre outras particularidades que serão estudadas na sequência. A Lei em estudo repete nos exatos termos do texto constitucional os requi- sitos para cumprimento da função social da propriedade, estabelecendo que Desapropriação de terras para reforma agrária6 “A propriedade rural que não cumprir a função social é passível de desapro- priação, competindo à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social” (BRASIL, 1993b, documento on-line). O Incra tem como objetivo prioritário executar a reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional, utilizando-se de fatores como a localização em áreas definidas como prioritárias pelo órgão, a extensão do imóvel e o histórico da região. Com base em informações cartorárias, o Incra identifica o imóvel rural que esteja efetivamente em desacordo com a função social da propriedade, dando, assim, abertura para um processo de desapropriação. Após tal identificação, no intuito de cientificar acerca da realização da vistoria preliminar em breve, o ato que inaugura o procedimento administrativo de desapropriação é a notificação prévia encaminhada ao proprietário, preposto ou representante, ou, ainda, a publicação por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, para o caso de não ser encontrado. Tudo conforme os parágrafos do art. 2º da Lei nº. 8.629/1993 (BRASIL, 1993b). Veja que, desde o início de um procedimento de desapropriação, seja em fase administrativa ou judicial, deve haver um estrito cumprimento dos princípios constitucionais que garantem a ampla defesa e o contraditório, sempre respeitando o devido processo legal, a exemplo da obrigatoriedade de notificação prévia do proprietário para realização da vistoria inicial. Para Pausen (1997, p. 94), a notificação prévia: Também serve para que, ciente do procedimento, o proprietário possa acom- panhá-lo, disponibilizando aos técnicos as informações que possua a respeito da produtividade do seu imóvel e verificando, pessoalmente ou mediante assistente técnico, os critérios adotados nas medições realizadas (medições da área do imóvel, do grau de utilização da propriedade, da intensidade da exploração etc.), de forma que, se a conclusão do Incra lhe for desfavorável, possa armar-se para combatê-la administrativa ou judicialmente [...]. Nesse momento inicial, o objetivo do órgão responsável é verificar in loco a produtividade do imóvel, conforme a previsão do art. 6° da referida Lei, que considera produtivo o imóvel que atinge, simultaneamente, o grau de utilização da terra e o grau de eficiência na exploração da terra. O grau de utilização deve ser igual ou superior a 80%, calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitáveltotal do imóvel, enquanto o grau de eficiência deverá ser igual ou superior a 100%. Os índices utilizados para esses cálculos são fixados pelo Incra, considerando-se as diversas caracterís- ticas dos imóveis, os tipos de produção e a realidade rural de cada município. 7Desapropriação de terras para reforma agrária Voltando ao art. 2°, seu § 6° estabelece ainda que: O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações (BRASIL, 1993b, documento on-line). O pretendente ao benefício de loteamento, cadastrado no Programa de Reforma Agrária do Governo Federal, ou o beneficiado que já esteja na posse de um lote, que participar direta ou indiretamente em conflito fundiário e for efetivamente identificado como invasor ou iminente invasor, será excluído do programa. Mais uma vez a lei garante o devido processo legal, repudiando ilegalidades nas questões fundiárias e coibindo possíveis invasões, que nor- malmente são promovidas pelos movimentos sociais pró-reforma agrária. A Lei em estudo regulamenta também a previsão legal, já estabelecida pela CF/88, referente à prévia e justa indenização do expropriado. O pagamento da indenização, feito por meio de resgate dos títulos da dívida agrária, é realizado no prazo de até 20 anos. Já as benfeitorias úteis e necessárias são indenizadas em dinheiro, enquanto as voluptuárias são acrescidas ao montante indenizatório fixado para a terra nua, sendo recebido também por meio de resgate de TDAs. Conhecendo os tipos de benfeitorias, seus conceitos e exemplos: Necessárias: são aquelas que se destinam à conservação do imóvel, evitando que ele se deteriore. Exemplos: reparo de um mangueiro de gado; reparo de um galpão. Úteis: são aquelas que facilitam e otimizam o uso do imóvel para a finalidade a que é proposto. Exemplos: construção de tanque para abastecimento de água aos animais; construção de mangueiro para o gado. Voluptuárias: são aquelas que não possuem uma funcionalidade propriamente útil, mas tornam o imóvel mais bonito ou agradável. Exemplo: construção de uma piscina, lago ou qualquer tipo de área de lazer na sede de um imóvel rural. Após a vistoria, o Incra faz uma avaliação da terra nua e das benfeitorias do imóvel. As benfeitorias devem ser pagas em dinheiro, à vista, e o valor da Desapropriação de terras para reforma agrária8 terra é pago por meio do lançamento de títulos da dívida agrária, pela secretaria de Tesouro Nacional, conforme explica Scolese (2005). Segundo Mello (2009, p. 877): Indenização justa, prevista no art. 5°, XXIV, da Constituição, é aquele que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixo o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum ao seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento. Outro ponto importante é o fato de que são igualmente passíveis de inde- nização os eventuais prejuízos suportados pelo desapropriado no decorrer do processo administrativo e judicial, causados por ato do Estado. Sobre o valor de indenização, cujo pagamento é feito via resgate de TDAs, incide correção monetária — já que os títulos conterão cláusula de preservação de seu valor real —, mas não incidem juros sobre as parcelas. As exceções que garantem a incidência de juros legais são pontualmente previstas pela Lei, quando houver atraso no pagamento da indenização e quando houver a imissão antecipada do expropriante (Estado) na posse do bem, pelo fato de ficar o proprietário privado do uso regular do imóvel antes de efetivamente finalizado o processo de desapropriação. Frequentemente, em processos de desapropriação, a indenização do imóvel é a questão mais conflituosa, já que raras são as ocasiões em que o proprietário do imóvel declarado como desapropriável não contesta o valor fixado à título de indenização. Após o regular trâmite do processo administrativo perante o Incra, quando verificado e concluído que o imóvel não é produtivo, este concluirá ser o imóvel passível de desapropriação por interesse social. Após o processo ser analisado por outras divisões dentro do próprio órgão, será encaminhado à Procuradoria do Estado que, verificando não haver irregularidades, devolverá para apreciação final do Superintendente Regional do Incra, que, aprovando a proposta de desapropriação, remeterá o processo aos órgãos federais em Brasília. Devidamente apreciado, realizados os atos administrativos cabíveis e apro- vado o processo pelo Incra federal e pelo secretário da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário, finalmente será encaminhado ao presidente da República para apreciação pelo executivo, edição e publicação do decreto declaratório de desapropriação. 9Desapropriação de terras para reforma agrária Até esse momento, o imóvel é apenas indicado como uma área possivel- mente passível de desapropriação por interesse social nos moldes da legislação, e ainda poderá o proprietário lançar uso de medidas judiciais para denunciar a eventual coação por parte do Estado durante o procedimento. Publicado o decreto presidencial, terá a União — por meio do Incra — o prazo de dois anos para ingressar com a ação de desapropriação perante a Justiça Federal da comarca da localização do imóvel, sendo que, decorrido esse prazo, somente poderá distribuir nova ação após a publicação de novo decreto presidencial, observando-se o lapso temporal mínimo de um ano. Fase judicial da desapropriação de imóveis rurais Durante o procedimento de desapropriação para fi ns de reforma agrária, são tomadas decisões pelo Poder Público que podem ser contestadas administrativa ou judicialmente, podendo surgir, assim, processos judiciais que discutam eventuais irregularidades cometidas dentro do processo administrativo con- duzido pelo Incra. Além disso, caso haja ameaça, turbação, ou, ainda, esbulho possessório, durante a fase administrativa, poderá o proprietário: ingressar com a ação de interdito proibitório, quando sentir-se ameaçado e na iminência de o seu imóvel ser invadido; ingressar com a ação de manutenção de posse, buscando sob a tutela do Estado manter-se na posse do imóvel, sem a limitação ilegal imposta por terceiros; ou ingressar com a ação de reintegração de posse, visando à sua imissão na posse do imóvel invadido e tomado integralmente. Em tais demandas, poderá ser pleiteada a tutela cautelar de caráter antece- dente, conforme previsão da Lei Processual Civil brasileira, a fim de se obter liminarmente o pedido final da ação. Desapropriação de terras para reforma agrária10 Conheça os conceitos dos institutos que caracterizam a perturbação do sossego pessoal, familiar e social, no que tange ao direito de propriedade: Ameaça: caracteriza-se pela violência ou, tão somente, sua iminência, podendo visar à obstrução da locomoção de pessoas ou promover o ingresso de pessoas em propriedade privada. Turbação: são sinônimo do termo as palavras perturbação e incômodo, traduzindo o instituto a prática de atos abusivos que podem limitar a posse plena da proprie- dade privada, podendo ser caracterizada pela destruição de cerca limítrofe ou pelo trânsito de terceiros em propriedade alheia, entre outros. Esbulho: é o ato de terceiro que, de forma ilegítima, toma a posse de coisa alheia fazendo uso da violência, impondo a perda do direito da posse da propriedade. Ainda, outra situação em que o proprietário poderá acionar o judiciário é aquela na qual, durante a fase administrativa,logo após a vistoria inicial que classifica o imóvel como improdutivo, tal decisão do Incra é atacada judicialmente. Nesse caso, o proprietário utiliza-se de argumentos como o fato de possuir apenas uma pequena ou média propriedade, encaixando-se como insuscetível de desapropriação, conforme exceção conferida pela legislação, ou, ainda, sendo proprietário de mais de uma, ou de uma grande propriedade, demonstra que ela é produtiva. Feitas tais considerações iniciais, passemos para o estudo da fase judicial da desapropriação propriamente dita. A fase judicial inicia-se logo após a publicação do decreto presidencial declaratório de desapropriação do imóvel improdutivo, quando da distribuição da competente ação de desapropriação pela União, por meio da Procuradoria do Incra regional. A partir do momento em que é publicado o decreto, como vimos, o órgão competente possui o prazo de dois anos para ingressar com a ação de desa- propriação perante a Justiça Federal, sob pena de decadência do direito, sendo que, em caso de perda do prazo, deverá ser respeitado o lapso temporal de um ano para que seja publicado novo decreto expropriatório. A Lei Complementar nº. 76, de 6 de julho de 1993, chamada Lei Proces- sual da Reforma Agrária, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social, para fins de reforma agrária, alterada parcialmente pela 11Desapropriação de terras para reforma agrária Lei Complementar nº. 88, de 23 de dezembro de 1996, estabelece os seguintes procedimentos iniciais: I. o presidente da República pode declarar o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária por meio de decreto expropriatório (art. 2º da LC nº. 76); II. o Incra deve propor a ação de desapropriação junto ao juiz federal competente (§ 1º do art. 2º da mesma Lei), dentro do prazo máximo de dois anos, contado da publicação do decreto desapropriatório (art. 3º da LC nº. 76), devendo a petição inicial preencher os requisitos processuais cíveis, conter a oferta do preço e os documentos probatórios previstos no art. 5º da LC nº. 76 e no art. 1º da LC nº. 88, entre eles o decreto declaratório de interesse social para fins de reforma agrária, o laudo de vistoria e avaliação do imóvel, a relação das benfeitorias, o “com- provante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento da terra nua” e o comprovante de depósito correspondente ao valor ofertado pelas benfeitorias; III. o juiz federal competente terá o prazo de 48 horas para despachar a petição inicial, “mandará imitir o autor na posse do imóvel” e expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel expropriado, para conhecimento de terceiros (art. 6°, incisos I, II e III da LC nº. 76) (BRASIL, 1993a). Após esses procedimentos iniciais, devidamente citado o proprietário, este poderá contestar o pedido inicial no prazo legal de 15 dias e indicar, caso queira, um assistente técnico para acompanhar a futura perícia. A Lei Processual da Reforma Agrária limita a matéria de defesa quando exclui a possibilidade de apreciação do interesse social declarado (art. 9°, da LC nº. 76/1993) pelo proprietário, já que na ação de desapropriação, a con- testação ou a resposta do expropriado deve se restringir à alegação de vício do processo ou à impugnação do preço da oferta. Isso se deve ao fato de que, se o desapropriado pudesse discutir o mérito na desapropriação, teríamos o caos total e ninguém conseguiria desapropriar coisa alguma, não podendo, portanto, o demandado discutir o mérito do decreto presidencial, como defende Maluf (1999). No entanto, como a lei exige a juntada de alguns documentos pela União em petição inicial, excluindo da contestação o direito de apreciação do interesse social declarado, mas permitindo a discussão do mérito quanto aos docu- mentos, a norma autoriza o Judiciário a entrar no mérito da desapropriação. Desapropriação de terras para reforma agrária12 Tal fato abre espaço para minuciosa apreciação do juízo, sendo certo que o ideal seria a lei indicar explicitamente os pontos sobre os quais poderia ser discutida a contestação. Após receber a contestação, o juiz determinará a realização de prova pericial, designando um perito judicial, formulando os quesitos que entender necessários e concedendo às partes a apresentação de seus quesitos (art. 9°, § 1° e incisos da LC nº. 76/1993) (BRASIL, 1993a). Conforme o art. 10 da referida Lei, concluída a perícia que avalia o imóvel e define o seu valor, poderá haver acordo sobre o preço a ser homologado por sentença. Porém, não havendo acordo, o valor que vier a ser acrescido ao depósito inicial por força de laudo pericial acolhido pelo Juiz será depositado em espécie para as benfeitorias, juntado aos autos o comprovante de lançamento de títulos da dívida agrária para terra nua, como forma de integralização dos valores ofertados. Importante expor também que o direito de extensão, já conferido pelo Es- tatuto da Terra, também é estabelecido pelo art. 4° e incisos da Lei Processual da Reforma Agrária, permitindo que o proprietário requeira a desapropriação de todo o imóvel desapropriado parcialmente, quando a área remanescente ficar “[...] reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural; ou prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada” (BRASIL, 1993a, documento on-line). Finalmente, será proferida a sentença na audiência de instrução e julgamento ou em 30 dias após a fundamentação que motivou seu convencimento, devendo o magistrado se ater a pontos relevantes estabelecidos pela lei, cabendo recurso de apelação apenas contra a sentença que fixar o preço da indenização (arts. 12 e 13 da LC nº. 76/1993) (BRASIL, 1993a). 13Desapropriação de terras para reforma agrária BRASIL. Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993a. Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp76.htm>. Acesso em: 3 jul. 2018. BRASIL. Lei Complementar nº 88, de 23 de dezembro de 1996. Altera a redação dos arts. 5°, 6°, 10 e 17 da Lei Complementar n° 76, de 6 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapro- priação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp88.htm>. Acesso em: 3 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ L4504.htm>. Acesso em: 3 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993b. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L8629compilado.htm>. Acesso em: 3 jul. 2018. GISCHKOW, E. A. M. Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma agrária. São Paulo: Saraiva, 1988. MALUF, C. A. D. Teoria e prática da desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1999. MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Ma- lheiros, 2009. PAULSEN, L. Desapropriação e reforma agrária. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. SCOLESE, E. A reforma agrária. São Paulo: Publifolha, 2005. Desapropriação de terras para reforma agrária14 Conteúdo:
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