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Política e Economia - Dimensões da crise

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Este texto é resultado da palestra sob o título “Política e Economia: dimensões da crise”, proferida pelo autor durante o seminário “Crise política, democracia e rupturas no Brasil contemporâneo”, realizado na FD/UnB, no período de 10-11/04/2018, sob a coordenação do professor Doutor Mamede Said Maia.
O autor Nilson Araújo de Souza é Doutor em Economia pela Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM, pós-Doutor pela USP, professor aposentado pela UFMS, professor do Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina da UNILA, autor de vários livros, artigos e ensaios sobre Economia Brasileira, Economia Latino-Americana e Economia Mundial, com destaque para “Economia brasileira contemporânea – de Getúlio a Lula”, “Economia Internacional Contemporânea – da depressão de 1929 ao colapso financeiro de 2008” e “América Latina: olhares e perspectivas”, este último em co-autoria. 
 CAPÍTULO
A CRISE ESTRTURAL BRASILEIRA E UM NOVO CAMINHO
INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é analisar as várias dimensões da crise que atravessa o Brasil desde 2013-2014. Mas não basta isso. O engajamento científico implica em desvendar os segredos da realidade como condição para sua transformação. Daí a necessidade de contribuir para a formulação de alternativas. 
Não se trata de uma crise qualquer. Além de ser a mais prolongada, mais profunda e mais ampla da época contemporânea, é o desdobramento e o aprofundamento de uma crise estrutural de longa duração deflagrada no começo da década de 1980. 
Para analisar essa crise, parte-se da concepção de que a economia brasileira é uma economia dependente, ou seja, insere-se de maneira subordinada no contexto da economia mundial capitalista, o que se traduz na transferência de valor para as economias centrais pela via do intercâmbio desigual e da remessa de lucros, juros e royalties, na superexploração da força de trabalho e no estreitamento do mercado interno de bens de consumo popular (Marini, 2000).
Como se trata de uma crise estrutural, recorre-se, para compreendê-la, à categoria de padrão de reprodução do capital, entendido como a forma “como o capital se reproduz em períodos históricos específicos e em espaços geoterritoriais determinados” (Osório, 2012, p. 40). Em outras palavras, as leis gerais do capitalismo seguem funcionando, mas o fazem de forma específica, condicionadas pelo espaço-tempo. A crise estrutural é a crise do padrão de reprodução do capital. Não é uma mera crise cíclica (Souza, 2013).
Este texto, além desta Introdução e das Conclusões, desdobra-se em quatro seções. A primeira analisa a crise deflagrada em 2013/14, destacando suas dimensões econômica, social e política, bem como a controvérsia sobre sua origem. Na segunda seção, analisa-se a crise estrutural de longa duração, inaugurada no começo dos anos de 1980, e que se desdobrou na crise atual. A terceira dedica-se a estudar a forma como se enfrentou no Brasil uma situação semelhante, a partir de 1930, o que transformou a realidade brasileira e produziu um longo processo de desenvolvimento, que teve como momento culminante a tentativa de implementar as Reformas de Base pelo governo João Goulart. Na última, discute-se um novo caminho para enfrentar a crise. Parte-se da noção de que, como se trata de uma crise estrutural, seu enfrentamento implica em transformações profundas.
1. Crise prolongada, profunda e ampla
A economia brasileira atravessa desde 2013/14 a crise mais prolongada, mais profunda e mais ampla de sua história contemporânea, ou seja, no período aberto em 1930, quando, com a Revolução liderada por Getúlio Vargas, deflagrou-se o processo de constituição do Estado Nacional brasileiro. 
A crise tem várias dimensões. Sua dimensão fundamental, a econômica, se manifesta numa recessão prolongada, iniciada em abril de 2014, portanto, já durando quatro anos. Costuma-se falar que houve recessão em 2015 e 2016, quando o PIB despencou em mais de 7%. Parece que antes disso não havia recessão e depois também não. 
A minha interpretação, baseada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que a recessão teve início em abril de 2014. A partir daí, o Produto Interno Bruto (PIB), que é a produção de bens e serviços do país, começou a cair. Voltou a cair 3,5% em 2015 e 3,5% em 2016. 
O governo de plantão apregoa que a economia voltou a crescer em 2017, mas não é verdade. Pelos dados do IBGE, o setor fundamental da economia, que é a indústria, não cresceu nada. O setor de serviços também não. Em 2017, o PIB apresentou um pífio crescimento de 1%, mas puxado pela agropecuária, que teve um ano bom de produção agrícola irrigado por um ótimo período de chuvas, mas a economia como um todo não cresceu. No primeiro trimestre de 2018, a economia também não cresceu. Então, completaram quatro anos de recessão. E, pelo andar da carruagem, a economia também não crescerá ao longo de 2018.
Os teóricos do PT alegaram que a causa da crise econômica estava no exterior, isto é, se trataria do rebate na economia brasileira da crise mundial deflagrada nos EUA em 2008 e posteriormente agravada na Europa. Essa interpretação não passa de uma fuga da realidade. É evidente que uma economia dependente, como a brasileira, é impactada por crises deflagradas nas economias centrais. 
Mas a internalização ou não da crise depende, em grande medida, da resposta que o governo vier a dar a essa repercussão interna da crise. E a resposta que o governo Dilma deu foi exatamente no sentido de ampliar essa repercussão. E o fez aumentando a taxa de juros básica, a Selic praticada pelo Banco Central. Num primeiro momento de seu primeiro governo, prosseguiu, até julho de 2011, o aumento da taxa Selic que já vinha do governo Lula, atingindo a taxa nominal anual de 12,5%. A partir de agosto, começou a baixá-la até atingir a taxa de 7,25% em outubro de 2012, nível em que permaneceu até março de 2013. No entanto, a economia que foi feita com essa redução dos juros não foi utilizada para investimento, mas para amortização de dívida. É como se não houvesse reduzido a taxa de juros. Pior ainda, a partir de março de 2013, a Selic retomou a trajetória ascendente, até atingir a taxa de 14,25% em julho de 2015, passando a ser a maior taxa real do Planeta. 
Por outro lado, em lugar de promover o investimento público para alavancar o conjunto do investimento e, por conseguinte, combater as tendências recessivas oriundas do impacto interno da crise mundial, o governo Dilma optou pelo caminho de realizar as chamadas desonerações fiscais, num montante acumulado de R$ 342 bilhões no período de 2011-15, em setores da economia em sua maioria controlados pelo capital estrangeiro, na ilusão de que essas empresas usassem esse recurso para investir e gerar emprego. O resultado foi o contrário: essas empresas, em lugar de investir no país esse ganho extra, aumentaram as transferências para suas matrizes no exterior. 
O governo Temer, que assumiu em abril de 2016 com a derrubada de Dilma promovida pelo Congresso, adotou medidas que mantiveram as tendências recessivas da economia. É certo que baixou a taxa nominal de juros do Banco Central – de 14,25% ao ano para 6,5% -, mas a taxa real permaneceu em patamares elevados – perto de 4%. Lembremo-nos de que a média mundial está em torno de 0%. Mas, com a lei que estabeleceu por 20 anos o teto dos gastos públicos, derrubou fortemente o investimento público e o gasto social. Além disso, com a anti-reforma que revogou a CLT, retirando direitos trabalhistas e tendo como elemento central a imposição de que o negociado vale sobre o legislado, pressionou o poder de compra do salário para baixo, estreitando mais ainda o mercado interno. Por essas razões, a recessão, ainda que menos dramática, permaneceu. 
Assim, o primeiro sintoma da crise é a recessão prolongada e profunda. A dimensão social dessa crise é expressa, sobretudo, no desemprego em massa. Quando iniciou essa crise, no início de 2014, a quantidade de desempregados no país era de 6 milhões de trabalhadores. Chegou-se agora,no início de 2018, a 13,7 milhões de trabalhadores, sendo que a soma de desempregados e subempregados atingiu a monstruosa cifra de 27,7 milhões. Ou seja, dobrou o exército de desempregados. É assim que a crise econômica repercute na esfera social.
A crise política também se manifestou nesse período. Os próceres do PT e do Governo Dilma declararam que a crise política foi deflagrada pela recusa do candidato do PSDB à Presidência da República, Aécio Neves, em aceitar o resultado das eleições de 2014, quando Dilma foi reeleita. 
Na verdade, a origem dessa crise é anterior a isso. Começou em 2013. Há dois aspectos fundamentais a destacar na crise política. 
O primeiro é a convergência do PT, que havia se colocado na oposição ao programa de Fernando Henrique Cardoso, à visão e à prática do PSDB. Essa convergência tem várias formas de manifestação, mas se expressa em duas principalmente. 
A primeira tem a ver com a resposta que o governo Dilma deu às grandes manifestações de 2013. O PT interpretou como manifestações da direita contra o governo. Não foi nada disso. Eram manifestações populares, em grande medida de jovens da periferia, mas também de jovens das camadas médias, que estavam revelando um mal estar com a situação do país, que acabou se revelando em indignação. A primeira resposta do governo foi demagógica. Os “cincos pontos” que a Presidente Dilma anunciou na reunião com 22 governadores não saíram do papel; além disso, em sua maioria, não tinham nada a ver com as demandas que estavam colocadas, ainda que de maneira difusa, naquele momento. As manifestações terminaram sendo galvanizadas pela direita.
A segunda forma de expressão dessa convergência do PT em direção ao PSDB foi o agravamento da política que vinha engendrando essa insatisfação popular, a política que vinha provocando a desaceleração da economia e, por conseguinte, a geração de cada vez menos empregos: o aumento da taxa de juros, como já assinalamos. Ao seguir aumentando a taxa de juros, a economia foi degringolando até entrar em recessão. 
O ápice dessa ação do governo foi o famoso estelionato eleitoral praticado por Dilma: depois de haver pregado na campanha eleitoral que iria enfrentar os juros altos, a crise econômica e os problemas sociais, e que seus adversários na campanha, se chegassem ao governo, retirariam direitos dos trabalhadores, nem bem acabou a eleição, com margem apertada, baixou um pacote de medidas que expressava o contrário do que havia falado na campanha, o que aumentou a identificação do PT com o que o PSDB havia feito antes. Baixou medida provisória restringindo o acesso a seguro-desemprego, auxílio-doença e pensão por morte, ou seja, o Partido dos Trabalhadores adotava medias que limitava direitos trabalhistas e previdenciários. 
O próprio Lula admitiu isso ao dizer que o PT devia reconhecer que Dilma pregara uma coisa na campanha e fizera outra depois. Ele disse isso numa reunião que realizou para tentar convencer as centrais sindicais a apoiar as medidas de Dilma. Disse então: “nós prometemos uma coisa e fizemos outra. Mas, já que fizemos outra, nós temos agora que dar apoio ao que a Dilma está fazendo”.
Há outra dimensão da crise política, que se manifesta na crise ético-moral. Tornou-se público, pelas investigações do Ministério Público e Polícia Federal, através da Operação Lava Jato, um esquema liderado pelo PT - que envolvia os partidos da base aliada, principalmente o PMDB, mas alcançava até partidos da oposição, como o PSDB, haja vista o episódio do Aécio Neves - em conúbio com o cartel das empreiteiras, com o objetivo de assaltar o erário público. Já está bem evidente o caso da Petrobrás, mas tudo indica que não foi só a Petrobrás que foi vítima desse assalto (Lopes, 2016). Esse esquema de corrupção agravou a crise política porque gerou uma situação em que o povo já não se sente representado por aqueles que elegeu para o Congresso e o Executivo. 
As classes dominantes e seus seguidores e representantes acharam que a crise política teria sido solucionada com a substituição de Dilma por seu vice Michel Temer, quando tudo indicava que só a saída dos dois e a convocação de eleições gerais poderiam criar as condições para superação da crise política. No governo de Temer, a crise chegou a seu ponto máximo. Por duas vezes, segundo divulgado pela imprensa, teve que liberar recursos públicos, as chamadas emendas parlamentares, para evitar que o Congresso autorizasse o prosseguimento das apurações de fortes denúncias de corrupção contra ele. Mas a maior expressão da crise é o fato de, segundo pesquisa dos institutos DataFolha e Ibope, ele ter apenas 5% de aprovação. 
Essa crise política, ao engendrar uma situação em que o povo já não se sente representado pelos que elegeu para representá-lo nas estruturas de poder, dá margem a mudanças profundas na sociedade brasileira.
2. Crise estrutural de longa duração
A crise econômica iniciada em 2014 é o desdobramento e o aprofundamento de uma crise mais geral de longa duração, que eu chamo de crise estrutural, que teve seus primeiros sintomas na segunda metade dos anos 1970 e se manifestou de maneira mais evidente a partir de 1981 (Souza, 2008)
O dado que mais expressa isso é a maneira como a economia evoluiu nesse período. De 1981 até hoje, a evolução do PIB se deu a uma taxa média anual de 2%. A população cresceu 1,7% ao ano. Isso significa que a produção per capta estagnou. A crise se aprofunda de 2014 para cá, mas a economia já vem estagnada durante todo esse longo período. 
Por que o Brasil, com todo o seu potencial, com sua capacidade de se desenvolver, com muita riqueza natural, com uma capacidade tecnológica razoável, apesar de ser baixo o investimento em ciência e tecnologia, não cresce? A causa básica tem a ver com o esgotamento do capitalismo dependente brasileiro. Ou seja, a forma como a economia brasileira se insere no mundo. Ela se insere de maneira dependente, de maneira subordinada. Isso se manifesta de várias formas. 
Manifesta-se na transferência para o exterior das decisões fundamentais para a economia e a sociedade brasileiras, bem como na drenagem de recursos para o exterior. Parcela importante da renda do país é drenada para remunerar o capital estrangeiro que aqui se instalou e para remunerar os empréstimos que foram tomados durante esse período. Também tem a ver com a inserção do Brasil no mundo como exportador de produtos primários, de baixo valor agregado (a reprimarização da economia brasileira vem se agravando no período recente), e importador de produtos de alto valor agregado. Isso gera o chamado intercâmbio desigual. Exporta-se a produção por um preço mais baixo do que o valor gerado e importa-se mais caro do que o valor gerado lá fora. 
Segundo Ruy Mauro Marini, a consequência dessa transferência de valor, sob as mais variadas formas, é a superexploração da força de trabalho. Ou seja, para poder gerar um valor suficiente para investir alguma coisa aqui e ao mesmo tempo remunerar o capital estrangeiro e realizar a drenagem de valor para fora, a economia dependente reage superexplorando a força de trabalho. Paga-se ao trabalhador um salário abaixo do valor da força de trabalho, abaixo do necessário para garantir a subsistência do trabalhador e sua família. Para isso, o capitalista impõe o aumento da intensidade e da jornada de trabalho, além de “roubar” parte do fundo de salário (Marini, 2000).
No Brasil, essa superexploração do trabalhador é facilmente comprovável. A Constituição determina que deve ser pago um mínimo necessário para o sustento da família do trabalhador, ou seja, para adquirir uma cesta básica de bens e serviços. O Dieese calcula todo mês o custo de subsistência do trabalhador e sua família. No mês de fevereiro de 2018, custaria R$ 3.600,00. O salário mínimo era R$ 952,00, quatro vezes menor do que o necessário para o sustento da família trabalhadora. Partindo da constatação de que a mulher está ingressando no mercado de trabalho (segundo o IBGE, a mulher já representava, no começo de 2018, 43,5% da população ocupada)e que, por isso, trabalham em média duas pessoas por família de quatro pessoas, a família trabalhadora cujos membros auferem salário em torno do mínimo só recebe a metade do necessário para seu sustento. 
O argumento de que o trabalhador brasileiro ganha, em média, bem acima do salário mínimo é derrubado pelos fatos. Segundo pesquisa do IBGE (PNAD Contínua), 50% dos trabalhadores brasileiros recebiam, em média, em 2016, 15% menos do que o salário mínimo e, segundo o “Censo 2010: educação, deslocamento, trabalho, rendimento”, também do IBGE, 72% ganhavam até dois salários mínimos, em 2010 (UOL Economia, 19 dez. 2012). 
A superexploração da força de trabalho, além de empurrar as condições de vida da família trabalhadora para níveis abaixo da subsistência, provoca o estreitamento do mercado interno para os setores que produzem bens para o consumo popular, basicamente de propriedade nacional, levando à sua estagnação ou à necessidade de exportação, o que aumenta a vulnerabilidade externa da economia dependente. Simultaneamente, a concentração de renda engendrada pela superexploração amplia o mercado interno para os setores produtores de bens de consumo de “luxo”, majoritariamente pertencentes ao capital estrangeiro, o que demanda a remessa de lucro para o exterior, promovendo, também por essa via, a vulnerabilidade externa.
Esse padrão dependente de reprodução do capital, que foi ensaiado por Juscelino Kubitschek, mas só se consolidou a partir de 1964 com a ditadura, fez água na segunda metade dos anos 1970. Fez água no momento em que a economia mundial entrou em crise. E, ao entrar em crise, aumentou a espoliação dos países da periferia, como o Brasil, que foram vítimas de um forte aumento da drenagem de recursos para o exterior sob as mais variadas formas (Souza, 2009). A crise da dívida de começo dos anos de 1980 não foi mais que a manifestação mais contundente dessa verdadeira hemorragia externa.
Além disso, a superexploração, ao gerar o estreitamente do mercado interno de bens de consumo popular e provocar, por conseguinte, a necessidade de exportação desses bens, cobra seu preço na economia nacional no momento em que a crise mundial retira essa válvula de escape das exportações. 
Diante da alternativa de enfrentar os problemas que geraram a crise ou se adaptar a ela, a primeira foi a escolhida, ainda que apenas parcialmente, pelo governo Geisel, através do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o chamado II PND, que enfrentou a crise procurando retomar o crescimento da economia, ao passar a produzir internamente bens fundamentais que vinham sendo importados, tais como máquinas e equipamentos, insumos básicos (como aço, petroquímica), produtos de tecnologia de ponta (como informática, avião).
 Mas o sucessor de Geisel, o general Figueiredo, adotou atitude oposta: submeteu-se ao Fundo Monetário Internacional, o FMI, xerife dos banqueiros internacionais. O FMI tinha um receituário padrão: cortar investimento público e salário, elevar a taxa de juros e cortar crédito. Dizia-se que o objetivo era conter a demanda para combater a inflação, mas o objetivo fundamental da contenção da demanda era outro: reduzir as importações e aumentar os excedentes exportáveis a fim de gerar um superávit na balança comercial e, com isso, pagar os juros aos credores internacionais. Qual foi a consequência? A economia parou de crescer. Como a população cresce, o desemprego aumenta. 
Nascia então a chamada “década perdida”. Ao mesmo tempo, iniciou-se a economia rentista no Brasil. A prática crônica de juros elevados pelo governo, ao fazer crescer a dívida pública em bola de neve, engendrava a financeirização da economia e o consequente surgimento do parasitismo rentista, que alimentava não apenas os bancos, mas também grandes empresas industriais, comerciais e agrícolas, as quais passaram a aplicar boa parte de seus recursos no mercado financeiro. A partir daí, uma parcela crescente dos recursos originados na produção, ao invés de ir para o investimento produtivo, era drenada aos credores internacionais e depois aos credores da dívida pública dentro do Brasil. Isso foi iniciado no governo Figueiredo. O governo Sarney, salvo um período muito curto do Plano Cruzado, manteve a política de se submeter ao receituário do FMI. Collor agravou essa política, e assentou as bases para a política de privatização, desnacionalização e abertura da economia. 
Fernando Henrique Cardoso manteve, aprofundou e consolidou, não apenas o receituário do FMI, mas a política de privatização e desnacionalização do patrimônio e do mercado nacional. A política de desnacionalização do mercado interno, chamada de abertura comercial, tinha como instrumento principal a chamada “âncora cambial”, que se baseava em dois pés: a valorização da moeda nacional e a redução das tarifas de importação. O objetivo declarado era aumentar a concorrência com produtos importados para combater a inflação, mas esse resultado foi alcançado à custa da ocupação do mercado interno por produtos estrangeiros e, consequentemente, o ressurgimento de déficits crônicos na balança comercial, e o início da desindustrialização e da reprimarização da pauta exportadora da economia brasileira, acompanhadas de elevados índices de desemprego. 
A crise das contas externas gerada por essa política fez a “ancora” se soltar em 1998/99, levando o governo de Fernando Henrique a adotar, no começo de 1999, outro caminho de combate à inflação: o sistema de metas da inflação, baseado no chamado “tripé macroeconômico” – câmbio flutuante, juros altos e superávit primário. A mudança era apenas aparente, porque, na essência, a política era a mesma: praticavam-se juros altos como forma de atrair capitais especulativos externos a fim de promover a valorização da moeda e buscava-se o superávit primário nas contas públicas como forma de garantir o pagamento desses juros elevados. O resultado do conjunto dessa política, em seus dois momentos, foi que a dívida pública explodiu. A dívida líquida do setor público subiu de R$ 153,2 bilhões (30,4% do PIB) em dezembro de 1994 para R$ 892,3 bilhões (55,9% do PIB) em dezembro de 2002. Além disso, a economia brasileira viveria sua segunda “década perdida”. Segundo o IBGE, durante o governo Fernando Henrique, o PIB cresceu, em média, a uma taxa anual de insignificantes 2,4%.
Lula, que já havia sido candidato à Presidência em 1989, fortaleceu-se politicamente fazendo campanha contra essa política praticada por Fernando Henrique, mas, no fundamental, manteve esse caminho, ou melhor, descaminho, ao chegar ao governo em 2003. A economia continuou sendo desnacionalizada. Seu governo não realizou privatizações, mas o capital privado continuou sendo transferido ao capital estrangeiro, e em proporções maiores do que no governo FHC. Segundo a KPMG, enquanto, durante o governo Lula, houve, em média, por ano, 488 fusões e aquisições, sendo que 259 referentes a aquisições de empresas brasileiras por empresas estrangeiras, nos últimos cinco anos do governo Fernando Henrique, haviam ocorrido 316 por ano, sendo 187 adquiridas por grupos estrangeiros. O mesmo pode ser demonstrado pelos dados de investimento direto estrangeiro, outra forma de designar a compra de empresas brasileiras por empresas estrangeiras: segundo o Banco Central, ingressaram no Brasil, sob essa rubrica, no período Lula, U$ 26,9 bilhões, em média, por ano, ao passo que, no governo FHC, essa cifra foi de U$ 22,4 bilhões. 
Além disso, ao manter o “tripé macroeconômico, o mercado interno seguiu sendo desnacionalizado. Com isso, prosseguiu o processo de desindustrialização e reprimarização: a participação da indústria de transformação no PIB, que começara a cair na segunda metade dos anos 1980 e manteve essa tendência durante o governo FHC, teve uma ligeira melhora durante os dois primeiros anos do governo Lula para depois manter a tendência de queda: passou de 16,91% em 2003 para 11,40% em 2010. A indústria local fechava as portas porque não conseguia concorrer com produtos importados subsidiados por tarifas baixase pela moeda valorizada. 
A política de juros elevados, integrante do “tripé”, continuou empurrando a dívida pública para cima - segundo o Banco Central, a dívida líquida do setor público aumentou de R$ 892,3 bilhões em dezembro de 2002 para R$ 1,48 trilhão em dezembro de 2010 -, ainda que haja diminuído sua percentagem sobre o PIB (caiu de 59,93% para 40,88%), porque este crescia a uma taxa superior à da dívida. O parasitismo rentista seguiu sendo alimentado e desviando recursos da esfera produtiva para a puramente financeiro-especulativa. 
O governo Lula apresentou uma novidade: por meio de financiamento do BNDES, patrocinou o fortalecimento das tendências monopolistas típicas do capitalismo e que haviam recebido um forte empurrão com as privatizações realizadas por Fernando Henrique. Para isso, sob o pretexto de que era necessário aliar-se com a burguesia nacional e fortalecê-la para melhor competir com as transnacionais estrangeiras, Lula criou o programa das “campeãs” e de internacionalização de empresas brasileiras, imbricando-se, como ficaria claro depois, precisamente com a grande burguesia brasileira, com destaque para o cartel das empreiteiras. 
É certo que Lula implementou uma política externa independente, que tinha como um dos seus pilares a integração sul-americana e a aproximação com a África. Mas hoje está claro que o objetivo central dessa política não era promover uma integração solidária, baseada na cooperação, dos povos do Terceiro Mundo, por mais que fosse essa a narrativa. O objetivo era levar aos demais países as empreiteiras e outras grandes empresas brasileiras, bancadas por financiamentos do BNDES, empenhado em formar as “campeãs” internacionalizadas. 
O governo Lula manteve, portanto, em essência, a mesma política anterior, mas procurou adotar medidas compensatórias. Já no primeiro mandato, adotou medidas como o Bolsa Família, buscando contrabalançar os efeitos perversos que a desindustrialização provocava na área social. No segundo mandato, adotou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que também compensou um pouco o efeito negativo acarretado pela desindustrialização. Implementou também, a partir da mobilização das centrais sindicais, um mecanismo legal de recuperação do salário mínimo: o salário mínimo real aumentou 55,89% durante seu governo. 
Por sua vez, o governo Lula foi beneficiado pelo boom das commodities. Isso, aparentemente, teve um aspecto positivo porque aliviou um pouco a economia, ao possibilitar o aumento do quantum e do preço das exportações de produtos básicos. Mas teve um efeito perverso em longo prazo porque acelerou o processo de reprimarização da economia brasileira. Graças a essas medidas compensatórias e ao boom das commodities, a economia passou a crescer mais do que vinha crescendo na segunda “década perdida”, mas mesmo assim em níveis baixos e oscilando bastante: o PIB, segundo o IBGE, cresceu então, em média, a 4% ao ano. Mas se mantinha a vulnerabilidade externa da economia, já que permaneciam os elementos centrais da economia dependente. Tanto é assim que, tão logo a economia mundial entrou em crise em 2008/2009, deflagrada pelo colapso do mercado de subprime estadunidense, a marolinha de Lula se converteu em recessão em 2009. 
Lula apoiou Dilma Rousseff para sua sucessão. Ela era apelidada por ele de “mãe do PAC”, já que era a coordenadora desse programa. Durante a campanha, Dilma prometeu que iria manter e aprofundar as mudanças iniciadas por Lula e realizar novas mudanças. No primeiro governo, ela manteve os programas sociais, mas, como vimos na seção 1, agravou a situação econômica do país. Manteve o “tripé macroeconômico”. Depois de um ligeiro namoro com a redução dos juros básicos, voltou a elevá-los até atingir as maiores taxas reais do mundo. E, em consequência, a dívida pública explodiu: aumentou de R$ 1,48 trilhão em dezembro de 2010 para R$ 2,53 trilhões em junho de 2016 (dois meses depois do impeachment). A relação dívida/PIB chegou a diminuir até 2013, quando atingiu 30,5%, mas em 2014 voltou a crescer. O resultado foi que passou de 40,88% em 2010 para 42% em junho de 2016. O parasitismo rentista seguiu grassando a economia nacional: os juros pagos pelo governo federal, durante os cinco anos da gestão Dilma, montaram em cerca de R$ 1,64 trilhão (sem correção pela inflação). Em 2016, o governo brasileiro pagava de juros da dívida o equivalente a 6,5% do PIB; enquanto isso, a média da OCDE era de apenas 2%. 
Retomou também as privatizações, que seu governo designou de concessões. Em meados de 2012, lançou o Programa de Investimento em Logística (PIL), que previa a entrega de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias para a iniciativa privada, num montante estimado de R$ 200 bilhões. O Programa foi relançado em junho de 2015, num montante de R$ 198 bilhões. O governo ofereceu, como forma de atrair interessados, financiamento do BNDES, mas, na época do relançamento em 2015, a ação privatizadora do primeiro pacote se limitava aos aeroportos. No ano seguinte ao lançamento do primeiro pacote de “concessões”, em 2013, o governo, no seu afã privatista e desnacionalizante, promoveu o leilão do campo de Libra, quando, pela lei, poderia ter sido concedido à Petrobras. Como o consórcio organizado pela Petrobras com duas estatais chinesas era muito forte, as transnacionais petroleiras (integrantes das antigas “sete irmãs”) desistiram de participar, mas o governo obrigou a Petrobras a incluir em seu consórcio a Shell e a Total.
Durante seu governo, Dilma acelerou bastante o processo de desnacionalização, desindustrialização e reprimarização da economia brasileira. A participação da indústria de transformação no PIB baixou de 14,96% em 2010 para 11,40% em 2015. Mais empresas privadas brasileiras foram desnacionalizadas por ano do que no governo Fernando Henrique: enquanto neste último haviam ocorrido 316 fusões e aquisições por ano, sendo 187 correspondentes a aquisições de empresas nacionais por grupos estrangeiros, no governo Dilma ocorreram 793, sendo 342 de empresas brasileiras por capitais estrangeiros. Reforçando esse fato, enquanto no governo FHC o investimento direto estrangeiro no Brasil foi de US$ 22,4 bilhões por ano, no primeiro mandato de Dilma esse montante se elevou para US$ 63,9 bilhões, quase o triplo. 
E, para culminar, ao final do primeiro mandato, logo após as eleições, baixou um pacote de medidas reduzindo direitos sociais e previdenciários, o que foi completado com a nomeação para ministro da Fazenda de Joaquim Levy, ligado ao Bradesco, que adotou um pacote de “ajuste fiscal”, expressão pomposa para designar o corte do investimento público e do gasto social, acompanhado do aumento de impostos. A proposta de Lula para o Ministério da Fazenda não era Levy, mas Henrique Meirelles, que fora seu presidente do Banco Central. Ao invés de um funcionário de um banco nacional, ele preferia entregar a economia a um funcionário de um banco estrangeiro. 
O grupo de Temer, que tomou o poder de assalto, após a queda de Dilma por meio do impeachment, aprofundou as medidas de contenção da economia e de retirada de direitos sociais. Seus seguidores apregoam que, na sua gestão, o Banco Central baixou a taxa Selic. De fato, como assinalamos antes´(seção 1), esta caiu, mas o que interessa para a economia é a taxa real de juros, e esta permaneceu em torno de 4%, dentre as maiores do mundo. 
Para promover o chamado “ajuste fiscal”, o governo fez aprovar no Congresso a PEC 95 que estabelece o teto do gasto público, o que impede o aumento real do gasto em educação e saúde e outras necessidades sociais por um prazo de 20 anos. Apesar do “teto”, a dívida pública seguiu se expandindo de maneira acelerada. A dívida líquida do setor público chegou a R$ 3,4 trilhões em maio de 2018, atingindo 51,28% do PIB.
Além disso, golpeou fortemente os direitos trabalhistas, ao revogar a CLT, estabelecendo que o negociado deve preponderar sobre o legislado, ou seja, “acordos” obtidos entre patrões e empregados passam por cima dos direitos estipuladosem lei. Mas a mesma lei que autorizou esse absurdo jurídico e anti-histórico (pois se trata de um retrocesso de quase um século nas relações de trabalho) retirou as fontes de financiamento dos sindicatos (a contribuição sindical), debilitando a representação dos trabalhadores no processo de negociação. 
Ao mesmo tempo em que arrocha a economia e retira direitos dos trabalhadores, o governo Temer avança na privatização/desnacionalização da economia, com destaque para o retalhamento da Petrobras e consequente privatização de vários de seus setores, como campos de petróleo, refinarias, distribuição, por meio do chamado programa de desinvestimento, num montante de R$ 21 bilhões para o período 2017-18. Destaca-se a venda de 25% do campo de Roncador, na Bacia de Campos, para a petroleira estatal norueguesa Statoil, por US$ 2.9 bilhões; considerando que a estimativa do volume recuperável de petróleo é de 1 bilhão de barris, o barril de petróleo foi vendido por míseros US$ 2,9 dólares, quando o mesmo estava cotado a US$ 64 no mercado internacional. 
3. Transformação estrutural e Reformas de Base
Conforme assinalamos anteriormente, a crise brasileira atual é de natureza estrutural. Tem sua origem na década de 1970, quando se esgotou o padrão dependente de reprodução do capital, e só não foi superada ainda porque, a cada governo, a partir do governo Figueiredo, têm sido adotadas medidas que agravam a dependência, a desnacionalização e a financeirização da economia e a piora das condições de vida do povo. Mais recentemente, o PT, que havia se formado na oposição a essas medidas, ao chegar ao governo preservou, em sua essência, esse padrão de economia. 
As crises capitalistas acarretam efeitos destrutivos sobre a economia, mas prejudicam, sobretudo, os trabalhadores, que mergulham no exército industrial de reserva ou têm seus salários reais reduzidos. Mas é também nas crises, particularmente nas crises estruturais, como a que atravessa o Brasil, que nascem as grandes soluções. Mais ainda, a solução dos problemas de qualquer país aparece na crise. Marx dizia que a Humanidade nunca se coloca problemas sem que ao mesmo tempo geste as condições para resolvê-los. O ideograma chinês que significa crise também significa oportunidade, possibilidade de superação. 
O enfrentamento de uma crise estrutural demanda medidas que impliquem em transformações profundas. O Brasil tem um potencial muito grande para realizar essas transformações. Conta com um potencial imenso de recursos naturais e com um parque industrial que, apesar de estar sendo sucateado, ainda é importante. Conta com um povo inventivo e que já demonstrou, ao longo da história, uma grande capacidade de luta. Dispõe de recursos financeiros abundantes, boa parte dos quais, no entanto, está sendo drenada para o exterior, apropriada pelos rentistas e, por conseguinte, esterilizada na especulação financeira, apropriada sob a forma de lucro extra pelos monopólios ou escondida nos paraísos fiscais pelos ricos que não pagam imposto. 
Então, o que está bloqueando a superação da crise e a retomada do desenvolvimento, entendido este não apenas como aumento das forças produtivas, mas como transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais? Pelo que vimos até aqui, a dependência, as políticas econômicas que reforçam a dependência e suas manifestações, tais como a drenagem de recursos para o exterior, a superexploração da força de trabalho e o estreitamente do mercado interno de massa. Assim, o caminho da superação da crise e da retomada do desenvolvimento passa pelo enfrentamento radical da dependência - o que implica em romper com a dominação econômica que é realizada a partir das metrópoles imperialistas sobre a economia brasileira – e do domínio dos monopólios e do capital rentista, da superexploração da força de trabalho e do consequente estreitamento do mercado interno. 
O Brasil já tem uma história de enfrentamento da dependência. Trata-se do processo deflagrado pela Revolução de 30. Getúlio Vargas criou o Estado nacional brasileiro, promoveu a industrialização sob controle nacional, alavancada pelo Estado e voltada para o mercado interno. Patrocinou a criação da legislação trabalhista, uma das mais avançadas do mundo na época. O momento culminante desse processo ocorreu na década de 1960, quando o herdeiro político de Getúlio, João Goulart, lançou as Reformas de Base. Eram oito reformas. Sua implementação completaria a formação da Nação e do Estado nacional brasileiro, com uma estrutura econômica à semelhança do capitalismo de Estado. Isso assentaria as bases para transformações mais profundas da economia e da sociedade brasileiras. 
João Goulart anunciou pela primeira vez seu programa de Reformas de Base em março de 1958, quando era vice-presidente da República de Juscelino Kubitscheck. Em 1959, procurou entendimento com senadores para a aprovação de medidas legislativas que estavam em tramitação no Congresso Nacional, muitas das quais reforçavam as Reformas de Base. 
Na sua campanha para vice-presidente, em 1960, quando se reelegeu, converteu as Reformas de Base no eixo central de sua pregação. Com a renúncia de Jânio Quadros, assumiu a presidência em agosto de 1961, sob o Parlamentarismo. Em 1962, deflagrada a campanha pelo retorno do Presidencialismo, convocou o economista Celso Furtado para o recém-criado Ministério extraordinário do Planejamento, com a incumbência inicial de formular um programa para os três últimos anos de governo. Nasceu o Plano Trienal, que combinava medidas de curto prazo de combate à inflação pela via de contenção da demanda com as Reformas de Base. Depois de muita luta política e a mobilização popular contra os aspectos contencionistas do Plano Trienal, este foi “engavetado” e Jango concentrou-se nas Reformas de Base. Anunciou algumas delas, particularmente a Reforma Agrária, no comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964, e logo depois, a 15 de março, enviou mensagem ao Congresso, conhecida como Caminho Brasileiro, em que sistematizou as Reformas de Base (Goulart, 15 mar.1964).
Para realização da reforma bancária, enviou proposta ao Congresso. Tinha como objetivo atender às exigências do crescimento da economia nacional e à necessidade da execução de uma política financeira para a contenção do processo inflacionário. Para isso, a proposta de reforma visava a implantação de um órgão centralizado (Banco Central) para a direção da política monetária e bancária, ao mesmo tempo em que procurava dotar o Governo de condições que melhor lhe permitissem selecionar o crédito para o impulso das forças de produção (Goulart, 15 mar.1964). Propunha a ampliação e democratização do acesso ao crédito e ao financiamento, inclusive o crédito rural e habitacional. Para isso, a reforma bancária buscava reforçar o papel do Banco do Brasil na política creditícia e monetária, um maior controle sobre o câmbio (o chamado monopólio do câmbio), a participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios do sistema financeiro e a nacionalização dos bancos estrangeiros de depósito (Bercovici, 2º. Semestre de 2014; Corbisier, 2008). 
Segundo Corbisier, 
os critérios que devem orientar a Reforma Tributária decorrem, portanto, das exigências do desenvolvimento e das Reformas de Base. Pela correção do aparelho arrecadador e fiscal, aumentar as rendas do Estado, sobrecarregando as classes ricas e aliviando as classes pobres, a fim de que, com maiores recursos, possa o Poder Público desincumbir-se das novas tarefas e dos novos encargos de que está investido, como principal agente do desenvolvimento, da emancipação econômica do País e promoção da Justiça Social (Corbisier, 2008, p. 277). 
Por sua vez, para Gilberto Bercovici, 
a proposta de reforma tributária tinha como fundamento o reforço dos impostos diretos em detrimento dos impostos indiretos, ampliando a tributação sobre o patrimônio e a renda. Outra medida seria a federalização do Imposto Territorial Rural (ITR), que, no texto constitucional de 1946, era competência dos Estados” (Beercovici,2º. Semestre 2014, p. 99). 
O reforço dos impostos diretos se deve ao fato de serem progressivos. 
No caso da reforma do estatuto do capital estrangeiro, a lei de remessa de lucros (lei no. 4131, aprovada em 03.09.1962 e regulamentada por Jango em 23.01.1964) foi a principal medida de “controle e disciplinamento” do capital estrangeiro e que tinha como objetivo barrar a sangria externa da economia nacional e promover, na concepção do governo Jango, o desenvolvimento autônomo (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p. 99). A limitação de remessa de lucro pelo capital estrangeiro constava de um projeto encaminhado ao Congresso por Getúlio Vargas antes do suicídio em 1954, mas só foi aprovado em 1962 e regulamentado em 1964.
Estabelecia que as sucursais de empresas estrangeiros instaladas no País só poderiam enviar para o exterior, no máximo, de 8 a 10% do capital aportado do exterior e originalmente investido (Silva, 1983-1984, p. 81). Portanto, os capitais resultantes de reinvestimento de lucros obtidos no País não poderiam remeter lucros (entre as primeiras medidas adotadas pela ditadura, encontra-se a revogação da lei de remessa de lucro e o estabelecimento de uma nova regra que estipulava que poderiam ser enviados até 12% do conjunto do capital).
 Outra medida de controle do capital estrangeiro foi a revogação da Instrução 113 da SUMOC, que permitia que o capital estrangeiro poderia importar máquinas usadas sem cobertura cambial. Em seu lugar, editou-se a Instrução 242, que proibia o registro de financiamento estrangeiro para a importação de maquinas e equipamentos que a indústria nacional pudesse fabricar (Moniz Bandeira, 1977. P. 118). “Propunha-se, ainda, a nacionalização das concessionárias de serviços públicos, dos bancos de depósito, das companhias de seguro, a ampliação do controle nacional sobre a exploração dos recursos minerais e da energia elétrica, dentre outras políticas” (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p.99). 
Junto com a Mensagem ao Congresso de 15 de março de 1964, foram encaminhadas quatro medidas voltadas para a Reforma administrativa (Goulart, 15 mar.1964). Visava reforçar o Estado e lhe assegurar instrumentos para atuar nas esferas econômica e social. A finalidade da estrutura político-administrativa passaria a ser a realização dos planos de desenvolvimento e as Reformas de Base. Para isso, segundo Roland Corbisier, teria que simplificar e racionalizar a máquina administrativa, dotando-a de pessoal qualificado e de planos e recursos que a convertessem em instrumento propulsor do desenvolvimento e da emancipação econômica do País (Corbisier, 2008, pp. 272-5). 
Entre as medidas da Reforma Administrativa, destacava-se a criação de um órgão de planejamento nacional (para isso, havia criado o Ministério Extraordinário do Planejamento); a ampliação do monopólio estatal do petróleo (envolvendo o refino e a distribuição; a medida de encampação das refinarias estrangeiras foi anunciada no comício da Central do Brasil de 13 março de.1964); a estruturação do Estado como planejador e executor da política energética (a Eletrobrás acabava de ser constituída); a recuperação e ampliação das ferrovias e portos; a racionalização dos serviços públicos e a ampliação da participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios da Administração Pública (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p.99).
A Reforma política era outra das Reformas de Base. Na Mensagem encaminhada ao Congresso em 1964, Jango denunciou a discriminação em relação a milhões de brasileiros proibidos de participar do processo eleitoral: 
São inadmissíveis, na composição do corpo eleitoral, discriminações contra os militares, como as praças e os sargentos, chamados ao dever essencial de defender a Pátria e assegurar a ordem constitucional, mas privados, uns, do elementar direito do voto, outros da elegibilidade para qualquer mandato.
Outra discriminação inaceitável atinge milhões de cidadãos que, embora investidos de todas as responsabilidades civis, obrigados, portanto, a conhecer e a cumprir a lei e integrados na força de trabalho com seu contingente mais numeroso, são impedidos de votar, por serem analfabetos (Goulart, 15 mar.1964, p. LV).
Denunciou também a discriminação ideológica na composição partidária:
A verdade, já agora irrecusável, é que o nosso processo democrático só se tornará realmente nacional e livre quando estiver integrado por todos os brasileiros e aberto a todas as correntes de pensamento político, sem quaisquer discriminações ideológicas, filosóficas ou religiosas, pata que o povo tenha a liberdade de examinar os caminhos que se abrem a sua frente, no comando do seu próprio destino (Goulart, 15 mar.1964, pp. LV-LVI).
Para remover essas discriminações, propôs ao Congresso Nacional:
 Para esse passo essencial e inadiável, é, a meu ver, imprescindível que se altere a Constituição da República, a fim de incorporar, caso nisto aquiesça o Congresso Nacional, no exercício de sua atribuição privativa, como princípios básicos de nossa vida política, as seguintes normas:
— São alistáveis os brasileiros que saibam exprimir-se na língua nacional e não hajam incorrido nos casos do art. 135 da Constituição.
— São elegíveis os alistáveis (Goulart, 15 mar.1964, p. LVI).
A Mensagem de março de 1964 também propôs a Reforma universitária:
Ê também imperativa a reforma dos dispositivos constitucionais, disciplinadores da educação nacional, a fim de ampliarem-se as garantias da liberdade do docente e redefinir-se o instituto da cátedra, retirando-lhe o caráter de domínio arbitrário e irresponsável de um campo do saber, para possibilitar ao ensino superior a renovação de seus quadros, o domínio da ciência e da técnica e maior eficácia na transmissão do conhecimento. Para esse efeito, sugiro seja estudada pelo Congresso Nacional a conveniência de integrar no texto constitucional os seguintes princípios:
— É assegurada ao professor de qualquer dos níveis de ensino plena liberdade docente no exercício do magistério.
— É abolida a vitaliciedade da cátedra, assegurada aos seus titulares a estabilidade, na forma da lei.
— A lei ordinária regulamentará a carreira do magistério, estabelecendo os processos de seleção e provimento do pessoal docente de todas as categorias e organizará a docência, subordinando os professores aos respectivos departamentos.
— Às Universidades, no exercício de sua autonomia, caberá regulamentar os processos de seleção, provimento e acesso do seu pessoal docente, bem como o sistema departamental, ad referendum do Conselho Federal de Educação (Goulart, 15 mar.1964, pp. LVI-LVII).
Não encontrei na Mensagem, mas autores pesquisados (Roland Corbisier e Gilberto Bercovici) indicam que a Reforma Universitária propunha que a democratização da Universidade contemplava, além do fim da vitaliciedade das cátedras, a participação dos estudantes nos processos decisórios. 
Outra reforma, a urbana, dependia de mudança constitucional. “Ao combater o monopólio da propriedade imobiliária, a reforma urbana tinha por objetivo ampliar o acesso aos imóveis urbanos” (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p. 99). A Reforma Urbana implicava a solução de outros problemas, como o de transporte coletivo e serviços públicos, mas, “à semelhança da Reforma Agrária, exige fundamentalmente a liquidação do monopólio da propriedade urbana, e o acesso, a essa propriedade, de todos aqueles que residem e trabalham nas cidades” (Corbisier, 2008, p. 284).
Teria, segundo Corbisier, as seguintes medidas principais: 
limitação do número de imóveis urbanos de propriedade particular e desapropriação do excedente; desapropriação compulsória, por interesse social, dos imóveis residenciais desocupados além de determinado prazo; venda, a prazo longo e juros módicos, pelos organismos oficiais de crédito, às classes assalariadas, dos imóveis desapropriados por interesse social; construção, pelo Estado, de grandes conjuntos residenciais, a serem vendidos à classe trabalhadora sem objetivo de lucro mas visando apenas contribuir para a solução desse problema social” (Corbisier,2008, p. 283-4) 
Sobre a Reforma Agrária, segundo João Goulart, em sua Mensagem de 15 de março de 1964, 
no quadro das reformas básicas que o Brasil de hoje nos impõe, a de maior alcance social e econômico, porque corrige um descompasso histórico, a mais justa e humana, porque irá beneficiar direta e imediatamente milhões de camponeses brasileiros, é, sem dúvida, a Reforma Agrária (Goulart, 15 mar.1964, p. LI). 
Além de beneficiar a milhões de trabalhadores, a Reforma Agrária propiciaria o fortalecimento do mercado interno para a indústria e o fornecimento de alimentos para as populações urbanas. No Comício da Central do Brasil, a 13 de março de 1964, Jango assinou o decreto no. 53.700, que considerava de interesse social, portanto passíveis de desapropriação, os imóveis rurais de mais 500 hectares situados até a 10 quilômetros da margem das rodovias, ferrovias e açudes federais (Bercovici, 2º. Sem. De 2014, p. 101). Ele justificou da seguinte maneira: se as terras fossem valorizadas porque o Estado investiu recursos públicos, então têm de ser devolvidos à população os benefícios dessa valorização. Sua meta era distribuir terras para 10 milhões de trabalhadores. Incluindo a família, atingiria cerca de 40 milhões de pessoas.
Mas advertiu em seu discurso que a Reforma Agrária não seria possível sem a modificação da Constituição, a qual estabelecia que a indenização das terras desapropriadas deveria ser prévia e em dinheiro. Por isso, na Mensagem de 15 de março, propôs uma emenda constitucional alterando esse dispositivo, além de outras definições. Diz a Mensagem: 
— A ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade.
— Poderão ser desapropriadas, mediante pagamento em títulos públicos de valor reajustável, na forma que a lei determinar:
a) todas as propriedades não exploradas;
b) as parcelas não exploradas de propriedade parcialmente aproveitadas, quando excederem a metade da área total.
— Nos casos de desapropriações, por interesse social, será sempre ressalvado ao proprietário o direito de escolher e demarcar, como de sua propriedade de uso lícito, área contígua com dimensão igual à explorada (Goulart, 15 mar.1964, pp. LII-LIII).
4. Um novo caminho
A interrupção das Reformas de Base pelo golpe de 1964 veio fortalecer e consolidar a economia dependente que vinha sendo enfrentada, com altos e baixos, desde a Revolução de 1930. A redemocratização de 1985, como vimos, seguiu fortalecendo a economia dependente e a consequência foi a monopolização da economia, o surgimento e aprofundamento do parasitismo rentista, a estagnação da economia e a intensificação da superexploração da força de trabalho, acompanhados da desindustrialização e da reprimarização da economia, fazendo o Brasil retroceder no tempo. 
Por isso, a atualização e retomada das Reformas de Base, como caminho brasileiro para o desenvolvimento, devem levar em consideração essas novas características da dependência e enfrentar com radicalidade os principais obstáculos ao desenvolvimento, a saber: 1) a drenagem de recursos para o exterior; 2) o sobrepreço e o superlucro dos monopólios; 3) o rentismo parasitário dos bancos e grandes empresas; 4) a superexploração da força de trabalho e demais manifestações perversas do capitalismo dependente no mundo do trabalho; 5) o estreitamento do mercado interno; 6) a farsa da democracia representativa. 
O trabalho deve ser o elemento central que há de nortear o novo desenvolvimento. Vimos anteriormente que existem 27,7 milhões de trabalhadores desempregados e subempregados e que 72% dos trabalhadores brasileiros ganhavam até dois salários mínimos. O salário mínimo estipulado pelo governo para 2018 (R$ 954,00 por mês), por sua vez, equivale a cerca de ¼ do salário mínimo necessário (R$3.804,06) calculado, com base na Constituição, pelo DIEESE, isto é, o mínimo necessário para garantir o sustento de uma família de quatro pessoas (DIEESE, 15 jul.2018). Para agravar essa situação, a mulher trabalhadora, que hoje representa, segundo o IBGE, 44,5% da força de trabalho e 43,5% da população ocupada, ganha apenas 75% do que ganham os homens em função semelhante (IBGE, 21 jul.2018). O aposentado, em sua ampla maioria, ganha em torno do salário mínimo (71,6% dos aposentados e pensionistas do INSS). 
O novo desenvolvimento deve garantir trabalho para todos os trabalhadores, a começar pela criação de 20 milhões de novos empregos; um salário que garanta o sustento e a melhoria constante das condições de vida da família trabalhadora, a começar pela duplicação do poder de compra do salário mínimo; salário igual para trabalho igual, a fim de eliminar a discriminação contra a mulher no trabalho; e salário integral para aposentados e pensionistas, a fim de eliminar a discriminação contra os idosos. Contribui para isso a revogação da lei que revogou a CLT e do fator previdenciário.
Terra para os que nela querem trabalhar, ou seja, a Reforma Agrária, é outro ponto importante do novo desenvolvimento. Até agora, o que houve no Brasil, nessa área, foi uma mera política de assentamentos rurais, sem um projeto mais amplo de Reforma Agrária. A média anual de assentamentos do governo FHC foi de apenas 67 mil; no governo Lula, melhorou um pouco para 76 mil; no governo Dilma (primeiro mandato), despencou para 27 mil. Isso levaria 64 anos para assentar os trabalhadores rurais sem terra. São cerca de 4 milhões de famílias, segundo estimativa do MST, em seu Programa Agrário, computando posseiros, parceiros, arrendatários, assalariados rurais temporários e mini fundistas com até 5 ha.
Como vimos, a primeira e única política séria de Reforma Agrária no Brasil foi a decretada pelo governo João Goulart. Foi, infelizmente, interrompida pelo golpe de 1964. O agronegócio que prevalece hoje no país, ao concentrar a propriedade rural, deteriorar as condições de vida dos trabalhadores do campo e inviabilizar a oferta de alimentos baratos para as populações urbanas, atualiza a necessidade de uma verdadeira Reforma Agrária. Uma Reforma Agrária que democratize o acesso à terra e que contribua para o desenvolvimento ao garantir a oferta de alimentos para as populações urbanas, melhorar as condições de vida no campo e fortalecer o mercado interno para a indústria. 
Para realizar a Reforma Agrária, deve-se priorizar o processo de desapropriação das terras improdutivas, das propriedades de empresas estrangeiras, das maiores fazendas (estabelecendo um limite máximo ao tamanho da propriedade das terras agrícolas), de todas as terras que não cumprem a sua função social, relativa ao uso produtivo, às condições sociais e trabalhistas e a preservação do meio ambiente, como estabelece a Constituição Federal de 1988, as áreas nas zonas de fronteira do país que estejam em mãos de grandes empresas, sobretudo de capital estrangeiro; expropriar todas as fazendas que se utilizam de trabalho escravo, narcotráfico e contrabando de mercadorias; exigir a devolução de todas as terras públicas que foram griladas por fazendeiros e empresas; garantir o direito a posse e uso da terra aos povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos, pescadores e comunidades tradicionais; além de taxar de maneira progressiva a propriedade rural levando em consideração o tamanho, independente da produção (hoje, com o ITR, o governo arrecada apenas 0,1% de sua receita). 
Para que a Reforma Agrária tenha sucesso, deve-se promover a organização da produção e da comercialização com base em todas as formas de cooperação agrícola: formas tradicionais de organização comunitária, associações, cooperativas, empresas públicas e empresas sociais. Além disso, para que o trabalhador assentado possa produzir alimentos para as populações urbanas e garantir sua comercialização, deverá ser apoiado com a garantia de preços rentáveis para o pequeno agricultor, compra antecipada de toda produção de alimentos dos pequenos produtores, crédito rural suficiente e subsidiado, seguro rural, assistência tecnológica, armazenagem, apoio ao acesso a máquinas, equipamentos e insumos. Para impedira mercantilização das terras distribuídas pela Reforma Agrária, todas as famílias beneficiadas deverão receber apenas títulos de concessão de uso, com direito a herança familiar, com dupla titularidade incluindo a mulher, sendo proibida a venda das parcelas de terra de Reforma Agrária (MST, dez. 2015).
	Teto para os sem teto deve ser a principal realização da Reforma Urbana integrante do novo desenvolvimento. O déficit habitacional no Brasil, em 2015, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, com base na PNAD do IBGE, era de 7.757.000 de moradias (com base na mesma fonte, mas usando metodologia distinta, a Fundação João Pinheiro calcula um déficit de 6.355.743). Segundo o estudo da FGV, apesar da entrega de 3,2 milhões de moradias pelo programa Minha Casa, Minha Vida, de 2009 a 2015, o déficit cresceu 5,9%. Isso mostra que não basta construir moradias. É preciso realizar uma verdadeira Reforma Urbana. Para esse fim, cabe considerar um fato dramático: há a estimativa de que existem no país 6,05 milhões de imóveis desocupados, certamente em busca de valorização provocada pela especulação imobiliária. Um mundo de gente sem teto e um mundo de teto sem gente. Assim, uma Reforma Urbana verdadeira deve, além da construção de moradias e da titulação de terrenos nas comunidades, taxar fortemente os imóveis desocupados, como meio de estimular sua ocupação.
	Mas a Reforma Urbana também deve contemplar a solução do crônico problema do transporte público. Isso passa pelo adensamento das linhas de metrô (subterrâneo ou de superfície) nos principais centros urbanos. O Prof. Ildo Sauer, da USP, sugere a criação de uma empresa estatal nacional, a Metrobrás, para se responsabilizar por essa tarefa, na medida em que o problema do transporte urbano transformou-se num problema nacional.
	A educação, ciência e tecnologia constituem elemento fundamental para o desenvolvimento, não apenas porque são importantes propulsores do desenvolvimento, como também porque possibilitam que este se realize em benefício das amplas massas da população. O ensino superior brasileiro vem sendo cada vez mais mercantilizado: em 2016, 75,3% dos alunos, isto é, 6.058.623, faziam seus cursos em escolas particulares, enquanto tão somente 24,7%, ou seja, 1.990.070, estavam em escolas públicas. Mas 45% dos que estavam em escolas particulares recebiam algum tipo de financiamento, sobretudo de recursos públicos, como o ProUni e o FIES (Correio Braziliense, 31 ago. 2017).
	Como sabemos, as escolas particulares, com raras exceções, não operam o tripé do ensino superior – ensino, pesquisa e extensão -, limitando-se a um ensino deficiente. O ensino de excelência, respaldado na pesquisa e na extensão, é realizado nas universidades públicas. Se se quer que a educação cumpra um papel transformador no processo de desenvolvimento, tem-se que garantir que o ensino superior seja prioritariamente público. Assim, os 10% do PIB para a educação que foram aprovados no Congresso Nacional devem se destinar, também prioritariamente, à educação pública, limitando a janela que foi aberta pela lei para financiar o ensino privado.
	Mas há uma debilidade estrutural no processo educativo brasileiro: o ensino básico (infantil, fundamental e médio). Ao contrário do ensino superior, 73,5% dos 56,5 milhões (2017) de estudantes do ensino básico estão em escolas públicas, enquanto 26,5% estudam em escolas privadas, sendo que estas últimas oferecem um ensino de melhor qualidade. O resultado é que, com um débil processo de aprendizagem, os estudantes são bloqueados no acesso ao ensino superior: enquanto a taxa de escolarização dos jovens de 15 a 17 anos em 2017 (correspondente ao ensino médio) era de 87,2%, a dos jovens de 18 a 24 anos (correspondente ao ensino superior) era de apenas 32,8% (Agência Brasil, dez. 2017). 
Há, portanto, que melhorar substancialmente a qualidade da educação básica pública. Para isso, urge enfrentar três obstáculos. Em primeiro lugar, o piso salarial do professor é muito baixo: R$ 2.455,35 em 2018. Em segundo, cumprindo apenas uma jornada parcial na escola, sem assistência em casa (porque os pais trabalham) para orientá-los nas tarefas escolares, os estudantes do ensino básico contam com um aprendizado deficiente, provocando uma forte evasão. Por último, a descentralização do ensino básico, por ser de responsabilidade de estados e municípios, dificulta a adoção de uma política nacional para possibilitar a melhoria da qualidade. Assim, três medidas se fazem necessárias: 1) no mínimo, equiparar o piso salarial do ensino básico ao piso dos Institutos Tecnológicos: R$ 6.064,50 para titular com graduação, em 2018; 2) implantar a educação integral em tempo integral; 3) adotar a proposta do senador Cristovam Buarque de federalizar a educação básica. Além disso, deve-se universalizar o ensino médio. 
O investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) é um fator essencial e ao mesmo tempo uma alavanca para o processo de desenvolvimento. As Nações hoje desenvolvidas (como as da União Europeia, o Japão e os Estados Unidos) ou as que estão experimentando um processo acelerado de desenvolvimento (como a China) se caracterizam por investirem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) entre 2,5% e 3% do PIB. Por isso, as seis maiores economias produzem cerca de 85% da ciência e tecnologia do mundo. 
Enquanto isso, o Brasil, que estacionou seu investimento em P&D em cerca de 1% do PIB de 2000 a 2012, subiu um pouco para a média de 1,25% no período de 2013/2015 (MCTIC, 16 jul. 2018). E, para piorar, o orçamento aprovado para 2018 para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação foi reduzido em 40%, em termos reais, em relação a 2013, apesar de haver sido incorporada a pasta da Comunicação. Essa situação gera a necessidade de importação de tecnologia, quase sempre de segunda categoria, pela qual pagamos montanhas de royalties e engendrando a dependência tecnológica. 
Apesar disso, em função dos investimentos do passado, formamos uma importante comunidade científica e experimentamos importantes avanços em C&T, particularmente nas áreas de produção agrícola, petróleo (pré-sal), etanol, minério, fibra ótica, energias renováveis, aviões, avanços na prevenção e cura de doenças. Essas conquistas se deveram, de um lado, à pesquisa nas universidades públicas e nas empresas estatais (Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, Embrapa, Embraer, Vale do Rio Doce) e, de outro, ao imenso potencial de recursos naturais, tais como biodiversidade (cerca de 20% da mundial), recursos hídricos abundantes (12% dos depósitos mundiais), clima altamente diversificado, recursos minerais abundantes e fundamentais para o desenvolvimento. Segundo o MCTIC, o setor público banca a maior parte do investimento em C&T no Brasil (MCTIC, 15 jul. 2018). As empresas estrangeiras aqui instaladas importam tecnologia de segunda categoria, enquanto as nacionais estão sendo sucateadas pela desindustrialização. 
Para efetivação do desenvolvimento que garanta a autonomia do País e a melhoria das condições de vida do povo, devemos romper com a dependência tecnológica e utilizar todo nosso potencial de criação de Ciência, Tecnologia e Inovação. Para isso, considero que o Plano de Estado de Ciência e Inovação Tecnológica propugnado pela Academia Brasileira de Ciências deve ser incorporado numa nova estratégia de desenvolvimento. Para concretizá-lo, é importante estabelecer como meta atingir 3% do PIB em investimento em P&D. Os recursos para esse fim provirão, sobretudo, das rendas do petróleo, da mineração, hidráulica e agrícola e de impostos progressivos sobre o lucro extra dos monopólios e sobre a remessa de lucros e a distribuição de dividendos, além de fomentar a integração científica e tecnológica entre as universidades, os institutos de pesquisa, as empresas públicas e as empresas privadas não monopolistas. Além disso, deve-se promover a ação coordenada entre os vários ministérios, as agências governamentais nos distintos níveis da federação e a sociedade civil. Para isso, cabe consolidar o funcionamentoe democratizar o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia e fortalecer financeiramente o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). 
Um novo Plano de CT&I terá como prioridade áreas fundamentais como saúde, energia, indústria de defesa, segurança pública e setores de tecnologia de ponta como microeletrônica, informática, economia digital, telecomunicações, engenharia genética, biotecnologia, energia nuclear, engenharia aeroespacial, materiais estratégicos, química fina. O Plano de CT&I estará integrado no Plano Nacional de Educação, estimulando a criatividade e a formação de qualidade em todos os níveis, bem como o aprendizado em ciência baseado na pesquisa desde o ensino fundamental. O investimento nas ciências sociais buscará desenvolver uma consciência crítica e associá-las às demais ciências na busca de soluções para os problemas do subdesenvolvimento, da desigualdade e da miséria.
A saúde é outro grande drama nacional. Constituiu-se, a partir da Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde com o objetivo de universalizar o atendimento à saúde da população. Mas nenhum governo, até agora, implantou o SUS Constitucional. E, em consequência, a saúde vem deteriorando de forma dramática, inclusive com o retorno de doenças transmissíveis que já haviam desaparecido do território nacional e o aumento da mortalidade infantil depois de 26 anos de queda. Segundo os especialistas em saúde pública, para engendrar esse quadro, combina-se o subfinanciamento da saúde com a deterioração da gestão privada por meio das O.S. 
Mas saída existe. Revogar a Emenda Constitucional 95 (que congela por 20 anos os gastos primários do governo) e eliminar a DRU sobre o orçamento da Seguridade Social (que transfere 30% dos recursos da Seguridade Social para o pagamento de juros) são condições para viabilizar o financiamento adequado da saúde pública; no processo de reindustrialização do país, garantir o caráter nacional e público do complexo industrial da saúde, que hoje, além de importar a maior parte dos equipamentos e insumos, ainda drena recursos para o pagamento de royalties; reestruturar a atenção primária à saúde, transformando as unidades básicas de saúde e o médico de família no centro de gravidade de todo o sistema de saúde; retomar a gestão pública da saúde pública, acabando com o sistema de gestão privada por meio das O.S., e democratizar e fortalecer os conselhos da saúde, desde o nacional até os de base. 
A violência e a insegurança a que está crescentemente submetida a população brasileira constituem outro grande drama nacional. Segundo o Atlas da Violência 2018, organizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram assassinadas 62.517 pessoas em 2016, sendo 53,7% de jovens. O índice foi de 30,3 homicídios por 100 mil habitantes, 30 vezes mais que na Europa. Nos 10 anos encerrados em 2016, foram 553 mil assassinatos (Cerqueira, Daniel, jun. 2018). Onde está a origem dessa expansão acelerada da violência? As facções do crime organizado passaram a substituir o Estado nos presídios, na fronteira e nas comunidades da periferia, processo que vem sendo alimentado pela grave crise que assola o país. 
Como as facções assumiram caráter nacional – e às vezes até transnacional -, o combate tem que ter como núcleo central o governo federal. Por isso, deve-se aperfeiçoar e consolidar o Sistema Único de Segurança Pública, sob comando nacional, para enfrentar o crime organizado nos presídios, na fronteira e nas comunidades. Além disso, deve ser realizado um amplo trabalho preventivo, com a efetiva presença do Estado nas comunidades da periferia, proporcionando trabalho, educação e saúde para a juventude, que, sem outras alternativas, tem se transformado em soldados do narcotráfico. 
As medidas destinadas a fortalecer o trabalho, além beneficiar as condições de vida dos trabalhadores, acarretam também o fortalecimento do mercado interno. Mas não basta fortalecer o mercado interno. É imprescindível fomentar o desenvolvimento das forças produtivas a fim de que as crescentes necessidades do povo sejam atendidas com mais produção. Para garantir esse aumento da capacidade produtiva para níveis compatíveis com as crescentes necessidades da população, torna-se imprescindível aumentar substancialmente a taxa de investimento (relação entre a formação bruta de capital fixo e o PIB). Por que a China pode ter uma taxa de 45% e a Índia de 32% (dados de 2016), enquanto o Brasil limita-se a insignificantes 15,6% (2017)? (Google, 15 jul. 2018).
O conjunto do investimento deve ser alavancado pelo investimento público. Tem sido assim no processo de desenvolvimento nas economias capitalistas e não há porque não ser assim no novo desenvolvimento brasileiro. Para isso, deverá ser fortalecido o caráter estatal da Petrobras e da Eletrobrás, serem revestidas as privatizações do período Temer, além de outras empresas estratégicas, como a Vale do Rio Doce e a Embraer. De onde virão os recursos para aumentar os investimentos? Os recursos existem. O problema é que estão sendo drenados para o exterior, para o parasitismo financeiro, para os monopólios e para os ricos que não pagam imposto. 
Os recursos serão, portanto, aportados pela diminuição da taxa básica de juros (Selic) para os patamares internacionais, além da auditoria da dívida, e pela captação pelo Estado da renda do petróleo (para isso, a Petrobras deverá ser a operadora única do pré-sal), da mineração (daí a necessidade de re-estatizar a Vale do Rio Doce) e hidráulica (donde, a necessidade de manter a Eletrobras nas mãos do Estado), e outras formas de renda da terra, com destaque para a agrícola; pela eliminação das desonerações que elevaram a renúncia fiscal de 8,45% para 21,32% da arrecadação; por uma reforma tributária que tribute forte e progressivamente as grandes fortunas, a propriedade fundiária, o superlucro das empresas monopolistas, a remessa de lucros e juros  para o exterior, a distribuição de lucros e dividendos, os mais ricos,  e volte a taxar as exportações agrícolas, com o fim da Lei Kandir. Favorecerá a captação da renda agrícola pelo Estado a criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior. 
Esse aumento do investimento possibilitará, de um lado, a re-industrialização do país, o qual está, como assinalamos anteriormente, em rápido processo de desindustrialização. Além do investimento, a re-industrialização será protegida das mais variadas formas, como tarifas, quotas, subsídios, câmbio, e terá prioridade nos financiamentos e encomendas do Estado. Para isso, será feita uma reforma bancária, que fortaleça o papel dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e CEF), fazendo-os ter peso majoritário na oferta de crédito. De outro, a ampliação da infraestrutura nacional – energia, telecomunicações, ferrovias, hidrovias, rodovias, portos, aeroportos, saneamento -, preferencialmente por meio do setor público, dado seu caráter de monopólio. 
Quanto à agropecuária brasileira, sua principal característica na atualidade é o chamado agronegócio. Trata-se da produção para o mercado mundial (as chamadas commodities) a partir de um sistema que integra o capital financeiro, as transnacionais e os grandes proprietários de terra. A produção agropecuária vem crescendo a uma taxa elevada. O Brasil está hoje entre os líderes mundiais de exportação de vários produtos. Resulta mais do aumento da produtividade, ou seja, do uso intensivo de áreas já ocupadas, do que do aumento da área cultivada. A taxa anual de crescimento da produtividade entre 1975 a 2014 foi de 3,53%, o dobro da média mundial. Esse crescimento é fruto, sobretudo, da incorporação ao processo produtivo de tecnologias resultantes de pesquisas realizadas pela Embrapa. Mas o avanço tecnológico beneficia principalmente às empresas agropecuárias voltadas para o mercado externo, em detrimento do mercado interno, enquanto 13 milhões de pessoas estão passando fome. Além disso, os pequenos e médios proprietários rurais estão imprensados,de um lado, pela dependência em relação às transnacionais que fornecem sementes, adubos e fertilizantes, máquinas e implementos agrícolas (boa parte importados) e, de outro, pelas transnacionais que controlam o comércio mundial de produtos agropecuários. Assim, o modelo do agronegócio beneficia apenas aos banqueiros, às transnacionais, às grandes empresas nacionais do agronegócio e aos grandes proprietários de terras. 
Por isso, cabe ao Estado captar parte significativa da renda da terra apropriada por esse núcleo hegemônico no agronegócio e, de outro, fortalecer o pequeno produtor rural. Isso significa cobrar, de forma progressiva, imposto de exportação sobre produtos agropecuários e usar de todos os instrumentos de política agrícola, conforme discriminados anteriormente, para incentivar o pequeno produtor de alimentos para as populações urbanas. Além disso, mediante a política de compra governamental, deve-se formar os estoques reguladores de alimentos de origem agrícola de modo a garantir a estabilidade dos preços, usando para isso a Conab, que deve retomar as funções das três empresas que lhe deram origem: financiamento da produção, armazenagem e distribuição de alimentos. E fomentar a produção nacional de insumos, implementos e máquinas agrícolas, além da criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior, a fim de barrar a dependência do pequeno e médio produtor rural em relação às transnacionais. Essa ação será fortalecida pelo restabelecimento do papel histórico da Embrapa na geração de tecnologia, particularmente para a pequena produção de alimentos para o mercado interno, e pela recriação da Embrater para realizar a disseminação de tecnologia. 
O novo desenvolvimento supõe o uso racional dos recursos naturais, de forma a respeitar o ambiente natural. O capitalismo dependente brasileiro, ao transferir parte ponderável do valor gerado internamente para o centro do capitalismo mundial, submete-se à exploração predatória não apenas da força de trabalho (por meio da superexploração), mas também dos recursos naturais. Como decorrência, exacerba-se o que Marx chamou de falha metabólica. O capital extrai da natureza recursos naturais para transformar em riqueza e não devolve a ela as condições para sua reprodução, realizando um “intercâmbio desigual”. Num país dependente, essa falha metabólica manifesta-se através da transferência de valor e de matéria para os países centrais, sem a contrapartida correspondente. O resultado é a depredação irracional da Natureza. Para essa situação ser revertida, torna-se necessário brecar o intercâmbio desigual de valor e de matéria e planejar o uso dos recursos naturais no longo prazo, levando em consideração não apenas as necessidades atuais, mas também as das futuras gerações (Souza, 2016).
Por fim, a retomada da política externa independente é uma condição sine qua non para garantir a autonomia necessária à criação das condições para o processo de transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais do país. No período recente, essa política foi adotada pelo governo Lula, ainda que de forma limitada, ao aproveitar-se dela para fortalecer a transnacionalização de empresas brasileiras. O governo Dilma retrocedeu fortemente nessa política e o de Temer retornou à prática de alinhamento automático com os EUA. A política externa independente significa o respeito à autodeterminação dos povos e a utilização da política externa para fortalecer o desenvolvimento nacional e o dos demais países subdesenvolvidos. Neste caso, as relações Sul-Sul devem ser priorizadas. Para isso, deve ser retomado o processo de integração latino-americana e o fortalecimento das relações com a África, atualmente bastante debilitados. A consolidação dos BRICS mediante a constituição de suas instituições e estrutura é outro importante instrumento para fortalecer as relações Sul-Sul e favorecer as condições para a conquista de autonomia frente ao império estadunidense, ainda que tenha que ser visto com certa cautela o processo de expansionismo chinês.
CONCLUSÕES
Analisa-se neste texto a crise atual por que passa o Brasil. Constata-se que o País vive a crise mais prolongada, mais profunda e mais ampla da sua época contemporânea. Teve início na época das mobilizações de junho de 2013 e no começo da recessão em abril de 2014, e persiste até hoje. Abarca a economia, a política e a área social, além de outras dimensões da sociedade brasileira.
	O governo da época, presidido por Dilma Rousseff, alegou que a crise resultara do impacto interno da crise deflagrada em 2008 nos EUA e posteriormente amplificada na Europa. Isso é apenas parte da verdade: é certo que uma economia dependente, como a brasileira, tende a sofrer os efeitos de crises inauguradas nos países centrais. A outra parte da verdade é que o grau de internalização da crise depende da resposta que for dada pelo governo nacional. E a resposta que foi dada consistiu precisamente em amplificar os efeitos da crise. Destaca-se a elevação da taxa básica de juros.
	Parte-se da concepção de que essa crise expressa o desdobramento e o aprofundamento de uma crise estrutural de longa duração deflagrada no começo da década de 1980. Trata-se da crise do padrão de reprodução do capital ensaiado na segunda metade dos anos de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, mas só consolidado a partir do golpe de 1964. 
	Esse padrão de reprodução tem como característica básica a dependência, que se manifesta na drenagem para o exterior de parcela significativa do valor gerado internamente, na superexploração da força de trabalho e no consequente estreitamento do mercado interno de bens de consumo popular. Tão logo deflagrou-se a crise mundial na segunda metade da década de 1970, seus efeitos se manifestaram na economia dependente brasileira, inaugurando-se aqui uma crise estrutural de longa duração. Esta tem perdurado e foi agravada pela ação dos sucessivos governos a partir de então, que consistiu, basicamente, em reforçar os mecanismos da dependência.
	Postula-se neste trabalho que a superação desta crise estrutural e a retomada do desenvolvimento – entendido não apenas como expansão das forças produtivas, mas como transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais – exige o enfrentamento radical da economia dependente brasileira. Para realizar esse enfrentamento, deve-se levar em consideração a experiência vivida pelo País de 1930 a 1964, que transformou a realidade brasileira e produziu um longo processo de desenvolvimento, e que foi interrompida pelo golpe de 1964. Essa experiência teve como momento culminante a tentativa de implementar as Reformas de Base pelo governo João Goulart.
	Na atualidade, a dependência da economia brasileira apresenta, além das suas características tradicionais, novos aspectos, que contribuíram para aprofundar a crise, como o rentismo financeiro alavancado pela dívida pública. Isso significa que a superação da crise e a retomada do desenvolvimento passam não apenas pelo enfretamento da drenagem de valor para o exterior, da superexploração da força de trabalho e do estreitamente do mercado interno de bens de consumo popular, mas também pelo parasitismo financeiro que esteriliza parcela ponderável do valor gerado na especulação financeira, desviando-o da esfera produtiva.
	 
REFERÊNCIAS
1. Livros
BERCOVICI, Gilberto. Reformas de base e superação do subdesenvolvimento. Revista de Estudios Brasileños, V.1, no. 1, pp. 97-112, 2º. Semestre de 2014.
CORBISIER, Roland. Lógica cronológica das reformas. In: MUNTEAL, Oswaldo. As reformas na era Jango. São Paulo, FGV, Pós-Doutorado, 2008. pp. 266-301.
LOPES, Carlos. Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil. São Paulo: Fundação Claudio Campos, 2016. 
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 
MST. O Programa Agrário do MST. 4. ed. São Paulo, Secretaria Nacional,

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