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capítulo 5 DEMOCRACIA CONSOLIDADA 5.1 A transição democrática Nas eleições diretas para governador, em 1982, os partidos de oposição con- seguiram uma grande vitória, especialmente o Partido do Movimento Demo- crático Brasi.leiro (PMDB), que chegou ao poder em alguns dos Estados mais importantes. Com a perda de apoio polltico, a crescente crise económica solapou o governo, e os protestos aumentaram. O mais relevante desses movimentos foi a enorme mobilização da sociedade civil e dos partidos da oposição em prol do movimento denominado Diret;ts Já, que apresentou ao Congresso propostas de mudança na Constituição e a volta de eleições diretas para a Presidência, e cul- minou em uma gigantesca manifestação na cidade de São Paulo, que reuniu mais de um milhão de pessoas. Embora o último regime militar tenha mantido as eleições indiretas, o resultado destas no último pleito Presidencial surpreendeu os militares. O PDS, que consti- tuía a base poütica civil do governo militar, dividiu-se quando escolheu candidato próprio: o candidaro oficial ern o coronel Mário Andrea_zza, um ministro do go- verno Figueiredo, e o canclidato alternativo era um civil, Paulo Ma!u.f; político que tinha ascendido ao poder em São Paulo sob a proteção do regime militar e forn prefeito da capital e govcmador do Estado. Mesmo sem apoio oficial, Maluf couse- gtüu lançar-se como candidato do partido do governo, e, embora a eleição indireta tenha sido decidida por um colégio eleitoral controlado pelos eleitores do governo, a cisão do PDS possibilitou a vitória de Tancredo Neves, candidato da oposição, EDITORA SARAIVA· Hlmrli. Eoon6mca e Social do Brast O Brasl desde a República · fril"ICISCO V-clat luna e t4ettle-r1 S. Kkw1 • t • Edição 242 HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL ex-governador de l\1inas Gerais, conhecido por sua moderação e habilidade políti- ca. José Sarney, um nome tmdicional do partido do governo, que fizera oposição à candidatura de Maluf, foi o candidato a vice-presidente da oposição. Assim, a oposição civil chegou :io governo antes do previsto pdos militnres, interrompendo a longa cransição planejada que tinha sido iniciada por Geisel, pros- seguido nos seis anos do governo Figueiredo e deveria ter sido concluída em mais seis anos de mandato de um último presidente militar. Alguns oficiais da linha dura expressaram insatisfação com o resultndo e ameaçaram anular a eleição e a posse do presidente civil, mas a transição ainda trouxe surpresas. No dia 14 de março de 1985, um dia antes de sua posse como presidente, Tancredo Neves adoeceu e mor- reu um mês depois. Então, o vice-presidente José Sarney assumiu a Presidência da República, tomando-se o primeiro presidente civil desde 1964. 5.2 O governo Sarney (1985-1990) A Presidência de Sarney representou uma ironia histórica, visto que alçou ao poder um político governista tradicional, que tinha sido presidente do partido que apoiava o regime militar, e não um dos líderes da oposição ao regime militar; fazia parte de um grupo de políticos que abandonaram o PDS e fonnaram o Partido da Frente Liberal (PFL). O PFL juntou-se ao PMDB, o principal partido de oposi- ção, para lançar a candidatura de Tancredo Neves, e indicou Sarney para vice-presi- dente, Apesar disso, Sarney entendeu a situação incomum e decidiu governar com a base parlamentar da antiga oposição, centrada no PMDB. Ele tomou posse em um momento de tensão política, quando a legitimidade de sua posse era questionada, e foi forçado a governar um país em profunda crise econômica, que se agravou em seu mandato. A doença de Tancredo criou problemas constitucionais, pois havia dúvi- das se o vice-presidente poderia assumir a Presidência quando o próprio presidente estivesse impedido de fazê-lo. A alternativa seria a posse provisória da Presidência pelo presidente da Cãmara dos Deputados, que convocaria novas e.leiçôes caso o Presidente não pudesse assumir o cargo. Mas, caso se adotasse essa interpretação, havia o risco de retrocesso no processo democrático, com a possibilidade de um novo golpe militar. A opção adotada foi a posse do vice-presidente, mas a legitimi- dade do mandato de Sarney foi frequentemente questionada. Porém, sua Presidên- cia representou um avanço no processo democrático, acelerando a longa transição iniciada no período Geisel . EDITORA SARAIVA · Hlmrli. Eoon6mca e Social do Brast O Brasl desde a República · fril"ICISCO V-clat luna e t4ettle-r1 S. Kkw1 • t• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 243 O retomo à democracia abriu a nação a novos movimentos e ideias. Na longa luta contra as ditaduras mi! América Latina, uma série de novas ideias e posições po- líticas, que se tomaram temas dominantes no período pós-1980, vieram à tona. O fracasso da luta armada da extrema esquerda, combinado com a gr:ande campanha de torturas e assassinatos executada pelos regimes militares, conduziu a uma reava- liação básica da importância dos "direitos humanos", expressão esta que emergiu e se sustentou na identificação dessa reavaliação e seus desdobramentos. A causa dos direitos humanos envolvia um novo compromisso da esquerda com a necessidade de instituições democráticas, a regra da lei e um conjunto de direitos básicos que nunca tinham sido considerados importantes pelos tradicionais movimentos radi- cais e revolucionários. Todavia, o fracasso da revolta armada e a necessidade de ob- ter apoio internacional para grupos pró-democracia levaram à criação de um novo conjunto de metas e ideais, com os quais os movimentos de Centro e de Esquerda podiam, finalmente, concordar, e que atraíram até mesmo os interesses da D ireita. Entre as novas ideias, estavam não somente aquelas relacionadas à necessidade de proteção das minorias, fossem étnicas ou de gênero, mas também as de proteção ao "meio ambiente", que foi como se populariwu a causa ambiental, uma preocu- pação que surgia pela primeira ve:l. no país. 5.2.1 Movimento ambiental e seus desdobramentos Embora tivesse adquirido efetiva densidade política após a consolidação do pro- cesso democrático, o movimento ambiental no Brasil surgiu nas décadas de 1970 e 1980, sendo o primeiro com mais relevância na América Latina.1 Dada a impor- tância das Florestas Amazônica e Atlântica e dos rios brasileiros para as condições climáticas do mundo, cresceu a preocupação internacional com a preservação am- biental no Brasil, pois estávamos expandindo cada vez mais a agricultura, a pecuária e o desmatamento, atividades que resultavam a destruição maciça das florestas, e investindo desenfreadamente na construção de rodovias e de barragens, tudo com o apoio de instituições internacionais de crédito. A combinação de movimentos locais, a emergência de organizações não governa- mentais (ONGs) preocupadas com o ambiente e o surgimento de uma nova classe Sobtc o impa«o dei53.s politka.s f'0Cctuc, e das antcrioft:f,1 veja: DE.AN, 1995. Uma boarden.ba sobre estt questão na América Latina podç ter cncontru:b. cm MllLER, 2007; e cm seu cm,1do anterior, MILLER, 2000, $Obre o dcsautamento no período colooial. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 244 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL média no Brasil, agora ciente da crescente degradação da vida urbana em razão da poluição, combinaram nas três últimas décadas do século XX para criar um poderoso movimento ecológico no Brasil. Um dos primeiros grupos formais de defesa ecoló- gica no Brasil foi fundado em junho de 1971, no Rio Grande do Sul 2 Esse grupo foi, de fato, a primeira associação ecológica fundada na América Latina. Outros grupos locais logo se formaram em outras regiões, e campanhas educativas começaram a promover a conscieotização em relação às questões de preservação ambiental. A primeira indicação do impacto da preocupação nacional e internacional com a destruição das florestase a degradação do solo e dos recursos hídricos do país ocor- reu na Presidência do general Ernesto Geisel, com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema). em 1974. Esse órgão foi criado porque as organizações assistenciais internacionais condicionaram a aprovação de empréstimos ao Brasil à necessidade de haver aqui uma agência governamental para a produção de estudos de impacto ambiental. Entre a crise do petróleo de 1974 a 1978 e o lento processo de abertura de- mocrática. o restrito movimento ecológico começou a expandir-se e a tornar-se mais político e de forte militância no Brasil Desses movimentos, um dos mais importantes foi aquele dos seringueiros do Pará, liderados por Chico Mendes, que organizou uma oposição sistemática ao desmatamento em meados e final da dé- cada de 1970 e tornou-se um símbolo internacional do movimento ecológico.3 Na transição das décadas de 1970 e de 1980, foram fundadas inúmeras associações ecológicas, produzidas as primeiras de muitas publicações ecológicas, e surgiu uma grande discussão nacional sobre a necessidade de proteger a Amazônia. A cres- cente força desse movimento foi mostrada com a criação, em 1985, de um novo grupo de pressão - a Organização Interestadual de Ecologistas para a Assembleia Constituinte-, cujo intuito era influenciar a Assembleia Constituinte na produção da nova Constituição democrática. Essa organização altamente politizada promo- veu candidatos de partidos essencialmente preocupados com ecologia, e exigiu ser ouvida sobre a questão ecológica para a nova Constiruição.• Seu sucesso ficou evi- dente na nova Constituição de 1988, na qual o meio ambiente aparece em dezoito 2 Esse grupo foi• A=iliçio GaúchJ de Protoçoo ""Ambiente Notunl (Agapan). 3 KECK, 1995, p. •109-<!24. ◄ Par.to lnlclo do hhtdru desse movuncnro, vtja: VIOLA, 1988, p. 211-228; llANERJEE; MACPI IERSO.N; ALAVALAPATI,2009,p.130-153; e OLJVEIR.A. 2008,p. 751-m. Sobre a c,;oluçãodc polfticosc imtitwçõcs nos Esmlos, ,,:ja: AMES; KECK, 1998, p.1-40. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democraeln eo nsolldade 245 diferentes atos.~ O movimento ambientalista não somente influenciou lentnmcnte os principais p11rtídos de oposiç:1o e promoveu candidatos "verdes", mas também resultou na fundação do Partido Verde (PV) oo uúcio de 1986. Em 2010, o PV (Partido Verde), então liderado por Marina Silva, obteve 20% dos votos na eleição presidencial daquele ano, -cbegando cm terceiro lugar, depois do PT e do PSDB. Além de seu envolvimento político formal e de campanhas educativas, o movi- mento ec:ológico causou impacto nas leis federais e esmduais projer.idas para proteger o meio ambiente. Urna de suas primeiras conquistas foi a criaç:ão de wm novo f\ linis- tério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, em 1985, no primeiro governo democcitico, seguida, em 1989, pela do lnstin1to Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (lhama), ao qual, pel:t Constituição de 1988, foi dado o controle sobri! to&1s :15 Aon!St.lS nacio1uis. Ll!Iltruncnre, essas agências governa- mentais comt.-çaram II causar impacto sobre a preservação dos recurso, □arur:ús em geral e n cri,1r legislnção sisrem1tie!l p:1m :i prorcçiio ambienrnl. Porém, n aplic-.1çno dessas leis tem variado de governo pa.m governo nos últimos 25 anos, e em 2012 houve até uma temnti,'l! de enfrnqueccr a importante e bem-conceirunda Lei Flores- tal, de 1965.6 Por um longo tempo, grupos :unbientalisras brasileiros e intemncion:ús pressionaram as b'r.mdes agências ínt:ernncion:tis de crédito pa.m que mudnssem suas políticas em relação ao go~-emo brasileiro, o que ficou evidente no firutl da déaidn de 1970, quando o Banco l\-iundial começou n conceder seus primeiros empréstimos para obras na região da Amazônia. Desses empréstimos, o mais coocroverso foi o destinado ao Progr-.una l nrcgrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil, ou Programa Polonoroesre. E mborn al6rumas tentativas de controlar as condições ecoló- gicas con,1:iruísscm cláusulas do cootmro de crédi to, o Polonorocstc foi um fracasso retumbante, mnro do pomo de vista ambicnt:tl quanto social, com o investimento sendo criticado por todos, incluindo ONOs nncionais e inrcmncionais, que, cm mea- dos da década de 1980, obrigaram o Banco Mundial a suspender rcmporn.riamcnrc seu suporre financeiro e :1 mudar suas diretrizes ambicmais.7 No final da década de 1980, esse b1111co, que começa~11 a posicionar-se mais fortemente cm relação à causa 5 l"IU:ITAS, 1999: BENJ!ll'IIN,2008. Sobre._. qu.,..õcs de con,<N.u;ékrn:j.: M; \CHAD0.2003, r-2~·l6, ~ Em 2012,1o0b pmckt do niuvmicnto vC'fdt, .i 1~1dcnr~ 011.-n.t fr,l ful'Çl&W 11 \tt~r ll l1eruii do ~)dJg.., e mC'Kld~r outnd J2 dá,.-.ulio,, C'uJhuhc u rcportlll,_tC".nf 1w, jum11i11, O F'.11i:J,tlr &JoA,s,/ol' (> Giob.J. l>i,xmjvd, cm: <l1rrp-J/ www,ot..ubu.a1m.bt/nüOO!blvld..it;J.llnu•\'tt..i•l2·JK>nt:me--ru-Jl•mrxllJica.cua .. oo,--codigtl•tif.•fdti1l,87192l,O. htm> • •hnp://v,:J.,.1,rU.oom.br/nudd.vbruU/dllm•·'"'"·ll·ltcn,-O<>-<Udlg<>-80ru"11>.l"ta0 cm: J jun. 2014. 7 Sobtc o problcmi. n:l,~ion11do l C(l))og,11 cm mdoa C$Kt projttot conjumu. dt, 0.,1,co :Vlundi11.l ~ do Et")"'Cfflo bna,ilclro n• Amu,.<lnl•. ,-.j.c li IA RCULIS, 19'.19. EDITORA SARAIVA. Hililona Emn6mca e Social do erne o lhsl dndt • A9Jll,t;jlt:'a. fral'.09CD Vwl lllna • t-ie.lbe'I s tQefl. t• Edçlo 248 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL ambiental, publicou dois relatórios com críticas às leis fiscais do Brasil, por incentiva- rem a degradação ecológica e a extensão do desmatamento na Amazônia,8 e, em 1987, criou um Departamento Central do Ambiente, bem como D ivisões Ambientais para as várias regiões, que, em 1992, foram alçadas ao nível de vice-presidência.9 Como resposta aos dois choques mundiais do petróleo, o governo brasileiro também começou a se preocupar ativamente com fontes de combustível alterna- tivas, especialmente porque, na época, o Brasil ainda era um grande importador de petróleo. Assim, em 1975, como resultado do primeiro choque do petróleo, o governo lançou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que objetivava a subs- tituição em larga escala dos derivados de petróleo pelo álcool etanol, combustível alternativo obtido da cana-de-açúcar. O governo, então, subsidiou a produção de álcool e determinou que o combustível vendido para abastecer os veículos movidos a gasolina contivesse 24% de etano~ ficando a Petrobras, a empresa de petróleo do governo, encarregada da distribuição do etanol pelo país. Depois da segunda crise do petróleo, em 1976, o governo expandiu o Proálcool, e em2014 o Brasil produzilll 27,9 bilhões delitros,e tem representado mais de 30% do combustível utilizado pelos automóveis movidos a gasolina e álcool 10 Porém, até mesmo esse desenvolvimento provocou muito debate entre ecologistas em relação a seus impactos ambientais positivos e negativos.11 Apesar do maior poder dos movimentos ambientalistas e do aumento da ação do governo, desmatamentos e atividades pecuárias ilegais ainda persistem na Amazônia e em outros habitats naturais, com redução da biodiversidade e da fau- na e flora nativas.12 Além disso, a taxa de desmatamento não diminuiu nas últimas décadas, e os esforços ambientais do Brasil produziram resultados inferiores aos de outras áreas do mundo. 8 Veja os .nigosde BINSWANCER, 191!8; MAHAR, 1989. 9 REDWOODTl,2002. 10 XAVIER, 2007; MARTINES-FILHO, DURNQtnST; VIAN, 2006, p. 91-96. Atuilincntc o Brull é o maior produror mundial de cana-<k-,çúcar e responde por 30% da produção mundial do produto; 20% da produção mundhl de açúcar e ◄0!6 da, expomções mundiai!. O Druil te!pOode por 30?6 da produção murulW de cano~ ,upcrado pelo, Emodos Unid"' que produz.em o c12ool 2 partir do milho. Do ponto de,,.,, d, procltrtivido,lc por h.ccriff., o era.no) da cana é mais eficiente.pois produz pntica.meme o dobro do obtido com o eranol do milho. 11 MARTINEW; FILOSO, 2008, p. 885-898. 12 Sobn: •• diJiaúdadcs d, conirolar o dcsmattmcnro, -,:p: MARCUUS, 2004. Veja rambêm: BUNKER, 1985; COfilDINC; S),!JTJI; :\,!AHAR, 1996. Sobre u Horestts subtropinis da Coc~ Adilntlc:a do Bruil, conhecida como M2t:1 Adãmia, e sua p.-ccãr\a sobrcvh'ência, ,tja: RIBEIRO, 2009, p. 1.141•1.153. Arê c:s~ d,1:1, grindc part< dapcnhde pllssaro, nativos no Br:ulloc:om:una u,nada MataAtl!ntia. Veja! MARI1''1; CARCL\,2005. M~s é evidente que os mi.rnífcroa estio sendo sc:l'Wllente afctad06 pelo crescente dC$matamçntQ na AmazõOUL Veja: LAURANCE; VASCO:-.C ELOS; LOVEJOY, 2000, p. 3945; LAURANCE, 2011, p. 56--67. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 247 As Nações Unidas, em 2011, em seu levantamento das florestas mundiais, esti- mou que o Brasil continha 520 milhões de hectares de .floresms, que representavam 13% do total mundial de florestas. Na década de 1990 a 2000, perdemos, em mé- dia, 2,9 milhões de hectares de florestas por ano, que representaram 35% do total mundial de perda de florestas naquela década, e na década seguinte, perdemos mais 2,6 milhões de hectares por ano, que agora representavam 51 % do total mundial de destruição de florestas.13 Há também sérios problemas de longo prazo de saneamento, qualidade do ar, água potável e moradias a'baixo do padrão em muitos centros urbanos, que o Brasil está resolvendo muito len.tarnente. Não obstante, o movimento verde continua sua luta pela melhoria de condições ambientais no país. Todos esses movimentos am- bientalistas, nacionais e internacionais, resultaram em grande quantidade de pesqui- sa científica sobre recursos sustentáveis, refloreStarnento e proteção da Amazônia, fazendo do ambiente brasileiro um dos mais esrudados do mundo. 1• 5.3 A nova Constituição e a estrutura partidária O governo democrático foi forçado a mudar a estrutura legal herdada do regime militar, baseada, como era, na centralização e no autoritarismo, e a principal ques- tão consistia em aprovar uma nova Constituição, que trouxesse de volta os princí- pios democráticos. A nova Constituição, embora altamente avançada em termos de direitos políticos e sociais, foi amplamente criticada desde a sua aprovação, em 1988.15 Trata-se de uma Constiruição muito extensa e muito detalhada, refletindo o embate de muitos segmentos da sociedade, livres dos grilhões dia ditadura, mas sem um grupo ou uma vís:ão dominante. Por exemplo, houve uma tendência de for- talecimento da descentralização fiscal, com Estados e municípios aumentando sua participação na receita tributária em relação ao governo federal, mas sem assumir 13 FAO,2011,p.110-118,mb.2. H Sobn: a rcbção entre deunw.mtnto e aqucc:Jmento global. , ,,ja <rullio de FEA&'ISIDE; LAURANCE, 2004, p. 982·986.Sobrc mtnõdades 1u,a,ntivtlntj,, ontro csrudos miü,gcrai~ NEPSTAD,2008,p. 1.737-1.746; 2009, p. 1.350-1.351; SOARES-fll.HO,2006, p. 520-523; M.ARTINELLI, 2010, 2, p. 431-438. IS O l¾rtido dos Trabalhadores não aprwou a nova Comrituição. Em uma entrevisra à F•tha d, S.!Q P•ulo (S out. 2008}. o pruldentt Lula jwtibcou sua op011iç.io à oova Constitulçio: •o PT chegou lliO Congresso oom um rascunho de Constiw.ição pronto e 'lltabado que, se ,.prov:ado. certamcmc teria tomado mulm mais dificil go\,:mar do que hoje. Como um partido de oposição que nun,a !mia alcançado o poder, nó, dnhamos soluça.:. mígicas para todos 01 malc:s do país. Tah--ci não rivéncmO!I r~onhcc::ido que. em prazo tio curto, p<Mlcrí-amm chegar ao podct E cn&lo cerlamos a responsabilidade de põr em pr:itica tudo que propusemos·. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 248 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL a resp0nsabilidade correspondente; foram criados compromissos adicionais em re- lação aos gastos públicos que dificultam a execução do orçamento e o estabeleci- mento de um equilíbrio fiscal; e vários monopólios públicos foram consagrados na Constituição, sob a pressão de grupos nacionalistas ou como reflexos de interesses corporativos. Por outro lado, a Constituição de 1988 foi considerada urna das mais avançadas em termos de direitos políticos e sociais, com a extensão do direito de voto aos analfabetos e a redução da idade mínima para votar representando impor- tantes inovações políticas. A Constituição determinou, ainda, que a Presidência se- ria eleita por maioria de votos em dois turnos eleitorais, se necessário, para períodos de quatro anos, sem reeleição. 5.3.1 A nova estrutura partidária do país A estrutura partidária do país tornou-se mais complexa durante o período do presidente Sarney, com a proliferação de novos partidos. O PMDB, que era o maior partido de oposição ao regime militar, perdeu parte de seus membros com a criação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que assumiu uma posição de centro-esquerda, e chegou à Presidência, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso. O antigo PDS, qu.e apoiava o regime militar, também passou por uma ci- são, com a formação do Partido da Frente Liberal (PFL), que se tomou o principal grupo de centro-direita. O PT experimentou crescimento muito rápido e logo se tornou o principal partido de oposição, situando-se à esquerda; identificando-se com questões sindicais, conquistou significativa adesão da classe média e, com o passar dos anos, também se tomou um importante representante dos funcionários públicos. O Partido Democrático Traballústa (PDT), outro partido de esquerda naquele período, ressuscitou o antigo PTB, de Vargas, e era liderado por Leonel Brizola, um dos políticos m:ais temidos pelo regime militar, que, ao final do período militar, fora eleito governador do Estado do Rio de Janeiro. Vários outros partidos de esquerda e de direita surgiram no período pós-militar, quase sempre liderados por elementos dissidentes dos partidos preexistentes. 16 Uma das características do sistema partidário no Brasil tem sido sua fragilidade em termos de fidelidade partidária, admitindo frequentes mudanças de partido até de políticos com mandatos no legislativo ou no poder executivo, sem contar que 16 SOLA. 1988; SOUZA. 1985; MENEGUELLO, 1998; KEC K. 1992. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 249 os partidos nem sempre ·têm uma coerência programática ou ideológica. Alguns analistas acham que a fraqueza dos partidos políticos fonalece a governança, pois sua fragmentação e as identidades fluidas permitem ao Executivo formar as bases parlamentares necessárias à estabilidade do governo.17 Outro aspecto do sistema partidário brasileiro tem sido a tendência à criação de partidos ou à utilização de pequenos partidos locais para apoiar a ascensão de líderes políticos que não encon- tram espaço nas associações mais tradicionais, e a eleição do sucessor de José Samey foi um exemplo desse processo. Porém, além das questões da transição política e da natural instabilidade, o que se estendeu por duas décadas depois da ditadura, a crise econômica e a inflação aprofundaram-se sob o governo civil. 5.3.2 Aprofundamento da crise econômica O governo militar tinha assinado várias canas de intenções com o FMI,que pro- moviam uma política econômica recessiva, e isso provocou um impasse com o novo governo democrático. O FMI insistia que a nova administração aceitasse os com- promissos fumados anteriormente e assinasse uma nova cana de intenção, adotando políticas recessivas, mas isso era impossível, porque a oposição criticava ferozmente tais políticas e a nova administração não conseguiria firmar compromissos com o FMI. O fim doregime militar e a abertura democrática düicultavam a manuten- ção de medidas recessivas e o arrocho salarial. Além disso, em 1985, o governo anterior tinha obtido um superavit de 12 bilhões de dólares na balança comercial, e esse número favorável era outro argumento contra um novo acordo com o FMI. Porém, a siruação global era crítica, em razão da dívida externa, que totalizava 105 bilhões de dói.ares, e dos juros devidos naquele ano, que estavam ao redor de 11 bilhões de dólares. A posição das contas públicas era precária, e o governo fede- ral e os governos estaduais tinham dificuldades para honrar seus compromissos. A inll.ação mensal estava acima de 10%.18 Tipicamente, políticas que reduzissem o consumo interno conseguiriam conter pressões inflacionárias, mas o alto nível de indexação existente no Brasil sugeria 17 A crise: do .,merualio' (pag.imc:ntoa mensais do governo a dcpu.tados de oposição cm troca.de apeio), na primcim •dministração Lula, mowou u dJJiculd..!c, de govunar com uma estrunu• de poder IÍagmcncida e a •uscncia dos mdo.s noccnârios para cooptu WJ p:utidos de op0slsão. A aponrnda frtgmcntação partidlma, carartcrlStia do início do procc"° dcmocráiico,contioua nos dias de hoje. 18 Em ma,rço de 1985, q,nndo Sarncy w umiu o poder, a inBaçio mensal era: Cu~o de Vicb. pana S20 Paulo-FIP: 12%; Íodice Geral de Pttços-FGV: 10%c e !nelice Nacional de Preço, 10 Consuntidor-FillGE: 1296. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 250 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL que os métodos recessivos ttadicionais não seriam suficientes para controlar a in- flação. Diante de m.l evidência, na primeira metade da década de 1980 haviam surgido novas ideias sobre políticas anti-inflacionárias alternativas, e, em janeiro de 1986, menos de um ano após a posse de Sarney, a inflação alcançou um novo nível de 16% ao mês. '9 Os sindicatos, com razão, lutavam por ajustes salariais mais frequentes que a correção semestral ainda em vigor, propondo ajustes trimestrais ou mensais. Contudo, correções salariais mais realistas, trimestrais ou mensais, não importando quão justificáveis fossem para impedir a progressiva deteóoração dos saláóos reais, provavelmente acelerariam ainda mais a inflação, com consequên- cias imprevisíveis em um período de transição política e dada uma democracia ainda frágil. Se no período autoritário era possível adotar políticas de eStabilização restritivas e arrochas salariais, o novo regime democrático civil não podia menos- prezar a potencial oposição política e social que surgiria com a implantação de um novo programa recessivo, que, de qualquer modo, teria resultados duvidosos. Esses fatos levaram à implementação da reforma monetária de 28 de fevereiro de 1986, conhecida como Plano Cruzado, que mudou o sistema da moeda nacional, congelou todos os preços, incluindo as tlllcas cambiais, e eliminou a indexação.20 O plano foi um sucesso instantâneo. Houve uma drástica redução na inflação e forte apoio popular ao congelamento de preços. Como ocorreu com outros planos do mesmo tipo que vieram a ser adotados mais tarde no Brasil. houve um notável aumento na demanda, com crescimento de produção e emprego. O acentuado de- clínio da inflação teve efeitos positivos sobre a renda e o consumo dos mais pobres, visto que estes constituíam a camada da população com menos capacidade de se proteger da alta e crescente inflação. Houve também excepcional expansão mone- tária com o fim do "imposto inflacionáóo". Como se acreditava que o congelamento de preços não poderia ser mantido in- definidamente, houve antecipação de compras de mercadoóas. Formavam-se esto- ques, aproveitando as reduzidas tlllcas de juros então praticadas. Taxas de juros altas poderiam ter reduzido a demanda e evitado a retenção de estoques especulativos. A demanda interna cresceu vigorosamente, pressionando a capacidade produtiva e 19 l!m janciro de 1986 • Wlaçio mcns;a) alcançou os ,ogulntcs nlvci~ Cuuo de Vida para São l>a.u!o-Fll': 19%; Índice Gera.! de Prcço-FGV: 1696; e lndl« Nacional do Preços ,o Consumidor•FIBGE: 14'16. 20 A c:ott\'l:fru) de ,alárloa pm 1. nava moeda con!i.stlu cm um 1u.mctlto de 8% nos saliriot n:::ah e de 1S96 para o s4Wio .. aúnimo. o que 2umcntoo 1a. prasio ,obre o consumo. Uma cxpl.i&:'IÇiO du regras de conversão de salários csli dlspon!vel cm: MODlANO. 1992, p. 347-386; e LUNA. 1986, p. 129-BL EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 291 provocando escasse2 de mercadorias e ágio nos preços que estavam congelados. Ao mesmo tempo, o aumento no consumo interno gerou um déficit na balança comer- cial. O superavit mensal slllperior a 1 bilhão de dólares que ocorria no início de 1985 transformou-se em déficit a partir de outubro daquele ano. Em julho, houve a pri- meira tentativa de reduzir a demanda, mas as medidas adotadas foram insuficientes e não resolveram a situação. E em outubro, dada a deterioração da balança comercial, o governo decidiu executar uma mudança na taxa de câmbio, que estava fixa desde a implantação do plano, e anunciou que outras desvalorizações poderiam ocorrer. Depois das eleições gerais de novembro de 1986, vieram novas medidas para repd- mir a demanda e melhorar as contas públicas, inclusive o descongelamento de vários preços, inclusive tarifas públicas. Os efeitos dessas medidas foram imediaros: a inflação, que tinha permanecido relativamente baixa desde fevereiro de 1986, saltou para. 7% ao mês em dezembro daquele ano e para 12% ao mês em janeiro do ano seguinte. No início de 1987, o Plano Cruzado chegava ao fim. O Brasil, em face de difi- culdades externas e do fechamento do mercado financeiro internacional para países da América Latina, foi forçado a suspender o serviço da dívida externa e a impor uma moratória. 21 No curto prazo, o Plano Cruzado teve efeitos positivos em termos de distribui- ção de renda, em particular pela redução do imposto inflacionário e pelo aumento do emprego. Todavia, logo ocorreu o retorno da inflação, o fim dos empréstimos e dos investimentos internacionais e a deterioração das contas públicas conduziram a uma incapacidade de manter o progresso social alcançado. O PIB, que tinha cres- cido durante os dois primeiros anos do governo Sarney, mostrou um crescimento apenas modesto nos três anos seguintes. Durante o governo Sarney, quando a in.B.ação alcançou níveis incontroláveis, foram tentados dois outros planos com características semelhantes, e, embora as autoridades econômicas tivessem assimilado a experiência do Cruz.ado, tiveram menos sucesso e nenhum apoio popular.22 Os resultados desses planos, que apenas adiaram ou evitaram a hiperinflação, foram semelhantes: a inflação diminuiu tem- porariamente e, quando voltou, atingiu níveis ainda mais elevados. 21 Há wna extensa bibliogralia ,;obre o Plano Cruzado, que represemoo wna inovação teórica nas polidcas de romba·ri: à inflação loc!'CW. Sobre essa cxpcrit'ncia, veja; MODIANO, 1992, p. 347-386; SAYAD, 2000j MAR(UJES, 1983; PEREIRA, 1986; BACHA, 198S, p. 1-16: REGO, 1986. lnúmcros artigos s<lbrc o Piano Cr02ado são onconrrado. na R,v/J/a d, &•Mm/4 Pol/tlta Oull,et.1986, p. 121-151). 22 MODIANO, 1992,p.347-386; CAJU-lEIR0,2002: MACARIN1,2009: e PEREIRA. l'J93,p.S2-54. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 252 KIS TÔ RIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL Embora o país tivesse experimentado longos períodos de inflação extremamente alta, a economia funcionava normalmente. A moeda local nunca foi substituída por qualquer outra forma de pagamento ou pelo dólar, que era usado como referência e servia para grandes transações em alguns mercados,comoo imobiliário. Visto que havia controle cambial, formou-se um mercado paralelo, que operava com ágio, que algumas =s ultrapassava 100%. O dólar servia principalmente como reserva de valor, e não como meio de pagamento. Porém, a alta inBação deteriorava as condições econômicas reais e dificultava o crescimento. A inflação flutuava ao capricho dos planos, e funcio- nava como urna mola: depois de uma redução abrupta, ela retomava rapidamente a um novo nível mais alto, alcançando ta,cas mensais de 80% ao final do governo Sarney (Gráfico 5.1). Embora o mandato do presidente Sarney tivesse terminado antes da conclusão das negociações da dívida externa, houve uma recuperação na balança comercial, com um superávit de 20 bilhões de dólares, em 1988, e de 16 bilhões de dólares no ano seguinte.13 Nesses dois anos, inclusive, a conta de transações correntes apresentou um desempenho favorável. Durante todo o governo Sarney, o nível da dívida externa permaneceu relativamente estável em aproximadamente 115 bilhões de dólares e seu mandato terminou com reservas de aproximadamente 10 bilhões de dólares. Na década de 1980, o país acumulou um superávit comercial de 86 bilhões de dólares, mas pagou 94 bilhões de dólares de juros sobre a dívida externa. Por outro lado, o governo adiou todas as reformas de um sistema tribu- tário cada vez mais disfuncional As dificuldades de controlar os gastos públicos, bem como a experiência com a inflação alta, forçaram o governo federal a pro- mover complexas mudanças fiscais que distorceram completamenite a estrutura tributária, criando um sistema irracional, ineficiente e regressivo. A modernização do sistema tributário, que tinha sido promovida no início da década de 1960, perdeu sua funcionalidade. Desde os anos 1980 discute-se a necessidade de uma ampla reforma tributária, mas até hoje não se obteve o consenso necessário, pois tal reforma terá fatalmente impactos distributivos, tanto entre segmentos sociais como entre os entes federativos. 23 Secretaria d.o Tesouro N:a.dorva.l. D i,ponú-cl cm: <http://www3.taou.ro.fucnd2.gov:br/divid..,_publíca/ download,/dlv_r_bib.pdf>. Acesso em: 29 out. 2015. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 25 3 Gralico 5.1 Governo Samey: mudança média oo cuSIO de vida mensal, IPCA- 1985 a 1990 l'lroeiúl goq,, 80'ls V 301' ~ = Planotnizado ,"' 1004 1..._,,-/\....-._/ ~ 0% 1985 1985 1985 1985 1986 1986 1986 1986 1987 1987 1987 1987 1981! 1988 1988 1988 1989 19159 19&9 1989 1990 03 116 09 12 03 116 09 12 03 06 119 12 03 116 09 12 03 06 89 12 13 F0111tt>e:am1 Costuma-se dizer que essa foi uma década perdida. Do ponto de vista político, houve enormes avanços democráticos, mas, da perspectiva econômica, essa década in- terrompeu o longo ciclo de crescimento experimentado pelas sete primeims décadas do século. Durante esse longo período, o Brasil cresceu a uma taxa média de 5 ,25%. 24 Na década de 1980, a economia tinha acumulado um crescimento global de pouco mais de 30% em comparação com os 130% na década anterior (Gráfico 52). O Brasil não foi o único país em desenvolvimento a experimentar baixo cres- cimento econômico nesses dez anos. Naquela época, poucos países na região con- seguiram equilibrar suas contas e recuperar sua capacidade de crescimento (Tabela 5.1). Além dos problemas internos enfrentados pelo Brasil, em particular a acele- ração da inflação, a alta taxa de endividamento interno e externo e as dificuldades fiscais enfrentadas pelo Estado, as condições do mercado financeiro internacional contribuíram para o baixo crescimento do país durante a década de 1980. Em geral, a crise da dívida da década de 1980 afetou todos os países endividados, até mes- mo aqueles do núcleo central sofreram com a necessidade de ajustamento nesse período.25 Devemos lembrar que o Brasil só concluiu suas negociações da dívida externa em 1994. Embora a discussão para a renegociação da dívida externa tivesse 2◄ lpeadam.PID v.u:.rcal anu-aJ {% a..a.)-lnstltuto Brasileiro de Ccografi-a.c Estatlltica, Si,tc.madc: Conw Naciol'l:a.U Referência 2000 OBCE/SCN 2000 Anual) - SCN_,PIBC. 25 O. Estado• Unidos, por cxcmj>lo, ti-,rn um• nrioÇÕ<I ncgati,-. do Plll cm 1980 (-0,396) • cm 1982 (-2,0%), e uma alttinllação nudtcadat de 1980 (13,5%) e de 1981 (10.3%). EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 254 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL começado no final da década de 1980, a renegociação somente foi encerrada em 1994, seguindo o modelo do Plano Brady, que norreou a renegociação da dívida externa em muitos países. 26 Gráfico 5.2 variação do PIB médio JlOI! década - 1960 a 2000 (em dólares de 2004) p- lOli, 9'll t--------::: .. .!'•"---------------- 8'11 t-------::~ =------='""-------------- 1% 6" ~ .-----------'Ir-------------- .,. ----------- ------------~"'--.,,. :~==========~~~~~::'.'.'.~======= °" 1960s 1970, 1980, 1990s Fonce. loeadilla Tabela 5.1 Variação anual do PIB dos l)linctiaíS pafses da América Lalila - 1980 a 1989 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1967 1988 1989 Acgen11na 4% ~% -5% 4% 2% ~% 8% 3% -3% --8% BrasR 9% -4% 1% -3% 5% 8% 8% 4% 0% 3% Clllle 8% 5% - 10% -4% 8% 7% 6% 7% 7% 11% Colõrnllia 4% 2% 1% 2% 3% 3% 6% 5% 4% 3% Rep.Ollln,nlcana 8% 4% 2% 5% 1% - 2% 4% 10% 2% 4% Equador 4% 3% - 1% -3% 4% 3% 4% - 2% 8% 1% México 9% 9% - 1% -4% 4% 3% -4% 2% 1% 4% Paraguai 15% 9% -4% -3% 3% 4% 0% 4% 6% 6% Peru 3% 7% -1% - 12% 5% 3% 10% 8% -9% -1 2% Uruguai 6% 2% -10% -10% -1% 2% 9% 8% 2% 1% Venezuela -4% 0% - 2% -4% 1% 0% 7% 4% 6% -9% Fonce· l)sponMJI e:n: <ll1'l)://cata ffl)'lolls1k~n;licall1/NY.RaMKTP,<O,ZG> 1980- 1969 ~% 33% 51% 40% 44% 25% 24% 46% 0% 5% -3% U. O Bru!I n:.ncgodou um tom! de '55 bilhl>es de dów.:. de dJv!da e, cm 2006, essa lmpordnc!a estava oowmcntc p:ag,. Secretaria do Tc,owo Na:ciooal Di,poní,,.J cm: <http://wwwJ.«:,ou.n:,.fw:nda.gov.brldivid'-publko/ downloads/div_r_blb.pdf >.Accsso em: 29 oot 2015. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 255 5.3.3 Agricultura Como todos os outros setores da economia, a agricultura também foi afetada pela crise da década de 1980. A nec.essidade de ajustes internos e externos levou à adoção de políticas recessivas, impostas pelo acordo com o FMI. Assim, a disponi- bilidade de crédito rural, sustentada por grandes subsídios do governo e pela utili- zação de fundos públicos, sofreu drástica redução. Além disso, a elevada inflação fez diminuir consideravelmente o montante dos depósitos à vista, base sobre a qual era fixado o valor que os bancos eram obrigados a destinar ao crédito rural. Em termos reais, o crédito disponível para a agricultura em 1984 representava apenas 39% do volume disponível em 1980, e em 1990 caiu para apenas 24% (Gráfico 5.3).27 A agricultura também perdeu parte dos seus subsídios, pois, desde meados da década de 1980, os empréstimos rurais passaram a ser reajustados pela correção monetária; desse modo, o custo de empréstimo tornava-se positivo e aumentava gradativamente, acompanhando as taxas cobradas em outros mercados. Por fim, a necessidade de controlar a inflação levou o governo a manipular o preço de vários produtos no mercado interno, especialmente de alimentos, que tinham um grande peso sobre os índices de custo de vida. A sucessão de políticas recessivas e de planos heterodoxos, que se mosa:aram ineficazes para controlar a inflação, aumentava a incerteza e afetavam seriamente a rentabilidade da agricultura. Gráfico 5.3 El'lllução do crád~o rural em preços ooostantes- 1969 a 2010 1980 = 100 120 Foom. lla1m Cn-õ tr<ISI,mâilestat&t-ooo aâ'A11711.ra' 2010 21 AnudrioEJtat(tti"' á, ôrlditoJl..umJ dt 2010,2010; Banoo do Bnsil,2004,n. 4,p.10-7. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 258 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL Embora o crédito oferecido pelo governo tenha diminuído, a crise do petróle,o e a deterioração das contas externas, que rulminaram na moratória de 1987, ofe- receram um novo papel à agricultura na expansão das exportações e no auxílio à substituição da importação de petróleo por etanol. Como intervinha diretamente nas atividades agrícolas, o governo criou políticas diferentes para produtos agrícolas orientados ao mercado externo, como café, açúcar, soja, suco de laranja, amendoim, cacau, algodão e tabaco, e para produtos destinados ao mercado interno, como arroz, batata, feijão, milho, mandioca, tomate, cebola etc. O grupo de produtos destinados ao mercado interno contava com proteção contra competição externa por meio de ta.rifas e quotas, e com políticas de preços mínimos, subsídios e administração de estoques reguladores para controlar os preços. A oferta de crédito era essencial para os agricultores tomarem a decisão de plantar e manter estoques, e os preços internacionais, assim como a troca cambial, pouco influencia- vam na estrutura de preços dos produtos agrícolas internos. Por outro lado, a taxa de cãmbio e os preços internacionais e.ram as principais variáveis nas decisões dos agri- cultores envolvidos com pro<lutos destinados à exportação, e alguns desses produtos, como café e açúcar, sofriam maior interferência do governo, que operava por meio de entidades como o Instituto do Açúcar e do Álcool e o Instituto Brasileiro do Café. Todavia, inclusive os controles sobre os produtos destinados ao mercado interno logo começaram a ser questionados pelo crescimento do déficit público. O mercado do trigo era um dos mais regulados desde 1967, quando o governo passou a controlar a produção, as imponações, o processamento e a comercialização do produto, mas o custo da política de subsidiar o consumo e proteger a renda do produtor pesava muito nas contas públicas. Com a deterioração econômica e a crise fiscal, aumentavam as pressões internas e externas aplicadas pelo Banco Mundial e pelo FMI em favor da abolição de tais subsídios. Contudo, a impo~ncia do trigo na dieta básica e o potencial impacto político negativo da adoção de um mercado livte resultou na sucessiva postergação da implementação de mudanças. Em 1987, os subsídios ao trigo foram por fim eliminados, e, em 1990, o mercado livre passou a valer para todos os estágios da produção e comercialização do trigo. Naquele ano, a produção nacional alcançou 6,2 milhões de toneladas, o que satisfazia 90% da demanda interna, mas em 1995 caiu para 1,5 milhão de toneladas, o que atendia a apenas 17% do mercado.28 Além do impacro causado aos produtores:, a eliminação 28 A produç,iio de trigo ,6 voltou 110$ oivcis de 1987 e 1988 depois da colhcitll de 2003 e 2004, com um grande aumento de produtividade. A produção estlmad,. d, 2015 pode atingir mais 6,5 milhões de toncbdas e=~ • maior da histórl .. E,sa produção reprcsencari cerca da metade do consumo Interno. Dispooi,'CI cm; <hn;,/lwww. con.b.gov.br/conobwcb/download/safra/TrigoScricHist.Xis>. Acesso cm: 3 jun. 2014. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ611WCa e Social do Srast: O Bralit desde a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 257 dos subsídios e aumento dos preços ao nível do consumidor afetou o consumo interno de trigo, que permaneceu praticamente estável em aproximadamente 6 mi- lhões de toneladas por ano durante toda a década de 1980.29 Com a crise do petróleo, o governo implantou o ambicioso Proáilcool, cuja meta era estimular a produção interna de etanol para sua utilização corno combustível automotivo. Lançado em 1975, o programa foi acelerado após 1979, depois do se- gundo choque do petróleo. Além da adição de álcool etanol à gasolina vendida no país, à proporção de 20% a 25%, a produção de carros que funcionavam exclusiva- mente com etanol hidratado também foi incentivada. Os primeiros carros a álcool lançados no mercado eram meras adaptações de veículos movidos a gasolina, mas, desde o início da década de 1980, motores mais eficientes foram desenvolvidos es- pecialmente para o uso do etanol Graças a pesados subsídios do governo, o produto tomou-se vantajoso para o consumidor, que optou por carros movidos a etanol: dos carros fabricados no Brasil em 1984, 95% eram equipados exclusivamente com motor a álcool D urante aquela década, o programa foi muito criticado em razão dos custos fiscais e da priorização do cultivo da cana-de-açúcar em detrimento de outras la- vouras, especialmente as destinadas ao consumo interno. A cana-de-açúcar para a produção do etanol era plantada nos melhores solos do país e seu cultivo era extremamente eficiente e mecanizado. Além disso, desenvolveu-se uma tecnologia nacional de processamenro da cana-de-açúcar que se tomou comparável às melho- res do mundo. Todavia, com o subsequente declínio nos preços internacionais do petróleo, o programa foi se tomando cada vez mais dispendioso para o governo, e o álcool não conseguia mais competir com os preços da gasolina. Em 1985, o Proálcool começou e enfrentar uma crise, com o progressivo de- clínio das vendas de carros movidos a álcool, e em meados da década de 1990 as vendas praticamente cessaram.30 Porém, a mistura etanol-gasolina nunca foi aban- donada. A partir de 2003 desenvolveram-se os motores "flex", que podiam ser abas- tecidos tanto com gasolina quanto com álcool, facilitando ao comprador o processo de tomada de decisão quando da compra de um carro, pois eliminava a incerteza quanto ao futuro comportamento da relação entre os preços dos dois combustíveis. 29 COLE, 1998; FERNANDES FIUiO, 1995, v. l, p.443-474;1'0),{ASINl; AMJIROSl ,19'18,p.59-84. 30 5<,bro o Pro:ílcool, ,-tja: HOMEM DE i\fELO; CI.A.NNETTT, 19111; HOME,\of DE MELO, 1983; LOPES, 1992. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 251 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL Em 2008, os carros com motores fl.ex já respondiam por 91,5% dos 2,3 milhões de carros produzidos naquele ano no Brasil.31 Os anoo 1980 foram de turbulência para a agricultura,como resultado da prolonga- da crise econômica em que o país se encontrava frente a fontes de crédito tradicionais e da guinada básica em direção a novos tip05 de contratos de crédito que começaram nesse período. Nessa década, o setor tt:ve um crescimento médio anual de 3%, que estava acima do crescimento do PIB médio naquele período, mas o desempenho foi irregular, com anos de crescimento positivo alternados com períodos de crescimento zero ou negativo, e mostrando melhores resultados nas exportações em comparação com a produção de bens de consumo destinados ao mercado intt:rno. Se considerar-- mos a inStabilidade econômica da época e a eliminação das políticas de apoio ao setor agrícola, em particular o fim do crédito abundante e subsidiado, pode-se diur que o desempenho do setor agrícola foi melhor que o esperado. 5.3.4 Financiamento alternativo para a agricultura O surgimento de financiamento alternativo para a agricultura, envolvendo outros segmentos do agronegócio, foi essencial para explicar esse desempenho satisfatório e sua tendência positiva em termos de modemi2ação e produtividade. Fornecedores de insumos e equipamentos começaram a financiar dliretamente os agricultores, e ocorreu maior integração financeira e operacional na produção e na cadeia de comercialização, isto é, nas indústrias de processamento e nos canais de distribuição, tanto no atacado quanto no varejo (incluindo a cadeia de supermer- cados),e em particular com a criação das trading companies, empresas especializa- das na comercialização no mercado internacional, e que basicamente controlam as negociações do mercado de matérias-primas e alimentos (commodities).32 Novas fontes de financiamento dessas entidades ou terceiros passaram a ser utilizadas no Brasil para financiar a produção agrícola, e a integração entre produtor, fornece- dor e cliente. Esses mecanismos de financiamento que foram pouco expressivos na década de 1980, a partir da repentina eliminação do crédito governamental, 31 ô ákoa1 é tecnicamente menOS' dlCicotc do que a ga.wlina cm termos d-e e:ncrgia, e toma-.s:e econôrrúco com o preço de até 7096 do preço da guoliru. Sobn: a importância atual doo canos 8cx, vtja:TÁVORA,2011,p. 26. 32 As Mmmóditie, são produtos sem dlfettndação de mw:a. Mcn:ados de grtoo, mlnérlos e mccal.s são dpicos deu, modalidade de mc-ma.dori2. Es.tcs produtoJ usw.lmcntc contam com mcn:ados futuros, not ,qu~is os opendorcs podem proteger-se. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 259 tomaram-se a principal fonte de crédito para o setor agrícola, e conrinua a ser a base do financiamento do agronegócio brasileiro. Aliado a essa importante mudança nas fontes de crédito, o apoio do governo à pesquisa agrícola foi crucial para que houvesse urna verdadeira revolução na agri- cultura. As atividades da Embrapa e de outros centros de pesquisa, como o Instituto Agronômico de Campinas, estão entre os principais &tores que explicam o relativo dinamismo da agricultura, mesmo durante a crise que afetou o Brasil por mais de 20 anos. Nas últimas três décadas, ocorreu um contínuo aumento na produtividade em todas as lavouras e uma gradual expansão da agricultura por meio da introdução de novas variedades de sementes, compatíveis com as condições climáticas e dos solos do país. Na década de 1980, começou a exploração do cerrado, na região cen- tral do Brasil; várias culturas, em particular a da soja, adapraram-s,e perfeitamente a terras antes consideradas inadequadas para a agricultura comercial, e hoje essas novas áreas representam as principais regiões produtoras de grãos do país, estando entre as mais importantes do mundo, nas quais se pratica uma agricultura moderna e de alta produtividade. 5.3.5 Mercado livre para a agricultura Desde meados da década de 1980, desenvolveram-se no país amplas discus- sões sobre a necessidade de se liberalrtar os mercados agrícolas e. reduzir o nível de intervenção do governo. A liberalização dos produtos agrícolas e de seus in- sumos afetou interesses de inúmeros agentes econômicos, públicos e privados, envolvidos diretamente no processo. Em razão das dificuldades enfrentadas pelo país no mercado financeiro internacional e da necessidade de equilibrar as contas públicas, as autoridades econômicas procuraram reduzir gastos no setor agrícola, reduzindo as fontes de financiamen to público e a multiplicidade de subsídios li- gados diretamente ao setor. O governo também sofria forte pressão do FMI e do Banco M undial para liberalizar esse setor e abri- lo à competição internacional. Acordos e empréstimos externos providos por essas entidades impunham condi- ções rigorosas no que dizia respeito a essas condicionalidades. Entre as crises orçamentárias do governo, a pressão internacional e, por fun, a maturação do setor agríco:ta, na década de 1980, começou a abertura brasileira. Uma vez iniciado, o processo não podia mais ser revertido, e essa abertura para o mundo foi realçada por políticas de liberalização em geral que varreram o país na década de 1990. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 210 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL O governo reduziu progressivamente os subsídios à agricultura: em 1987, o total de subsídios concedidos foi de 5 ,3 bilhões de dólares, dois anos mais tarde, caíram para apenas 1 bilhão de dólares. O valor inicial incluía mais de 2 bilhões de dólares de ajuda para o trigo, e mais de 1,5 bilhão de dólares alocado para a compra de produtos (Programa de Aquisições do Governo Federal - AGF) e para a criação de estoques reguladores; açúcar e etanol receberam 1 bilhão de dólares; e o crédito rural, 700 milhões de dólares (Gráfico 5.4). Tais valores representam o montante de subsídios propriamente &tos, e não o total de recursos mobilizados para essas políticas de apoio à agricultura, que envolvia números muito mais elevados. Assim, após aquele período, a maio.ria daqueles subsídios governamentais foit eliminada ou fonemente reduzida.n Gnttfco 5.4 Estimallvas de subsldlos QO'lefnamefltals à agncullllra - 1986 a 1989 USSmib5M 2.500 2,000 1,500 1,000 500 l tlll) F0rtB. SLVA. 1996. p 116. • 1987 1918 Cn!dtOAl.n! • 1989 Aç,it,r • .11000! Com o final dos subsídios, veio também o fun das tarifas de proteção à agri- cultura. Em 1988, o governo anunciou uma grande redução de tarifas; então, em 1990, aboliu todas as restrições às importações de produtos agrícolas e, no ano seguinte, a reforma foi concluída com a redução e simplificação de todas as tarifas: a tarifa média caiu de 32% para 14%, a máxima caiu de 105% para 35%, e quando da instalação completa do sistema, a maioria dos produtos começou a ser trocada a apenas 10%, exceto no caso do algodão, que teve tarifa zero, revelando a intenção do governo de apoiar a indústria têxtil, consumidora desse produto. 33 SILVA, 1996. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 281 A nova estrurura tarifária também incluiu fertilizantes e outro.s insumos agrí- colas. Em princípio as importações eram isentas de tributos, mas para aqueles pro- dutos que existisse produção nacional, havia uma tarifa de importação de 10%, para proteger a produção local; as demais importações agrícolas estavam isentas de tarifa. Máquinas, equipamentos e tratores foram os mais protegidos e, ainda assim, as tarifas de importação baixaram para 20%. Entre 1991 e 1992 também foram eliminados os impostos sobre a exportação de vários produtos agrícolas, bem como as licenças necessárias par.a importar e exportar produtos do setor; até os segmentos do açúcar e do álcool, cujas exportações eram reguladas por um complexo sistema de quotas, começaram a operar no mercado livre. A Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e a operação de estoques reguladores também foram redefinidas. Até a década de 1980, grande parte das safras de algodão, arroz, feijão, milho e soja era financiada pelo Programa de Em- préstimos do Governo Federal (EGF) e adquirida pelo Programa de Aquisições do Governo Federal (AGF)3' (Gráficos 5.Sa e 5.Sb). Com os produtos agrícolas comprados via AGF, o governo formava estoques reguladores, disponibilizados quando surgia a necessidade de intervir no mercado para regular a oferta. Todavia, não existiam regras claramente definidas para orientar tais intervenções, e a criação de estoques sem a respectiva política de vendas gerava incerteza no mercado. Em 1988, com a fixação de preços de liquidação de estoques, definiu-se :uma regra obje- tiva: para cada produto calculava-se uma média móvel de preços, e quando o preço de mercado ultrapassava 15% da média móvel calculada, o governo era obrigado a vender estoques. Em 1993, para reduiir os custos envolvidos com o EGF e AGF, o governo trans- feriu para o produtor a gestão dos estoques reguladores, sem a necessidade de comprar os produtos protegidos pela política de preços mínimos. Realizava-se o empréstimo, via EFG, e fixava-se um preço de liquidação. Qµando o preço de li- quidação excedia o de mercado, o produtor tinha o direitode vender o produto no mercado e o governo pagava a diferença entre o valor obtido e o preço de liqui- dação, evitando a obrigação de mobilizar recursos para a compra da produção e da gestão dos estoques reguladores. À parte os benefkios fiscais e monetários oriundos da limitação à compra de tais estoques, isso também reduziu os custos envolvidos na sua administração, que. o governo realizava de forma totalmente ineficiente. 34 ECF cm o Ptognnu de Emprtstimos do Cov,:mo Federal e ACF era o Programa de Aqul!içõc& do Governo Fcdcn.L Jnid:almcntc, o iagricul tor rc«bí-a um cmprútimo do ECF. e cnt2.o tinh~ a opção de ,~ ndcr tõCU produto ao AC F a um preço mlnimo. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 212 KIS TÔRIA ECONÔMICA E SO CI AL 00 BRASIL Gráfico 5.5a Empréstimos govemamentals pa,a a armazBnagem como porcentagem da produ~o das pôncipais laYOtJras - 1975 a 1992 60% ~-------------------------- 40% 30% 20% 10% 0% 1975 1985 1987 • AJgodãlo Rll1le BNro \,tJN[JAL, 1994, p. 48, 1988 1989 • Atroz Faijão 1990 ■ MIiho 1991 Soja 1992 Gráfico 5.5b Compra de estoques pelo governo como porcenlagem da produção das plÍlClpals. lavouras - 1975 a 1992 50'l6 45'l6 40% 35% 30% +--------~ ~------------------ 25% 20'l6 15'l6 10% 5% 0% 1975 1985 1987 Algodão fGntc: iWm \.11,JNl)AL. 1994, p. d8, 1988 ■Arroz 1989 1990 1991 1992 Feijão ■ Milho Soja EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 283 5.4 A abertura da ,economia e a globalização 5.4.1 O governo Collor (1990-1992) Em razão dessa crise, Sarney, ao _final de seu mandato, tinha pouco apoio polí- tico ou popular. Os partidos de esquerda lançaram-se à eleição com dois grandes candidatos, Brizola e Lula, o que assustava a elite e a classe média. Nas pesquisas de opinião, um ou o outro figurava como favorito, ultrapassando candidatos de imenso prestígio dos principais partidos de centro: Ulysses Guimarães, do PMDB; Mário Covas, do PSDB; e Aureliano Chaves, do PFL. Durante o ano, surgiu repentina- mente o nome de um jovem político - Fernando Collor de Mello -, governador de Alagoas, que lllnçou sua candidat:ura pelo desconhecido Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Comenta-se que ele o fez com a intenção de se tomar candidato a vice-presidente por algum dos grandes partidos, mas, assim como aconteceu com Jânio Qy.adros, 30 anos antes, Collor popularizou-se ostentando uma plataforma moralizadora, conservadora e populista. Ele propôs acabar com a corrupção no go- verno e atacou os "marajãs" (funcionários públicos que recebiam altos salãrios), e quando as pesquisas indicaram sua crescente popularidade, grupo,a conservadores começaram a vê-lo como um candidato potencial, capaz de derrotar Lula e Brizola. No primeiro turno das eleições, Collor recebeu 29% dos votos, seguido por Lula, com 16%, e Briwla,. com 15%, enquanto candidatos de partidos importantes, como PMDB, PSDB, PFL e P D S, sofreram uma derrota retumbante. No segundo turno, após uma brutal campanha contra a esquerda, Collor venceu Lula para a Presidência. 5.4.2 Plano Cofiar Collor iniciou seu governo com um choque econômico não ortodoxo, extremamente autoritário, que incluía o congelamento de contas bancárias, e justificou essa medida extrema com a necessidade de reduzir a enorme liquidez do mercado, visto que, em uma economia iníla.cionãria, todas aplicações financeiras, inclusive na dívida pública, eram de prazo muito curto, com liquidez quase diária. O programa de estabilização de Collor, apesar de sua intensidade, mostrou poucos resultados: a inflação caiu de 21% ao mês em fevereiro de 1991 para 8% em março de 1991, mas alcançou 26% ao mês em janeiro de 1992, e permanec:eu nesse nível durante todo o ano. A intensidade do choque EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 214 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL afetou drasticamente o ruvel de atividade, o que ficou evidente pela variação do PIB, que subiu 1% em 1991, mas foi negativo no ano seguinte (--0,5%). O desempenho da indústria manufatureira foi pior, caindo 4% em 1992, e no setor externo, a questão da dívida pública continuava sem solução. Collor também inaugurou o discwso liberal no Brasil, conhecido como "Con- senso de Washington", e d.eu os primeiros passos para a abertura do mercado à concorrência internacional, para promover o investimento estrangeiro, póvatr.tar a economia e eliminar monopólios estatais na produção de mercadorias e serviços. Considerando que sua base poütica era um pequeno partido e que ele fora eleito como uma alternativa a candidatos de esquerda, Collor não tinha assumido ne- nhum compromisso poütico durante a campanha; portanto, sentiu-se livre para promover mudanças radicais na economia. A estrutura de proteção do setor induStrial, que permanecera inalterada por 40 anos, mudou radicalmente a partir de 1990. Até o final da década de 1980, existiam severos controles da importação, que justificavam as altas tarifas, e a Lei do Similar Nacional (que exigia prova de que o artigo importado não podia ser fornecido por um produtor brasileiro), e havia também uma lista (denominada Anexo C) de 1.300 produtos cuja importação era proibida. No final da década de 1980, houve algumas pequenas mudanças nesse esquema, mas a estrutura básica continuava preservada, garantindo total proteção à produção nacional contra a concorrência estrangeira. O governo Collor promoveu reformas liberais em todos os setores da economja. A abertura do mercado à concorrência estrangeira e a globalização eram o foco no programa do novo governo. Na área externa, as reformas foram rápidas e intensas: as tarifas aduaneiras foram drasticamente iliminuídas, as proibições do Anexo C fo- ram abolidas, assim como numerosas restrições burocráticas aos importadores, bem como a maioria dos controles sobre as importações, foram eliminados. O programa de reduções de tarifas começou nos setores de bens de capital e matérias~primas e estendeu-se aos bens de consumo. Em três anos, o Brasil estava totalmente aberto à concorrência estrangeira. 35 A ideologia liberal do "Consenso de Washington" estava bem desenvolvida no restante da América Latina, quando, finalmente, foi implan- tada no Brasil. O atraso deu-se pela existência de uma grande e sofisticada estrutura 35 BONEW; PINHEIRO, 2008, p, 8'1-124: ROSSI JR.; FERREIRA, 1999; AVERBUC, 1999, p. 43-84; MOREIRA, 1999, p. 33J-374; ALBUQUERQUE, 1999; FONSECA; CARVALHO; POURCHET, 2000, p. 22-38; OLIVEJRAJ\)1'YJOR, 2000; PEREIRA ("Bm:i/Tn,:J, L;hera~zatitm Progn,nl'. Oisponívi:1 cm: <http://www.unc12d.info/uploadfD\Jl/docsfl"echCooperation/bra7il..,nudy.pdf>. Acesso cm; 3 jun. 2014). EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • f rana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 285 industrial no país, muito superior à existente em ouO'Os países da América Latina. A forte presença de um setor produtivo estatlll e de um robusto empresariado in- dustrial possibilitou a implantação de uma ampla e complexa indústria que tinha sobrevivido à crise da década de 1980. Todavia, a força avassaladora da ideologia que agora varria o continente, surgida quando o Estado enfrentava uma profunda crise fiscal, enfraqueceu a poderosa oposição que se opunha à liberalização econô- mica e à privatização. O novo liberalismo atacou o modelo de substituição de importações em diversas frentes, alegando que, por recorrer à tecnologia estrangeira, o processo de substitui- ção de importações favoreóa as indústrias de bens de capital e as que necessitavamde muita tecnologia, fatores escassos no Brasil.Assim,forarn concedidos incentivos e subsídios para promove:r uma industrialização que absorvia pouca mão de obra. A proteção generalizada .não estimulava a produtividade e a competitividade ca- pazes de expandir as exportações industriais; a forte proteção gerou estruturas de custos incompatíveis com a realidade do mercado internaóonal; e a proteção e o isolamento desestimularam a produtividade, o avanço tecnológico, as economias de escala e a redução de custos. Em alguns setores, como o automotivo, os produtos oferecidos eram totalmente defasados em relação ao mercado internacional, e a posição do novo governo resumiu-se à frase dita pelo presidente Collor: "O Brasil não produz carros, produz carroças". No mesmo período foi criado o Mercosul, mercado regional entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, que levou a mais reduções tarifiirias. O surgimento do Mercosul criou uma importante zona de livre comércio e provocou um grande desenvolvimento no comércio interamerica- no no continente. 36 A abordagem liberal parecia promissora e foi efetivamente implantada. Espe- rava-se que a abertura ao mercado mundial promovesse uma integração produtiva entre a indústria internacional e a nacional, que resultaria em melhorias tecnoló- gicas e aumentaria a produtividade e as economías de escala, e que o aumento na produtividade reduziria custos, sendo os beneflóos resultantes repassados ao con- sumidor; e que a integração da produção com o mercado intemacional aumentasse a penetração de produtos estrangeiros no mercado brasileiro, o que incluiria tam- bém matérias-primas e componentes usados em manufatura, e que isso, ao mesmo 36 Entretamo, apcw- de sua crescente importância, e cmbon. o comércio ,enha se bcncnci:ldo de sua existência, o ~ctCO!!Ul vi"" cm ooosante c:tmdo de negociação e ajuste. A tn:quenn, irutlbílidtdc externa dot palscs do Mcl'00$U.I e a.s 8unr.i9õe:1 cm s1,1u t'.LXUi de cimbio outawm frcqucntt' oonffitos entre $CUS: membros. o gttaV2m corut2n,,. negociações, incluir,do o estabelecimento de quow de imponação e exportação. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 288 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL tempo, aumentaria a proporção das exportações pela indústria. Com resistên- cias e uma transição traumática, essa visão representa a base da política indus- trial que prevalece desde então. Se o processo pode ser criticado, pois foi muito rápido e autoritário, o sentido geral da abertura e globalização tem aceitação da sociedade e seus principais atores. Embora o limitado comprometimento de Collor com partidos tradicionaú; lhe permitisse relativa liberdade para promover mudanças econômicas radicais, isso também incentivava seu isolamento político e um estilo autoritário de governar. A continuada deterioração da economia, pois seu plano de estabilização não surtiu resultados, e a evidência de corrupção no governo, apesar do combate à corrupção ter sido o tema da sua campanha eleitoral, resultaram no impeachment <lo presidente. A campanha anti-Collor provocou maciços protestos. Todavia, o imptiu/Jtnttttocor- reu de acordo com as regras constitucionais - um indicador fundamental da matu- ração da jovem democracia do Brasil. 5.5 O Plano Real e o controle do processo inflacionário 5.5.1 O governo Itamar Franco (1992-1994) Em dezembro de 1992, com o impeachment de Collor, seu sucessor constitu- cional, o vice-presidente Itamar Franco, tomou posse. Pela segunda vez em dois mandatos consecutivos, o vice-presidente sucedia um presidente. I t amar Franco, tradicional político mineiro, tinha abandonado o PMDB para disputair a vice-presi- dência na chapa de Fernando Collor. O!Jando assumiu o cargo de Presidência, for- mou-se um amplo acordo entre os maiores partidos para apoiar o governo, garantir a boa govemança e evitar uma crise institucional. Político nacionalista conservador, Itamar recebeu uma economia em profunda crise, com inflação desenfreada e já nos primórdios do processo de liberalização. Em maio de 1993, Fernando Henrique Cardoso, senador do PSDB, assumiu o Ministério da Fazenda, e comandou o processo com um novo e bem-sucedido plano de estabilização, que ficou conhecido como Plano Real, cujo nome deve-se à nova moeda adotada. O Plano Real provou ser o mais bem-sucedido plano, lançado para estabilizar a economia e estancar o processo inflacionário que persistia no país por quase meio século. O novo regime ampliou as medidas de liberalb:ação econômica, incluindo EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 287 a privatização de empresas estatais, como foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, um dos símbolos do capitalismo de Estado criado no primeiro governo Vargas. Ironicamente, Itamar, um dedicado nacionalista e a favor de monopólios públicos, e Cardoso, um respeitado intelectual de esquerda e um dos propositores da teoria da dependência,37 acabaram promovendo a privatização e a liberalização da economia nacional Como ministro da Fazenda, o sucesso do Plano Real tomou possível a sucessão do Ppresidente Itamar Franco por Fernando Henrique Cardoso na eleição de 1994, em oposição a Lula, novamente o candidato do PT 5.5.2 O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) Fernando Henrique Cardoso, também chamado FHC, e o PSDB representa· varn a social democracia no Brasil, mas se aliaram pragmaticamente ao PFL, par- tido de centro-direita, que indicou o candidato a vice-presidente. Nesse pleito, em que FHC foi eleito no primeiro turno, com 54% dos votos, Lula recebeu 27% dos votos e Brirola, apenas 3%. Assim que se elegeu, FHC procurou consolidar o plano de estabilização econômica e implementar um programa abrangente de reformas, que representava um rompimento com o modelo estati:zador iniciado por Vargas e enfatizado ainda mais no período militar. Esse desmonte do Estado interven- cionista, um processo que tinha começado na administração Collor e continuado modestamente com Itamar Franco, agora se tornara wn programa coerente na ad- ministração de FHC. O Estado brasileiro red112ia seu papel como agente ativo na estrutura produtiva para ampliar seu papel regulador e responsável por atividades estatais típicas, como segu.rança, justiça, educação e saúde. A atividade de produção de bens deveria caber ao setor privado. Fernando Henrique também procurou im- plantar um ambicioso programa de reforma do Estado.:is Apesar da forte oposição dos partidos de esquerda, particularmente do Partido dos Trabalhadores, o governo conseguiu formar uma maioria parlamentar para implementar muitas das reformas pretendidas, várias das quais exigindo emendas à Constituição. 37 Enucos csrud01 de FI IC sobre e5'c temo, v,:j.: CARDOSO; FALETIO, 1970. 38 Embora ambic.ioso, o plano de: rcfonoo do Esudo teve nmilmdos p..rc.Ws frente l forte oposição b muda.uç.-as na cstrurura de funcion,.mcnto do Estado. Ações; inovadora,, como a., agênclu rcgulador::u implcmcntadu com succ"° durante o gm,·cmo Fcmando l:lcruique Cll!do0, foram subsequentemente cllitor.dda:s com a Indicação de poUtioo• p= ocupar pooições p,,n,nentc té<nic,s. Sobre a reforma do E.t2do, vtja: COSTA, 2002, parte 2, p. 9-56. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 2U KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL Na área econômica, as reformas visavam a melhoria da economia de mercado e a redução da intervenção do Estado. Assim, foram abolidos os monopólios estatais do petróleo, da eleaicidade, das telecomunicações e da navegação costeira. Além disso, FHC procurou executar um amplo programa de reformas na Previdência Social39 e na administração pública. Emboraos planos das reformas fossem de- senvolvidos em longas e complexas discussões com os setores interessados, nem todas puderam ser efetivadas, como as reformas trabalhista, tributária e do sistema judiciário. Essas reformas, que representavam importantes mudanças na estrutura socioeconômica do país, foram fortemente contestadas por grupos corporativos, grupos de interesse, e por vários segmentos da sociedade. O Partido dos Trabalha- dores posicionou-se contra todas as reformas. Em 1997 foi aprovada uma Emenda Constitucional que permitia a reeleição de todos os ocupantes de cargos executivos, o que permitiu a FHC concorrer a um segundo mandato. Assim, no fim do seu primeiro mandato, em 1998, candidatou- -se à reeleição e venceu no primeiro turno de votação, com 53% dos votos, contra 32%deLula. Em seu segundo mandato, FHC continuou suas tentativas de reforma do Estado, mas dificuldades na área internacional exigiram a implantação de políticas recessivas, com baixas taxas de crescimento e altos níveis de desemprego. Na área econômica, a principal realização dos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso fora, inegavelmente, o Plano Real, que interrompeu um processo inB.acionário crô- nico, existente desde a década de 1950, que tinha se tomado explosivo. O plano foi estruturado a partir de maio de 1993, quando FHC se tomou ministro da Fazenda; naquela época, a inflação estava em 30% por mês e continuava aumentando. 5.5.3 O Plano Real O Plano Real ocorreu em três fases distintas. A primeira fase do Plano Real, anunciada em dezembro de 1993, consistia de um conjunto de medidas fiscais para 39 Durante a ndmlnistnção FJ IC, iapcs:a.r da furte op:>.s.içio. houve mudanç;i1 no sistema de prcvidênc:b. soci!U, com a aprovação da Emenda Cora<irucion-.1 de 20 de dezembro de 1998. Uma das mudanças mais importantcS foi o denominnd.o "tempo de aposentadoria"", que leva cm conta a idade e o tempo de contribWçi o de quem paga a oonuibuição para a p,cvidénda social, acabando com o direito de aposentadoria apena> por tempo de <crvlço. A lcgislaçto também mudou a legislação que regula a aposcnnidorla dos funcionJtlo, públicos. Mu as rcform.u nesse campo Ciht\o~m ÍllCQmplctu e exigiriam outr.i. emenda feita posteriormente. LAM:O~TJE.R; FIGUEJ REDO. GIAMBIAGI; CASTR0, 2003,p.265-292. EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição CAPITULO 5 - Democrac ia consolidada 289 aumentar a arrecadação de impostos, pois os responsáveis pelo plano entenderam ser necessário garantir que as finanças públicas estivessem equilibradas antes de implantar uma nova reforma monetária. Eliminando a inflação, o governo perderia o imposto inflacionário. O orçamento, supostamente equilibrado em um regime de alta inflação, poderia tomar-se altamente deficitário assim que a inflação fosse eliminada. O primeiro estágio do plano, então, procurava garantir equilibrio orça- mentário, mesmo com a estabilidade de preços, e as medidas necessárias para isso foram tomadas em fevereiro de 1994. A segunda fase ocorreu em março de 1994, quando a taxa de inflação mensal alcançou 42%. Essa fase, que consistiu na introdução de uma moeda indexada, foi a principal inovação do Plano Real, pois era justamente a falta de sincronização nos ajustes de preços que representava o grande problema enfrentado pelos planos anteriores. Mesmo em um ambiente de elevada inflação, havia diferenças na cor- reção dos preços em geral Qyando da implantação de um novo plano de reforma monetária, existiam produtos com preços reajustados logo antes da implementação do novo plano e outros, que, por questões contratuais ou de mercado, tiveram um reajuste há mais tempo, ficando com seus preços defasados na data do plano. De- fasagem que poderia ser elevada, pois os planos eram implementados com inflação mensal de 20% a 50%. Nesses casos, os agentes econômicos procuntvam corrigir a defasagem depois da reforma monetária, o que representava uma pressão sobre os preços na nova moeda. O Plano Real lançou a Unidade Real de Valor (URV), cujas oscilações diárias levavam em conta a média; de ttês índices de preços. Havia regras e obrigações para a conversão de salários, aluguéis e tarifas públicas em URVs, enquanto os outros preços podiam ser mantidos na moeda antiga ou det-erminados em URVs, inclusive contra- tos que podiam ser negociados entre as part-es. A intenção era introduzir na maioria dos preços um processo voluntário de negociação, mas havia necessidade de estabe- lecer regras claras para alguns segmentos da economia, como a conversão de salários baseada no salário médio real recebido nos quatro meses anteriores. Na terceira fase seria introduzida a nova moeda. A URV era apenas uma unida- de referencial de valor para um período de transição, visto que a moeda tradicional continuava em circulação. A inflação permanecia alta, e em aceleração, mas seus efeitos ocorriam na moeda antiga. Se a manutenção da URV fosse muito longa, havia o risco de ocorrer inflação em URV, o que seria problemático. Mas, em julho de 1994, depois de quatro meses de transição, a URV tomou-se a nova moeda e EDITORA SARAIVA · Hlst6rla Econ6111Ca e Social do Srast: O Bralit Clesds a Ropúbllc:a • frana$1CO Vil.ai Luf?a e Herb8rt S. Klein- 1• Edição 270 KISTÔRIA ECONÔMICA E SOCIAL 00 BRASIL foi denominada "rear, mantendo paridade com o dólar, ou seja, um real equivalia a um dólar. A estabilidade atingida com o Plano Real era baseada em três pontos funda- mentais: uma âncora cambial, a manutenção do real sobrevalorizado e a abertura ampla da economia. Ao contrário dos outros planos anteriores, foi possível utilizar a âncora cambial porque o Brasil havia renegociado sua dívida externa, permitindo seu livre acesso ao mercado .financeiro internacional, que apresentava abundância de recursos, alta liquidez e baixas taicas de juros. A taxa de câmbio podia fiutuar livremente, mas havia uma dissimetria. Se houvesse apreciação do real não haveria intervenção; se houvesse depreciação do real frente ao dólar haveria intervenção para garantir que um real valesse menos que um dólar. Ao mesmo tempo, no mer- cado interno, as taxas de juros reais eram extremamente altas, o que atra.ía recursos estrangeiros, gerando uma abundância de dólares que valorizava a moeda nacio- nal. 40 E o aprofundamento do processo de liberalização do comércio, outro elemen- to básico do Plano Real, também teve alto impacto na economia brasileira, uma das mais fechadas do mundo are o final da década de 1980. A rápida abertura da economia, sua exposição ã concorrência internacional e a manutenção de uma moeda valorizada tiveram um efeito positivo sobre a estabi- lidade dos preços. Mercadorias importadas ou comm()(Íities brasileiras com preços internacionais tinham seus preços controlados pela concorrência, o que ajudava na fase inicial do Plano. A ideia era expor o Brasil ã concorrência internacional, para obter um impacto modernizador na economia, em especial na indústria. Com esse objetivo, todas as medidas :agiram na mesma direção, expondo à concorrência de empresas estrangeiras, que entraram no Brasil no processo da globalização da pro- dução e dos fiuxos de capitais internacionais, resultando um aumento acentuado no grau de intemacionaliução da produção nacional e redução da integração vertical da indústria brasileira, seguida pelo aumento de produtividade, com maior intensi- dade no uso de tecnologia estrangeira. Aumentou também o número de empresas brasileiras cujo controle ou propriedade passou para grupos internacionais. A conti- nuidade dessa política só foi possível graças à enorme entrada de capital estrangeiro no país para financiar o déficit comercial e de transações correntes. Como ocorreu em todos os outros planos, houve uma explosão de deman- da, grande parte em razão da eliminação imediata do imposto inflacionário, mas 40
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