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@ Universidade Presbiteriana Mackei\zle Caderno de Pesquisas: Psicologia do Cotidiano V.2, ano. 14. n. 1- Mai./Jun. 2018 ISSN 1984-6762 XXII Mostra de Psicologia do Cotidiano Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do ·Cotidiano CNPq/Mackenzie CENTRO DE CIENCIAS BIOLOGICAS E DA SAUDE PROFA. DRA. BERENICE CARPIGIANI Diretora PROF. DR. ERICH MONTANAR FRANCO Coordenador do Carso de Psicologia PROF. DR. MARCOS VINICIUS DE ARAUJO Coordenador de TCC e Pesquisa do CCBS PROFa. DRA. MARIL! MOREIRA DA SILVA VIEIRA Pr6-Reitoria de Graduafiio e Assuntos Academicos PROF. DR. JORGE ALEXANDRE ONODA PESSANHA Pr6-Reitoria de Extensiio e Educafiio Continuada PROF. DR. PAULO BATISTA LOPES Pr6-Reitoria de Pesquisa e P6s-Graduafiio Organizafiio Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais do Cotidiano CNPq/Mackenzie Prof. Dr. Alex Moreira Carvalho Prof.a Dra. Bruna Suruagy do Amaral Dantas Prof. Dr. Fabiano Fonseca da Silva 1 2 suMARio MiDIAS Orientadora: Prof Dra. Bruna Suruagy do Amaral Dantas. A INFLUENCIA DA MiDIA NA CONSTRU<;AO DA IMAGEM SOCIAL DO PSI CO LOGO Aufores: Debora Anger; Giovana Micalli; Jhonny Sampaio; Juliana Gimenez; Isadora Sandeville; Maria Antonietta Netto; Michelle Atomiya Shin; Nathalia Zabini; PedroHenrique e Sara Portes. DRAG QUEEN E MiDIA: A padronizas;ao da arte que desconstroi Autores: Ana Catarina de Mattos Assumpc;:ao Silva Machado; Gabriela Menezes Rodrigues; Gabriela Pinto Lima; Giovanna Ferezin Catapano; Guilherme Affiune Barbosa de Oliveira;Juliana Borges Alves da Mota; Leticia Esthefania Halluli Menneh; Luis Fellipe Ribeiro Barbosa de Campos Figueiredo; Nathalia Yreijo Viana MiDIA: espetaculo, medo e violencia Au tores: Ana Carolina Ramos Padilha; Gabriela Duarte Iema, Isabella Marina Silva Lopes, Jessica Caires Seixas Flaitt de Almeida, Mariana Marques Miachon, Mayara Lopes da Cunha Lima, Vitoria de Queiroz Pasciano. FAKE NEWS EA ERA DA POS VERDADE Autores: Anna Victoria Ferreira, Camila Vieira Martins, Giulia Boyago Priore, Gustavo Bromberg de Queiroz, Karen Alessandra de Castro Ruiz e Thiago Schmidt Stolf. OS IMPACTOS DA POS-VERDADE NA SOCIEDADE MEDIATIZADA Autores: Lucas Pereira Zacardi j Freitas; Luiz Fernando Dantas ~otges; Tiago Mencaroni de Camargo. - RELEV AR E REVELAR: AS IMAGENS COMO FORMA DE APREENSAO DA REALIDADE INTERNA E EXTERNA Autores: Aline Marques; Catarina Viegas;Julia Benvenutti Gerotto; Rafael Croquet; Rafaela N osche; Ruth Luz Santos. A ESPETACUL\RIZAc_;AO E ROMANTIZAc;AO DOS TRANSTORNOS MENTAIS NAMiDIA Autores: Bianca Montanari, Eduarda Aranha, Maria Luiza Pinsdorf, Mariana Andrade, Vitoria Andrade M.F. Guimaraes. 3 TECNOLOGIAS Orientador: Prof. Dr. Fabiano Fonseca da Silva A INFLUENCIA DAS MiDIAS DIGITAIS NA AUTOPERCEP<;AO CORPORAL FEMININA A1:1tores: Danielle Fonseca Urbano, Estela Beltrame De Oliveira, Fernanda, Mayra Silva Palmieri, Giovanna De Paula Taboas, Isabela Ignacio, Isabella De Godoy,Julia Riela, Mariana Bedicks 0 FENOMENO DAS MiDIAS DIGITAIS NAS GERA<_;OES Z E ALFA Autores: Bianca Bonucci Pahna, Bruno Sabion Ricci, Carolina Gomes Branco, Giovanna Figueira Tavares, Helena Rangel Rossi, Larissa Souza Mora, Laura Tuma Martins Bertolin, Maria Helena R~drigues Ass_is da Silva, Mari? a Maniscalco Medeiros da Silva, Milla Peres Rego Santos, Nathali Miramontes L1ma Moraes, Nathalia Costa Silva Lafuente TECNOLOGIA E VIDA COTIDIANA: A INFLUENCIA DOS JOGOS ELETRONICOS NO COMPORTAMENTO VIOLENTO DOS JOVENS Autores: Andre Dos Santos Reis, Bruna Brito Finardi, Fabio Piacente Talarico, Fernanda Emi Yoshioka, Fernanda Izidoro Fernandes, Gabriela Soares De Lima, Leticia Celli Miglioli De Godoy Moreira, Mariana Terribas Lopes, Milena Camara Correia, Melissa Mendes De Souza, Paula Carstens, Paula Fulks 4 5 MIDIAS A INFLUENCIA DA MiDIA NA CONSTRU(,;A.O DA IMAGEM SOCIAL DO PSICOLOGO Autores: Debora Anger; Giovana Micalli; Jhonny Sampaio; Juliana Gimenez; Isadora Sandeville; Maria Antonietta Netto; Michelle Atomiya Shin; Nathalia Zabini; PedroHenrique e Sara Portes. Orientadora: Prof Dra. Bruna Suruagy do Amaral Dantas. INTRODU(,;A.O A midia e um sistema de comunica<;ao e inforrna<;ao primordial a constru<;ao de modos de subjetiva<;ao e ao desenvolvimento da percep<;ao do sujeito. E a partir dela que o individuo se toma capaz de produzir o modo como se ve e percebe os outros a sua volta (pessoas que -o cercam e ate -•mesmo o ambiente) . As forrnas de ser, existir e viver nao se forjam mais somente por meio de institui<;oes sociais e culturais como a familia, a escola e o trabalho, mas tambem a partir de dispositivos simb6licos e lingufsticos como os meios de comunica<;ao: televisao, radio, jornais, revistas, cinema e, em especial, a internet. De acordo com Hennigen (2006), existe uma articula<;ao entre o discurso, a cultura e a produ<;ao de subjetividades. Para a autora, a cultura corresponde: • ( ... ) a pratica de significa<;ao e ao m~do social concebido como constrw.do discursivamente. Os discursos constituem-se como redes de significa<;oes e sao tomados ~elo sujeito para se auto-interpretar, e assun, acabam por produzi-los. A interpela<;ao aconte~e quando o sujeito se reconhece a parttr dos discursos. Ele os toma como algo que lhe diz respeito, identifica-se e produz-se como um sujeito daquele modo, compreende e explica a si e ao mundo a partir daquele regime de verdade (p. 47). Para outros autores como Fischer (2001) e Kellner (2001), a midia e um importante marco para a constru<;ao da subjetividade contemporanea, especialmente por se tratar de um lugar de produ<;ao e circula<;~o. de discursos em massa e por suas caractensttcas de formata<;ao, extensao e penetra<;ao. A imagem social, o papel e o tr~balho ~o profissional da psicologia tern s1do mmto abordados e representados nos ultimos anos pela industria midiatica. 0 forrnato de produtos como novelas, filme~, _series e programas de audit6rio, produz a 1de1a de que os meios de comunica<;ao falam e possuem autoridade para falar sobre tudo, inclusive sobre o tempo e os modos de ser e agir dos sujeitos (incluindo o psic6logo). Assim, ao consumir seus produtos, o individuo aprende "a ser", a agir, a conhecer o mundo e, ate mesmo, a atribuir juizo a ele e ao outro. · Aprende a pensar e a sentir de maneira homogenea, uniforrne e padronizada, uma vez que a midia nao mostra o mundo por todos OS angulos. A psicologia nao esci mais restrita ao ambiente academico. 0 cinema e a televisao tern divulgado e propagado conceitos e retratos do psic6logo, retirando-o da invisibilidade, proporcionando maior conhecimento e instigando curiosidade sobre o tema por parte do publico. Por meio de uma anilise da serie de televisao "Em tratamento", que discute os conceitos da psicologia por interrnedio de personagens, pacientes e terapeuta ficticios, percebemos a possibilidade de uma transferencia primaria do espectador com a arte. Embora Freud tenha resistido a ideia de filmar a psicanilise, alegando a impossibilidade de uma representa<;ao fidedigna do setting clinico, a exposi<;ao midiatica da psicologia contribui para fomentar pesquisas sobre o tema, colaborando com difusao do objeto de estudo (TRINDADE e DIAMANTINO, 2013). 6 No Brasil tivemos recentemente um epis6dio qu~ trouxe a tona a discussao sobre a influencia da midia no campo de atua<;ao da Psicologia. Uma novela da Rede Globo, 0 outro lado do Paraiso (2018), exibiu a cena de uma advogada e coach, que nao possufa forma<;ao no campo da Psicologia ou da Saude Mental, tratando um individuo por meio da tecnica de hipnose a fun de amenizar o sofrimento psiquico decorrente de um abuso sexual sofrido na infancia. 0 CFP, Conselho Federal de Psicologia, pronunciou- se em comunicado afirmando que: ( ... ) a telenovela, por se tratar_ de obra capaz de formar opiniao, presta um desservi<;o a popula<;ao brasileira ao tratar com simplismoe interesses mercadol6gicos um tema tao grave como o sofrimento psiquico de personagem cuja origem e o abuso sexual sofrido na infancia. 0 incidente causou grande como<;ao nos conselhos regionais e nos profissionais de Psicologia. Muitas criticas foram formuladas, especialmente a respeito da superficialidade do tratamento dado a tematica e do papel da midia na banaliza<;ao dos tratamentos psicol6gicos e da pr6pria profissao do psic6logo, que nas programa<;oes midiaticas ou e substituido por profissionais sem adequada forma<;ao ou e apresentado como uma especie de "guru" que, da posse de metodos mais "rapidos" e formulas prontas, e capaz de elaborar pareceres, fazer diagn6sticos e obter resultados eficazes, como foi sugerido na cena. Certamente, uma visao utilitarista e pragmatica da Psicologia. De modo geral, tal superficialidade na abordagem de questoes psicol6gicas acaba por refletir-se na imagem atribuida ao profissional da Psicologia, uma vez que a midia por diversas vezes se encarrega de perpetuar uma ideia simplista deste campo de conhecimento e atua<;ao. Nao · obstante a presen<;a do psic6logo nos meios de comunica<;ao popularize a Psicologia e favore<;a sua inser<;ao em outros segmentos sociais, a representa<;ao construida e uma especie de caricatura da area, uma vez que seus papeis reduzem-~e _a cl~ss~c,a<;ao, patologiza<;ao e estigmattza<;ao de .tndividuos em estado de sofrimento, com a apresenta<;ao de laudos e pareceres apressados. Um espetaculo que transforma a ~sic~logia em um receituario de solu<;oes sunplistas para questoes complexas. A Psicologia termina sendo convidada a dizer o que se pretende ouvir e o que se espera dela. Assim sendo, tem-se observado pouca preocupa<;ao da midia em rela<;ao aos aspectos eticos de determinados assuntos, em seu processo de busca desenfreada por audiencia. Em meio a tantas controversias, o Conselho Federal de Psicologia tern se manifestado e promovido debates para definir resolu<;oes que regulem a rela<;ao entre a Psicologia e a Midia. A presidente do CFP nas gestoes de 97 /98 e 98/2001, Ana Merce Bahia Bock, pronunciou-se acerca da tematica: "a midia mantem certa distancia em rela<;ao ao individuo, exigindo do profissional da Psicologia cuidado em suas expressoes. Ele nao pode se apresentar academicamente; deve traduzir os significados de forma a ser compreendido por toda a popula<;ao". Essa tradu<;ao, no entanto, embora necessaria, pode produzir reducionismos, simplifica<;oes e incompreensoes acerca das atribui<;oes da Psicologia e sua responsabilidade etica com o cuidado. 0 chefe do Departamento de Reportagens Especiais do J omal da Record, Leandro Cipoloni, expressa que em sua opiniao alguns psic6logos se submetem a reportagens com conteudo "sensacional", na busca por reconhecimento, e que os jornais e redes televisivas falham ao abordar este campo, pois segundo ele "o papel do psic6logo e muito mais abrangente e nao se limita a explicar questoes comportamentais. E um personagem que deveria ser provocado mais para se posicionar sobre diversos outros momentos" (PSI- Jomal, ed.150). Por fun, a reflexao de Ricardo Moretzsohn ' representante do CFP em · 2004 na coordena<;ao da campanha "Quern Financia a Baixaria e contra a Cidadania" da Comissao ' 7 de Direitos Humanos da Camara dos Deputados, merece destaque no intuito de despertar senso critico na populac;:ao, que diariamente se "alimenta" do que e propagado nos veiculos midiaticos: A midia, ao oferecer modos para a apresentac;:ao da subjetividade nas relac;:6es sociais, transmite um discurso hegem6nico sobre a realidade, impondo valores e ideais as pessoas. Em torno de 90% de tudo que a populac;:ao ve, ouve e le no pais, esta nas maos de meia duzia de grupos empresariais de comunicac;:ao. Que em vez de se ocuparem em veicular, prioritariamente, programas educativos, culturais e artisticos, conforme previsto na nossa Constituic;:ao Federal, tratam o Brasil como se contivesse uma monocultura (PSI- Jornal, ed.150). 0 estagio em grupo teve como finalidade a utilizac;:ao dos conceitos apresentados em classe para a compreensao de uma experiencia real que se realizou na interface entre Psicologia e Comunicac;:ao Social. Procuramos estabelecer um dialogo entre as teorias de autores como Heller, Kehl e Thompson e as manifestac;:6es midiaticas da atualidade, proporcionando a partir da vivencia uma visao mais ampla da pratica da Psicologia do Cotidiano. Na a~ilise dos conteudos de midia e das entrevistas com profissionais de Jornalismo e Psic~~ogia, f~i possivel observarmos de fo~a c~~ca quais sao as representac;:6es s1mbolicas do psic6logo pres~nte,s n_o ~a~ario social e veiculadas pela 1ndustr1a nudiat1ca. Dessa forma, pudemos contribuir com a discussao das responsabilidades eticas da profissao, assim como colaborar , c?m a reflexao acerca do papel da nudia na construc;:ao de discursos e imagens sociais no cotidiano. FUNDAMENTA<_;:A.O TE6RICA A vida cotidiana contempla o homem como um todo, uma vez que e heterogenea e abrange uma pluralidade de dimens6es da realidade do individuo, que e produto e expressao das relac;:6es sociais. A cotidianidade abarca desde a organizac;:ao do trabalho e da vida privada ate a maneira de atuar no meio social, sendo cada uma destas camadas carregada de significado. (HELLER, 2000) . Uma vez que a vida cotidiana e a pr6pria substancia da hist6ria da humanidade, pode- se dizer que nao e possivel a nenhum individuo viver totalmente fora dela, e ao agir nessa esfera do real, manifestara sua individualidade por meio de sentimentos, habilidades e ideologias. Segundo Heller (2000), as dimensoe_s . do particular-individual (EU) e do genenco- humano (NOS) constituem toda e qualquer individualidade inserida no cotidiano, embora a consciencia do 'EU' ganhe maior destaque e importancia em detrimento da consciencia do 'NOS'. Em sua concepc;:ao, "a moderna estrutura da vida cotidiana aumenta as possibilidades da particularidade submeter o humano-generico e de colocar as necessidades e interesses da integrac;:ao social a servic;:o dos afetos, dos desejos e do egoismo do individuo" (p.23). Ou seja, na cotidianidade do mundo moderno, o 'particular' prevalece em razao da dissoluc;:ao do 'generico'. Especificamente em relac;:ao ao contexto brasileiro, Costa (1997) adverte que os interesses privados se sobrep6em as necessidades coletivas, suplantando-as: "Nao e preciso muito esforc;:o para notar de que e feito o cotidiano de um individuo brasileiro socioeconomicamente privilegiado. Os assuntos da vida privada sao, de longe, os que dominam qualquer outro tipo de preocupac;:ao" (p.83). Conforme Heller (2000), em virtude da supremacia do EU, o individuo no cotidiano nao apresenta um compromisso etico com o outro e, por isso, pode defender crenc;:as permanentes impregnadas de preconceito. No processo de constituic;:ao das ideias e crenc;:as, o individuo e "bombardeado" desde 8 a infancia por infonnac,:oes carregadas de valores, provenientes dos diversos contextos sociais dos quais faz parte, como a familia, a escola, o trabalho e a cultura. As instituic,:oes midiaticas e OS meios de comunicac,:ao tambem transmitem constantemente ideias que fonnam padroes de pensamento e orientam de fonna pragmatica as ac,:oes cotidianas. Os juizos que circulam na cotidianidade sao acompanhados por dois afetos distintos: a confianc,:a e a fe. A fe nasce a partir das motivac,:oes do particular-individual, ao passo que a confianc,:a estabelece uma relac,:ao mais consciente com o humano-generico e, por esta razao, se baseia num conhecimento que eventualmente podera ser refutado pelas experiencias, ao contrario da fe que permanece inabalavel. A fe, em decorrencia de sua condic,:ao inflexivel e impermeavel, e o afeto do preconceito, pois os Jlllzos permanentes por ela sustentados e reforc,:adossao irremoviveis, ainda que explicac,:oes racionais, experiencias empmcas e argumentac,:oes filos6ficas a refutem. Os canais midiaticos acabam sendo formadores de opiniao mediante a mobilizac,:ao da fe, o que contribui para formar e sedimentar preconceitos. A confianc,:a, por sua vez, gera uma disposic,:ao para reconsiderar os sistemas explicativos do cotidiano, caso a razao, a etica, a filosofia e a experiencia comprovem sua incoerencia e implausibilidade (HELLER, 2000) . A vida cotiqiana funciona com base em juizos provis6rios ultrageneralizadores, o que em certa medida se faz necessario, uma vez que a cotidianidade exige dos individuos decisoes rapidas e ac,:oes imediatas, nao dispondo de tempo suficiente para refletir com precisao sobre as circunstancias que antecedem a ac,:ao. Os juizos provis6rios e as vivencias cotidianas costumam reproduzir-se, desencadeando certa conformidade, que pode evoluir para o conformismo, no qual o sujeito assume uma postura rigida e nao se dispoe a aceitar mudanc,:a de ideias e pensamentos, muitas das vezes com base em estere6tipos e conhecimentos superficiais acerca do 'real'. Nesse caso, a fe se estabelece e tem-se, aqui, a raiz do preconceito e do "dogmatismo cego". De acordo com Heller (2000), "os juizos provis6rios refutados pela ciencia e pela experiencia, que se tnantern inabalados contra todos os argumentos da razao, sao preconceitos"(p.35). Seguindo este raciodnio e caminhando para o tema espedfico sabre o qual este artigo ira se debruc,:ar, a imagem do psic6logo na tnidia, pode-se dizer que os aspectos citados acirna contribuem fortemente para formar os pensamentos acerca das categorias de papeis sociais, sejam profissionais ou nao, mas que comumente criam caricaturas estereotipadas de determinadas classes, com diversas caracteristicas que nao condizem com a realidade daquele grupo, como acontece com a representac,:ao social do psic6logo retratada nos meios de comunicac,:ao. Em um mundo que se caracteriza pela onipresenc,:a da televisao e pela expansao das tnidias digitais (KEHL, 2004), pode-se afirmar que a produc,:ao cultural integrada ao cotidiano e mercantilizada e constituida de preconceitos, uma vez que a tnidia nao e regulada e tern em suas maos o poder de definir como a sociedade deve pensar e enxergar a vida (formac,:ao do pensamento social). Criam-se espectadores passivos, que absorvem o conteudo de forma automatica. Ha aqui o que Thompson (1998) chamou de mundanidade mediada: a compreensao do mundo por meio da tnidia. METODOLOGIA A experiencia de estagio cons1sttu na realizac,:ao de entrevistas semiestruturadas com profissionais da tnidia e da psicologia. Foram entrevistados dois psic6logos que ja haviam dado entrevistas em meios de comunicac,:ao e redes televisivas: Aurelio Melo, psic6logo clinico e Renata Maransaldi, psic6loga clinica e integrante do Centro de Controle de Impulsos do Hospital das Clinicas de Sao Paulo. Participaram desse trabalho tres jornalistas: Amanda Veloso, que 9 alem de jornalismo se fonnou em psicanilise e atualmente possui um canal no youtube; Ardilhes Moreira, editor no G 1 (portal de noticias da Globo) e Marina Novaes, que trabalha no El Pais. As entrevistas possibilitaram a coleta de dados posterionnente analisados e foram orientadas por um roteiro fonnulado antes dos encontros, o qual nao impediu que os participantes tivessem abertura e liberdade para fazer comentarios alem do que havia sido questionado. Ou seja, mesmo que a entrevista fosse direcionada por um foco, ela possuia flexibilidade. Agendamos as conversas em dias distintos, sem tempo estipulado de durai;:ao. Os participantes foram fi.lmados e os discursos gravados mediante expressa autorizai;:ao. No inicio de cada encontro, foi solicitado que o convidado lesse um tenno de consentimento e, caso estivesse plenamente de acordo com os requisitos, deveria assina-lo para que se desse continuidade ao processo. A anilise dos conteudos coletados baseou-se na obra "O cotidiano e a Hist6ria" de Agnes Heller (2000), alem de teorias e conceitos desenvolvidos por autores coma Maria Rita Kehl (2004) e John Thompson (1998) . Tambem foram utilizados, para tf 'li t aJ.S complementar a ana se, ma en audiovisuais extraidos de programas de audit6rio, telejornais e telenovelas assim coma documentos oficiais produzidos pelos Conselhos Federal e Regional de Psicologia. De maneira 0 geral, a experiencia apoiou-se em metodologias qualitativas para a apura<;ao e o aprofundamento dos dados. Como produto final alem do trabalho escrito, foi confeccionado um video com as entrevistas realizadas. ANALISE DA EXPERIENCIA De acordo com Aurelio Melo, psic6logo entrevistado, os meios de comunicai;:ao tratam os profissionais coma especialistas para, desse modo, a1~uirir credibilidade_ e inibir qualquer possibilidade de contestai;:ao. "A midia, ela passa a imagem de um especialista". Chaui (1994) argumenta que a figura do especialista surgiu para definir quern esta autorizado a falar, quern tern legitimidade para pronunciar o discurso da competencia. Desse modo, aqueles que nao tern competencia para fonnular explicai;:oes sabre os fen6menos humanos devem ouvir e absorver o pensamento disseminado pela midia por meio dos espedalistas de plantao. Aurelio Melo afinna ainda que "o psic6logo e vista um pouco coma um bombeiro que vai apagar um incendio, um~ situa<;ao d~ emergencia, que vai poder .. . E aquele que vai efetivamente resolver o prob.lema". 0 entrevistado sugere que a midia utiliza o psic6logo para fazer va.ler suas posii;:oes e validar suas creni;:as sob o discurso competente do especialista, apresentando-se coma a unica fonte de sabedoria, o .lugar de manifestai;:ao da verdade e de expressao fidedigna do real. Sendo assim, ignora-se ou relega-se a segundo piano o que efetivamente o psic6logo faz, quais sao suas atividades e responsabilidades eticas. A midia, ao revestir suas creni;:as com a roupagem do discurso competente do especialista, produz no espectador/.leitor o que Heller (2000) denomina de "conformismo cego", levando-o a assimilar tudo que lhe e transmitido, sem conseguir por si s6 desenvolver uma reflexao mais elaborada. 0 individuo nao consegue e nao aceita mais uma mudani;:a de pensamento e ai;:ao, adotando coma referencia pensamentos superficiais e assumindo uma especie de "dogmatismo cego" (HELLER, 2000) . A imagem social do profissional da psicologia baseia-se em juizos provis6rios ultragenera.lizadores. Ou seja, e muito comum que no meio social o psic6logo seja vista coma aquele que "aconselha" ou "leva esperani;:a" em momentos dificeis (bombeiro), o que certamente e refori;:ado pelos canais midiaticos que rea.lizam entrevistas com psic6logos, com vieses pre- determinados. 10 , ham saberes A fe e a confianc;a acompan , . . . dignos de credito. cotidianos e os tomam £, . . t em reforrar Entretanto, apenas a e 1ns1s e :! . d de questoes pensamentos eqU1voca os acerca . , sociais a despeito das refutac;oes evidentes. E ' . , 1 o que acontece com a imagem do psico 0?0 ' que predominantemente se mostra di5torcid~ no senso comum uma vez que o individuo e a todo instante bombardeado com padr6es de pensamento elaborados pelos canais midiaticos. 0 jomalista Ardilhes Moreira questiona o suposto poder dos meios de comunicac;ao de assumir a condic;ao de porta-voz da coletividade: "mas acho que no geral a gente da muito mais peso pra midia do que ela tern, de achar que ela consegue construir, constr6i visoes, enfim, que ela tern esse papel de tutora na sociedade". Em contraposic;ao ao exposto, Renata Maransaldi (Psic6loga clinica)argumenta a favor do poder cultural da midia e sua consideravel influencia na determinac;ao de comportamentos e formac;ao de opini6es: "Quando o tema e abordado principalmente nas novelas, a gente costuma receber mais pacientes em buscadaquele tratamento. ( .. . )Recentemente aconteceu isso numa novela, que tern um impacto grande na sociedade, que colocaram uma advogada sendo coach e fazendo hipnose. Entao, isso acaba confundindo, eu acho, a populac;ao". Marina Novaes, jomalista, destacou os ef eitos desse epis6dio da novela, demonstrando a forc;a simb6lica das redes televisivas: "Foram dois ou tres capitulos, mas s6 a aparic;ao destas personagens trabalhando o tema fizeram com que esse tema tivesse um "boom" de buscas no Google semelhantes a, por exemplo, quando buscam por resultado de final de libertadores, final de Big Brother Brasil ou a prisao do Lula ( ... )A televisao nao perdeu nem um pouco a importancia dela entre a populac;ao, pelo contrario, porque todo mundo fala muito "ah, redes sociais", mas nao, as pessoas assistem muita TV ainda. Entao, tudo o que acontece na televisao tern um impacto muito dir to tanto sobre a midia, quanta sobre e ,, o Ortamento humano . comp Segundo Thompson (199~, na sociedade da . £ rmarao, a compreensao do mundo 0 , 10 o -:r •• • .di ao d orre das expenenc1as con anas, tnas d ec . b 'li a mediac;ao das formas snn o cas. No entanto, 0 autor opoe-se a tese de que o espectador e absolutamente passivo e, por isso, nao consegue interpretar as formas simb6Iicas. Em sua concep<;ao, ele nao absorve as narrativas midiaticas de forma imediata e automatica, mas as processa, traduzindo-as a partir das suas ref ere_ncias_ parti:ulares. Elll oposi<_;:ao a essa acep<;ao, a Jornalista Amanda v eloso acredita que o receptor da mensagelll midiatica e alguem com disposis:ao para acreditar no que esta sendo veiculado: "nossa sociedade valoriza muito a resposta fume e pronta, mesmo que ela seja mentirosa ou mesmo que nao contemple toda a complexidade da situa<_;:ao". Nesse sentido, a 'fe' e mobilizada para refor<_;:ar crenc;as inexoraveis, resultando na elaborac;ao de preconceitos, contra os quais nem a razao nem a experiencia sao capazes de atuar (HELLER, 2000). Para decodificar os estereotipos relacionados as praticas psicol6gicas, e imprescindivel "questionar criticamente o que me e apresentado". E fundamental que se ensinem os individuos a filtrar os conteudos que lhes sao transmitidos, pois em muitos momentos estao carregados de preconceitos. "E preciso saber ler.. . 0 observatorio da imprensa fala muito, e preciso saber ler a midia e a gente nao esta educado para isso, para desconstruir 0 que a gente esta vendo ali na narrativa" (Ardilhes Moreira). Em fun<;ao da mercantiliza<_;:ao e dos in~e~esses ideol6gicos que estao em jogo, a midia pauta as entrevistas e orienta os espec~alistas a defender suas posic;oes, co?:0 se estivessem ali para representa-la. Aurelio Melo relatou que, antes de conceder a entrevista, o canal de televisao o procurou ~ara "induzir" seu parecer conforme _05 lnteresses dos proprietarios da organizac;ao: "mas eu ja esperava, como de fato aconteceu, 11 que a equipe vinha com um pedido, nao e? Antes de gravarmos a entrevista, a equipe tinha um pedido, no sentido de eu poder dar alguma coisa para as pessoas". A cultura da tragedia termina sendo um recurso utilizado para comercializar o conteudo e o psic6logo e convocado para responder a essa demanda: "Se tudo vai hem, o jornalista nao tern muito o que escrever, a audiencia dele e baixa. Agora, se existe uma tragedia, uma catastrofe, entao a audiencia e muito grande, ne?". De maneira geral, a audiencia e o lucro sao o grande objetivo dos meios de comunicac;:ao, mesmo que para alcanc;:ar este fim tenham que comprometer a imagem de algum grupo ou institui<;ao, como ocorre em muitos momentos com o profissional da psicologia. Contudo, segundo o jornalista Ardilhes Moreira, a midia deveria comprometer-se com a verdade factual, deixando claro que para alem dos fatos ha interpretac;:oes. Trata- se, portanto, de um recorte e nao da totalidade do fenomeno, de uma representa<;ao da realidade e nao do reflexo do real. "Precisao, fidelidade, acho que esse e o papel da midia, ser fiel naquilo que cada categoria profissional, cada especialista pode contribuir para o debate publico, acho que essa e a principal questao, desafio, ser fidedigno ... Qualquer formato de midia, seja ela noticiosa, filme. Ela fala de uma representa<;ao, vai ser um recorte sempre de uma realidade que interessa para aquela narrativa" (Ardilhes Moreira) . CONSIDERA<,;:OES SOCIAIS A midia, como um dos principais reguladores sociais, tern suas preferencias e atua de forma a prospectar seus interesses, sejam de cunho ideol6gico ou mercadol6gico de modo a construir a forma de mediac;:ao pela qual enxergamos a figura do psic6logo, deturpando a imagem (ou representa<;ao) da profissao e prestando, por vezes, desservi<;o a populac;:ao. 0 psic6logo midiatizado e transformado em sabio, vidente e conselheiro, que se utiliza de forma inapropriada de teorias para fazer diagn6sticos rapidos, com uma forte conota<;ao psicopatol6gica, favorecendo, assim, o espetaculo da midia, com o enriquecimento fantasioso da produc;:ao de entretenimento. E importante ressaltar que muitas vezes psic6logos sensacionalistas reforc;:am o cliche e os preconceitos em torno da profissao, "vendendo" soluc;:oes simplistas e rapidas para questoes complexas, sem fundamenta<;ao te6rica, mais parecendo uma "opiniao trivial" para assuntos que requerem uma analise cuidadosa.Por isso, o profissional deve assumir uma postura seria, responsavel, ponderada e cautelosa nas aparic;:oes midiaticas, nao se deixando conduzir pelas ambic;:oes das empresas de comunicac;:ao, que comumente tratam de temas complexos e multifatoriais de modo simplificado e parcial, banalizando o exerdcio da profissao. Dessa forma, cabe ao psic6logo atentar-se para as orientac;:oes do C6digo de Erica da Psicologia, que veda o discurso sensacionalista acerca das patologias psiquicas e a autopromoc;:ao abusiva em detrimento do zelo pela profissao. E sua func;:ao como psic6logo prezar pela constru<;ao de uma imagem coerente da profissao, tratando de modo profundo e etico os assuntos humanos, reconhecendo os limites e possibilidades da Psicologia e combatendo qualquer forma de utilitarismo profissional. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ' CHAU!, M. Cultura e Democracia. 0 discurso competente e outras falas. Sao Paulo: Editora Cortez, 1994. COSTA, J. F. A etica democratica e seus inimigos - o lado privado da violencia publica. In: BETTO, F.; BARBA, E.; COSTA, J. F. Etica. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 1997. FISCHER, R. M. B. Televisao & Educarao: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autentica, 2001 . 12 HELLER, Agnes. O Cotidiano ea Historia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. HENNIGEN, Ines. Subjetivas:ao como produs:ao cultural: fazendo uma outra psicologia. &vista de Psicologia e Sociedade, vol. 18, n° 02, p. 47-53, 2006. KEHL, M. R. Visibilidade e Espetaculo. In: Bucci, E; Kehl, M. R. (Orgs.) VideologiaS". ensaios sabre televisao. Sao Paulo: Boitempo, 2004. (p. 141-161). KELLNER, D. A cultura da midia - estudos culturais: identidade e politica entre o moderno e o p6s-moderno. Tradu<;:ao: Ivone Castillio Benedetti. Bauru, SP: EDUSC, 2001 THOMPSON, J. B. Midia e a Modemidade: uma teoria social da midia. Rio de Janeiro, Petr6polis: Editora Vozes, 2012 (p. 35-72). TRINDADE, G.; DIAMANTINO, R. M. Amor de transferencia: um estudo de caso baseado em In Treatment. Cogito, Salvador, v. 14, p. 49-57, nov. 2013. JORNAL PSI. Edi<;:ao 150.Conversando com o psicrflogo. Psicologia e midia: universos paralelos em rota de intersec<;:ao. Disponivel em: http:/ /www.crpsp.org.br/portal/ comunicac ao/jornal_crp/150/frames/fr_conversando _psicologo.aspx 13 DRAG QUEEN E MiDIA: A paclroniza~ao da arte que desconstroi Autores: Ana Catarina de Mattos Assumpc;:ao Silva Machado; Gabriela Menezes Rodrigues; Gabriela Pinto Lima; Giovanna Ferezin Catapano;Guilherme Affiune Barbosa de Oliveira; Juliana Borges Alves da Mota; Leticia Esthefania Halluli Menneh; Luis Fellipe Ribeiro Barbosa de Campos Figueiredo; Nathalia Yreijo Viana Orientadora: Prof:"' Dr" Bruna Suruagy do Amaral Dantas INTRODUc_;Ao Atualmente, o Brasil e o mundo estao sendo arrebatados pelo fen6meno das drag queens/transformistas, homens que se vestem de mulheres de maneira, quase sempre, exagerada e estereotipada, a fim de realizar performances artisticas. Porem, historicamente, montar-se em drag nao foi apenas um ato artistico, representando tambem um posicionamento politico e uma necessidade cenica imposta pela moral (AMANAJAS, 2015) . Desde a Grecia Antiga, por nao haver espac;:o para a mulher no teatro, homens interpretam papeis femininos, caracterizando-se com mascaras, roupas especiais e enchimentos. Assim, surgiu o ator drag queen que, no decorrer da hist6ria, foi apresentado de forma mais ou menos comica (AMANAJAS, 2015) . No comec;:o do seculo XX, apareceu o teatro musical, que substituiu os elementos grotescos pelo glamour. Alem disso, o cinema estadunidense exerceu grande influencia em um ideal de beleza tanto masculino quanto feminino. Isso acabou influenciando o ator drag e as drags que perambulavam por pequenos estabelecimentos a se vestirem de forma glamourosa, represen!ando lindas e atraentes mulheres (AMANAJAS, 2015) . Durante as decadas de 1970 e 1980, as drag queens alcanc;:aram O radio, a televisao, a Broadway e o mundo do cinema. Em meados dos anos 1970, ser gay se tornou um ato politico e, uma vez que ser artista e, em si, um ato politico e social, mesmo que nao intencional, a drag queen despontou como um dos maiores simbolos da luta pelos direitos gays. No Brasil, no entanto, por conta da ditadura militar, esse aparecimento s6 foi acontecer na decada de 1990 (AMANAJAS, 2015). No ambito mundial, a virada do milenio foi marcada por um globo totalmente conectado, promovendo enxurradas de informac;:oes por minuto. 0 pop se enraizou e novas popstars foram coroadas, cada vez mais ousadas e inventivas, o que conferiu liberdade de expressao e reinvenc;:ao a cultura gay e jovem (AMANAJAS, 2015). Por vezes, a globalizac;:ao e comumente retratada apenas como fen6meno econ6mico quando, na verdade, afeta tambem a esfera privada e, mais que isso, modifica e redefine identidades pessoais e sexualidades (GIDDENS, 2012). Com isso, por meio do desenvolvimento midiatico, especialmente do alargamento dos sites de compartilhamento de videos, do fluxo de imagens e de informac;:oes, popstars, generos, etnias e rac;:as encontram espac;:o para a construc;:ao de suas identidades, nacionalidades e imagens a nivel global. Dessa forma, a globalizac;:ao das sexualidades contribuiu nao somente para a reconfigurac;:ao das relac;:oes entre paises, em que tais artistas servem de referencia para outras culturas, mas tambem para a pr6pria noc;:ao de individuo e corporalidade. Assim, uma vez impastos os estigmas de rac;:a, genera e corpo a esses individuos, tidos como "abjetos", eles promovem impacto e mudanc;:a nas esferas publica e privada (BUTLER, 1993). Isto por meio da subversao dos estere6tipos de genero e de identidades nacionais (sexuais e etnicas), o que gera repercussao sobre as politicas sexuais no interior de seus paises assim como no exterior. As drag queens podem representar uma ruptura do conceito de identidade como um fen6meno naturalizado e imutavel hem como uma superac;:ao da dicotomia de genero masculino/feminino. Os sujeitos, quando montados de drag, unem, em um unico 14 , · £' · e ps1· col6o-icas de corpo caractensticas 1sicas o~ ' • d e estando ambos os generos, sen o masculinos e femininos ao mesmo tempo, em um jogo de composi<;:ao de ge~eros_ que questiona a rigidez do conceito de identidade (CHIDIAC e OLTRAMARl, 201 4)- Dessa forma, o termo queens (estranho, raro), que anteriormente significava um xingamento homof6bico, ressurgiu como uma teoria que contesta esse ideal regulado pela cultura e pelas rela<;:oes sociais da identidade de genero. Na constitui<;:ao da personagem, virios aspectos do sujeito sao transformados, como o modo de andar, os gestos, as posturas, a voz e a pr6pria linguagem (CHIDIAC e OLTRAMARI, 2014). Ou seja, ser drag esti relacionado ao meio artistico, a elabora<;:ao de uma personagem feminina de forma caricata e exagerada que possui nome e caracteristicas pr6prias, por um sujeito que vive cotidianamente como homem, com o objetivo exclusivamente performitico. Esse fato permitiu que as drags queens conseguissem ocupar espa<;:os alem dos unicamente LGBTQI+ (Lesbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgeneros, Queers e Intersexuais) e, com isso, ganharam maior visibilidade nos meios midiaticos. No que diz respeito a beleza feminina, por exemplo, ela e apresentada na rnidia coma um atributo essencial a vida de todas as mulheres, o que, de certa forma, reduz a mulher a uma dimensao superficial, limitada pela explora<;:ao do corpo. As drag queens, por meio de um corpo performitico, sao responsiveis por ressignifi.car essa padroniza<;:ao do modelo midiatizado de mulher. Na reconfigur~<;:ao do corpo, elas reproduzem tais modelos e possibilitam uma nova visao acerca dos valores que sao responsaveis pelo corpo estetizado nos meios de comunica<;:ao (SANTOS e VELOSO 2010). Dessa forma, sao questionados 0 ~ valores que orientam a superficializa<;:ao do corpo e a valoriza<;:ao excessiva da aparencia e, no caso da 6.gura feminina, e desconstruida a padroniza<;:ao dos modelos ideais apresentados pelas diversas rnidias em dialogo com a sociedade. A utiliza<;:ao de roupas e um construto de identidade de individuos, de forma<;:ao de Sociais e de adequas:ao ambient.al grupos A . (BARBOSA, 2005). ssun, as drags simbolizam a presens:a, em um 1:1esmo corpo, de tres dimensoes contlngentes da idade sigru· ficante: sexo anat6tnico corpore , ·d tidade de genero e performance de 1 en . £ . . • ro Ao 1·ustapor s1gnos errurunos a Utn gene . , . d d corpo masculino, a estetlca a . rag passa ser referenciada pelo corpo . lub~do, ou seia, a possibilidade deter uma 1dent1dade ambigua, · definida, uma demonstras:ao do cariter ~rtificialmente' imposto das identidades fixas (SANTOS e VELOSO, 2010). Portanto, o corpo hibrido funciona como uma estrategia discursiva de questionamentos da ordem politica e social, no qual sao abordados os valores que orientam a distin<;:ao entre masculino e feminino pela 16gica do sexo anat6mico. Segundo Oliveira (2016), a cultura drag ganhou uma nova vida com a chegada do Rupaul's Drag Race (RPDR), um reality show norteamericano que promove uma competi<;:ao entre drag queens que se submetem a desafios semanais para conquistar a coroa e o titulo de "American's Next Drag Superstar". 0 apresentador e idealizador do programa e RuPaul Andre Charles, um dos artistas mais ic6nicos da cena LGBTQI + norteamericana, que surgiu coma drag queen, em meados da decada de 1980, nos meios de comunica<;:ao dos ~stado_s Unidos. Ele foi responsive! por unpuls1onar o imaginirio estetico e a su~)Cultura drag queen nao s6 em seu pais de ongem, mas em diversas partes do mundo. A for<;:a e a repercussao da competis:ao Drag Race mobilizam cotidianamente uma verdadeira red d . _ 1 e e comurucas:ao que envo ve 0 compartilhamento e debate d~s conteudos do programa, fazendo com que ele se popularize e a s ~ • d . ua repercussao seia ca a vez maior A e ·b· ~ um · , . X1 l<;:ao do programa resultou em a sene de prod t .di, . u os rm atlcos com a tnesrna ternatica, nao s6 nos Estados Unidos, mas tambem B . r d . . no rasil; piginas em sites de e es soc1ais d di d ev . e ca os ao programa e entos direcion d , a com _ a os a arte drag, favorecem preensao e . d reality . 0 consume continuado o drag q'u:ssimbcomo divulgam e incentivam ens rasileiras. 0 numero de festas 15 dedicadasa art d b, e rag tam em cresceu exponenciahnente pelo pais, movimentando ~a engrenagem econ6mica pr6pria, ao Jun~ar no mesmo palco ex-participantes do reality norteamericano que realizam turnes por algumas cidades brasileiras, divulgando nao s6 o programa e o seu trabalho, mas as drags locais com decadas de carreira e outras que comec;:aram a se montar, incentivadas pelo . programa. Estas ex-participantes, inclusive, aconselharam o publico a valorizar as drag queens de seu pais. No Brasil foi re~ad~ ,um workshop de montagem p~a as artlstas, Ja que o programa facilitou a criac;:ao ?o ato_ de se ~ontar coma uma arte, o que impuls1onou diversas pessoas a assumirem seu lado performatico (CASTELLANO e MACHADO, 2017). Portanto, o programa vem crescendo e ganhando popularidade, criando uma nova cena drag brasileira, influenciada pela midia (OLIVEIRA, 2016) . Mesmo no atual cenario social brasileiro de , avanc;:os e retrocessos, em relac;:ao as questoes LGBTQI +, os produtos da industria cultural sao capazes de alterar estilos de vida, produzir linguagens, construir identidades e modificar o pr6prio contexto social. Ao mesmo tempo que o programa RPDR influenciou positivamente a cultura drag brasileira e aumentou sua popularizac;:ao, ele tambem e passive! de algumas criticas negativas no que diz respeito a sua forc;:a politica (CASTELLANO e MACHADO, 2017) . Tudo isso nao exclui o sadico campo do programa RPDR, ou seja, a supervalorizac;:ao do exagero, reforc;:ando papeis de genera e capitalizando causas politicas, em vez de_ questionar valores da sociedade. A noc;:ao · binaria de genero nao e posta em pauta de discussao, principalmente quando e exigido das drag queens uma maior feminilidade, enquanto as drags mais andr6genas vao sendo eliminadas do programa. Verifica-se, pois, certo esvaziamento politico, alem de um preenchimento consumista, no qual s6 e reforc;:ado o privilegio de quern esta fazendo a performance, e nao dos grupos minoritarios. Ainda assim, pelo menos, algum assunto inovador surge no publico mainstream e . pode se alastrar e transformar a sociedade coma um todo (CASTELLANO e MACHADO, 2017). As midias nao sao apenas uma alternativa para a realidade, mas sim uma parte importante dela. Ao mostrar as mais variadas questoes subjetivas de um individuo (sexualidade, identificac;:ao, constituic;:ao de vinculos e vivencia dos afetos), acaba-se estabelecendo uma relac;:ao comunicacional de massa, abrangendo e expondo inumeras subjetividades diferentes ao publico (SHIRKY, 2011). No cenano brasileiro atual, ganhou notoriedade Phabullo Rodrigues da Silva (nome de batismo de Pabllo Vittar), a drag queen mais influente da internet, a nivel mundial, tendo mais de 6.8 milhoes de seguidores em sua con ta do Instagram. Nesta plataforma, a artista posta fotos que exibem o seu cotidiano, em momentos em que esci montada como drag queen, que e quando suas postagens atingem uma maior quantidade de pessoas, mas tambem nas ocasioes nas quais nao esta performando (BRAGANc;:A, COSTAe GOVEIA,2017). A cantora propoe um ti.po de dinamica desestabilizadora, uma vez que escolheu um nome masculino para se representar, diferentemente da maioria das outras drags, que optam pot um nome feminino. Dessa forma, ha uma contraposic;:ao com a aparencia e dinamica mais pr6ximas do universo feminino, adotadas pelo artista. Em entrevistas, Pabllo deixa claro que nao se importa em ser chamada de artigos femininos ou masculinos, reforc;:ando a fluidez de genero (BRAGANc;:A, COSTA e GOVEIA, 2017). Como visto, atuahnente a cena drag vem ganhando especial destaque na cultura nacional e internacional. Este trabalho tern como objetivo, portanto, analisar a representac;:ao midiatica da cultura e arte drag queen, considerando-a uma posic;:ao politica importante no meio LGBTQI+. FUNDAMENTAy\OTE6RICA Segundo Debord (1967), na vida das sociedades constituidas pelas modernas condic;:oes de produc;:ao, tudo o que, antes, era 16 vivido de verdade acabou se tornando apenas uma representa<;ao. Em outtas palavras, o que e considerado importante hoje nao e o set, o ter ou o viver mas sim o mosttar que se e, se tern ou se vive, mesmo que nao seja real. Debord (1967) ainda afirma que o espetaculo nao e apenas um conjunto de imagens, mas uma rela<;ao social entte as pessoas, manifestada de diferentes formas, coma a propaganda e o enttetenimento. Conforme Kehl (2000), a presen<;a expansiva da televisao no cotidiano da modernidade gera a ilusao de tudo mosttar e tudo vet, em razao de seu poder imaginario. Assim, este simulacro, ou seja, a encena<;ao do real, nos da a falsa consciencia de que o que nos e mosttado, e veridico, que podemos vet o mundo exatamente do jeito que e pot meio das telas televisivas, mas na realidade, esconde-se o essencial, devido a grande profusao de imagens. Dessa forma, ha a banaliza<;ao da cultura e a ttansforma<;ao de noticias em puro enttetenimento; o conteudo midiatico ttansforma-se em mercadoria e destina-se ao consumo. Chaui (2006) argumenta que as empresas midiaticas acabaram espetacularizando a cultuta de tal forma que ela se tomou mero enttetenimento e mercadoria para consumo das massas. A industtia midiatica vende cultuta. Para vende-la, deve seduzit e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agrada-lo, nao pode choca-lo, provoca-lo, faze-lo pensar, ttazer-lhe informa<;oes novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparencia, o que ele ja sabe, ja viu, ja fez. Isso contribui para a cria<;ao de cidadaos cada vez mais alienados e para o esvaziamento da politica, deslegitimando o objetivo dos meios de comunica<;ao de garantit um conteudo plural e programas educativos, culturais e locais. Ademais, a midia cria categorias estigmatizantes. Conforme Heller (2008) o fenomeno do preconceito se perpetua pela ausencia de consciencia do humano-generico (consciencia do n6s) e pelo enraizamento do set no particular-individual (consciencia do eu). O individuo preconceituoso seria aquele que se prende a uma determinada opiniao, assumindo uma posi<;ao dogmatica que 0 un. pede de ter acesso a um conheci ..... .... ,iento mais fundamenta~o da questao, 0 qUal certamente o levarta uma no~a avalias:ao d suas opinioes. Assun, o lndividuo fi e . ca fechado em suas parttcularidad . ali d es necessidades e mteresses, ena o no eu s ' . ' em compromettmento com o outro. Beller (2008) compreende o pre~~nceito como "urn tipo particular de )UlZo ptovis6rio" classificando-o, en~a~, com~ ~a categoti~ do pensamento cotldi~no cuio alicerce e a fe. Confian<;a e fe sao ~ensoes afetivas que sustentam o conhecunento ptovis6tio presente na cotidianidade. 0 carater provis6rio, baseado na confians:a do individuo em sua opiniao, possibilita que 0 juizo se altere a partir da experiencia. J a 0 preconceito e o pensamento baseado na fe, nos juizos ulttageneralizadores que com 0 tempo se tornam permanentes, ou seja, uma forma de pensar cuja dimensao afetiva (a fe) a impede de ttansformar-se mesmo que a razao se interponha e refute as bases da cren<;a. Os juizos proporcionam certa conformidade, uma vez que sao resultantes do carater imediatista da vida cotidiana, que exige a tomada rapida de decisoes. No Brasil, o monop6lio midiatico e a ausencia de regula<;ao dos meios de comunica<;ao (BORGES, 2009) refor<;am os mecanismos da fe, explorando-a para cristalizar cren<;as e evitar qualquer tipo de reflexao. De acordo com Kehl (2004), o desenvolvimento tecnol6gico e a expansao da internet favoreceram as alteras:oes que ja vinham ocorrendo na rela<;ao entte o publico e o privado. Diferentemente da sociedade burguesa, em que aspectos da vida cotidiana pertenciam ao ambito privado, a sociedade contemporanea e baseada na 6tica da publicidade e do capital, da centtalidade das imagens, tornando o que outtora era privado em publico, cujo valor se concentra na visibilidade.Segundo Debord (1967), tal inversao en_tre 0 que e publico e privado, e consequenoa de ~a nova perspectiva que vern se lnstaurando ha meio seculo, em que sociedade nao vive mais em fun<;ao e nao e · da mats tegulada pot assuntos advindos 17 politica e da religiao, e sim pelo prisma do espetaculo. Dessa maneira, a visibilidade e a publicidade do espetaculo tornam-se mais importantes e tomam o lugar dos assuntos do mundo politico, gerando maior atribui<;ao de significado a todo e qualquer aspecto da vida cotidiana privada, dotado de insignificancia e desproposito (KEHL, 2004) . Assim, a participa<;ao ativa dos individuos em assuntos relacionados a cidadania e a esfera publica esvazia-se, prevalecendo o desinteresse pelas coisas publicas, que sao o que efetivamente tern relevancia para a vida coletiva. Entretanto, de acordo com Arendt (2014), a modernidade tern um fasdnio pelas questoes irrelevantes e banais do espa<;o privado. METODO 0 presente estudo tern como base entrevistas com quatro colaboradores: tres drag queens e uma estudante de Radio e TV engajada com a arte abordada neste trabalho. A escolha dos tres primeiros entrevistados deve-se a tentativa de investigar a tematica da maneira mais direta possivel, isto e, por meio da experiencia das drags. Alem disso, foi escolhida uma estudante engajada na midia, com a finalidade de explorar as repercussoes do universo drag queen nesse setor. As entrevistas foram executadas a partir de um roteiro serniestruturado com nove perguntas, elaborado pelos pesquisadores. Como os colaboradores eram de areas diferentes, decidiu-se elaborar perguntas espedficas para contemplar as diferens:as. As narrativas foram interpretadas sob o metodo da Analise de Conteudo e a luz das teorias desenvolvidas na disciplina. ANALISE DA EXPERIENCIA Relacionando as reflexoes advindas de Debord (1967) e as falas dos entrevistados, verifica-se que a arte drag e retratada na midia majoritariamente coma uma forma de entretenimento. "Na maioria das vezes, a midia retrata a drag queen, se a gente precisar achar um ponto de confluencia, a midia retrata a drag queen coma entretenimento." - G.R. Des ta maneira, a realidade que esta arte busca retratar e delimitar apresenta-se de forma distorcida na esfera publica em fun<;ao dos apelos midiaticos, no momenta em que , somente uma parte deste universo e explicitada, universo este que e encoberto e moldado de acordo com o que mais convem ser mostrado e/ ou ocultado pela midia 'espetacularizadora'. Tal reflexao pode ser constatada nos seguintes trechos das narrativas dos entrevistados: "A midia da TV vende de uma forma e ... quer . .. usa as drags pra audiencia, pra trazer retorno, entao des vendem o que a populas:ao geral vai gostar mais." - V.E. "O que ta sendo mostrado como drag pras pessoas nao e nem 1 % do que e drag". - A.D. E possivel perceber que tais situa<;oes refors:am o dialogo entre a realidade pratica dos individuos e as no<;oes de espetaculariza<;ao e visibilidade rnidiaticas discutidas por Kehl (2004) e Debord (1967), uma vez que estas exercem suas fun<;oes no sentido de ocultar e minimizar o espectro politico e engajado do ser drag. Deixa-se a mostra para a sociedade somente a imagem de drag mais atrativa para o comercio de hens simbolicos, a mais apelativa e caricata, a menos impactante, menos real e mais pronta para o consumo do ser drag. Os seguintes discursos demonstram o que essa arte deveria ser e a ocorrencia desse esvaziamento politico: "Ser drag queen pra mim e uma expressao artistica, e uma forma de arte, mas coma todas as artes e um ato politico" - G .R "( ... ) a Pabllo nao faz musica de gay para gay, de LGBT para LGBT, ela faz musica de LGBT para mainstream. Entao, se voce pegar a letra das musicas dela, poderia ser cantada, sei la, pela Anitta, sei la, por qualquer pessoa. Nao e uma musica que ela fala sabre ser gay, sabre ser drag" - A.D. 18 "As pessoas, elas nao valorizam a arte drag, muito por ser do meio LGBT. Se fosse uma coisa como pessoas hetero fazerem uma coisa diferente na cara, colocar uma peruca, mudar de aparencia, talvez nao seria tao dificil das drags atingirem o "mainstream'' coma esta sendo dificil." - A.D. Como apresentado anteriormente, Kehl (2004) discute a espetaculariza<;:ao das formas simb6licas. A banalidade, trivialidade e futilidade da vida cotidiana sao responsaveis por transformar em espetaculo tudo aquilo que e essencial, devido a um excesso de imagens e informa<;:6es expostas, nem sempre veridicas. As drag queens que, por meio de sua performance, objetivam transmitir ao publico uma mensagem de carater s6cio- politico, acabam sendo vistas apenas como entretenimento. Sendo assim, seu conteudo vira mera mercadoria destinada ao consumo, como e retratado pelos entrevistados nos trechos abaixo: "Eu acho que e isso que mudou, a quantidade, o tipo de servi<;:o que a gente entrega, porque a gente, antigamente, s6 tinha oportunidade de ser hostess numa balada, de fazer uma performance; hoje em dia, as manas estao cantando na TV, cantando na radio, dan<;:ando, indo pra pe<;:as de teatro, estao fazendo varias coisas." - V.E "Entao, eu acho que e esse estilo que domina, as que parecem mais femininas, mais bonitas, mais com o concreto de bonito que e comprado pelas pessoas, que vendido pela midia e tal." - V.E. "( .. . ) a gente ve essa_s par6dias na Pra<;:a E Nossa, no Zorra Total, essas formas mais caricatas e usadas pra uma forma meio que pejorativa." - V. E. "Eu posso ver assim que ela [a midia] ta se aproveitando, mas ela, ao mesmo tempo que esta se aproveitando disso pra criar assunto, ela esta mostrando isso pras pessoas" - G .R. Chaui (2006) tambe_~ P:oblematiza essa questao da mercantiliza<;:~o , do. conteudo midiatico ao pontuar que a mdustna tnidiatica vende cultura, provocando um esvaziarnento da politica, ou seja, o que a midia veicula nao faz refletir, pois ela reproduz com nova roupagem informa<;:6es , . antigas, impossibilitando o pensa~ento _c~t:J.co. Hoje, embora a drag queen esteJa mats lnserida no meio social, sua apari<;:ao nas grandes midias acontece de forma padronizada, com a qual as pessoas ja estao acostumadas, nao havendo um choque ou um estranhamento, revalidando, assim, categorias estigmatizantes. 0 padrao socialmente aceito, impasto a arte drag queen, repete o padrao de feminilidade e beleza estabelecido para as mulheres, representando-as, muitas vezes, apenas como objetos sexuais, o que pode ser identificado nestes trechos das falas dos entrevistados: "A midia, eu acho que ela quer um padrao de drag queen. Entao, ela te entrega uma coisa que ja ta pronta, que ja ta . . . uma coisa comercial, coisa vendivel. Ela fala 'O, isso aqui e ser drag queen'. E voce chega no role e nao e nada daquilo. Tern uma ou outra que e daquele modelo que a midia te entrega e tern milhares que fazem uma coisa totalmente diferente, totalmente voltada pra outro lado artfstico, que e drag, continua sendo drag" - V. E. "Essa e uma questiio de tipo assim, agora as drags que conseguem mais valor sao as drags que tern uma caracteristica especifica. Sao aquelas que tipo aparentam ao maxima uma mulher. Bern menininha, cabelo liso, peruca lisa, uma make basica. Essas siio as drags que a midia aceita." - A. D . "Quando a gente fala da drag, ela trabalha a forma da mulher, e 0 conteudo socio hist6rico brasileiro decantado de mulher e objeto sexual." - G. R. A impossibilidade de pensamento critico, gerada pelo consumo consecutivo de 19 diferentes formas da mesma informac;:ao propagada pelas rnidias, concretiza no individuo a sua fe em juizos ultrageneralizadores. Estes sao essenc1a.ts para as respostas imediatas exigidas na vida cotidiana; porem, quando cristalizados, sao os geradores do preconceito. 0 individuo e, entao, incentivado, segundo Heller (2008), a se prenderno particular-individual, em suas necessidades e interesses, eximindo-se do compromisso com o outro, contato impedido que o levaria, talvez, a uma nova avaliac;:ao de suas opinioes. Portanto, ainda que essencialmente a arte drag queen seja contraria a dicotomia de genero, quando padronizada e transformada em mero entretenimento para consumo das massas, nao gera possibilidade de reflexao e acaba funcionando como agente reforc;:ador de preconceitos, perdendo sua importancia politica. Posto isso, aqui constam relatos mais diretamente relacionados ao preconceito vivido pelas drag queens e sua representac;:ao midiitica: "Eu acho que a rnidia influencia na produc;:ao do preconceito sim, porque preconceito tem a ver com desinformac;:ao e as pessoas se informam pela rnidia ... qualquer coisa que voce nao mostrar com respeito pela rnidia, que a rnidia nao mostra com respeito, as pessoas nao vao enxergar com respeito. A gente e muito influenciado pela rnidia e todo mundo e, nao tem como voce sair disso." A. D. "E as vezes as drag queens nao tao fazendo nada demais, elas estao cantando, es tao fazendo uma performance e e mostrar que e uma arte, que a gente esti legal. E eu acho que rnidia, a TV possibilita isso, ela ti mostrando, ela ti vendendo como entretenimento e e O que a gente e, eu acho incrivel" - V. E . "Eu acho que sempre haveri preconceito, pois, a fonte do preconceito e a falta de instruc;:ao, e como a gente mora em um lugar onde existe pouquissima instruc;:ao e a instruc;:ao fica sempre restrita aos mesmos lugares, sempre vai haver preconceito fora desses lugares" - G. R. "( ... ) a drag rompe com o conceito confortivel de genero, entao, a drag, ela e um corpo nao habitual ocupando um lugar nao habitual. Essa e a primeira visao, nos moramos num pais, o segundo que mais mata pessoas LGBT no mundo" - G. R. "( ... ) ninguem enxerga como trabalho, ninguem enxerga como uma coisa vilida que uma pessoa faz. Entao, a falta de informac;:ao na verdade e o maior problema." -A. D. "Se voce for olhar as drags que tao com mais sucesso agora, 90% comec;:ou a fazer drag por causa de RuPaul's Drag Race (RPDR). Entao, assim foi uma coisa que ajudou muito na cena drag, demais, demais, demais. Por mais que tenha colocado na cabec;:a alguma limitac;:ao do que e ser drag, o programa RPDR, pra quern quis se montar, foi perfeito" -A. D. CONSIDERA<_;OES FINAIS Observando as articulac;:oes presentes no texto, e possivel perceber como a arte drag queen e retratada na rnidia. Ao mesmo tempo que a expressao e visibilidade do universo drag aumentou, a forma como esta arte e exibida nos veiculos de comunicac;:ao nao corresponde a realidade plural da cultura drag no Brasil. Com isso, a pretensao de que o preconceito poderia ser combatido pela expansao da visibilidade midiitica, nao condiz com a pritica. 0 aumento da visibilidade nao deixa de colaborar pos1t1vamente com o estabelecimento do espac;:o do ser drag. No entanto, a partir do momento que a arte nao pode expressar-se adequadamente e e impossibilitada de ser reconhecida integralmente, tal considerac;:ao apresenta limitac;:oes e exige uma reflexao acerca dos metodos de combate ao preconceito. 20 Apenas uma pequena parcela da sociedade entende de fato o que ea arte drag queen. Na midia, ambiente que poderia divulgar esse conhecimento, as drags que estao em destaque sao as que seguem um padrao de beleza feminino. Isso pode acarretar maior preconceito e estigmatizac;:ao contra as drags que se encontram fora desse padrao. A linguagem midiatica comumente elimina as pluralidades, constr6i categorias homogeneas, anula a dimensao politica e coletiva dos fenomenos e comercializa os conteudos culturais e simb6licos. E valido ressaltar que o aumento da visibilidade da arte em questao influenciou diversas drag queens atuais a comec;:arem a se montar, porem, ate que ponto elas estao livres e seguras para faze-lo? 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Ela banaliza tais fen6menos e gera uma especie de espetaculo, no qual o espectador sedistancia da versao do fato e apenas a consome, diante do apelo emocional produzido pela tecnologia midiatica. 0 espetaculo e criado para vender o produto, o que leva a transformas;ao da violencia em barbarie e tragedia a partir de um discurso apelativo e fetichizado. "Consiste no empobrecimento, na sujeis;ao e na negas;ao da vida real, sobressaindo-se a aparencia ( ... ) Caracteriza-se pela generalizac;o do fetichismo da mercadoria que invade a vida cotidiana" (PATIAS, 2005, p.13). N esse contexto em que as experiencias sao moldadas pelos diferentes ti.pas de espetaculo, as pessoas nao sao mais agentes de sua pr6pria hist6ria, mas submetidos aos espetaculos consumidos. Como consequencia disso, criam-se conteudos no imaginario social denominado por Porto (2009) de "a lei do mais forte", que consistem na crens;a de intranquilidade e caos, e de que cada um deve pensar e agir por si pr6prio. Na divulgas;ao de tais fen6menos pela midia, nao se fazem necessarias evidencias, OS fatos sao menos importantes que sua versao, a qual serve de bussola para orientar os atores sociais. Conforme Porto (2009), violencia e medo sao conceitos hom6logos e suas realidades sao inseparaveis no contexto brasileiro. A cultura do medo, de acordo com Pastana (2005), corresponde a todos os valores e comportamentos do senso comum que d m a ideia de insegurans;a quando repro uze d . . lid d · dos a questao a cruruna a e. o assoc1a medo sempre acompan~ou o hom~m e, por . , recorrente senttr a necess1dade de eso, e _ c grupos visando a protes;ao e 0 1ormar fortalecimento para enfrent~r as c,:ms~s do do. No entanto, nessas c1rcunstanc1as de :~eas;a, nao raro se utiliza de estrategias de dominas:ao politica. c da vez mais, a midia assume a funs;ao de e:plicar O mundo e produzir significados para os fatos sob a forma de representas;ao social, 0 que lhe confere poder pa~a apresentar a populas;ao sob c~rta perspectlva o qua~o da violencia, determmando em alguma medida o pensamento e comportame~to das massas. O noticiario provoca sensas:ao de medo e refors;a o sentimento de impotencia do ser humano diante do mal; as noticias de crime influenciam a perceps:ao de segurans;a, gerando insegurans:a e ate mesmo panico. A midia, ao fazer uma cobertura do cotidiano, acaba por transmitir noticias de crimes e violencia, que acarretam o aumento da ansiedade, do medo e da sensas;ao de incerteza. E possivel reconhecer que a midia e tendenciosa, podendo difundir preconceitos, estigmas e opinioes ja formadas, alem de induzir a realizas:ao de novas delitos (AGUIAR, 2008). No entanto, ao mesmo tempo que a midia propaga a insegurans:a, suscita a busca pela segur~s;a. Uma suposta vida segura e oferec1da e prometida pela mercantilizas:ao da se~ans;a a partir da compra de quaisquer me10s que protejam tanto a vida do individuo qu~t~ se~s ~e~s (AGUIAR, 2008). A ~dia nao e 1mparcial, pois faz uma leitura enviesada e descontextualizada dos chamados indices de violencia de forma a apresenta-los sempre em' expansao (ADORNO,l99S). E como resposta a ?0 ~ulas;ao tern uma reas;ao exagerada a esses ~dices fugindo da normalidade do dia a dia. medo exacerbado se incorporou a rotina das , pessoas que vivem em grandes ~e~opoles como Sao Paulo. A cultura do paru~o altera comportamentos interfere na arquite~a da cidade (muros 'mais altos e construs;ao de co d , . lucr n °nuruos) e ate fomenta o 0 eocres · cimento de empresas de 23 seguram;:a, que faz com que individuos se protejam ao maximo com tecnologias e evitem sair de casa (CALDEIRA,1997). Em nome da seguram;:a, consumem-se produtos para se sentir mais protegido e modifica-se o desenho arquitetonico da cidade, gerando novas formas de segrega<;:ao espacial, desapropriando os espa<;:os publico~ e enfraquecendo a cidadania da popula<;:ao. Quando se trata de uma classe social dominante, adota-se como estrategia o distanciamento da cidade, a cria<;:ao de espa<;:os distantes de controle restrito, ocupado pelo mesmo publico elitizado, homogeneo (mesmo poder aquisitivo e gostos pessoais). Surge, assim, a figura dos condominios fechados, caracterizados pela ausencia de diversidade social. Segundo Caldeira (2000) "a elite paulistana tern usado o medo da violencia e do crime para justificar tanto as novas tecnologias de exclusao social quanto sua retirada dos bairros tradicionais de Sao Paulo" (p.12). Em rela<;:ao as classes mais pobres, e possivel observar que a popula<;:ao deixa de frequentar os espa<;:os publicos, permanecendo em suas residencias e evitando sair desse ambiente. (PASTANA, 2006). As diversas formas de manipula<;:ao midiatica mesmo em um contexto de democracia transformam a cultura do medo em uma grande aliada no controle da popula<;:ao. De acordo com Pastana (2005), e ( ... ) oportuno visualizar o medo inserido nas transforma<;:oes politicas e sociais mais recentes da nossa hist6ria, para relaciona-lo com suas justificativas e, a partir dai verificar em que momento come<;:ou a se formar, no Brasil, uma verdadeira cultura do medo, no caso relacionada a violencia criminal. (p.184) Toda cultura do medo visa, em alguma medida, distanciar o povo de sua cidadania, os distraindo de suas reais necessidades, inibindo poss1ve1s reivindica<;:oes e legitimando politicas autoritarias. 0 espa<;:o publico se toma desocupado, desapropriad_o e vazio, apenas um lugar de passagem no dia a dia. A domina<;:ao institucionalizada conta com o apoio da midia, que constr6i uma atmosfera de panico generalizado por meio de noticias sensacionalistas, tao uteis aqueles que estao no poder. Para Pastana (2005), "neste contexto paradoxal entre liberdades civis e repressao arbitraria da criminalidade, manifesta-se a domina<;:ao atraves do medo que da legitimidade a atos e discursos politicos contrarios a pr6pria democracia" (p. 193). Sao criados mecanismos ideol6gicos destinados a justificar politicas autoritarias: a dicotomia entre o bem e o mau, o Estado contra os bandidos, e uma popula<;:ao espectadora, exigindo puni<;:oes severas para aqueles que transgridem a lei. Nesse contexto, tais praticas autoritarias sao consideradas emergenciais para proteger o povo, diluindo a opressao que vem com elas e criando pretextos para legitima-las. As midias desempenham a fun<;:ao de dar cobertura "a luta contra o crime", "a guerra as drogas", como estrategias para alastrar o panico na sociedade e difundir a cren<;:a de que e necessario e inevitavel que o govemo assuma um papel autoritario para conter o caos e instaurar a ordem. Tudo isso deve ser entendido considerando o processo de redemocratiza<;:ao p6s-ditadura militar brasileira, cuja constru<;:ao nao contou com a participa<;:ao direta e efetiva da popula<;:ao brasileira, permitindo, assim, que a elite permanecesse no poder, disseminando suas ideologias para favorecer seus interesses. Nesse momento, ocorre o distanciamento da popula<;:ao de suas reais necessidades e a fragiliza<;:ao de um govemo verdadeiramente democratico, tudo por meio da cortina de fuma<;:a do panico frente a violencia criada com o auxilio da midia. Por fim, cabe salientar que a elimina<;:ao de meios que conectam o individuo ao Estado, desencadeando crises politicas e desajustes sociais, atribuindo a culpa a um grupo espedfi.co, e uma estrategia utilizada para a manuten<;:ao da 16gica da domina<;:ao (PASTANA. 2005). Este estudo resultou da realiza<;:ao de um estagio basico que teve como objetivo investigar a rela<;:ao da midia com a cultura do medo, utilizando como principal mecanismo 0 USO da violencia para manipula<;:ao das 24 informac;:6es, o que pode consequenteme~te gerar preconceitos e fragilizar a democracia. FUNDAMENTA<;AO TEORICA Segundo Heller (2008), o homem nasce inserido em sua cotidianidade, nao sendo possivel dela escapar completamente. A vida cotidiana e a vida de todo individuo, que e sempre ser particulare ser generico. 0 ser generico constitui todo homem e determina toda atividade que tenha uma dimensao generica, embora suas motivac;:oes sejam particulares. Na modema estrutura cotidiana, na particularidade submeteu humano generico, as necessidades e interesses da integrac;:ao social. Agnes Heller (2008) define a vida cotidiana segundo as seguintes caracteristicas: e espont:anea (ac;:6es nao refletidas e repetiti.vas); pragmatica (as relac;:6es entre as atividades realizadas e suas consequencias sao medidas em termos de funcionalidade e probabilidade); economicista (mais rapidez com menor esforc;:o das ac;:6es e dos pensamentos); imediatista (as atividades diarias sao realizadas de forma instantanea, sem recorrer a reflexao); baseada mais na fee na confianc;:a do que em experiencias empmcas ou sistemas argumentativos; imitativa (aprende-se a agir no cotidiano por mimese) e, por fim, em juizos provis6rios ultra generalizadores. A midia exerce influencia na sociedade, vista que as noticias abordam exatamente a vida cotidiana das pessoas. A cada programa transmitido pela TV, novas tendencias de beleza, moda e comportame~to surgem e sao inseridas no cotidiano dos individuos estimulando seu aspecto imitativo. Alem d; impor padr6es a serem seguidos, a midia tambem define quais assuntos serao pauta para a populac;:ao, bem coma, estipula qual posicionamento o individuo deve tomar em relac;:ao a situac;:ao exposta. 0 poder da midia regula e seleciona o que e mais importante e o que deve ser pauta das conversas informais que caracterizam a vida diaria; o emissor da noticia oferece informac;:6es, interpretac;:6es e explicac;:6es. 0 espectador aceita e repass . a para outros, mmtas vezes sem questionar ' 0 rna esse processo continua que to ' demonstrando, dessa forma, duas t risticas citadas anteriormente: a carac e . . di 'd espontaneidade, pois o 1n V1 uo. reproduz uma noticia sem ao menos entende-la, antes meio da mimese pelo fato de que repete por . 1 • . aquilo que foi dito. S1mu taneo a 1s~o'. pode- se identificar a natureza economic1sta da cotidianidade (HELLER, 2008), pois 0 objetivo de ler a noticia se da de forma mais rapida e com o menor esf~rc;:o possivel para gerar certa praticidade _na vida. . . Ao associar o conce1to de economic1smo com a midia na modernidade, e possivel afirmar que, alem da tendencia a uma leitura mais rapida e menos aprofundada, os meios eletronicos e digitais tendem, tambem, a apresentar as noticias de forma inexata e minima. Segundo Heller (2008), a vida cotidiana elabora formas de conhecimento, baseadas em juizos provis6rios e ultra generalizadores, ou seja, apenas em experiencias praticas. Desse modo, generalizando quern sao os agentes causadores da violencia, a midia pode beneficiar-se, pois fica mais facil propagar a inseguranc;:a nos cidadaos e influencia-los em favor de seus interesses, ja que a populac;:ao com medo e vulneravel a manipulac;:ao. Essa situac;:ao gera preconceito depositado em det~rminados grupos sociais, pois a soc1edade acreditara, baseada na fe mais do que ~m evidencias empiricas, que determinados grupos (principalmente negros, pobres, perifericos e jovens) sao os maiores ca~sadores do perigo, os quais se tornam, assim, · bode expiat6rio da classe economicamente privilegiada. ? fen6meno da sociedade do especiculo infl . . uencia diretamente a construc;:ao de crenc;:as e, consequentemente a gerac;:ao de preconceitos - rnantidos pela' fe (HELLER, 2008) cu1·a · · · , ua ' principal caracterist1ca e s condirao de d d , 1 a .,. ver a e absoluta impermeave qualquer tipo de questionam:nto. Assim, urn argurnento · ....,, difi racional e empirico encoolJ. .. n 1 £';11dade ern rnudar urna reflexao baseada a e. !eguudo Kehl (2004), a etica da visibilidade ecorre da · d s ca..... orupresenc;:a da televisao e a ..... ,.eras q 'd ' ue ocuparn o centro da V1 a 25 domestica dos brasileiros, dando a ilusoria impressao de tudo mostrar e tudo ver. As esferas publica e privada sofrem alterac;:oes e deslocamentos de modo que se verifica um alargamento da vida privada, invadindo e fragilizando , o . mund~ publico. A politica (~sp~~o pu~lico) e substituida pela v1S1bilidade mstantanea do show e da publicidade, caracteristica da sociedade do ~spetaculo. Nessa sociedade, prevalecem as una~ens . adequadas ao espetaculo dos teleJo~ais, confeccionadas com apelo emoc1onal e incitac;:ao da fe. O individuo generaliza o que foi passado na midia, transformando uma versao da realidade na unica forma de compreende-la, reduzindo a representac;:ao ao real. Chaui (2006) concebe o espetaculo como uma especie de simulacro, simulac;:ao do cotidiano, despertando na audiencia crenc;:a em parte do que esta sendo mostrado. Em sua concepc;:ao, para obter a fe dos espectadores, a midia substitui as definic;:oes de verdade e f alsidade pelas noc;:oes de credibilidade, plausibilidade e confiabilidade. 0 real passa a ser aquilo que e plausivel ou acreditavel. Nao ha uma preocupac;:ao em revelar a realidade e transmitir o mais fidedignamente possivel os fatos, mas em parecer crivel e fi.el aos acontecimentos. Nesse processo, oculta-se tudo que nao e possivel compreender a partir da linguagem das imagens, esconde-se o essencial (segredo generalizado) e suprime-se a dimensao hist6rica dos eventos, favorecendo a operac;:ao do esquec~ento. A industria midiatica, pois, nao informa o publico dos fatos em si, mas explora sentimentos e opini6es pr6prias sobre o que e apresentado, colaborando para provocar falta de conhecimento sobre os acontecimentos, pois o que passa a ser conhecido, na verdade, sao as impressoes do locutor. Privilegiam-se sentimentos e emoc;:oes, abandonando-se o com~r~misso da comunicac;:ao com a transm1ssao da verdade factual que, certamen~e, possib~t~a ao espectador/ leitor conStrul! suas propnas versoes da realidade. Arendt (2007) afirma que existir e fazer-se visivel no espac;:o publico, e fazer-se visivel depende da conjunc;:ao entre o discurso e a ac;:ao. Podemos, desta forma, tambem citar o argumento de Kehl (2004), segundo o qual a expansao da televisao foi desenvolvendo, aos poucos, um espac;:o de visibilidade paralelo ao da arena politica. Adaptou-se, entao, a substituic;:ao do espac;:o publico pelo espac;:o da visibilidade televisiva. Assim, se a televisao ocupa hoje a esfera publica, o espac;:o privilegiado do encontro virtual entre membros da sociedade do espet:iculo e o espac;:o domestico. E justamente por existir a aproximac;:ao do espet:iculo com o espac;:o domestico (privado), que o simulacro se torna um entretenimento, ou seja, aquilo que e transmitido pelos meios de comunicac;:ao de massa nao e o fato, o ocorrido em si, e sim sua encenac;:ao, a fim de entreter o telespectador. METODOLOGIA Para analisar a relac;:ao da midia com a violencia e a cultura do medo, realizaram-se tres entrevistas semiestruturadas registradas em video. Os entrevistados foram os jornalistas Cesar Foffa (Folha de Alphaville), Luis Samartino (Faculdade Casper Ll'bero) e Rodrigo Ratier (Faculdade Casper Ll'bero). Foi elaborado um roteiro contendo dez perguntas relacionadas ao tema a serem respondidas pelos entrevistados. Com base nas entrevistas, foram selecionados os trechos mais importantes, realizada a minutagem, a transcric;:ao e a posterior edic;:ao do video. Por fun, foi feita a articulac;:ao dos trechos das entrevistas com a fundamentac;:ao te6rica. ANALISE DA EXPERIENCIA Os encontros com os entrevistados possibilitaram a an:ilise da tematica da cultura do medo e do discurso da violencia no contexto da sociedade midiatizada, por meio das teorias e conceitos de Heller (2008), Arendt (2007), Kehl (2004) e Chaui (2006). 26 Os trechos abaixo explicitam diversos conceitos das autoras discucidos na fundamenta<;ao te6rica. Chaui (2006) discorre sobre a manipula<;ao da midia de
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