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LIVRO I DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS TÍTULO ÚNICO DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS Capítulo I Das Normas Fundamentais do Processo Civil CPC/2015 Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. COMENTÁRIOS: Jurisdição, ação e processo. Provocada por meio da ação, a jurisdição vai atuar com vistas à definição, à realização e ao acautelamento dos direitos substanciais deduzidos pelos litigantes. Esse agir da jurisdição, contudo, não se dá de forma aleatória. Ele se opera por meio do processo, o qual, por sua vez, tem seus contornos definidos pelas normas jurídicas. Levando-se em conta o direito material subjacente, para efeitos didáticos, subdivide-se o processo em: civil, penal, trabalhista e eleitoral. Pois bem, o processo civil será ordenado e disciplinado conforme as regras e os princípios previstos no Código de Processo Civil. Não se pode olvidar, entretanto, da supremacia da Constituição e da completude do ordenamento jurídico. O fato de o Código conter um arcabouço principiológico não afasta a aplicação de outros princípios insertos no ordenamento, notadamente daqueles extraídos da Constituição (explícita ou implicitamente). Por fim, não se pode esquecer de que, ao mencionar as “disposições deste Código”, o legislador incluiu também os precedentes judiciais. É que a partir do novo CPC não haverá mais dúvidas no sentido de que os entendimentos dos tribunais superiores também integrarão o rol das fontes formais do direito. Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. COMENTÁRIOS: Princípios da demanda e do impulso oficial. O art. 2º do CPC/2015 manteve o preceito instituído no art. 262 do CPC/1973, o qual ratificava a necessidade de provocação da jurisdição para formação da relação jurídico-processual. Do ponto de vista instrumental, essa provocação é feita pela petição inicial. Ajuizada a ação, ou seja, protocolada a petição inicial, o processo segue o procedimento previsto em lei, cabendo ao juiz impulsionar os atos subsequentes. Ressalte-se que a não repetição do art. 2º do CPC/1973 não indica qualquer prejuízo, uma vez que a ideia nele inserida já era reproduzia pelo art. 262. Os fundamentos dessa norma, que deriva dos princípios da demanda e do impulso oficial, são resguardar não só a liberdade dos jurisdicionados de buscarem ou não a tutela de seus direitos e interesses, como também garantir a imparcialidade do magistrado. Exceções ao princípio da demanda. Há, no entanto, casos em que a lei autoriza o juiz a iniciar, de ofício, o processo ou etapa dele. Por exemplo: (i) execução trabalhista (art. 872 da CLT); (ii) decretação de falência de empresa sob o regime de recuperação judicial (arts. 73 e 74 da Lei nº 11.101/2005). No CPC/2015 podem ser citados os seguintes exemplos de atuação ex officio do juiz: arts. 536 e 538, que autorizam o juiz a dar início ao cumprimento de sentença nas obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa; art. 953, I, que trata do conflito de competência e insere o juiz como legitimado para suscitar o conflito; art. 977, I, que admite a instauração do IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) pelo próprio juiz ou relator. Vale destacar que o novo CPC não repetiu a redação do art. 989 do CPC/1973, de modo que não mais se admite a instauração de inventário ex officio caso os legitimados não o façam no prazo legal. Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. COMENTÁRIOS: Princípio da inafastabilidade. O caput do artigo contempla o denominado princípio da inafastabilidade da jurisdição, também conhecido como princípio do acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Segundo esse princípio, todos têm direito de buscar a tutela jurisdicional do Estado visando à solução de conflitos decorrentes da vida em sociedade. O Estado, a quem a Constituição outorgou o poder de solucionar os litígios em caráter definitivo, não pode delegar ou se recusar a exercer essa função. Vale salientar que a inafastabilidade se dá apenas nos casos de “ameaça ou lesão a direito”. O Judiciário não pode substituir a atividade privada ou os órgãos administrativos. Invocar a tutela jurisdicional do Estado para compelir uma instituição bancária a fornecer o extrato da contracorrente sem ao menos ter procurado o caixa eletrônico ou o funcionário do banco caracteriza falta de interesse processual. O mesmo ocorre quando se pleiteia aposentadoria diretamente à justiça sem que tenha ocorrido prévia manifestação do instituto de previdência.1 Zulmar Duarte destaca, contudo, que, “no Código, a ‘ameaça’ veio antes da ‘lesão’. A inversão, além de lógica (a ameaça normalmente precede a lesão, ainda que instantaneamente), não deixa de chamar a atenção pelo prestígio assumido hodiernamente pela tutela de urgência”.2 Juízo arbitral. A constitucionalidade da Lei da Arbitragem (nº 9.307/1996) já foi objeto de questionamento no STF, ao fundamento de que a faculdade que têm as partes de recorrerem a um juiz privado (árbitro) para solução dos litígios afrontava, entre outros, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV e LIII). O STF, por maioria, declarou a constitucionalidade da norma. Essa decisão do Supremo agora é ratificada pelo CPC/2015, que textualmente dispõe: “é permitida a arbitragem, na forma da lei” (§ 1º). Outros meios de solução dos litígios. O novo CPC não tem por foco exclusivamente o processo jurisdicional. O processo, na visão contemporânea, é policêntrico. Caminha para frente, no sentido da composição, seja pela outorga da sentença estatal, da sentença arbitral ou do acordo entre as partes. Na perspectiva do novo Código não se afigura correto falar em “meios alternativos” de solução de litígios para se referir à arbitragem, à conciliação e à mediação. Não mais se pode falar em relação de alternatividade entre o processo jurisdicional e os outros meios de solução consensual dos litígios. Todos, igualmente, são contemplados no novo Código e devem ser promovidos pelo Estado (§ 2º) e estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (§ 3º). Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. COMENTÁRIOS: Princípio da duração razoável do processo. O dispositivo traz para o ordenamento processual civil o princípio da duração razoável do processo, já positivado na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII)3 e na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 1).4 O inciso II do art. 139 do CPC/2015 também reforça esse princípio ao dispor que cabe ao juiz velar pela duração razoável do processo. A observância da duração razoável do processo comporta duas dimensões: uma intraprocessual, ligada ao dever de adequação do procedimento, conforme os contornos do direito material subjacente, e outra extraprocessual, referente à organização da atividade jurisdicional como um todo. Diversas normas do CPC/2015 buscam a concretização desse princípio, a exemplo do art. 235.Sobre o parâmetro para se auferir a razoabilidade no que tange à duração do processo, é possível utilizar o disposto no art. 97-A da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições),5 mas sem esquecer de que algumas peculiaridadesdo caso concreto podem justificar eventual atraso. Princípio da primazia do julgamento do mérito. O dispositivo em comento também consagra o chamado princípio da primazia do julgamento do mérito, que pode ser sintetizado da seguinte forma: o julgador deve, sempre que possível, priorizar o julgamento do mérito, superando ou viabilizando a correção dos vícios processuais e, consequentemente, https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr1 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr3 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr4 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr5 aproveitando todos os atos do processo. Outros dispositivos do novo CPC traduzem esse princípio: art. 6º; art. 282 e §§; art. 317; art. 352; art. 488; art. 932, parágrafo único; e art. 1.029, § 3º. Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. COMENTÁRIOS: Princípio da boa-fé processual. A conduta de todos os sujeitos processuais,6 e não somente das partes, deve seguir um padrão ético e objetivo de honestidade, diligência e confiança. Trata-se de exigência atrelada ao exercício do contraditório, uma vez que a efetiva participação das partes, em paridade de tratamento e faculdades, só se exaure quando essa participação observa os princípios da cooperação e da boa-fé processual. A boa-fé processual está intimamente ligada à boa-fé objetiva, comumente tratada no direito civil como princípio norteador das relações contratuais, mas que no sistema processual orienta a conduta das pessoas que, de qualquer forma, participam do processo. Como exemplo cite-se a situação em que o juiz verifica a existência de propósito protelatório do réu e, consequentemente, aplica-lhe a pena por litigância de má-fé (art. 80, VII, e art. 81 do CPC/2015). Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. COMENTÁRIOS: Princípio da cooperação. A doutrina brasileira importou do direito europeu o princípio da cooperação (ou da colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular (entre o juiz e as partes). O dever de cooperação estaria voltado eminentemente para o magistrado, de modo a orientar sua atuação como agente colaborador do processo, inclusive como participante ativo do contraditório. Entretanto, não somente o juiz deve colaborar para a tutela efetiva, célere e adequada. Todos aqueles que atuam no processo (juiz, partes, oficial de justiça, advogados, Ministério Público etc.) têm o dever de colaborar para que a prestação jurisdicional seja concretizada. Diante dessa nova realidade, torna-se necessário renovar mentalidades com o intuito de afastar o individualismo do processo, de modo que o papel de cada um dos operadores do direito seja o de cooperar com boa-fé numa eficiente administração da justiça. O processo deve, pois, ser um diálogo entre as partes e o juiz, e não necessariamente um combate ou um jogo de impulso egoístico. O dever de cooperação, entretanto, encontra limites na natureza da atuação de cada uma das partes. O juiz atua com a marca da equidistância e da imparcialidade. Por outro lado, o dever do advogado é a defesa do seu constituinte. A rigor, não tem ele compromisso com a realização da justiça. Ele deverá empregar toda a técnica para que as postulações do seu cliente sejam aceitas pelo julgador. Essa é a baliza que deve conduzir o seu agir cooperativo. Sendo assim, meu caro leitor, retire da cabeça aquela imagem – falsamente assimilada por alguns com o advento do novo CPC – de juiz, autor e réu andando de mãos dadas pelas ruas e o advogado solicitando orientação ao juiz para redigir as peças processuais. Não obstante a apregoada cooperação, no fundo no fundo será cada um pra si, o que não impede que a lealdade e a boa-fé imperem nas relações processuais. À guisa de balizas para a atividade processual cooperativa, a doutrina estabeleceu alguns deveres, que são recíprocos, mas, até para que sirva de exemplo, devem ser efetivamente implementados pelo juiz na prática forense: (a) dever de esclarecimento: consiste na obrigação do juiz de esclarecer às partes eventuais dúvidas sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo;7 (b) dever de consulta: representa a obrigação de o juiz ouvir previamente as partes sobre as questões de fato ou de direito que possam influenciar o julgamento da causa. Ele está, portanto, ligado ao princípio do contraditório, no qual se insere a possibilidade de as partes influenciarem no convencimento do magistrado; (c) dever de prevenção: cabe ao magistrado apontar as deficiências postulatórias das partes, para que possam ser supridas, por exemplo, por meio de emenda à petição inicial; (d) dever de auxílio: obrigação do juiz de auxiliar a parte a superar eventual dificuldade que lhe tolha o exercício de seus ônus ou deveres processuais; não cabe ao juiz, obviamente, suprir deficiência técnica da parte; (e) dever de correção e urbanidade: deve o magistrado adotar conduta adequada, ética e respeitosa em sua atividade judicante. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr6 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr7 O dever de consulta recebeu disposição própria no novo CPC, que estabelece a impossibilidade de o órgão jurisdicional, em qualquer grau de jurisdição, decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado a manifestação das partes, mesmo que a matéria possa ser reconhecida de ofício (art. 10). De acordo com o novo Código, não pode o juiz conhecer e levar em consideração no julgamento da causa circunstância sobre a qual as partes não puderam se manifestar, excetuando-se os casos de improcedência liminar (art. 332). Entretanto, como já dissemos, ao lado do princípio da cooperação e, consequentemente, do dever de consulta há o interesse público na correta formação e desenvolvimento do processo. Recomenda-se, então, que tudo se resolva caso a caso, devendo-se fazer a ponderação na análise de cada hipótese trazida aos autos. Estando indiscutivelmente configurada a questão de ordem pública capaz de levar à extinção do processo, qual a necessidade de levá-la à discussão? O moderno processo civil não comporta a forma pela forma, ou seja, o respeito ao procedimento sem que exista qualquer finalidade. Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. COMENTÁRIOS: Princípio da paridade de “armas”. A paridade de tratamento, decorrência do princípio da isonomia e pressuposto essencial para a realização do contraditório em sua plenitude, já figurava no CPC/1973. A redação foi aperfeiçoada, de forma a ampliar a garantia aos jurisdicionados. Em vez de “igualdade de tratamento”, que passa a ideia de garantia meramente formal, o novo Código menciona “paridade de tratamento”, expressão que traduz a igualdade substancial e material.8 Por outro lado, o que antes constituía tão somente um “dever do juiz” transmudou-se para um dever do Estado. Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. COMENTÁRIOS: Direcionamentos para a interpretação da legislação processual. O novel dispositivo, que em partereproduz o texto do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,9 estabelece as balizas do processo interpretativo a ser levado a efeito pelo juiz na aplicação da lei processual. Em decorrência da multiplicidade dos fatos, as normas jurídicas – e aqui me refiro principalmente às normas processuais – são cada vez mais abertas e indeterminadas. Cabe ao juiz, no momento da subsunção, completar a norma jurídica, de forma a aproximá-la da realidade fática e proporcionar às partes um processo judicial mais justo possível. Assim, segundo a linha adotada pelo legislador do novo Código, qualquer que seja a técnica utilizada para interpretação da lei (gramatical ou literal, lógica, sistemática, histórica e sociológica ou teleológica), na construção do provimento jurisdicional deve o juiz se orientar pelos valores indicados nesse dispositivo, aplicando o ordenamento em sua plenitude, considerando a existência de regras, princípios e valores que norteiam o sistema jurídico. Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701. COMENTÁRIOS: Contraditório material e contraditório substancial. O caput do dispositivo consagra, em princípio, o contraditório na sua dimensão estática (ou formal), uma vez que garante às partes o direito de ciência dos atos processuais e a faculdade de participar do processo. Nessa perspectiva, o contraditório se vincula ao direito de defesa, visto que garante “às partes a possibilidade bilateral, efetiva e concreta, de produzirem suas provas, de aduzirem suas razões, de recorrerem das decisões, de agirem, enfim, em juízo, para a tutela de seus direitos e interesses”.10 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr8 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr9 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr10 A redação apresenta uma ampliação da noção de contraditório, permitindo a percepção de sua dimensão dinâmica (material ou substancial), a qual tem relação com a influência que as partes podem provocar na formação do convencimento do julgador. Diversos dispositivos do novo Código servem para instrumentalizar esse princípio, a exemplo do art. 115, que considera nula ou ineficaz – a depender da integração da parte à lide – a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório. Contraditório diferido. O parágrafo único apresenta situações nas quais se admite que o contraditório seja postergado (contraditório diferido ou ulterior). Trata-se de exceções, visto que a regra é a realização do contraditório prévio à decisão jurisdicional. As hipóteses descritas tratam de cenários nos quais a prerrogativa de influência é mitigada para a garantia de outras prerrogativas fundamentais do processo. O inciso I remete à tutela provisória de urgência, que por sua própria natureza não comporta prévia cientificação da parte contrária, sob pena de ineficácia do provimento. O inciso II remete à denominada tutela da evidência, na qual o contraditório perde seu poder de real influência, visto que o direito é tão cristalino que a manifestação da parte contrária só atrasaria a conclusão do feito. Trataremos pontualmente sobre o tema nos comentários ao art. 311. Por fim, o inciso III se refere ao procedimento monitório, no qual se permite a emissão de mandado de pagamento, entrega de coisa ou obrigação de fazer, independentemente de prévia manifestação da parte contrária, quando a prova escrita apresentada pelo postulante for evidente. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. COMENTÁRIOS: Contraditório prévio como regra. Mais uma vez o legislador deixou explícita a consagração do direito ao contraditório na sua dimensão material, impondo, nesse caso, verdadeiro limite à atuação jurisdicional. A novidade está no fato de que o magistrado não poderá decidir questões subjacentes ao processo sem que haja verdadeiro diálogo entre as partes. E o dispositivo se aplica, inclusive, às matérias apreciáveis de ofício, impedindo que o magistrado, “em ‘solitária unipotência’, aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes”.11 Numa análise superficial, o dispositivo poderá limitar a atuação do julgador, impedindo-o de decidir questões que seriam, sob sua visão unilateral, de evidente resolução. A reflexão, todavia, deve ser mais profunda. Os operadores do direito, no Brasil, devem perceber que, no âmbito do processo, mais vale uma questão bem discutida uma só vez do que várias questões mal elaboradas e mal resolvidas. Ademais, o dispositivo não afasta a possibilidade de o juiz conhecer de questões sem a necessária provocação das partes (ou seja, ex officio). O que o legislador pretende é que essas questões sejam submetidas ao contraditório prévio. Esse dispositivo é relativizado, por exemplo, pelo art. 332 do novo CPC, que permite ao juiz julgar liminarmente improcedente o pedido sem que haja citação da parte contrária. A propósito, diversos enunciados da Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) buscam, em síntese, suavizar a exigência do contraditório prevista nos arts. 9º e 10 do CPC/2015. Confira: Enunciado nº 02 – Não ofende a regra do contraditório do art. 10 do CPC/2015, o pronunciamento jurisdicional que invoca princípio, quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio. Enunciado nº 03 – É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa. Enunciado nº 04 – Na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC/2015. Enunciado nº 05 – Não viola o art. 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório. Enunciado nº 06 – Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório. Não se trata de enunciados vinculantes, mas podem indicar uma futura interpretação da regra por parte dos tribunais. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr11 Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público. COMENTÁRIOS: Publicidade das decisões jurisdicionais. A publicidade é uma garantia jurídica do cidadão, na medida em que permite o controle dos atos judiciais por qualquer indivíduo integrante da sociedade. O art. 93, IX, da Constituição Federal dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”. Verifica-se, por óbvio, que, além da observância ao princípio da publicidade, há a necessidade de serem fundamentadas todas as decisões judiciais. A propósito, a nova legislação estabelece parâmetros de fundamentação das decisões, conforme disposto no § 1º do art. 489, para o qual remetemos o leitor. O princípio da publicidade sofre restrições nos casos referentes à defesa da intimidade ou em razão de interesse social (art. 5º, LX, da CF/1988). Tais diretrizes ganham regulamentação no art. 189 do CPC/2015 (substitutodo art. 155 do CPC/1973), que trata das hipóteses de tramitação processual em segredo de justiça. De toda forma, as restrições previstas na CF/1988 e no CPC/2015 não são oponíveis às partes e aos seus respectivos advogados. Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão (Redação dada pela Lei nº 13.256/2016). § 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. § 2º Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932; V – o julgamento de embargos de declaração; VI – o julgamento de agravo interno; VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça; VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal; IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. § 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões entre as preferências legais. § 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reabertura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência. § 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista. § 6º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1º ou, conforme o caso, no § 3º, o processo que: I – tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução; II – se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II. COMENTÁRIOS: Ordem cronológica de julgamento. A redação original do CPC/2015 (Lei nº 13.105/2015) dispunha que os juízes e os tribunais deveriam obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Tratava-se, portanto, de comando imperativo, que autorizava a “quebra” da ordem cronológica apenas nas hipóteses excepcionadas pelo próprio Código. A observância obrigatória da ordem cronológica gerou inúmeras discussões na doutrina, tão logo aprovada a redação da Lei nº 13.105/2015. O professor Fernando da Fonseca Gajardoni, por exemplo, chegou a defender a inconstitucionalidade do dispositivo, sob o argumento de que a regra violava o princípio da tripartição dos poderes (art. 2º da CF/1988), já que representava indevida intervenção do legislativo na atividade judiciária e inviabilizava a autogestão da magistratura.12 Essa regra geral de gestão, criada pelo legislador do novo CPC, foi derrubada pela Lei nº 13.256/2016, que alterou a redação do art. 12 desse Código para estabelecer que a ordem cronológica de julgamentos deve ser seguida apenas em caráter preferencial. Do mesmo modo, o art. 153, direcionado ao escrivão e ao chefe de secretaria, prescreve que esses auxiliares do juízo deverão publicar e cumprir os pronunciamentos judiciais preferencialmente na ordem em que forem recebidos em cartório. Em suma, a regra que antes era cogente transmudou-se para uma mera norma programática, um ideal a ser perseguido. A regra anterior, em que pese ter sido uma louvável iniciativa na tentativa de evitar a preterição de processos, certamente acarretaria mais morosidade do que celeridade. Não há dúvida de que a escolha de qual processo terá prioridade não deve ficar ao arbítrio do juiz, sendo saudável existirem parâmetros mínimos para que haja alguma lógica na devolução dos autos pelo gabinete para o cartório. No entanto, exigir que o magistrado julgasse os processos conclusos a ele exatamente na ordem em que chegassem era, sem dúvida alguma, despropositado e contraproducente. Agora, com a nova redação, há tão somente uma sugestão para que o julgamento observe a ordem cronológica. Contudo, é importante ressaltar que o Código de 2015 continua inovador em relação ao seu antecessor. Isso porque, apesar de a ordem cronológica não se tratar de norma imperativa, constitui uma realidade que deve ser observada sempre que viável, até mesmo porque a lista de processos conclusos deve ser elaborada e divulgada pela internet e no próprio cartório – comando que persiste no § 1º do art. 12. Ressalte-se que essa lista será confeccionada por cada órgão jurisdicional (vara, câmara, seção, tribunal, entre outros). A primeira lista de processos para julgamento será composta pelos processos conclusos no momento da entrada em vigor do novo CPC, observada a antiguidade da distribuição (art. 1.046, § 5º). Fonte: Novo Código de Processo Civil Comentado, 3ª edição – DONIZETTI, Elpídio. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788597016734/epub/OEBPS/Text/chapter01.html#fnr12
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