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HISTÓRIA MILITAR CAS 201 Cruz Alta - RS 201 Exército Brasileiro - EB Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas - EASA Seção de Educação a Distância - SEAD Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos - CAS 1ª Fase 6 4 Copyright © 2013 Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas Todos os direitos reservados à Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios – eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas. Créditos Capa: Rafael Fontenele Projeto gráfico e diagramação: Guido da Silva Godinho Revisão: Ana Maria Andrade Araujo Heloisa Cardoso de Castro Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA) Rua Benjamin Constant 1217, Centro - Cruz Alta - RS CEP 98025-110 Tel (55) 3322 7824 História Militar. EDUARDO HENRIQUE DE SOUZA MARTINS ALVES - Cel R/1. Revisado por AIRTON 201 . 248p. – (Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos). ZENKNER PETERSEN - 1º Ten QAO – Cruz Alta: EASA, 4 3 APROVAÇÃOAPROVAÇÃO O Comandante da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas, com base no Inciso III do Art 7° do Regulamento da EASA (R-64), de 19 Ago 2010, resolve: - Aprovar para fins escolares, complementando as necessidades de ensino da escola, a publicação "História Militar" - edição 201 . Cruz Alta, RS, 29 de abril de 201 . 4 4 5 SUMÁRIOSUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................. 9 1. A ARTE DA GUERRA E O PENSAMENTO MILITAR ..................................................9 2. A DOUTRINA MILITAR BRASILEIRA ..................................................................13 CAPÍTULO I – COLONIZAÇÃO: A PARTILHA DAS AMÉRICAS ..................................... 15 1. ESTRUTURAS DO SISTEMA COLONIAL ................................................................15 2. A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA DO NORTE ..........................................................20 3. A FRANÇA NAS AMÉRICAS ..........................................................................22 CAPÍTULO II – BRASIL COLÔNIA (1530-1808) .............................................. 25 1. A OCUPAÇÃO EFETIVA DA COLÔNIA E O EMPREENDIMENTO CANAVIEIRO ..........................25 2. O TRABALHO COMPULSÓRIO: A ESCRAVIDÃO INDÍGENA E O TRÁFICO NEGREIRO ...................27 3. O BRASIL SUBMISSO À UNIÃO IBÉRICA (1580-1640) ...........................................29 4. A EXPANSÃO DA OCUPAÇÃO PORTUGUESA PARA ALÉM DO TRATADO DE TORDESILHAS ........31 5. A DESCOBERTA DO OURO: UM NOVO CICLO ECONÔMICO ...........................................33 6. REVOLTAS NATIVISTAS ...............................................................................34 7. REVOLTAS COLONIAIS ................................................................................36 8. OS TRATADOS DE LIMITES: A NOVA FIXAÇÃO DE FRONTEIRAS .....................................37 CAPÍTULO III – O SÉCULO XIX NAS AMÉRICAS............................................... 41 1. O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA NAS AMÉRICAS ...................................................41 2. TEORIAS DE PAN-AMERICANISMO E COOPERAÇÃO HEMISFÉRICA ...................................48 3. CONSTRUÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS ...............................................................49 4. A FORMAÇÃO DO ESTADO NORTE-AMERICANO E SUA CRISE: A GUERRA CIVIL ...................51 CAPÍTULO IV – BRASIL IMPÉRIO: FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (1808-1889) ........ 57 1. A CRISE DO COLONIALISMO PORTUGUÊS E O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA ......................57 2. CONSTRUÇÃO DA NOVA ORDEM NO IMPÉRIO .......................................................62 3. A POLÍTICA ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO ...........................................................65 4. CRISE E CONSOLIDAÇÃO DO IMPÉRIO ................................................................66 5. A POLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO DO BRASIL ......................................................70 6. ECONOMIA E TRABALHO EM TRANSIÇÃO ............................................................75 7. O FIM DO IMPÉRIO ....................................................................................76 CAPÍTULO V – A PRIMEIRA REPÚBLICA NO BRASIL (1889-1930) ......................... 79 1. REPÚBLICA DA ESPADA ...............................................................................79 2. REPÚBLICA DAS OLIGARQUIAS ........................................................................84 CAPÍTULO VI – SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: DO CONFLITO TRADICIONAL À ERA NUCLEAR . 101 1. ITÁLIA SOB FASCISMO ................................................................................101 2. NAZISMO NA ALEMANHA .............................................................................104 EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 6 3. AVANÇO DOS REGIMES TOTALITÁRIOS NA PENÍNSULA IBÉRICA ....................................109 4. MILITARISMO JAPONÊS ...............................................................................113 5. PRIMEIRA FASE DA GUERRA: O AVANÇO DO EIXO ROMA-BERLIM (1939-1942) ...............114 6. SEGUNDA FASE DA GUERRA: VITÓRIA DOS ALIADOS (1942-1945) .............................117 7. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E A DIVISÃO DA ALEMANHA ...................122 CAPÍTULO VII – BRASIL: DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO FIM DO ESTADO NOVO (1930- 1945) .......................................................................... 125 1. REVOLUÇÃO DE 1930 ...............................................................................125 2. O PROCESSO CONSTITUINTE (1933/1934) E AS OPÇÕES POLÍTICAS ...........................128 3. CONTESTAÇÃO AO REGIME: REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932........................129 4. FECHAMENTO DO REGIME .............................................................................130 5. O ESTADO NA ECONOMIA ............................................................................133 6. MILITARES E GOVERNO ...............................................................................134 7. SOCIEDADE E CULTURA ...............................................................................136 8. O BRASIL NA II GUERRA MUNDIAL .................................................................136 9. A CRISE DO ESTADO NOVO E A QUEDA DE VARGAS (1945) ....................................139 CAPÍTULO VIII – BRASIL: A SEGUNDA REPÚBLICA (1945-1964) .......................... 141 1. A REDEMOCRATIZAÇÃO E O GOVERNO DUTRA (1946-1951) ...................................141 2. OS PARTIDOS POLÍTICOS .............................................................................143 3. O SEGUNDO GOVERNO VARGAS ....................................................................143 4. A CRISE DE 1954 E AS INSTITUIÇÕES REPUBLICANAS .............................................145 5. JUSCELINO KUBITSCHEK - JK ........................................................................146 6. O GOVERNO JÂNIO QUADROS E A CRISE DA COALIZÃO CONSERVADORA ........................148 7. SINDICALISMOS URBANO E RURAL ...................................................................149 8. JOÃO GOULART ......................................................................................150 9. A POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE FACE À GUERRA FRIA .......................................151 CAPÍTULO IX – BRASIL: OS GOVERNOS MILITARES (1964-1985) ........................... 155 1. A CRISE DO TRABALHISMO, A RADICALIZAÇÃO DA ESQUERDA E O MOVIMENTO CIVIL MILITAR DE 1964 ...............................................................................................155 2. AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS MILITARES E OS PARTIDOS POLÍTICOS .....................156 3. O PAPEL DA ESG E OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO ........................................157 4. CASTELLO BRANCO E COSTA E SILVA ..............................................................158 5. O AI-2 E O BIPARTIDARISMO: ARENA E MDB ..................................................1596. A JUNTA MILITAR E O GOVERNO MÉDICI - A ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA, A LUTA ARMADA E O ENDURECIMENTO DO REGIME .........................................................................162 7. O MILAGRE ECONÔMICO .............................................................................163 8. CLASSE MÉDIA, CONSUMO E TELEVISÃO ...........................................................164 9. GOVERNO GEISEL - PROJETO DE MODERNIZAÇÃO: AVANÇO TECNOLÓGICO E OPÇÃO NUCLEAR .....165 10. GOVERNO FIGUEIREDO - ABERTURA DEMOCRÁTICA, CRISE E ESTAGNAÇÃO .......................167 11. POLÍTICA EXTERNA - DO ALINHAMENTO AUTOMÁTICO AO PRAGMATISMO RESPONSÁVEL ........168 12. NOVOS ATORES SOCIAIS E POLÍTICOS ............................................................170 CAPÍTULO X – A NOVA REPÚBLICA NO BRASIL: DE 1985 AOS DIAS ATUAIS............... 173 1. A MOBILIZAÇÃO PELAS ELEIÇÕES DIRETAS E A ELEIÇÃO DE TANCREDO NEVES ...................173 7 2. JOSÉ SARNEY (1985-1989) ......................................................................174 3. FERNANDO COLLOR DE MELLO (1990-1992) ....................................................175 4. ITAMAR FRANCO (1992-1994) E A INTERINIDADE DA NOVA REPÚBLICA ........................177 5. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (1995-2002) ...................................................178 6. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E A ASCENSÃO DA ESQUERDA (2003-2010) .....................180 7. O PAPEL DO BRASIL PERANTE A INTEGRAÇÃO SUL- AMERICANA ..................................182 8. ATUAÇÃO BRASILEIRA COMO FORÇA DE PAZ .......................................................184 9. RELAÇÕES INTERNACIONAIS: OS NOVOS DESAFIOS ..................................................188 CAPÍTULO XI – A NOVA ORDEM MUNDIAL E O SÉCULO XXI .............................. 193 1. O MUNDO PÓS-GUERRA FRIA .......................................................................193 2. GRANDES BLOCOS REGIONAIS .......................................................................195 3. HEGEMONIA DOS ESTADOS UNIDOS ..................................................................197 4. CRIMES ORGANIZADOS TRANSNACIONAIS ...........................................................198 5. TERRORISMO INTERNACIONAL ........................................................................120 6. AMÉRICA DO SUL .....................................................................................202 7. DIREITOS HUMANOS COMO FATOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL ..................................205 8. RELAÇÕES INTERNACIONAIS: SURGIMENTO DA MULTIPOLAR IDADE E EQUILÍBRIO DE PODER PÓS-GUERRA FRIA ..................................................................................................206 CAPÍTULO XII – A PARTICIPAÇÃO DA FORÇA TERRESTRE NA HISTÓRIA NACIONAL ......... 209 1. DURANTE A COLÔNIA .................................................................................209 2. DURANTE A MONARQUIA .............................................................................218 3. DURANTE A REPÚBLICA ...............................................................................229 4. CAMPANHAS MILITARES EM CONFLITOS EXTERNOS ................................................234 9 1. A Arte da Guerra e o Pensamento Militar História Militar é o campo da História que permite a reconstituição da Doutrina Militar, desde a Antiguidade até nossos dias. Ela absorve, também, o conhecimento sobre a ciência e a arte da guerra utilizada pelos exércitos. Por esse motivo, a pesquisa e o estudo da evolução da arte da guerra, tanto em nível mundial como nacional, assumem especial relevância. O Exército Brasileiro possui, no estudo da História Militar própria e dos demais exércitos, um manancial de ensinamentos provados, que é a base do espírito crítico e criador para a promoção do progressivo desenvolvimento de sua Doutrina Militar. Clausewitz assim definiu a guerra: [...] nada mais é que um duelo em grande escala. [...] Um ato de violência que visa a compelir o adversário a submeter- se a nossa vontade. Preconiza o uso ilimitado da força física, não excluindo de modo algum a colaboração da inteligência, para atingir o objetivo final da guerra em si, desarmar o inimigo, submetendo-o à nossa vontade e destruí-lo (CLAUSEWITZ, 1998, p. 29). Maquiavel, no cap. XIV, de sua obra O Príncipe (1532), maximizou a importância do poder militar como instrumento de garantia do poder político e aconselhava aos governantes: [...] deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. Acompanhando a história, verificamos que as soluções dos conflitos podem ocorrer por meio da persuasão, mediante processos diplomáticos; ou pela coerção, utilizando a capacidade de coagir o poder nacional, o que abrange desde o emprego dos meios diplomáticos até a guerra declarada. INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 10 1.1 Evolução da Arte da Guerra Na revolução agrária de 10 mil anos atrás, durante a Pré-história no período do neolítico ou período da pedra polida, indivíduos de povos caçadores- coletores notaram que alguns grãos que eram coletados da natureza para a sua alimentação poderiam ser enterrados, isto é, “semeados” a fim de produzir novas plantas iguais às que os originaram. A escassez da caça também contribuiu para que as tribos nômades se fixassem na terra, gradativamente se tornando camponeses. Tudo isso marca o surgimento da primeira onda de transformações econômicas e sociais da história humana. A partir daí têm origem outros aspectos dessas transformações. Vamos analisá-los, especificamente focalizando a evolução da arte da guerra, no texto a seguir. (Disponível em: <http://www.professorinterativo.com.br/ cam/historia/tadeu/3onda.htm>.) A Guerra da Terceira Onda Alvin e Heidi Tofler As mídias do mundo estão repletas de descrições de como a campanha contra o terrorismo afetará a economia global. Contudo, pouco se diz de como a economia global influenciará o futuro da guerra. Em nosso livro War and Antiwar (1993), escrevemos que, quando surge novo tipo de economia, com todas as circunstâncias concomitantes, sociais e culturais, muda também a natureza da guerra. Assim a revolução agrária de 10.000 anos atrás, que lançou a Primeira Onda de transformações econômicas e sociais da história humana, introduziu a guerra da Primeira Onda. A guerra da Primeira Onda foi caracterizada por ataques “hit- and-run”, com ações visando a resultados específicos, seguidos de recuo rápido – pequenos ataques – e violência cara-a-cara, o confronto direto. Os camponeses, tipicamente, não lutavam por uma nação, mas por um líder militar supremo que os remunerava, geralmente, apenas com alimentação. Os soldados travavam a maioria dos combates durante o inverno, quando não eram necessários na lavoura. As campanhas eram de curta duração. A organização era imprecisa, nivelada e com características de rede. A coesão das unidades era sólida, com membros da família frequentemente lutando lado a lado. A comunicação entre si era principalmente por contato pessoal. Os homens lutavam pela “honra” do macho, para mostrar coragem. A guerra era pessoal. 11 Mesmo quando compartilhavam uma religião ou ideologia fanática, muitas unidades militares eram subornáveis e podiam mudar de lado. A história apresenta numerosas exceções ao padrão genérico, mas essa foi de fato, por milhares de anos, a forma predominante de guerra em todo o mundo. Essa guerra da Primeira Onda é hoje o que os afegãos melhor sabem fazer. A revolução industrial, segunda grande onda de mudanças sociais e econômicas da história, trouxe consigo uma forma de guerratotalmente nova: a guerra da Segunda Onda. A era da máquina criou a metralhadora. A produção em massa tornou possível a destruição em massa. O recrutamento criou exércitos massificados. A tecnologia padronizou o armamento. Soldados e oficiais receberam treinamento. A organização tornou-se burocrática. O controle passou a ser feito de alto a baixo, por graduações sucessivas de oficiais. Os sistemas de armas ficaram cada vez maiores e mais letais – porta-aviões, formações blindadas, frotas de bombardeios, mísseis nucleares. Depois de sua derrota no Vietnã, contudo, as forças militares dos EUA, paralelamente à economia, afastam-se da fabricação em massa, começam a desenvolver a nova forma de guerra da Terceira Onda, que se afastou das antigas concepções industriais sobre a guerra em massa. Tanto a economia quanto as forças militares necessitaram de uma vasta infraestrutura eletrônica. A guerra da Terceira Onda, como escrevemos em War and Anti- War, depende menos de ocupação territorial e mais da “supremacia da informação”. Esta supremacia pode significar a destruição do sistema de comando e controle do inimigo ou seus equipamentos de radar e vigilância. Mas requer também conhecermos mais sobre o adversário do que ele sabe sobre nós. Significa privá-lo de “olhos e ouvidos” – tecnológicos e humanos – e significa supri- lo de informações que enganem seus planejadores e modelem suas suposições estratégicas, para tirar proveito dos erros deles. Significa também, como prevíamos então, dar mais destaque à “guerra de nichos” – operações especiais, aviões robôs, armas inteligentes, miras de precisão, forças de reação rápida e “coalizões profundas” que vão além de um conjunto de nações, incluindo corporações, organizações religiosas, ONGs e outros parceiros, visíveis ou encobertos. Acima de tudo a guerra da Terceira Onda, segundo escrevemos, exigiria uma profunda reestruturação dos serviços de inteligência, distanciando-se do destaque dado pela Segunda Onda ao caráter de massas, salientando a captação de dados por meios técnicos, EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 12 maior dependência de espiões humanos, captação de dados com metas prédeterminadas, análises muito melhores, maior contato com “clientes” e maior participação deles, disseminação mais rápida das “ramificações” existentes e um uso muito mais sofisticado das informações não confidenciais de “fonte aberta” disponíveis na Internet, imprensa, televisão e outros veículos de comunicação. As agências de captação de informações, escrevemos, precisariam também fazer uso dos sistemas de software que pudessem “concentrar a atenção em grupos terroristas, buscando relações ocultas em múltiplas bases de dados ... Presumivelmente, combinando tais dados com informações extraídas de contas bancárias, cartões de crédito, listas de assinantes e outras fontes, esses softwares podem ajudar a apontar com precisão grupos – ou indivíduos – que se encaixem num perfil terrorista”. Evidentemente, a forma de guerra da Terceira Onda se equipara melhor ao desafio do Afeganistão, seus terroristas e seus fascistas religiosos do que com a antiga forma de guerra da Segunda Onda que ajudou os EUA a ganhar a guerra fria. O Taleban controla (parcialmente) um país que nem sequer completou a transição da Primeira Onda, da existência nômade para uma economia agrária. Contudo, ironicamente, os terroristas que ele apoia se estendem pelo mundo e fazem uso oportunista de tecnologias da Terceira Onda – cartões de crédito, Internet, sistemas de viagem integrados, simuladores de vôo sofisticados e muito mais – na esperança de finalmente restaurar o mundo islâmico do século VII. A coalizão mundial antiterror organizada pelos Estados Unidos e as Nações Unidas contêm países com economias de todos os diferentes níveis de desenvolvimento, Primeira Onda, Segunda Onda e Terceira Onda. O que vemos hoje, entretanto, no absoluto contraste entre o Afeganistão e a América, não é o choque de religiões, mas um conflito de “ondas” – a primeira guerra da Primeira Onda contra a Terceira Onda, claramente definida. Mídias do mundo estão repletas de descrições de como a campanha contra o terrorismo afetará a economia global. Contudo, pouco se diz de como a economia global influenciará o futuro da guerra. Em nosso livro War and Antiwar (1993), escrevemos que, quando surge novo tipo de economia, com todas as circunstâncias concomitantes, sociais e culturais, muda também a natureza da 13 guerra. Assim a revolução agrária de 10.000 anos atrás, que lançou a Primeira Onda de transformações econômicas e sociais da história humana, introduziu a guerra da Primeira Onda. Como se observa, modifica-se o conceito de guerra conforme evoluem os Estados e suas instituições. Assim, se, por um lado, o pensamento liberal predominante e a disseminação da democracia no mundo, no início do século XXI, subordinaram a guerra aos interesses políticos, pressionados estes pela força da opinião pública, da mídia e de órgãos não-governamentais, em oposição, a subordinação da guerra à religião mesclada aos interesses políticos - já verificados em outras épocas - renasce sob forma muito perigosa, aliando-se a regimes teocráticos, sob a égide do fundamentalismo de qualquer matiz, para promover a guerra santa, a guerra de quarta geração. 2. A Doutrina Militar Brasileira Para efeito didático incluímos como Exército Brasileiro todas as Forças Terrestres Brasileiras (FTB), do descobrimento à independência, das quais ele é o herdeiro e o repositório, seja das tradições, seja do patrimônio histórico-cultural acumulado por aquelas Forças. A História do Exército Brasileiro encerra o conceito de história da arte e ciência da guerra do Exército Brasileiro. E mais, o de história da doutrina do Exército Brasileiro, aqui entendida como o princípio pelo qual o Exército, desde o descobrimento até o presente, vem sendo organizado, equipado, instruído, desenvolvidas suas forças morais e empregado em lutas internas e externas. A História do preparo do Exército ou das FTB (organização, equipamento, instrução e desenvolvimento das forças morais), sem muito rigor, seria a História da Ciência da Guerra do Exército Brasileiro. Referências BRASIL. Exército Brasileiro. Academia Militar das Agulhas Negras. Estudo de História Militar. v. 1. 2003. ________. História do Exército Brasileiro. Bibliex, 1974. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. Tradução de Inês Busse. [S.L.]: Publicações Europa-América, 1988. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Disponível em: <http:// www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000052.pdf >. 15 CAPÍTULO 1CAPÍTULO 1 Colonização: a partilha das Américas 1. Estruturas do Sistema Colonial As estruturas colonialistas e as relações estabelecidas entre as metrópoles europeias e suas colônias americanas modificaram-se com o passar do tempo e de acordo com os acontecimentos vividos nas diferentes nações colonizadoras. As relações metrópole-colônia também foram influenciadas pelas relações desenvolvidas entre as potências (sejam coloniais ou não). A distinção dos projetos coloniais de cada potência definia de que forma as metrópoles iriam se relacionar com suas colônias e seus habitantes locais (nesse caso, os indígenas). As regras vigentes para o mercantilismo foram norteadoras para as atividades coloniais. A busca era por metais preciosos. O metalismo constituía fator determinante para a consolidação do Estado-nação nascente. O monopólio comercial ou, no caso específico, colonial, era chamado de “exclusivo comercial”. Este adotou formas diversas de acordo com o período e consistia na seguinte lógica: para enriquecer o país era necessário não permitir que os demais também o fizessem, garantindo o maior número de moedas em circulação dentro da nação. Na maior parte dos casos a colonização se deu por intermédio das grandes propriedades, utilizando-se de mão de obra escrava. A estrutura do sistema colonialista buscava uma relação bastante clara: a colônia deveria fornecer matéria-prima à metrópole e, ainda, gerar um mercadoconsumidor, colaborando assim para uma balança comercial favorável. Por sua vez, os povos colonizados tiveram que aceitar a autoridade do Estado colonizador, pacificamente ou não. Nesse sentido, os países católicos possuíam uma forte aliada: a Igreja, que tratava de impor efetivamente EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 16 preceitos e sucessivamente os do Estado. Porém, até mesmo a relação Estado–Igreja foi abalada em determinado momento. 1.1 A América Portuguesa Foram os portugueses os pioneiros nas grandes navegações e sucessivamente na colonização da América. Foram, ainda, os primeiros a transferir recursos humanos e financeiros da Europa para uma colônia, com o intuito de torná-la rentável. Inicialmente, o atrativo encontrado pelos lusos foi a comercialização do pau-brasil, que utilizou o escambo (troca sem uso de dinheiro) e a mão de obra indígena. Para isso foram instaladas na costa brasileira as feitorias, lugares que funcionavam como depósito da madeira que seria enviada parte para Portugal e parte negociada pelos participantes do consórcio de exploração. A madeira não despertou o interesse somente de portugueses. Franceses também vieram atrás do pau-brasil, pois toda a Europa importava esta matéria- prima do Oriente. Portugueses e franceses se associaram às diferentes tribos indígenas, que já possuíam relações conflituosas entre si. Os franceses se valeram desses conflitos para estabelecer concorrência com Portugal. Em função do novo cenário, Portugal sentiu a necessidade de povoar as terras brasileiras, para que fosse garantida sua posse: [...] O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa, liderado pelo cristão-novo Fernão de Noronha ou Noronha, que recebeu o monopólio comercial, obrigando- se em troca, ao que parece, a enviar seis navios a cada ano para explorar trezentas léguas (cerca de 2 mil quilômetros) da costa e construir uma feitoria [...]. (FAUSTO, 2003). Foi no ano de 1530 que se deu a efetiva ocupação da colônia, por meio da implantação do sistema de capitanias hereditárias, já utilizado pelos portugueses, com êxito, nas ilhas da Madeira e dos Açores (costa africana). Nesse momento, o Brasil foi dividido em quatorze ou quinze capitanias hereditárias (a própria historiografia é divergente quanto ao número exato). Essas faixas de terras foram concedidas a donatários, que, por sua vez, poderiam distribuir terras aos colonos – as chamadas sesmarias1. Primeiramente foram doadas as terras e tudo que nelas contivesse; em um segundo momento os donatários foram obrigados a pagar em impostos. Era dever dos donatários povoar e desenvolver o território, o que necessitava de investimento. Alguns 1 Por meio da Carta de Doação, o Donatário tinha o direito de distribuir terras para a produção agrícola, aos colonos que viessem a se estabelecer na sua Capitania. (ARRUDA; PILETTI, 2007). Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas 17 donatários sequer chegaram ao Brasil para tomar posse da terra, outros tantos não tiveram sucesso. O destaque ficou por conta da capitania de Pernambuco - uma das poucas que obteve sucesso e desenvolvimento econômico. Já na terceira fase da colonização, foi criado o Governo-Geral2. As pretensões da Coroa portuguesa pouco tinham mudado: o povoamento era ainda seu objetivo principal, porém, centralizando a política e a administração das capitanias que agora passavam para as mãos reais3. Foram criados cargos administrativos nos setores: jurídico, de defesa e de finanças, superiores aos donatários. A capitania da Bahia foi a primeira capitania real escolhida para ser a sede do Governo-Geral. Mapa das Capitanias Hereditárias Fonte: ARRUDA; PILETTI, 2007. 2 Diante do fracasso do sistema de capitanias, foi criado em 1548 o Governo-Geral no Brasil. O Governo-Geral tinha como objetivo a centralização política e administrativa, sem abolir o sistema de capitanias. (ARRUDA; PILETTI, 2007). 3 Haveria, por certo, um novo incentivo para o desenvolvimento da atividade econômica e um controle maior sobre o território colonial português no Brasil. (ARRUDA; PILETTI, 2007). EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 18 Tomé de Souza tornou-se o primeiro governador-geral. Esse foi o momento da chegada dos jesuítas ao território brasileiro e o início da catequização do indígena, projeto que teve continuidade nos outros governos. Jesuítas e o próprio Governo-Geral entraram em conflito direto com os donatários, em função da mão de obra indígena utilizada no período. A aceitação do governo não foi total. Alguns donatários questionaram as modificações, alegando que vinham de encontro aos acordos anteriormente firmados (capitanias hereditárias). Uma colônia de exploração, sem comercialização interna, nem comunicação eficaz entre as capitanias. Este é o retrato do Brasil no século XVI, o que dificultou a efetiva centralização de poder, que na prática estava nas mãos dos componentes das Câmaras Municipais (em torno de três cargos de vereador ocupados pela elite local). Na tentativa de sanar as dificuldades encontradas para centralizar o poder nas mãos da Coroa, o poder da metrópole dividiu o território brasileiro em dois Governos-Gerais: o do Norte e o do Sul, o que também não deu certo, havendo o retorno ao modelo anterior. 1.2 A América Espanhola Foi com a exploração colonial que os espanhóis se tornaram uma potência europeia no século XVI. A mineração foi a principal fonte de rentabilidade das colônias espanholas, que praticaram fortemente o “exclusivo comercial”, obrigando os colonos a negociarem somente com a metrópole. A organização político-administrativa e territorial da América espanhola deu- se com a divisão de suas terras em vice-reinos e capitanias-gerais. Foram os Vice-Reinos do Rio da Prata, Nova Granada, Peru e Nova Espanha, e as capitanias do Chile, Cuba, Flórida, Guatemala e Venezuela. No caso espanhol, a Igreja Católica também procedeu à catequização do indígena em dois vice-reinos, o que não aconteceu com colônias portuguesas. Podemos entender a Igreja Católica como legitimadora do poder do Estado, atribuindo a ele, inclusive, o poder divino (não podemos esquecer que estávamos vivendo o absolutismo na Europa). As ações dos reis católicos Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, fossem quais fossem, foram justificadas pela Igreja. Porém, a busca de enriquecimento rápido do Estado espanhol se contrapunha ao discurso católico, o que posteriormente provocou desacordo entre ambos. Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas 19 Mapa da América Espanhola Fonte: ARRUDA; PILETTI, 2007. As primeiras tentativas de explorar as colônias foram por meio de troca com os habitantes locais. Em um segundo momento a escravidão chegou a ser praticada, porém não teve boa aceitação por parte dos espanhóis. Outras motivações políticas, religiosas e principalmente administrativas da colônia fizeram os reis logo tratarem de suspender o tráfico de escravos e declarar que colonos americanos eram livres. Visualizamos no mapa anterior a composição da América espanhola (ARRUDA; PILETTI, 2007). O intuito da Coroa era não permitir que colonos aqui instalados construíssem um grande poder local. Os regimes de trabalho aplicados a partir de então assumiram diversas formas e nomes, porém ficaram evidentes as semelhanças com o escravismo, que minimamente podemos chamar de trabalho compulsório. Como o objetivo espanhol era extrair o máximo de riqueza das terras americanas no menor tempo possível, continuava a valer-se da escravidão agora indígena como EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 20 fonte de mão de obra, muito parecida com a escravidão africana. Porém, aqui, esta forma de trabalho recebeu o nome de encomienda (que poderia ser de trabalho ou de tributos). Os colonos podiam explorar os indígenas (certo número por colono) e tinham por obrigação convertê-los ao cristianismo. Outra forma de trabalho foi o repartimiento, no qual determinado número de nativos era distribuído para os funcionários reais, com o intuito de aumentar seusrendimentos. Posteriormente surgiu a mita, que consistia em uma rotatividade de trabalhadores, surgida quando foram descobertas as minas de metais preciosos em colônias espanholas (nas regiões atuais do México e do Peru). Nesse novo regime de trabalho, os nativos trabalhavam - ou pelo menos deveriam trabalhar - uma semana e descansar duas. Na prática não era exatamente o que ocorria. Esse regime levou à morte grande número de indígenas. Ainda em função da descoberta de minas, surgiria outra forma de trabalho: o cuatequil, em princípio muito semelhante à mita. Decorrente da falta de atenção ao setor, a América espanhola sofreu diretamente com a crise de abastecimento de alimentos, fato que também ocorria na Europa. Os colonizadores preocupavam-se apenas com metais e deixaram o campo abandonado à própria sorte. O indígena era retirado da terra produtiva para trabalhar nos regimes forçados destinados ao enriquecimento do Estado, o que colaborou para o agravamento do problema, associado ao crescente número de espanhóis que migravam para região. Posteriormente, os mineradores visualizaram na agricultura um negócio rentável e a ela se voltaram. 2. A Colonização da América do Norte A colonização inglesa, parte da “colonização tardia”, como são conhecidas aquelas que se deram depois da portuguesa e da espanhola, teve início em meados do século XVII. Os ingleses detiveram-se na América do Norte, que, por sua vez, foi dividida em três regiões: as colônias inglesas do Sul, as do Centro e as do Norte. Os colonos ingleses que povoaram a região não vieram em missão de converter ou catequizar como portugueses e espanhóis. A tolerância religiosa (quando a religião era cristã) era preceito na Nova Inglaterra. Não poderia ser diferente, visto a perseguição praticada por adeptos da Igreja Anglicana às demais religiões. Este foi um dos fatores que determinou a transferência de parte da população inglesa para a América do Norte. Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas 21 Aqueles que se estabeleceram na região pretendiam permanecer e não apenas lucrar com as atividades que a colônia pudesse desenvolver. Desenvolveram uma colônia de povoamento. A Inglaterra não praticava o “exclusivo comercial”, o que já a diferençava dos demais modelos colonizadores. Os colonos que se instalaram na região podiam comercializar com outros países. De grande relevância no que diz respeito à população que se estabeleceu nas colônias do norte foi o perfil e a motivação dos colonos. Além dos conflitos religiosos, questões políticas e econômicas, vividas durante o período na Europa, contribuíram para a vinda de ingleses. Aqueles que quisessem vir para a América e não dispusessem de condições poderiam receber passagens e o que fosse necessário, mediante trabalho por determinado período de tempo. Na época a “Nova Inglaterra”, como era conhecida a região, estava dividida em treze colônias. As colônias enfrentaram grandes conflitos. As diferentes tribos indígenas (que se apresentavam em grande número) se uniram para resistir à dominação inglesa. Porém, quando houve interesses ingleses em jogo, a união com as tribos indígenas chegou a ocorrer: como foi o caso da Guerra dos Sete Anos (1756-1763)4, em que os indígenas defenderam o território inglês dos ataques franceses. Às colônias do sul foram aplicadas medidas semelhantes àquelas das colônias portuguesas. Dedicaram-se à monocultura, destinada à exportação, valendo- se do trabalho escravo africano. Nesse momento, a compra de africanos para trabalhar em lavoura já estava consolidada pelos demais impérios coloniais: Espanha e Portugal. Já nas colônias do norte, onde o solo não era apropriado para o mesmo tipo de cultivo, a colônia não poderia atender aos interesses da metrópole e do sistema mercantilista. Nesse caso, a produtividade ficou por conta do “trabalho livre” familiar, ou, no máximo, uma servidão temporária. Os colonos desenvolveram a policultura, o comércio e a atividade pesqueira. Aqueles que pagavam impostos tinham direito ao voto, e a decisões eram tomadas de acordo com os interesses da maioria. 4 A mais importante das Guerras dos Déspotas no século XVIII, na Europa, antepondo, de um lado, França, Espanha, Áustria e Rússia e do outro, Inglaterra e Prússia. (BURNS, Edward Macnall. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Globo, 1970. p. 540). EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 22 3. A França nas Américas O Tratado de Tordesilhas5, assinado entre Portugal e Espanha, foi de encontro aos interesses das demais nações europeias que se lançaram ao expansionismo tardiamente. O primeiro país a ignorar a divisão do mundo entre portugueses e espanhóis foi a França. Uma das primeiras investidas francesas se deu com o intuito de fundar a Nova França, no território do atual Canadá. Para a região foram enviados trabalhadores do campo, que terminou por tornar-se a principal atividade comercial lucrativa desenvolvida na região. A política do novo império colonial não divergiu muito das adotadas pelas principais potências. Buscaram povoar a colônia, enviaram católicos e desenvolveram aquilo que seria mais lucrativo à metrópole. A grande diferença da política adotada para com a colônia ficou por conta de quem era enviado para povoar a Nova França: somente nobres franceses. A ideia era construir uma sociedade colonial igual à da metrópole. O sucesso de povoamento permitiu aos franceses ampliar seu território na América do Norte, anexando a região chamada de Luisiana. A ampliação do território francês foi contida pelos ingleses também presentes na região. O próprio modelo de colonização no qual somente os nobres tinham seus interesses atendidos propiciou as condições para que não perdurasse o sucesso colonial francês. Os olhos franceses também se voltaram para o território brasileiro. Foi durante o Governo-Geral de Duarte da Costa que os franceses tentaram estabelecer a “França Antártica” no Rio de Janeiro. Até então as ações francesas na região ficavam por conta da pirataria. Em decorrência dos conflitos religiosos (católicos x protestantes) que ocorreram na França, no século XVI, houve a invasão efetiva dos franceses às terras portuguesas. O interesse francês pelas terras brasileiras já havia sido evidenciado em relação à extração de produtos, porém a tentativa de tomada de terras ocorreu no atual estado do Rio de Janeiro, onde fundaram a França Antártica, com apoio de grupos indígenas. Porém, o sucesso da empreitada francesa não durou muito. Os 5 Os países ibéricos entraram em confronto por causa das fronteiras ultramarinas, cada qual defendendo a porção do globo conquistada. Para resolver a contenda, apelaram ao papa. Em 1494, logo após a viagem de Colombo (1492) e, portanto, antes da chegada dos portugueses ao Brasil, D. João II (rei de Portugal) e Fernando e Isabel (soberanos espanhóis) assinaram o Tratado de Tordesilhas. Tomando por base o meridiano que passava a 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo verde, ficou estabelecido que os domínios por tugueses eram aqueles situados a Leste dessa linha, cabendo aos espanhóis as áreas situadas a Oeste. (KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8. ed. São Paulo: Atual, 2003. 602p.). Capítulo 1 – Colonização: a partilha das Américas 23 portugueses conseguiram definitivamente expulsá-los da região no Governo- Geral seguinte, o de Mem de Sá. À outra tentativa de fundar uma colônia em terras portuguesas foi dado o nome de “França Equinocial”. Os franceses fundaram um forte com o nome de São Luís, no atual estado do Maranhão, faixa de terra brasileira sem efetiva ocupação portuguesa. A região era habitada pelos Tupinambás que tiveram sua simpatia conquistada pelos franceses. O local era estratégico. Os franceses foram combatidos por portugueses e espanhóis, que se uniram para impedir a quebra de Tordesilhas. Referências ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História: História Geral e História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ática, 2007. BURNS, EdwardMacnall. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Globo, 1970. CROUZET, Maurice. A América portuguesa. In:____________. História Geral das civilizações: o século XVIII – o último século do antigo regime. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. v. 11. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003. KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. Américas: uma introdução histórica. 2. ed. São Paulo: Atual, 1992. _______. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8. ed. São Paulo: Atual, 2003. 25 CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2 Brasil Colônia (1530-1808) 1. A Ocupação Efetiva da Colônia e o Empreendimento Canavieiro A primeira região brasileira a ser efetivamente colonizada e, consequentemente, urbanizada, foi o litoral do Nordeste. No princípio, a região Sul era uma área mais periférica, por não participar ativamente da economia agroexportadora. A cidade de Salvador foi capital da colônia e sua principal metrópole até 1763. A principal atividade econômica foi o empreendimento canavieiro. No século XV o açúcar era uma especiaria muito utilizada na Europa como remédio ou condimento exótico. Ao longo do século XVI foi se tornando um produto bastante consumido e apreciado pela aristocracia, mas acabou por se transformar em um artigo de consumo de massa. O açúcar já era produzido nas ilhas portuguesas do Atlântico (Açores e Madeira). Tendo em vista a alta lucratividade dos negócios, juntando-se às intenções da Coroa de colonizar efetivamente suas terras no novo continente, resolveu Portugal incentivar a produção do açúcar, especialmente na capitania da Bahia, que andava até então abandonada. O Governo Geral concedeu, inclusive, isenção de impostos para os produtores. Em 1532 Martim Afonso de Souza trouxe em sua expedição mudas de cana e, a partir daí, foram constituídos engenhos produtores de açúcar em todas as capitanias, de São Vicente a Pernambuco. No entanto, os principais engenhos de açúcar situavam-se nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, devido às condições naturais favoráveis (solo e regime de chuvas adequado), mas também por fatores políticos e econômicos. Salvador e Recife tornaram- se importantes portos, na medida em que havia certa facilidade no escoamento da produção (FAUSTO, 2003, p. 78). EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 26 Os engenhos eram formados pela plantação da cana e pelo equipamento necessário para sua transformação e beneficiamento do açúcar, além da casa-grande e da senzala. O processamento da cana era um procedimento complexo que contava com várias etapas. Começava pela moenda da cana, até chegar à produção do açúcar propriamente dito. A instalação e o funcionamento de um engenho eram custosos e dependiam da obtenção de créditos. No princípio do século XVI os financiadores eram basicamente investidores estrangeiros ou da própria metrópole. Posteriormente, instituições religiosas e beneficentes, além de comerciantes, começaram a investir no empreendimento, oferecendo empréstimos a juros aos produtores. No que tange à estrutura social, os engenhos eram constituídos basicamente pelos senhores e seus escravos – oposição essa representada pela “casa- grande” e pela “senzala”. No entanto, é necessário lembrar que até 1560 a mão de obra utilizada era a indígena. A transição para a africana ocorreu a partir do aumento da produção canavieira e do recrudescimento do tráfico escravo. Os escravos, independentemente da época, sempre tiveram péssimas condições de trabalho. Já os senhores de engenho normalmente provinham de famílias de origem nobre, imigrantes com posses, comerciantes ou funcionários de altos cargos da administração portuguesa. Com o tempo, os donos de engenhos foram formando uma classe homogênea e promovendo, inclusive, casamentos entre famílias. Entre estes dois polos, senhores e escravos, havia os homens livres, trabalhadores brancos (por exemplo, plantadores de cana independentes, sem recursos para estabelecer um engenho, e também artesãos, ferreiros, serralheiros etc.) e ex-escravos libertos. O açúcar foi o principal produto da economia agroexportadora da colônia portuguesa na América até os anos de 1620. Durante esse período, o negócio se expandiu devido ao crescimento da demanda pelo produto na Europa e a ausência de concorrência. Com as invasões holandesas no Nordeste e a Guerra dos Trinta Anos na Europa, a produção açucareira foi prejudicada. Além disso, a partir da década de 1630, o açúcar da América portuguesa teve de enfrentar a concorrência da produção nas Antilhas. Apesar do declínio da importância do açúcar ser comumente associado com a descoberta do ouro, é preciso fazer a ressalva de que a exploração Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 27 das minas no século XVIII não significou o fim da produção de açúcar, que continuou a ser um produto relevante para a economia exportadora. Por fim, cabe ressaltar que a economia da colônia – e mesmo da região Nordeste – não se resumia apenas à produção do açúcar. Segundo Fausto (2003, p. 83): Do ponto de vista econômico e social, o Nordeste colonial não foi só açúcar, até porque o próprio açúcar gerou uma diversificação de atividades, dentro de certos limites. A tendência à especialização no cultivo da cana trouxe como consequência uma contínua escassez de alimentos, incentivando a produção de gêneros alimentícios, especialmente da mandioca. A criação de gado esteve também em parte vinculada às necessidades da economia açucareira. Houve ainda outras atividades, como a extração da madeira e o cultivo do fumo. 2. O Trabalho Compulsório: a escravidão indígena e o tráfico negreiro Em toda a América colonial, o trabalho compulsório foi utilizado em larga escala. No entanto, enquanto na espanhola diferentes formas foram utilizadas, na portuguesa predominou a mão de obra escrava. Conforme foi mencionado anteriormente, houve uma passagem da escravidão indígena para a africana. Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais rentável da empresa mercantil, ou seja, na economia açucareira, em condições de absorver o preço da compra do escravo negro, bem mais elevado do que o do índio. Custou a ser feita nas regiões periféricas, como é o caso de São Paulo, que só no início do século XVIII, com a descoberta das minas de ouro, passou a receber escravos negros em número regular e considerável. (FAUSTO, 2003, p. 49). Desde o início da colonização, os indígenas foram submetidos à escravização e à catequese, por meio das ordens missionárias – dentre as quais se destacou a ordem jesuítica. Os indígenas resistiram à sujeição por meio da guerra, da fuga ou mesmo pela simples recusa ao trabalho compulsório. Tinham EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 28 melhores condições de resistir do que os africanos, por conhecerem bem o território, de modo a facilitar fugas. Outro fator que contribuiu para o abandono da escravidão indígena foi o genocídio. Milhares de índios morreram vítimas de doenças trazidas pelos brancos ou em conflitos, dada a superioridade bélica dos europeus. Não por acaso, a partir da década de 1570 incentivou-se a importação de africanos, e a Coroa começou a tomar medidas através de várias leis, para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos índios. As leis continham ressalvas e eram burladas com facilidade. Escravizavam-se índios em decorrência de ‘guerras justas’, isto é, guerras consideradas defensivas, ou como punição pela prática da antropofagia. Só em 1758 a Coroa determinou a libertação definitiva dos indígenas [...]. (FAUSTO, 2003, p. 50). Os portugueses já praticavam o tráfico de escravos africanos desde o século XV e utilizavam sua mão de obra na produção açucareira das possessões insulares portuguesas no Atlântico. Sabiam, portanto, que se tratava de um negócio rentável. Os africanos que foram trazidos para o Brasil como escravos vieram de lugares variados da África, dependendo da organização do esquema do tráfico. Durante o século XVI vieram africanos primordialmente da Guiné (Bissau e Cacheu) e da Costa da Mina. Já aolongo do século XVII, foram trazidos negros bantos, das regiões do Congo e de Angola. Na América portuguesa, os principais centros importadores foram as cidades de Salvador e do Rio de Janeiro: Os traficantes baianos utilizaram-se de uma valiosa moeda de troca no litoral africano, o fumo produzido no Recôncavo. Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina, à Guiné e ao Golfo do Benin, neste último caso após meados de 1770, quando o tráfico da Mina declinou. O Rio de Janeiro recebeu sobretudo escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das minas de ouro, o avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital, sobretudo a partir do início do século XIX. (FAUSTO, 2003, p. 51-52). É importante ressaltar que os negros apresentaram uma resistência cotidiana à escravidão, além das constantes fugas e, algumas vezes, até mesmo Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 29 agressões contra os senhores. A existência dos quilombos - “[...] aglomerações de escravos fugidos, uma verdadeira reação cultural contra o tipo de vida que o português lhes impunha no Brasil” (FROTA, 2000, p. 80) - é a prova disso, sendo o mais importante e conhecido deles o quilombo dos Palmares, formado no início do século XVII. Os quilombolas de Palmares resistiram por quase um século aos ataques dos portugueses, mas acabaram por sucumbir em 1695, em vista das ações perpetradas pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Apesar das inúmeras tentativas, com certeza os africanos tinham possibilidades mais limitadas de resistência do que os indígenas, considerando que eram “desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho” (FAUSTO, 2003, p. 52). Além disso, nem a Igreja Católica, nem a Coroa portuguesa se opuseram à escravidão africana. A legislação então vigente também não oferecia a proteção necessária aos escravos. 3. O Brasil Submisso à União Ibérica (1580-1640) O fim da dinastia de Avis em Portugal iniciou uma crise sucessória que resultou na transferência do trono português à Coroa espanhola. Em virtude do domínio espanhol, houve uma série de consequências para a colônia portuguesa na América. Devido ao conflito entre Espanha e os Países Baixos (especificamente a Holanda), o relacionamento desses Países Baixos com Portugal ficou comprometido. Entre os anos de 1609 e 1621, por causa da Trégua dos Doze Anos entre Espanha e Holanda, não houve conflitos. Contudo, no período em que terminou a trégua, foi criada a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Tal empresa, que contava com capital do Estado e de particulares, teve como objetivo ocupar as regiões de produção açucareira na América portuguesa e controlar o comércio de escravos no Atlântico. Como afirma Boris Fausto (2003, p. 84): As invasões holandesas que ocorreram no século XVII foram o maior conflito político-militar da Colônia. Embora concentradas no Nordeste, elas não se resumiram a um simples episódio regional. Ao contrário, fizeram parte do quadro das relações internacionais entre os países europeus, revelando a dimensão da luta pelo controle do açúcar e das fontes de suprimento de escravos. EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 30 Contra as invasões holandesas resistiram não apenas os portugueses, mas também a gente da colônia (ainda que não tivessem uma identidade autônoma em relação à metrópole). Representou grande esforço militar e financeiro por parte da Coroa e dos colonos envolvidos. A história da ocupação holandesa no Brasil começou com a invasão de Salvador, capitania da Bahia, em 1624, onde os holandeses permaneceram por um ano, rendendo-se após grandes enfrentamentos locais, e posterior cerco realizado por mar, com uma esquadra luso-espanhola, em 1625. Em 1630 houve nova invasão, desta vez em Pernambuco, com a conquista das cidades de Olinda e Recife. Por sete anos holandeses e pernambucanos se enfrentaram e a predominância militar holandesa confirmou a conquista. De 1637 a 1644 Pernambuco foi governada pelo príncipe holandês Maurício de Nassau, que estabeleceu importantes iniciativas políticas e administrativas. Nassau favoreceu a vinda de artistas e naturalistas para Pernambuco e conseguiu manter durante seu governo um período de relativa paz. No entanto, em 1644 foi obrigado a retornar à Europa, por causa de desavenças com a Companhia das Índias Ocidentais. Com a volta de Nassau à Europa, Pernambuco viveu novo período de guerra, no qual se destacaram as Batalhas de Guararapes (1648 e 1649), campanha militar que teve como consequência a derrota holandesa. Diversos fatores contribuíram para a derrota holandesa: a Companhia das Índias Ocidentais entrou em crise, cresceram entre os holandeses os partidários da paz com Portugal, e a guerra entre Holanda e Inglaterra (1652) tornou escassos os recursos para investidas militares no Brasil. No entanto, os conflitos em Pernambuco só cessaram em 1654, com a reconquista da região por parte dos portugueses. Os recursos levantados localmente para a guerra no Nordeste representaram dois terços dos gastos, na fase de resistência, e a quase totalidade, na luta de reconquista. Da mesma forma, enquanto na primeira fase da guerra, tropas formadas por portugueses, castelhanos e mercenários napolitanos foram amplamente majoritárias, na segunda fase, soldados da terra e, mais ainda, gente de Pernambuco tiveram superioridade numérica. A mesma coisa ocorreu com relação ao comando militar. Foram esses homens os principais responsáveis pela tática de guerra volante, a “guerra do Brasil”, de que resultaram vitórias decisivas sobre os holandeses, em oposição à “guerra da Europa” do tipo tradicional. (FAUSTO, 2003 p. 88). Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 31 A luta contra os holandeses incentivou o nativismo pernambucano e a região assistiu a inúmeras revoltas e manifestações de autonomia em relação à metrópole portuguesa. “O nativismo de Pernambuco teve conteúdos variados, ao longo dos anos, de acordo com as situações históricas específicas e os grupos sociais envolvidos, mas manteve-se como referência básica no imaginário pernambucano”. (FAUSTO, 2003, p. 89). As invasões holandesas demonstraram bem a relação entre a produção açucareira e o tráfico de escravos. Afinal, enquanto controlaram a indústria açucareira no Nordeste, os holandeses tiveram também o controle do tráfico de escravos na África. Houve, inclusive, frentes de combate também nas colônias portuguesas na África, com a ocupação de São Paulo de Luanda e Benguela, em Angola (1641). Os portugueses retomaram a região em 1648, com uma expedição saída do Brasil, comandada por Salvador Correia de Sá. O fim da União Ibérica, a partir da ascensão de D. João IV ao trono português em 1680, não significou o fim do conflito entre Portugal e Holanda, pois durante aqueles anos as relações entre os dois países haviam se transformado, tendo em vista a ocupação holandesa em uma parte do território português na América. 4. A Expansão da Ocupação Portuguesa para além do Tratado de Tordesilhas Se no início da colonização os portugueses se limitaram a ocupar apenas o espaço litorâneo do território e defendê-lo da ocupação estrangeira, posteriormente, ainda no século XVI, com o intuito de buscar metais preciosos, organizaram “entradas” para o interior. Muitas vezes, no entanto, não encontravam as riquezas que buscavam, mas aproveitavam a empreitada para aprisionar indígenas que eram vendidos como escravos. Estas entradas ficaram conhecidas como “Tropas de Resgate”. (FROTA, 2000, p. 64). A partir de 1580 (início da União Ibérica), as entradas se tornaram mais intensas e despreocupadas com os limites definidos pelo Tratado de Tordesilhas. Desta forma, os portugueses chegaram até a região do Amazonas, ao norte, e do Rio da Prata, ao sul. Além disso, os portugueses aumentaram o território por eles conquistado com a expulsão dos franceses, ampliando as terras utilizadas pelos engenhos de açúcar e para a criação de gado. As “bandeiras” eram expedições organizadas por colonos e formadas tambémpor indígenas e mestiços com o objetivo de encontrar na porção de terras da EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 32 América portuguesa metais preciosos, considerando que os espanhóis haviam encontrado ouro e prata em suas terras. As bandeiras foram organizadas fundamentalmente por paulistas. Organizaram-se segundo o modelo de disciplina militar e não costumavam respeitar a fronteira imposta por Tordesilhas. Também as bandeiras paulistas não tiveram o resultado esperado em um primeiro momento e dedicaram-se a aprisionar indígenas para serem vendidos como escravos. Essas expedições ficaram conhecidas como “bandeirantismo de apresamento” e tiveram seu apogeu no século XVII, no período em que os holandeses controlavam o fornecimento de escravos na costa africana e ocupavam o nordeste brasileiro, tendo em vista que as outras regiões da colônia portuguesa, não dominadas pelos flamengos, ficaram carentes de mão de obra. Apesar de ter sido o bandeirismo destrutivo em seu início, agindo mais em extensão do que em profundidade, ele permitiu a descoberta do ouro, o que ocasionou uma corrida para o interior. Este, antes despovoado, coloriu-se de uma multidão que se despencou da costa e de além-mar na ânsia de enriquecimento fácil, provocando o alargamento político do território, mas também o abandono das fazendas de açúcar, atingindo especialmente o Nordeste. (FROTA, 2000, p. 76). O avanço das fronteiras no sul da colônia esbarrou em uma série de conflitos com os espanhóis, principalmente com o movimento paraguaio, que avançava em direção ao mar. A região do Rio da Prata foi o alvo principal das disputas (vista como possibilidade de fronteira natural da colonização portuguesa), palco de um embate bélico sangrento e origem de uma série de atos e documentos que tentaram garantir o domínio português sobre o território. Um último aspecto do bandeirantismo, ocorrido principalmente na segunda metade do século XVII (FROTA, 2000, p. 79-80), foi o “sertanismo de contrato” 6. Alguns dos bandeirantes que não conseguiram encontrar grandes riquezas, mas eram hábeis na prática de palmilhar o interior, foram contratados pela administração para realizar buscas a escravos fugidos, destruir quilombos, e combater indígenas. 6 Um dos aspectos do bandeirantismo ganhou o nome de sertanismo de contrato, em razão de diversos bandeirantes, não muito felizes no encontro de riquezas, mas adestrados na prática de palmilhar o interior, se colocavam a serviço da administração, quer para combater indígenas, quer para desfazer quilombos de escravos fugidos. Ocorreu, principalmente, na segunda metade do século XVII. (FROTA, 2000). Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 33 5. A Descoberta do Ouro: um novo ciclo econômico Desde o início da ocupação portuguesa nas Américas, a busca por ouro foi constante na América portuguesa, já que metais preciosos foram encontrados em abundância na América espanhola. Os paulistas, em suas andanças pelo sertão, finalmente encontraram ouro em fins do século XVII. Também foram descobertos diamantes, mas sua importância econômica foi menor. A exploração de metais representou uma grande mudança, tanto na colônia quanto na metrópole. A corrida pelo ouro provocou a primeira grande corrente migratória para o Brasil, durante os primeiros sessenta anos do século XVIII. Pessoas das mais diversas origens vieram para o Brasil em busca do circuito do ouro. Comerciantes, pequenos proprietários, padres, prostitutas e aventureiros, todos buscaram enriquecer com o metal aqui descoberto. De Portugal e das ilhas do Atlântico chegaram, por ano, cerca de dez mil pessoas. A descoberta do metal precioso aliviou momentaneamente os problemas financeiros de Portugal. Na virada do século XVIII, a dependência lusa com relação à Inglaterra era um fato consumado. Para ficar em um exemplo apenas, o Tratado de Methuen, firmado pelos dois países em 1703, indicava a diferença entre um Portugal agrícola, de um lado, e uma Inglaterra em pleno processo de industrialização, de outro. Portugal obrigou-se a permitir a livre entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu território, enquanto a Inglaterra comprometeu-se a tributar os vinhos portugueses importados com redução de um terço do imposto pago por vinhos de outras procedências. É bom lembrar que a comercialização do vinho do Porto estava nas mãos dos próprios ingleses. Durante muitos anos, o desequilíbrio da balança comercial entre Portugal e Espanha, causado por essa política, foi compensado com o ouro vindo do Brasil (FROTA, 2000, p. 98-99). O ouro também trouxe mudanças na colônia. Aos poucos, o eixo do Nordeste foi perdendo importância, e a proximidade das minas fez com que o Centro- Sul se tornasse o local privilegiado do comércio com a metrópole. O porto do Rio de Janeiro, de onde vinham escravos e suprimentos e escoava o ouro, cresceu e a cidade tornou-se a capital da colônia, em 1763. Com a exploração de ouro e diamantes, aumentou a necessidade da metrópole de controlar o ouro que era comercializado fora de seus domínios. Foram criados os impostos do quinto – a quinta parte de todos os metais extraídos pertencia ao rei – e a capitação – imposto cobrado dos mineradores por cabeça de escravo. EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 34 O grande desequilíbrio criado pelo protagonismo da região Centro-Sul preocupou as autoridades que tomaram algumas providências no sentido de diminuir o desequilíbrio entre a região das minas e o resto da colônia. Arrecadar impostos e organizar a sociedade das minas foram os dois objetivos básicos da administração portuguesa, relacionados aliás entre si. Para isso, era necessário estabelecer normas, transformar acampamentos de garimpeiros em núcleos urbanos, criar um aparelho burocrático com diferentes funções. (FROTA, 2000, p. 101). O processo migratório causado pela busca do ouro foi responsável por mais do que o simples aumento de número de portugueses e pessoas de diferentes classes no Brasil. Foi criada uma máquina burocrática em torno desse comércio que constituiu uma sociedade diferenciada organizada e formada não só de mineradores, mas de negociantes, advogados, padres, fazendeiros, artesãos, burocratas e militares. “Muitas dessas figuras tinham seus interesses estreitamente vinculados à Colônia e não por acaso ocorreu em Minas uma série de revoltas e conspirações contra as autoridades coloniais.” (FROTA, 2000, p. 102). Apesar da intensidade do comércio e da importância que teve na construção da sociedade da América portuguesa, o ciclo do ouro já não tinha muita força no início do século XIX. O período do apogeu, entre os anos de 1733 e 1748, foi encerrado devido, principalmente, à queda na produção e à dificuldade de alcançar novas grandes jazidas. 6. Revoltas Nativistas No final do século XVII, o Brasil começou a entrar numa fase de profundas transformações. Reinóis, nativos e escravos (habitantes da colônia, sob a administração da coroa portuguesa) amalgamavam-se nas duras tarefas de conquistar a terra, de domesticar o gentio (índios) e, sobretudo, expulsar invasores. Formava-se lentamente a argamassa do povo brasileiro, provocando movimentos sediciosos ainda inconsistentes e de fundo nitidamente econômico, uma reação contra o fiscalismo exagerado. A amplitude territorial e a heterogeneidade da população não permitiram a presença de movimentos amplos e sim regionais. (FROTA, 2000, p. 205). Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 35 6.1 Revolta de Beckman (1684) O Estado do Maranhão foi criado em 1621, englobando as capitanias do Ceará, do Maranhão e do Grão-Pará. Existia nessa região uma constante perseguição aos índios para o trabalho na lavoura açucareira, já que os senhores encontravam dificuldades para conseguir escravos negros, desde a expulsão dos holandeses de Pernambuco. Os jesuítas, liderados pelo padre Antônio Vieira, reagiram em defesa dos índios que trabalhavam na colheita dominada pela ordem religiosa. Como a exploração de escravos indígenas não trazia lucro para Portugal, que se beneficiava muitodo tráfico negreiro, a metrópole acabou apoiando a reação dos jesuítas que despertaram ódio nos senhores, exasperados pela falta de escravos em suas lavouras. Liderados pelos irmãos Beckman, senhores de engenho da área organizaram- se numa revolta contra a companhia de comércio da região (responsável pelo comércio de escravos negros) e contra os jesuítas, que acabaram expulsos. Mas, mesmo assim, a escravização indígena acabou proibida. 6.2 Guerra dos Emboabas (1708-1709) A grande migração de pessoas para as áreas de garimpo era uma preocupação constante da Coroa. Logo no início da atividade em Minas, a Câmara de São Paulo reivindicou, junto ao rei de Portugal, que somente os moradores da Vila de São Paulo (responsáveis pela descoberta das jazidas) tivessem permissão para procurar ouro. Tratava-se, no entanto, de um pedido impossível, já que muitos se dirigiam à região, não só brasileiros (principalmente baianos) e portugueses, mas também estrangeiros. Tal disputa se configurou num conflito civil localizado, que ficou conhecido como a Guerra dos Emboabas (1708-1709). De um lado, paulistas; do outro, estrangeiros e baianos. Os paulistas não obtiveram a exclusividade pretendida, mas conseguiram a criação da capitania de São Paulo e das Minas do Ouro, separada do Rio de Janeiro (1709), e a elevação da Vila de São Paulo à categoria de cidade (1711). Minas Gerais se tornou uma capitania separada somente no ano de 1720. 6.3 Guerra dos Mascates (1710-1711) Em Pernambuco, a rivalidade entre os decadentes agricultores da vila de Olinda e os progressistas comerciantes de Recife acabou explodindo em 1710. A dominação holandesa foi responsável por um grande EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 36 desenvolvimento em Recife, que se tornou um movimentado porto. “Mascate” era como os ricos comerciantes portugueses de Recife eram denominados pela aristocracia de Olinda. Por solicitação popular, D. João V elevou Recife à categoria de vila em 19 de novembro de 1709. A partir daí uma discordância a respeito da delimitação territorial entre as duas vilas acirrou a disputa. A tranquilidade na região só durou cerca de sete meses. O conflito acabou retornando quando Olinda foi cercada pelos comerciantes. Os Mascates, antes expulsos, se vingaram dos olindenses e retomaram o controle da região. 7. Revoltas Coloniais 7.1 Revolta de Vila Rica (1720) e Inconfidência Mineira (1789) “Aplacados os excessos das desavenças entre paulistas e emboabas, a região das minas passou pela administração eficiente de D. Braz Baltazar da Silveira; fundou vilas e ajustou uma fórmula de cobrança dos ‘quintos’”. (FROTA, 2000, p. 211). A cobrança dos quintos garantia à Coroa uma grande parte da produção de ouro da Colônia. Entretanto, existia uma altíssima taxa de sonegação do imposto. Circulava ouro em pó e em pepitas, que eram usados como moeda, facilitando a fuga da fiscalização. Por isso, a metrópole resolveu criar, nas áreas das Minas, quatro casas de fundição (por meio da carta-régia de 19 de fevereiro de 1719), e proibir qualquer ouro não quintado de circular. Os habitantes, principalmente de Vila Rica (atual Ouro Preto, MG), não aceitaram as novas regras. A revolta, fundamentalmente um movimento econômico, no fim não conseguiu alcançar seu objetivo. A resistência contra a medida reguladora não se sustentou, mas conseguiu que fosse criada a Capitania Geral de Minas Gerais, separada da de São Paulo, em dezembro de 1720. As ideias que então sacudiram a França, produto de filósofos racionalistas, penetraram o Brasil, trazidas por clérigos esclarecidos e por estudantes que haviam cursado as universidades europeias. [...] A independência das Colônias Inglesas da América (1776) servia de exemplo pelo êxito alcançado [...] Formara-se em Vila Rica, sede da capitania, uma elite cultural [...]. Estes intelectuais se reuniam e discutiam a situação política. (FROTA, p. 213-215). Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 37 Dentre essa elite cultural, referida por Frota, encontrava-se o alferes Joaquim José da Silva Xavier, alcunhado de “o Tiradentes”. Ele participou do movimento que ficou conhecido como a Conjuração Mineira. Suas principais reivindicações foram: a separação política de Portugal; a instauração da república; a transferência da capital para o interior; a libertação dos escravos que aderissem ao movimento e a criação de uma universidade. A conspiração contra a administração colonial acabou revelada por intermédio de cartas- denúncias enviadas ao Visconde de Barbacena. Vários revoltosos foram presos, mas foi Tiradentes, após sete meses de prisão, que confessou ser o mentor do movimento. Cumpriu a sentença de pena de morte na forca em 21 de abril de 1789 e teve seu corpo esquartejado e exposto como exemplo, para desestimular novas insurgências. A conspiração não saiu do apertado círculo dos que a tramaram. Malograda, traduzia, contudo, uma atitude mental que principiava a amadurecer, de rebeldia nascente frente ao despotismo. [A derrama]7 influiu no espírito político da época [...]. (FROTA, 2000, p. 218). 8. Os Tratados de Limites: a nova fixação de fronteiras Muitos foram os conflitos que contribuíram para a definição do território brasileiro. As investidas francesas ao norte e as constantes vitórias de Portugal acabaram por “empurrar” o domínio português além do Amapá, chamado de Guiana brasileira. As tensões nessa área só foram solucionadas pelos Tratados de Utrecht de 1713 e de 1715. No tratado assinado, em 11 de abril de 1713, a França renunciava ao território do Cabo do Norte, entre os rios Amazonas e Oiapoque. No segundo Tratado de Utrecht, em 6 de fevereiro de 1715, a Espanha devolveu a Colônia do Sacramento a Portugal, mas diferentemente do primeiro, sua assinatura não deu um fim às tensões na região. Os conflitos nessa área foram importantes para o avanço do domínio português pelo planalto central e pela planície amazônica. Tantas foram as tensões no Sul que a Espanha não percebeu o avanço nas outras áreas. 7 O dia da derrama, instituído pelo Marquês do Pombal, em 1785, visava à cobrança atrasada dos impostos pela administração portuguesa. Foi o dia escolhido para a Inconfidência Mineira. (FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 2000). EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 38 Somente em 1750, com o casamento de D. Maria Bárbara, princesa de Portugal, com Fernando VI, príncipe da Espanha, foi possível negociar o tratado de Madri. Nele, o tratado de Tordesilhas foi finalmente abolido, Portugal abriu mão da Colônia de Sacramento, recebendo em troca as terras das Sete Missões, as terras do Centro e Norte do Brasil, consideradas de pouco valor. Com o Tratado de Madri, as guerras europeias ficaram definitivamente fora de território brasileiro. Apesar de ter sido de extrema importância para a definição do território brasileiro, o Tratado de Madri encontrou resistência tanto entre espanhóis quanto entre portugueses. Tanto que em 1761, um novo tratado, em El Pardo, tornou nulas as disposições daquele tratado. Mapa das fronteiras do Tratado de Madri (1750) Fonte: <http://www.diario-universal.com/2007/10/aconteceu/tratado-de-santo- ildefonso/>. Acesso em: 20 mar. 2010. Em 1777, sob direção de D. Maria I, com a queda de Marquês de Pombal, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso. Ele definia que a Colônia do Sacramento e os Sete Povos das Missões ficariam em poder da Espanha. Capítulo 2 – Brasil Colônia (1530-1808) 39 Mas mesmo assim os desentendimentos persistiram. Somente em 1801 foi firmada a paz de Badajós, que deu um fim aos movimentos armados nas áreas das colônias e restabeleceu as relações entre Portugal e Espanha. Os Sete Povos ficaram finalmente em poder de Portugal. Referências FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: EDUSP, 2003. FROTA, Guilherme Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 2000. LACOMBE, Américo Jacobina. A Conjuração do Rio de Janeiro. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira.Tomo I – A época colonial – v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo IV. p. 451-455. LUZ, Nícia Vilela. Inquietação revolucionária no sul: Conjuração Mineira. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época colonial – v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo III. p. 438-450. MATTOS, Odilon Nogueira de. A Guerra dos Emboabas. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época colonial – v. 1 – Do descobrimento à expansão territorial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo III. p. 324-334. MELLO, Astrogildo Rodrigues de; WRIGHT, Antônia Fernanda P. A. O Brasil no período dos Filipes. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época colonial – v. 1 – Do descobrimento à expansão territorial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 4, Capítulo II. p. 197-212. REIS, Arthur Cézar Ferreira. A Inconfidência Baiana. In: HOLANDA, Sergio Buarque. História Geral da civilização brasileira. Tomo I – A época colonial – v. 2 – Administração, economia e sociedade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Livro 5, Capítulo V. p. 456-462. 41 CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3 O Século XIX nas Américas 1. O Processo de Independência nas Américas O processo de independência das colônias da América Latina pode ser melhor compreendido se abordado como parte da crise do Antigo Regime e do sistema colonial europeu. Alguns eventos históricos que vinham ocorrendo na Europa tiveram papel fundamental para a sucessão de fatos ocorridos nas colônias do Novo Mundo. Dentre eles podemos destacar: a Revolução Industrial8 inglesa, o rompimento do equilíbrio político do velho continente devido às Guerras Napoleônicas, o próprio desenvolvimento interno das colônias e a difusão dos ideais iluministas, associados aos acontecimentos da Revolução Francesa9 de 1789. Os interesses econômicos ingleses na emancipação das colônias ibéricas nas Américas relacionavam-se, primeiramente, com o desenvolvimento da Revolução Industrial, tendo em vista que representou o início de uma profunda transformação no sistema político e econômico daquele país (o surgimento do capitalismo como sistema, o que se ampliaria mais tarde para o resto do mundo), que passou a enxergar as colônias da América hispânica e portuguesa como potenciais mercados consumidores para seus produtos industrializados. Para tanto, deveria apoiar o fim do sistema colonial ibérico e o exclusivismo comercial que impunham aos territórios dominados. Além desses fatores econômicos, a Inglaterra tinha também interesses políticos no apoio às emancipações, devido aos acontecimentos relacionados com as Guerras Napoleônicas. 8 A Revolução Industrial representou o processo de mecanização das indústrias, ocorrido inicialmente na Inglaterra em fins do século XVIII e, posteriormente, em outros países, como a França, os Estados Unidos da América, a Alemanha e outros. De acordo com esse conceito, a partir da máquina a vapor, houve uma revolução industrial. (FRANCO et al., 1995, p. 126). 9 A Revolução Francesa representou a crise final do Antigo Regime, cujas estruturas foram abolidas e substituídas por outras apropriadas ao novo Estado burguês (capitalista). (FRANCO et al., 1995, p. 143). EASA/SEAD/CAS – HISTÓRIA MILITAR 42 No curso de sua guerra contra Napoleão, a Grã-Bretanha, perante a necessidade de responder ao Bloqueio Continental10, desenvolveu uma política de expansão comercial dirigida para os mercados do Novo Mundo. Após 1815, ela avalia a estreiteza dos escoadouros europeus e choca-se com o protecionismo. Assim, a ilha mercantil sofre uma crise interna que a impele a arrancar ao Pacto Colonial ibérico a clientela de um imenso continente. Ao mesmo tempo, a marinha de Sua Majestade aproveita para exercer no Atlântico o combate ao tráfico escravo. (CROUZET, 1996, p. 140). Além disso, com as Guerras Napoleônicas, o rei da Espanha, Fernando VII, foi destronado e substituído por José Bonaparte, irmão mais velho de Napoleão Bonaparte, o que levou a um enfraquecimento do controle da metrópole sobre suas colônias. Em Portugal as Guerras Napoleônicas e a Revolução Liberal do Porto levaram a família real portuguesa a se transferir para o Rio de Janeiro, sendo um dos fatores que culminariam no processo de independência política das colônias da América portuguesa. No entanto, é preciso lembrar que, mesmo antes de ter início o processo emancipatório das colônias, surgiram várias revoltas nas Américas hispânica e portuguesa. Eram lideradas por grupos de colonos que, ensejando obter vantagens comerciais e maior liberdade, passaram a questionar os princípios mercantilistas que norteavam as relações entre metrópole e colônia. Os interesses dos colonos começaram, então, a entrar em choque com os da metrópole. Ainda assim, de início, as revoltas coloniais não assumiram um caráter separatista, mas desnudavam apenas uma crescente insatisfação dos colonos com a política metropolitana, na medida em que as próprias colônias alcançavam algum grau de desenvolvimento. Por fim, devemos destacar também a influência dos ideais iluministas11 na formação dos projetos de independência. É preciso lembrar que na maioria dos casos tais projetos foram formulados e encampados pelas elites locais, os criollos (denominação dada aos descendentes de espanhóis nascidos na América) que, muitas vezes, tinham em sua formação uma passagem pela Europa ou, ao menos, contatos com os ideais que lá eram gestados. 10 Pelo Bloqueio Continental (1806) as nações europeias continentais ficavam proibidas de comerciar com a Inglaterra e de permitir que navios ingleses atracassem em seus portos. (SILVA, 1992, p.112). 11 O Iluminismo, cujo palco principal foi a França, é representado por figuras exponenciais do pensamento ilustrado europeu da época, como Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Esses filósofos, assim com todos aqueles que adotavam o pensamento liberal, questionaram o despotismo monárquico e os privilégios da nobreza e do clero e defenderam os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade. (SILVA, 1992, p. 103). Capítulo 3 – O Século XIX nas Américas 43 Relacionado com este aspecto, podemos destacar o peso da emancipação das treze colônias da América do Norte, ocorrida em 1776, e fortemente influenciada pelo Iluminismo. A independência dos Estados Unidos da América, o primeiro país do continente a se emancipar, teve marcante influência sobre o processo de independência política das demais colônias, pois representava uma nova possibilidade de estruturação política e administrativa independente das metrópoles europeias. Por outro lado, os próprios Estados Unidos, por sua vez, passaram a ter interesse na emancipação política do restante do continente, pois, entendiam que, com o fim da colonização europeia, a América Latina poderia passar a ser uma privilegiada área de influência. Desta maneira, o presidente norte-americano James Monroe decretou em 1823 a famosa “Doutrina Monroe”, que tinha como máxima a defesa da “América para os americanos”. Segundo Alves (2004, p. 88): Em princípio, a Doutrina Monroe teria resultados poucos práticos, representando, isto sim, um efeito simbólico, porque nem a Europa modificou seu rumo, nem as repúblicas hispânicas ou o Brasil deram muito peso à proclamação, como um fator de garantia da independência conseguida e ameaçada, já que todos acreditavam mais na esquadra britânica. [...] Foi somente com o crescimento do poderio econômico dos Estados Unidos que a doutrina foi sendo posta em prática, mudando seu conteúdo à medida que se concretizava, ou seja, de inspiração progressista, passou a ser utilizada como justificativa intervencionista – como um disfarce para a recolonização da América Latina. A Doutrina Monroe surgiu em reação à Santa Aliança e à Restauração na Europa, que defendia a volta dos princípios do absolutismo e, consequentemente, dos domínios coloniais.
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