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RUMOS E METAMORFOSES Capitulo 1: 1930-1945: Rumo à industrialização e à nova forma de Estado Brasileiro INTRODUÇÃO O primeiro capítulo da obra tem como objetivo apresentar as principais mudanças ocorridas no ceio do Estado brasileiro após a revolução de 24 de outubro de 1930. A queda de Washington Luís representa o fim da primeira república e o nascimento de um período único na história brasileira. O primeiro capítulo do livro também busca apresentar as transformações do Estado brasileiro e a sua guinada como agente econômico (órgão normativo/executivo). Entretanto antes de entrar no assunto principal do capítulo é necessário entender a constituição do Estado capitalista e a revolução burguesa num contexto de capitalismo tardio/periférico. Segundo a autora, o período entre 1930 a 1960, compreenderia os processos característicos de uma revolução burguesa, a qual o final seria a transição para o Estado capitalista. Segundo Draibe (1985), pode-se dizer que a transição para o Estado capitalista, engloba a formação do modo de produção e das estruturas de poder tipicamente capitalistas, além do processo de conquista do poder pela burguesia e o seu estabelecimento como classe dominante. Entretanto para entender essa transição no Brasil é preciso levar em conta a posição periférica do país e a sua relação com o centro 1 . A autora ao longo do texto busca apresentar uma nova interpretação do surgimento do Estado capitalista no Brasil em relação à visão da CEPAL. Segundo a autora, a abolição da escravidão em 1888, representa o inicio da transição ao capitalismo no país, embora esse movimento não conseguiu criar as condições para o desenvolvimento da dinâmica de acumulação capitalista. Segundo a autora, a heterogeneidade desta fase (1888-1930) que possibilita caracterizá-la como um período de início transição, a qual o capital cafeeiro foi responsável pelo surgimento de diferentes atividades ligadas ao setor exportador. A burguesia cafeeira foi a base para a burguesia industrial 2 . 1 "a idéia que a dinâmica social latino-americana é determinada, em primeira instância, por. 'fatores internos' e, em última instância, por 'fatores externos', a partir do momento em que se estabelece o Estado Nacional". 2 De acordo com a análise de Poulantzas (1977), as estruturas de poder no momento desta transição já teriam algumas das características marcadamente próprias do tipo capitalista de Estado, entretanto, uma vez que as relações sociais capitalistas ainda não estão plenamente definidas, há um descompasso, uma "defasagem" entre as estruturas do Estado e suas funções com relação ao campo da luta de classes. Nestas condições, o Estado de transição é dotado de particular autonomia: num momento em que o modo de produção ainda está indefinido cabe-lhe atuar sobre os interesses do momento e à frente dos limites fixados pelas relações sociais vigentes; assim ele próprio, o Estado, produz as relações sociais que terão predominância quando concluída transição Para entender a complexidade da problemática apresentada pela autora é preciso entender a importância da revolução burguesa nas condições especificas de um país periférico. Para Draibe (1985), “a revolução burguesa é o processo ao longo do qual devem ser resolvidas as questões que se colocam a uma sociedade em fase de transição capitalista. Portanto, podemos, concluir que a revolução burguesa nas condições específicas do 'capitalismo tardio' acontece, mas não 'obedece' aos 'modelos clássicos'”. A autora usa como base para discorrer acerca do processo de formação do Estado capitalista no Brasil, o conceito de revolução burguesa de Florestan Fernandes 3 , pois através desse conceito é possível entender a especificidade do processo de transformação capitalista ocorrido no país após a década de 1930. DESENVOLVIMENTO DO CAPÍTULO O golpe que derrubou o governo de Washington Luís em 1930 e a ascensão de Vargas representa a transição de um Estado tipicamente liberal para um Estado dirigista. A crise de 1929 antecipou a derrocada do preço internacional do café e consequentemente o colapso da economia brasileira que tinha como característica o núcleo exportador como dinamizador da economia. Com o advento da crise internacional e a ascensão do varguismo, as estruturas do Estado e da economia brasileira se transformaram drasticamente. O liberalismo que esteve em vigência ao longo dos últimos 50 anos, perdeu espaço para o dirigismo estatal. A noção de federalismo também foi transformada com a concentração do poder no Executivo Federal. capitalista. Só então, tais relações serão organicamente articuladas e poderão desenvolver-se a partir de si próprias. Poulantzas, N. Poder Político e Classes Sociais, São Paulo, Martins Fontes, 1977. 3 Segundo Corazza (1986), o Conceito de Revolução Burguesa (RB) de Florestan Fernandes é fundamental porque permite compreender a especificidade do processo de transformação capitalistas ocorrido no Brasil. Para Florestan Fernandes, a Revolução Burguesa no Brasil compreende "um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas" que não se realizam de um golpe mas ao longo de um período de .30 anos, e só se completam quando o desenvolvimento capitalista no Brasil atinge sua base industrial. O que a Revolução Burguesa no Brasil tem de específico é que, diferentemente das revoluções burguesas clássicas, ela não constitui apenas um momento político, em que a burguesia toma de "assalto" o controle de poder e do Estado, mas sim, um processo de transformação continuada, em que, ao mesmo tempo, tanto se constrói a estrutura econômico-industrial, como se formam e se diferenciam as classes sociais e as estruturas políticas do próprio Estado. A idéia de um processo continuado de transformações e a da simultaneidade dos tempos em que se colocam as questões econômicas, as sociais e as políticas — ou seja, a questão da constituição do capitalismo e sua base industrial, a da afirmação e diferenciação das classes sociais e de seus interesses específicos e a da formação do próprio Estado capitalista no Brasil. Disponível em: < https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/download/1063/1386>. https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/download/1063/1386 Uma das primeiras medida de Vargas como presidente foi a adoção de uma política anticíclica de manutenção da renda cafeeira, a qual, compreendia na queima de café para sustentar o preço do café no mercado internacional. As políticas de manutenção do café não eram uma novidade no Brasil, pois desde 1906, o país adotava esse tipo de mecanismo, entretanto, a principal característica dessa política no varguismo é atuação do Executivo Federal como núcleo formulador de políticas públicas. O Estado Capitalista a partir de 1930 apresenta características intervencionistas e regulatórias. A máquina estatal é transformada para atender as necessidades e objetivos das novas demandas do Estado varguista. Diferentes órgãos, códigos e peças legislativas foram criadas para dar suporte à elaboração de políticas econômicas de caráter dirigista que tinha como objetivo intervir no processo econômico de maneira articulada para por em pratica o projeto de industrialização que orientou o governo Vargas no período 1930-1945 e era apresentado como um interesse nacional. Apesar da inclinação industrial da primeira era varguista, a mesma só teve maior ênfase a partir de meados da década de 1930. O principal objetivo da política econômica no inicio da era Vargas era defender a renda cafeeira e tentar diminuir os impactos recessivos da grande crisede 1929. Para atingir esses objetivos, o Estado interveio na economia através de diferentes políticas econômicas e instituições auxiliares que formulavam decretos para enfrentar a crise. O Estado brasileiro avançou no período o seu processo de constituição de Estado nacional e capitalista, entretanto, o fez sob essa forma especifica, inscrevendo nos seus aparelhos os diferentes interesses sociais que, assim, sofrem um processo de generalização e abstração, metamorfoseando-se, agora, em “interesses nacionais” e constituindo-se na substancia das políticas do Estado. A conformação de um aparelho econômico centralizado que estabelece suporte efetivo a políticas econômicas de caráter nacional, e a natureza capitalista que a estrutura material do Estado vai adquirindo - define o movimento de estruturação organizacional do Estado de 1930 a 1945 4 . 4 Segundo Peres (2004), a Revolução de 1930 é o marco inaugural da última fase do processo de transição capitalista no Brasil, a qual é identificada como a fase da Revolução Burguesa. Isso porque entre 1930 e 1960 a industrialização se iniciou e completou e o Estado assumiu, crescentemente, caráter centralizado, centralizador e unificador, ou seja, adquiriu características institucionais e funcionais, formas repressivas e ideológicas de controle e legitimidade e um padrão de 'resolução' de conflitos que o assemelham ao Estado capitalista moderno. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?view=000319801>. http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?view=000319801 Com o inicio do Estado Novo e a nova constituição federal de 1937, as características do Estado e seus instrumentos mudam drasticamente com o aumento da concentração de poder no Executivo e na burocracia federal. A noção de planejamento central da economia ganha força por ser de acordo com a visão varguista, o único mecanismo capaz de elevar a renda nacional de forma efetiva em um curto período de tempo. Para alicerçar esses objetivos foram criados diferentes estruturas burocráticas que dividiam as diferentes áreas da economia com o objetivo de tornar a burocracia no sentido weberiano. Em 1938 foi criado o principal departamento da burocracia varguista que foi o DASP (Departamento administrativo da administração pública). Caberia ao DASP a responsabilidade de definir, racionalizar e controlar a carreira do funcionalismo publica e a organização da estrutura administrativa. Também cabia ao DASP a responsabilidade de elaboração e controle orçamentário. Em escala estadual foi criado o “daspzinho” que, junto aos interventores estaduais e o ministério da justiça, constituíam a expressão local do poder centralizado do Executivo Federal. No que diz respeito ao aparelho econômico, a característica mais importante durante a era varguista residiu no fato que ela progressivamente dotado de instrumentos adequados para gerar políticas com alto grau de generalidade, expressas como “políticas de Estado” e “para toda a nação”. É importante destacar os principais órgãos responsáveis pela instauração de políticas gerais - compreendendo regulação e controle das áreas cambiais, monetária, comercio exterior, creditícia etc. Com respeito à esfera cambial em 1930 é extinto o monopólio cambial, entre 1931 5 a 1934, o governo voltar adotar o monopólio cambial, sendo que o mesmo só volta a ser extinto em 1934. A partir de 1935 o cambio é negociado em duas faixas: livre (depreciada) e oficial (apreciada). Com o inicio da ditadura do Estado Novo, o cambio volta a ser um monopólio com taxa única e controle de exportação. Em relação à política monetária, a principal mudança foi o fim da caixa de estabilização (padrão ouro) e a adoção da moeda fiduciária, além do estabelecimento da lei da usura 6 em 1932, a qual estabelecia o limite da taxa nominal de juros no patamar de 12% ao ano. Com a concentração do crédito na mão do Executivo Federal, o Banco do Brasil 7 ganhou o papel de ser o maior agente creditício do país. Sendo que a partir da década de 1930 5 É importante ressaltar quem em 1931 devido a crise mundial, o Brasil sofre com a escassez de divisas é recorre a um funding loan para poder equilibrar as contas públicas. 6 A lei da usura foi um dos condicionantes que dificultou o desenvolvimento do mercado de crédito privado no Brasil. 7 Nesse período o Banco do Brasil atuava como instituição financeira e também desempenhava a função de banco do Estado na ausência de um banco central que só seria criado em 1964. qualquer programa de fomento a agricultura e a indústria passavam pelo Banco. Em 1937 foi criada a Carteira de Crédito a Agrícola e Industrial (CREAI), do Banco do Brasil. Em 1941 foi criado a CEXIM 8 (Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil) que objetivava amparar estimular as exportações e também assegurar condições mais favoráveis para controlar as importações. Em 1943 foi criada a comissão de financiamento e em 1944 a comissão de investimento que tinha como objetivo fomentar a industrialização de setores industriais estratégicos. Durante a década de 1930, o governo de Vargas buscou regular e federalizar diferentes setores da economia brasileira. Durante o período surgiu o instituto nacional do cacau (1931), Instituto nacional do café (1933), Instituto nacional do álcool (1933), Instituto nacional do mate (1941), Instituto nacional do sal (1941). Na área de recursos naturais, estruturou-se o departamento nacional de produção mineral - DNPM (1934), o conselho nacional do petróleo (1938), o conselho de águas e energia elétrica (1939), todos eles encarregados de conceber, originar e articular políticas setoriais para os seus respectivos campos. A partir da instauração do Estado Novo era nítido dentro da administração pública que o Brasil deveria avançar na industrialização dos setores de bens de capital e intermediário para que pudesse superar o estrangulamento externo que travava a economia nacional. A partir desse movimento foram criadas diferentes comissões para lidar com esses problemas. Entretanto apesar da vontade de resolver esses estrangulamentos era necessário criar comissões setoriais para estudar cada setor industrial. A partir de 1940 foram criadas comissões para responder a problemas correntes e oferecer diretrizes de política para o avanço setorial. No Estado Novo, quando as intenções industrializantes atingiam maior nível de articulação, foram criadas as seguintes comissões: Comissão executiva do plano siderúrgico nacional (1940), Comissão executiva têxtil (1942), Comissão nacional de combustíveis e lubrificantes (1941), a Comissão nacional de ferrovias (1941), Comissão vale do rio doce (1942), Comissão industrial de material elétrico (1944). Apesar da criação das comissões industriais, o principal problema para desenvolver a indústria nacional era o seu financiamento. A indústria de bens de capital e intermediaria tem características próprias. O tempo de maturação de cada projeto era longo e de risco, de modo que afastava o empresariado nacional e estrangeiro, assim sobrando na mão do Estado essa tarefa de fomentar as indústrias com escala elevada e intensa em capital. 8 Em partes a CEXIM era responsável pela política de comercio exterior do país até a criação da Sumoc em 1945. A autora identifica que o período 1930-1945 como determinantes à consolidação da nossa revolução burguesa: a industrialização - constituição das forças produtivas tipicamente capitalistas, entendidas como a expressão da autodeterminação da acumulação capitalista; e a centralização e unificação do Estado nacional - a forma da dominação capitalista, por isso condição de formação e reproduçãoda sociedade burguesa. Ao longo do primeiro capitulo a autora busca identificar as relações entre o político e o econômico num caso particular de transição capitalista tardia, ou seja, estabelecer os nexos e as formas de inter-relação entre os movimentos de constituição das bases materiais do capitalismo e de constituição das estruturas de dominação capitalistas no Brasil Sendo assim, a autora pergunta-se quais as condições específicas que, no período compreendido entre 1930 e 1960, conduziram a um tipo de interação o qual, ao fim, constituiu a sociedade capitalista e burguesa no Brasil. E é a importância de entender esse movimento complexo que faz a importância de compreender sua interpretação. De forma mais direta, foi ao longo desse período que se constituiu um aparelho burocrático e administrativo mais abrangente e complexo, com maior capacidade de regular e intervir, o qual permitiu ao Estado concentrar em si os interesses politicamente representativos, unificá-los e apresentá-los como expressão da 'vontade nacional'; e, com mais precisão, isso significa que o Estado brasileiro foi adquirindo, por sua constituição material e por suas relações com as classes sociais, semelhanças com a forma que assume o Estado capitalista no estágio monopolista do capital. Como, contudo, a transição capitalista no Brasil estava ainda em processo, tais características tiveram marcas específicas, com funções e desdobramentos que guardam particularidades em relação às observadas nos Estados desenvolvidos de economias capitalistas já consolidadas. Portanto, a estruturação do poder de Estado no Brasil deve ser ligada à fase da industrialização que aí tem inicio. Afinal, foram tais as circunstâncias, as de um desenvolvimento capitalista e tardio, que engendraram o Estado brasileiro desta fase de transição: um Estado capitalista em formação que pôde, já nesse momento, adquirir aquelas características marcadamente próprias à forma que adquirem os Estados capitalistas na sua fase avançada Numa perspectiva mais ampla, a questão da industrialização, como ponto central da problemática da transição capitalista, trás, por contrapartida, duas outras questões: a da elevação da burguesia industrial à condição de grupo politicamente dominante, isto é, dominante no campo da luta de classes; e outra a da constituição das estruturas de dominação capitalistas. Esta, diz respeito à formação do Estado moderno, burguês e capitalista, o que é apenas uma das faces dentre um amplo conjunto de outras transformações sociais que caracterizam a formação e consolidação da sociedade capitalista, mas uma de suas faces centrais.
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