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1 UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ARIELA NAOMI MOTIZUKI Documentário "O Pássaro": Um registro da cultura popular paraense e a produção artística e histórica do Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá. Ananindeua – PA 2018 2 UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ARIELA NAOMI MOTIZUKI Documentário "O Pássaro": Um registro da cultura popular paraense e a produção artística e histórica do Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau em Bacharelado em Comunicação Social - Jornalismo da Universidade da Amazônia - UNAMA, sob orientação do Professor Esp. Luis Gomes Ananindeua – PA 2018 3 ARIELA NAOMI MOTIZUKI Documentário "O Pássaro": Um registro da cultura popular paraense e a produção artística e histórica do Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau em Bacharelado em Comunicação Social - Jornalismo da Universidade da Amazônia (UNAMA), sob orientação do Professor Esp. Luis Gomes Banca Examinadora: _________________________________ Orientador (a): Prof. Esp. Luis Gomes Universidade da Amazônia (UNAMA) _________________________________ Examinador (a) Interno: Me. Guilherme Guerreiro Neto Universidade da Amazônia (UNAMA) _________________________________ Examinador (a) Interno: Me. Igor Silva de Oliveira Universidade da Amazônia (UNAMA) Apresentado em: ____ / ____ / ____ Conceito: ____________________ 4 Dedico este trabalho a todos aqueles que fazem da arte uma forma de resistência. 5 AGRADECIMENTOS Venho escrever isso antes das considerações finais do trabalho porque creio que os agradecimentos fazem tão parte disso quanto a minha metodologia. Agradeço aos meus pais, Airton e Andrea por terem proporcionado todo o suporte e estrutura financeira da melhor maneira que puderam durante esses 22 anos para que hoje eu possa me formar, obrigada, eu amo vocês. Ao meu irmão, Kenji e a Loreta que sempre me alegraram durante minhas tardes assistindo Netflix no sofá e fazendo hambúrguer. Agradeço a minha vó, Miriam, muito obrigada por todo o incentivo durante os quatros anos de graduação e afeto durante a vida toda. Aos meus amigos e amores, à Carolynne por sempre acreditar no meu trabalho; à Leticia por ter me apresentado o Pássaro Junino e me ajudado a achar as pessoas certas durante o TCC; aos meus GFs, que durante duas semanas fizeram eu acreditar em mim de novo e acreditar no audiovisual como ferramenta transformadora; à Sibely, que eu agradeço todos os dias pelo GF ter nos aproximado, obrigada por ter me confortado e apoiado durante todo o processo de TCC; a todo o Coletivo Publismo, esse trabalho nunca seria o mesmo se não tivéssemos brigado e aprendido juntos; à Brenda, eu agradeço de coração por todo o apoio e segurar de mão durante toda a graduação, finalmente formadas garota! Em todo esse processo em que eu não estava habituada a escrita acadêmica eu pude contar com a ajuda de pessoas que foram essenciais para que pudesse concluir o projeto. Por isso eu agradeço à Thais por ter me dado o primeiro empurrão e por ter me acompanhado até o final, a nossa parceria vai além de jobs! Aos viciados em trabalhar e falar mal da Unama, Jhonatan, Leo e Erick, que sempre topam e me ajudam em qualquer ideia de audiovisual velho que eu invento; À Jéssica que cansou de ouvir que eu ia desistir, mesmo assim nunca me deixou fazer isso, sempre me confortando com abraços e carinhos; Ao James, por toda paciência, ajudas, e afetos que um irmão mais velho pode dar. Eu amo vocês imensamente, obrigada por terem acreditado em mim. E finalmente deixo meus agradecimentos e admiração a todos os brincantes do grupo Tem-Tem que me acolheram durante a quadra junina e ressignificaram o meu sentido de fazer de arte. 6 “To dentro da piscina” Que horas ela volta? Anna Muylaert, 2015. 7 Resumo: Esta pesquisa buscou discutir e registrar a manifestação cultural genuinamente paraense denominada como “Pássaro Junino” ou “Pássaro Melodrama Fantasia” através de recursos audiovisuais, especificamente usando o gênero documental, para poder subsidiar questões sobre a preservação da manifestação como uma cultura popular imaterial com características de patrimônio Imaterial. Buscando através de métodos de pesquisa experimental e práticos registrar imageticamente o processo de criação, produção e de relação dos indivíduos do grupo de “Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá”, posteriormente desenvolvendo o documentário intitulado “O Pássaro: Um documentário sobre o Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá”. Palavras chave: Pássaro Junino, cultura popular, patrimônio imaterial, audiovisual, documentário. 8 Abstract: This research looked for to discuss and record the genuinely Paraense cultural manifestation denominated as "Pássaro Junino" or "Pássaro Melodrama Fantasia" through audiovisual resources, specifically using the documentary genre, to be able to subsidize questions about the preservation of the manifestation as an Intangible Popular Culture with characteristics of Intangible Heritage. Seeking through experimental and practical research methods to imagetically record the process of creation, production and relationship of the individuals of the group "Pássaro Junino Tem-Tem of Guamá", later developing the documentary entitled "The Bird: A documentary about the Pássaro Junino Tem-Tem of Guamá". Keywords: Pássaro Junino, popular culture, intangible heritage, audiovisual, documentary. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Fachada do barracão de ensaio. Figura 2: Caderno dos brincantes com a dramaturgia da peça. Figura 3: Brincantes no barracão durante ensaio. Figura 4: Fotografia em Primeiro Plano “PP”. Figura 5: Fotografia em Plano Médio “PM”. Figura 6: Fotografia em close-up. Figura 7: Entrevista Walmir Pará. Figura 8: Entrevista Walmir Pará. Figura 9: Ilustração produzida para o cartaz. Figura 10: Identidade Visual do Documentário. Figura 11: O Cartaz. 10 Sumário 1 - INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 1.1 - OBJETO E PROBLEMA .............................................................................................. 12 1.2 - JUSTIFICATIVA ........................................................................................................... 13 1.3 - OBJETIVOS ................................................................................................................ 13 1.3.1 - Objetivo geral ...................................................................................................... 13 1.3.2 - Objetivos específicos .......................................................................................... 13 1.4 - METODOLOGIA .......................................................................................................... 13 2 - CAPÍTULO 1 - CULTURA POPULAR E PATRIMÔNIO CULTURAL ............................. 15 2.1 - CULTURA POPULAR .................................................................................................. 15 2.2 - PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL OU INTANGÍVEL........................................... 17 2.3 - A REVOADA DO PÁSSARO JUNINO .........................................................................20 2.4 - O PÁSSARO TEM-TEM DO GUAMÁ. ......................................................................... 23 3 - CAPÍTULO 2 - O REGISTRO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL ATRAVÉS DO AUDIOVISUAL ............................................................................................ 27 3.1 - DOCUMENTÁRIO: GÊNERO E FORMATO ................................................................ 27 3.2 - O DOCUMENTÁRIO COMO FORMA DE REGISTRO DA CULTURA POPULAR IMATERIAL ......................................................................................................................... 28 3.3 - TIPOS DE DOCUMENTÁRIOS ................................................................................... 29 4 - CAPÍTULO 3 - MEMORIAL DESCRITIVO DE PESQUISA E PRODUÇÃO DO PROJETO EXPERIMENTAL: DOCUMENTÁRIO “O PÁSSARO” ........................................................ 32 4.1 - PRODUÇÃO DO DOCUMENTÁRIO ............................................................................ 33 4.2 - ROTEIRO ATRAVÉS DA MONTAGEM ....................................................................... 34 4.2.1 - Roteiro ................................................................................................................. 34 4.2.2 - A montagem como ferramenta de construção do roteiro do documentário “O Pássaro” ........................................................................................................................ 34 4.3 - ENTREVISTAS / PERSONAGENS .............................................................................. 36 4.3.1 - A entrevista documental ..................................................................................... 36 4.3.2 - Os brincantes de pássaro ................................................................................... 36 4.4 - FOTOGRAFIA DOCUMENTAL .................................................................................... 37 4.4.1 - A fotografia nas entrevistas ............................................................................... 39 4.4.2 - Aspectos técnicos ............................................................................................... 41 4.5 - CARTAZ ...................................................................................................................... 41 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 45 6 - REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 47 11 1 - INTRODUÇÃO Segundo Pelegrini (2008), a cultura imaterial de forma resumida é algo intocável, no sentido de que ela pode ser percebida e cultuada, assim como qualquer outra cultura material, mas uma dança popular ou festejo não pode ser tocada como um instrumento musical ou uma vestimenta. Como a cultura imaterial não pode ser de fato tangível, a sua preservação e continuidade, tem como sustentação a forma oral e gestual, que por um período de tempo satisfazia as necessidades de tal preservação. Santos (2004), afirma que o patrimônio cultural imaterial de uma localidade ou nação engloba formas tradicionais e populares que são transmitidas oralmente ou por gestos para futuras gerações, e que são modificadas pelo processo de recriação coletiva de indivíduos. A cultura popular e a cultura imaterial possuem ligações extensas quanto ao plano de criações e de identidade de uma determinada localidade ou povo, criando assim diversas formas de representações sociais. Exemplificado no Manual de Recomendações sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 1989), que conceitua a cultura popular como um conjunto de criações que emanam de comunidades culturais e que são fundadas na tradição expressa por um grupo ou indivíduo e que responde às expectativas da comunidade enquanto identidade cultural e social. Tendo em vista tais afirmações, como seria possível realizar o registro e preservação de uma cultura popular com características de patrimônio imaterial? E muito mais do que o questionamento sobre sua preservação, como seria possível difundi-la em um contexto global de comunicação de massa, onde o oral e gestual são perdidos facilmente sem registros: No entanto, fica a preocupação em como conservar, como difundir, como preservar essa cultura que é imaterial. Ela somente continua – e eu somente tenho acesso a ela – enquanto ela se produz, ou ainda, através de algumas outras formas de registros de como ela se produz, em seu próprio processo (SANTOS, 2004, p. 141). Considerando esse contexto, onde os cordões de bichos e pássaros juninos se perpetuam como cultura popular e manifestação cultural do Estado do Pará, 12 criados a partir de componentes da quadra junina há cerca de cem anos. O objeto de pesquisa a ser analisado neste projeto de pesquisa é o grupo de “Pássaro Junino” Tem-Tem do Guamá, onde se busca relacionar as relações e processos de construção de manifestação como um patrimônio imaterial a ser preservado através de recursos audiovisuais. Existem vários cordões e pássaros espalhados por todo o Estado, em Belém, eles se encontram principalmente na periferia da cidade, e são construídos através de seus guardiões - pessoas que lideram o processo criativo, e coletividade da comunidade ao redor. Segundo Figueiredo e Tavares (2006, p. 108), “os cordões e pássaros são expressões encontradas apenas na região Norte do Brasil, mais especificamente no Estado do Pará”. Segundo Charone (2008), a cidade de Belém possui diversos grupos espalhados pela cidade e estes têm sua origem relacionada aos teatros populares e situa a manifestação como uma atividade com um número que vem diminuindo gradativamente pela falta de políticas públicas que incentivem a manutenção da manifestação. Ao pensar em registro e documentação, foi pensado no recurso do documentário como forma de criar registros sobre uma cultura, como afirma segundo Nichols (2005). Diferente de filmes de ficção, o gênero do documentário tem como seu protagonista o ator social, um personagem que está inserido em uma determinada realidade, e a narrativa fílmica é conduzida na maioria das vezes pelas ações e falas desses personagens. Os tipos de documentários usados no projeto “O Pássaro: Um documentário sobre o Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá” tem como principais características, a não utilização de narração, a inserção da diretora através de perguntas e fotografia, a utilização de entrevistas e imagens captadas para conduzir a narrativa do filme. 1.1 - OBJETO E PROBLEMA O objeto de pesquisa a ser documentado neste projeto será o “Pássaro Junino Tem-Tem”. O grupo fica localizado atualmente no bairro do Guamá, na rua São Miguel nº 312, onde são realizados durante o período da quadra junina os ensaios do grupo. Foram documentados os ensaios até a apresentação, construção de figurino, festividades dentro do grupo Tem-Tem, depoimentos das pessoas que participam da manifestação.A narrativa do documentário terá como ambientação e 13 foco principal a história de três personagens principais que participam da manifestação. A problemática do projeto se dá em torno de como o Pássaro Tem-Tem, do Guamá, gera laços afetivos, tradição, e arte dentro da comunidade, registrando todo o processo criativo e construtivo através da linguagem audiovisual. De acordo com Charone (2008), o Teatro de Pássaros existe dentro de um encontro este,o qual é movido por um forte sentimento coletivo, uma vontade e um desejo de realizar em conjunto, ou seja, o pássaro junino é construído através de uma emoção coletiva. 1.2 - JUSTIFICATIVA O interesse em documentar tal processo criativo da manifestação acontece a partir do conhecimento da manifestação por parteda autora do projeto que viu a cultura do Pássaro Junino como uma forma de resistência artística dentro da periferia de Belém. 1.3 - OBJETIVOS 1.3.1 - Objetivo geral Compreender a tradição do teatro de “Pássaro Junino” historicamente no Estado do Pará, analisando suas características quanto cultura popular e patrimônio cultural do Estado. 1.3.2 - Objetivos específicos • Documentar através de recursos audiovisuais a construção do Pássaro Junino Tem-Tem através de depoimento de integrantes e fundadores do pássaro. • Entender como a manifestação cultural atinge e se relaciona diretamente e indiretamente quem a produz dentro de uma comunidade. • Mostrar o processo de construção do Pássaro Junino Tem-Tem, como uma manifestação tradicional de melodrama fantasia do Estado do Pará. 1.4 - METODOLOGIA A pesquisa foi desenvolvida usando métodos qualitativos de vídeos, filmes e entrevistas como documentos de pesquisa como forma experimental para registrar o processo de construção das apresentações do grupo de “Pássaro Junino Tem-Tem 14 do Guamá” e suas relações com os brincantes como cultura popular paraense. Por meio desta metodologia, desenvolveram-se hipóteses e fundamentações teóricas para possibilitar o entendimento de questões históricas da manifestação, revelando assim a sua importância como características que a fazem uma cultura popular e um patrimônio imaterial do Estado do Pará. A partir da fundamentação teórica, utilizaram-se recursos e equipamentos de captação de vídeo e som para os registros processuais e de entrevistas que posteriormente foram transformados em um filme documentário. Durante as entrevistas foi usado o método citado por Bauer e Gaskell (2010) de “entrevista narrativa”, que possui o objetivo de fazer com que as informações dadas pelos personagens desempenhem o papel de condução fílmica do documentário. As entrevistas foram realizadas individualmente pois o objetivo da pesquisa era obter informações sobre experiências e escolhas individuais de cada um. 15 2 - CAPÍTULO 1 - CULTURA POPULAR E PATRIMÔNIO CULTURAL 2.1 - CULTURA POPULAR Para conceituar o termo "cultura popular" é preciso fragmentar a palavra para que se possa entender os diversos significados divididos por partes. Os fragmentos podem variar, em um modo geral, desde um processo manual ou tecnológico até aos diversos tipos manifestações artísticas, ou até mesmo a função de resistência de domínio de classe de uma determinada sociedade. Porém, um aspecto importante dentro da cultura popular é a tradicionalidade, segundo Arantes (1982), quando falamos em cultura popular, estamos evidenciando a necessidade de colocar a cultura a serviço do povo, definindo ela tanto como um instrumento de conservação da tradicionalidade, quanto de transformação social. Dentro do processo de construção do conceito de cultura popular no Brasil, é impossível não relacionar ao termo do folclore que carrega mitos, lendas, comidas típicas, danças etc, como parte da identidade nacional, sendo visto aqui o primeiro momento da construção da cultura popular. De acordo com Rocha (2008), existem três momentos importantes na formação do conceito de cultura popular no Brasil, sendo eles: entre as décadas de 20 e 60, com a formação da autoridade e legitimidade entre os estudos folclóricos;dos anos 60 até 80, quando se desenvolve a caracterização e a ampla divulgação do conceito de cultura popular onde, no período da ditadura militar no país (1964-1985), tal conceito também reverbera e se correlaciona com o sentido político e ideológico. E finalmente, a partir dos anos 90 até hoje o conceito de cultura popular se esbarra na revitalização do conceito de Patrimônio Cultural, se conectando com o sentido de patrimônio imaterial. Oliveira (1992, p. 72) afirma que: [...] a identidade entre o folclore e cultura popular se rompe no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Folclore passa a ser tradição; cultura popular, transformação. Cultura popular passou a significar um meio para atingir determinado fim, dar consciência ao povo. Sendo assim, a cultura popular transita de tradição para o sentido de ferramenta transformadora social, onde vemos que apenas o conceito de identidade 16 e tradição não é mais suficiente para definir o que é cultura popular. A partir disso, vendo a cultura popular como um meio de transformação social, como sempre inserida e reproduzida em aspectos sociais populares, é importante enfatizar a sua importância como estopim e também na manutenção de fazeres artísticos, ora como teatrais e em âmbitos musicais; ora como culinários e tantas outras formas, dentro de comunidades e periferias. Essa produção cultural realizada por grupos minoritários evidencia e também faz a sociedade refletir sobre a realidade social, política e cultural, sendo ela dentro de uma sala de aula, no cotidiano ou em fontes históricas como pontua Abreu (2003). Ainda segundo Abreu (2003) é importante considerar que o "popular" não se encontra no objeto, ou seja no material. Diante de todos os conceitos abordados sobre cultura popular, tanto o ato e o conhecimento de produzir um artesanato quanto a peça em si, deste, são de extrema valia, porém para a cultura popular, as mudanças de significados a partir de interações são mais importantes. A cultura popular então se mostra também intangível, de fato, se mostrando também como conceito de cultura imaterial. De acordo com Santos (2004), a primeira preocupação quanto à cultura imaterial seria de como difundi-la e conservá-la. Visto que esta cultura somente continua enquanto for produzida em seu próprio processo ou através de alguma outra forma de registro. O autor exemplifica em seu texto que dentro do espaço e tempo de um museu é possível encontrar todos os instrumentos de trabalho de um ferreiro, em sua mais bela forma museal, como um belo objeto de exposição, podendo ele desprender ou não o sentido mais simbólico da peça. Mas indaga como seria possível ter acesso ao universo de sentidos de todos aqueles instrumentos, senão através das pessoas, daqueles que herdam essa produção cultural e simbólica de sentido. Tendo em vistaque as relações e fazeres tradicionais que não podem ser materializadas foram concretizadas como cultura popular a partir dos anos 90, década na qual, em 1993, a Unesco passou a promover pela primeira vez o projeto "Tesouros Humanos Vivos" como parte da sua função de protetora de patrimônios mundiais. Em 2003, este projeto foi decretado em convenção com o Guidelines for the Establishment ofNational “Living HumanTreasures” Systems (2003), com o principal objetivo de preservar e dar o título de patrimônio para todas as pessoas 17 que possuem conhecimento, prática ou habilidades com fazeres da cultura imaterial, sendo registrados como patrimônio cultural imaterial. 2.2 - PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL OU INTANGÍVEL De acordo com Abreu e Chagas (2003), o conceito de patrimônio possui conotações simultâneas econômicas, financeiras, arquitetônicas,históricas, ecológicas, artísticas, etnográficas, genéticas e em sua mais recente formulação no Brasil, intangíveis. Os autores também afirmam que tal conceito não é recente, tendo um caráter milenar. Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria em fins do século XVIII, justamente com o processo de formação dos Estados Nacionais, o que é correto. Omite-se, no entanto, seu caráter milenar. Ela não é simplesmente uma invenção moderna. Está presente no mundo clássico e na idade média. A modernidade ocidental apenas impõe os contornos semânticos específicos assumidos por ela. (ABREU; CHAGAS, 2003, p. 23). Da mesma forma que a cultura popular abrangeu seu conceito se entrelaçando ao conceito de cultura imaterial durante as décadas, tendo suas demandas transformadas,o conceito de patrimônio na modernidade chega até a questão do intangível. É evidente que Abreu e Chagas (2003) pontuam com notoriedade sobre o conceito, quando falam que o patrimônio intangível ou imaterial se opõe ao chamado patrimônio de pedra e cal. Mas o que seria esta oposição? Nesse novo termo, os autores dão ênfase que lugares, festas, religiões, medicina popular, música, dança, culinária e técnicas tomam o espaço e como a própria palavra sugere, os aspectos ideais e valorativos de forma de vida o conceituam. Para além do conceito, a proposta principal difere em relação ao patrimônio material, no sentido de "tombamento" dos bens listados, e sim de acompanhar e registrar essas práticas, verificando sua permanência e transformações na sociedade (ABREU; CHAGAS, 2003). Quanto à preservação deste tipo de patrimônio, é importante mostrar a preocupação de Gonçalves (1996) quando reflete sobre o que deveria ser feito quando o bem cultural a ser preservado não é um prédio ou ruína, e nem um objeto de arte, mas sim uma atividade cultural. Ao questionar isso, Gonçalves cita o primeiro caso do Brasil, de um tombamento de patrimônio no qual se configurava a percepção da importância da cultura imaterial como uma forma de patrimônio. O autor expõe que, em 1984, em Salvador-BA, o Terreiro Casa Branca foi oficialmente 18 tombado como monumento nacional, a grande questão era como um terreiro de candomblé se manteria de forma inalterada, já que seria quase impossível não haver alterações de seu integrantes, em função dos usos cotidianos e rituais que ali aconteciam. O autor discorre que o problema dessa questão é exatamente pensar no tombamento como idéia central e que logo depois foi revisto que uma das funções do patrimônio é de devolução aos seus proprietários, ou seja, a comunidade local. Assim, no tombamento do Terreiro Casa Branca, o monumento foi preservado de modo a assegurar que seus autênticos donos — a comunidade religiosa afro-brasileira local — pudessem reapropriar-se do que estava sob ameaça de perder-se. (GONÇALVES,1996, p. 80-81) Segundo Abreu e Chagas (2003), o mundo ocidental começou a considerar este tipo de patrimônio a partir de 1972, na primeira Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Unesco, realizando um estudo para a proposição em nível internacional. Sendo assim, então a Unesco começa a definir o patrimônio cultural intangível como: Conjunto das manifestações culturais, tradicionais e populares, ou seja, as criações coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre tradição. Elas são transmitidas oral e gestualmente, e modificadas através do tempo por um processo de recriação coletiva. Integram esta modalidade de patrimônio as línguas, as tradições orais, costumes, música, a dança, ritos, festivais, medicina tradicional, as artes da mesa e o "saber fazer" dos artesanatos e da arquitetura. (UNESCO, 1989). Partindo deste ponto, Abreu e Chagas (2003) usam uma metáfora que diz: “quando morre um ancião numa comunidade tradicional, queima-se uma biblioteca inteira”. Então, quanto a responsabilidade dos Estados-membros para com os patrimônio culturais intangíveis, a recomendação da Unesco (1989) é de que sejam: 1) elaboradas políticas públicas para a manutenção do patrimônio, como garantir o direito ao acesso das diversas comunidades à sua própria cultura tradicional popular; 2) introduzir nos programas de ensino tanto curriculares como extra curriculares o estudo da cultura popular; 3) prestar o apoio financeiro e moral aos indivíduos que fomentam ou possuam elementos da cultura popular; 4) sensibilizar a população quanto a importância da cultura popular; favorecer uma difusão das culturas; 5) promover a pesquisa científica sobre a cultura tradicional e outras salvaguardas. A partir destas salvaguardas, a Unesco elabora a recomendação do sistema de "Tesouros Humanos Vivos", inspirado no modelo oriental de experiências, 19 especialmente do Japão, que possui uma concepção diferente de preservação de patrimônio em relação a dos países ocidentais, sempre dando ênfase principalmente no "saber-fazer", procedimentos, técnicas e performances, de acordo com Abreu e Chagas (2003). Segundo a autora Taylor (2011), o sistema do "Tesouros Humanos Vivos" é uma tentativa para validar e honrar mestres de práticas culturais e incentivá-los a treinar e repassar o conhecimento para as novas gerações para assim criar novos mestres e continuar a tradição. Em seu trabalho sobre performances e patrimônio, a teórica conclui que os programas da Unesco se propõem a preservar "atos vivos", pois corpos humanos, energias e propósitos não podem ser presos. É importante pontuar na escrita da autora, a respeito das relações e contextualizações sobre as práticas culturais performáticas, colocando em pauta que essas ações não podem ser examinadas de maneira superficial, é necessário saber o "Por que as pessoas performatizam em outros cenários? Para quem elas iriam performatizar? O que seus movimentos comunicariam? A materialização do ‘intangível’ cria uma série de deslocamentos espaciais e temporais". Ou seja, é necessário um contínuo trabalho de tal preservação e políticas públicas movidas pelo Estado, visto que esse patrimônio é uma cultura tradicional popular que está em constante modificação, renovando sempre suas intencionalidades durante as gerações. O ‘aqui’ e o ‘agora’ da performance, a memória corporal daqueles que performatizam, o significado da interação entre performers e participantes/espectadores se transforma em outra coisa — um não incorporado, abstrato, e universalmente inteligível produto cultural na linguagem da proteção e preservação". (TAYLOR, 2011). A partir das premissas, reflexões e bibliografias apresentadas denota-se que a manifestação cultural popular, genuinamente paraense, chamada de "Pássaro Junino" e praticada principalmente durante a quadra junina, objeto de estudo deste trabalho que se enquadra enquanto "Tesouro Humano Vivo", visto que é uma tradição repassada de geração para geração e faz parte de diversos tipos de comunidades dentro do Estado do Pará. Sendo assim, a forma notável escolhida para preservar e registrar a manifestação popular é através do audiovisual, em um projeto experimental de documentário. 20 2.3 - A REVOADA DO PÁSSARO JUNINO Conhecido como “Pássaro Junino” ou “Pássaro Junino Melodrama Fantasia” é uma manifestação cultural genuinamente paraense, desde o final do século XIX, a tradição permanece viva dentro do Estado e principalmente em bairros da cidade de Belém.’ (MAUÉS, 2009). Segundo Charone (2009), o Pássaro Junino é uma forma de teatro popular tradicionalmente paraense, por possuir diversos números musicais e de dança durante as apresentações, a manifestação também ficou conhecida como “Ópera Cabocla”. Ainda de acordo com Charone (2009), que define o Pássaro como uma expressão artística, é desenvolvida sempre durante meados do mês de junho nas festividades da quadra junina de São João e é denominado uma cultura popular pois todos os seus participantes, sendo eles: Diretores, atores, compositores, figurinistas e dançarinos são proveniente dos diversos bairros periféricos da cidade, como por exemplo o pássaro junino “Tem-Tem” do bairro Guamá, objeto de estudo do documentário a ser abordado neste trabalho Existem diversas pesquisas quanto às origens do Pássaro Junino no Estado do Pará, em todas elas, o nascimento do Pássaro acontece em paralelo com a firmação do Teatro no Estado. Loureiro (1995) explica isso a partir da sua vertente que afirma que o surgimento da manifestação cênica acontece em paralelo com a chegada e instalação dos portugueses no século XVII e consequentemente com a utilização do teatro como forma de instrumento pedagógico religioso dos jesuítas. Ainda de acordo com Paes Loureiro (1995),o teatro no Estado nos séculos seguintes começou a tomar outras proporções para além do pedagógico-religioso, não podendo mais ser apresentado dentro de igrejas devido ao seu conteúdo. Pequenos teatros começam a aparecer na cidade de Belém e o fazer teatral se consolida em plena Belle Époque, com a construção do Teatro da Paz. No processo de modernização da cidade de Belém no período da Belle Époque, as expressões artísticas tradicionais, foram proibidas nas ruas da cidade, e os fazeres artísticos foram se tornando elitizados. Salles (1994), afirma que nesse período, as brincadeiras de rua eram muito populares –comoo boi-bumbá – praticadas em locais de ampla circulação de pessoas, com a modernização da cidade, negros e pobres começaram a sofrer com a repressãopolicial. Sendo assim, essas manifestações e brincadeiras começaram a ser praticadas dentro de “terreiros” e “currais” (SALLES,1994). 21 A partir daí essas brincadeiras começam a tomar características de uma cultura popular de resistência, de acordo com Moura (1997), é neste momento que a expansão de diversos tipos de expressões tradicionais e culturais, se encontram em um espaço em comum, gerando diversas interações e trocas, como o Pássaro Junino e cordões de bichos. Silva (2011) afirma que vindo destes momentos, atualmente o pássaro é realizado em teatros, possuindo especificidades que definem a manifestação. Antes confinados a terreiros ou currais, atualmente, os Pássaros Juninos são brincados em Belém em teatros, improvisados ou não, durante os meses de Junho e Julho. Brincadeira estruturada em breves quadros cênicos, ela traz em seu bojo um conjunto de elementos de teatro, dança e cantos, realizados por seus participantes, além de tais cenas serem musicadas ao vivo, normalmente por uma pequena banda que acompanha o grupo.(SILVA, 2011). Dentro do Pássaro Junino existem algumas construções singulares no do processo teatral que são especificas da sua dramaturgia própria e que são repassadas de geração a geração. De acordo com Silva (2010), essas peculiaridades perpetuam o imaginário popular: Dessa forma, da complexa interação de conteúdos, símbolos e imagens presentes em tal contexto, foram concebidos os Pássaros Juninos ou Pássaros Melodrama Fantasia. Sendo uma brincadeira junina peculiar paraense, sua origem e estrutura remetem a diversas expressões artísticas – religiosas e profanas –, mas sempre atravessadas pela força da narrativa mítico-fantástica, como os cordões de bichos, os bois-bumbás, as óperas e os dramas.(SILVA, 2011). Partindo do imaginário popular paraense, as diversas dramaturgias e histórias dos grupos de pássaros juninos possuem núcleos tradicionais, são eles: 1) os indígenas, representados pela maloca; 2) a realeza, representados por reis, rainhas e a nobreza; 3) a matutagem, representada pela figura do caboclo paraense; 4) seres míticos e com poderes da Amazônia e o “pássaro” ou “porta-pássaro”, comumente interpretado por uma criança (SILVA, 2010). Silva (2010) explica que as narrativas são de décadas passadas e genuinamente de escritores paraenses que incentivavam os pássaros, sendo que essas histórias são constantemente reinventadas e adaptadas, de acordo com a demanda dos grupos e seus brincantes, inserindo temas atuais, como política e contexto social. Cada Pássaro Junino possui sua história e suas peculiaridades, estas peculiaridades vão desde a idade de seus brincantes, construção de dramaturgia, 22 musicalidade.Tudo isso é ligado diretamente com a relação da expressão cultural com a comunidade e bairro ao seu redor, em sua maioria bairros periféricos de Belém. Os próprios “brincantes”, assim denominados por eles mesmos e a todos aqueles que participam da manifestação, por ver o ato de construção do pássaro como uma brincadeira e tradição, são aqueles que constroem toda a visualidade, como figurinos e objetos de cenas da peça, a narrativa da peça através da teatralidade e construções dos seus personagens em cena. Maneschy (2001) explica em sua pesquisa imersiva que muitos desses brincantes são crianças, jovens e idosos da comunidade local, que a cada ano se envolvem nas diversas partes do processo de construção e produção do espetáculo e que muitos deles, por estarem dentro do grupo há muito tempo, são considerados ícones famosos do grupo. Em cada Pássaro Junino é importante denotar a presença da tradição e hierarquia que é repassado de geração a geração, dentro do grupo há o guardião do pássaro ou dono de pássaro, pessoa responsável por tomar decisões e direcionar os brincantes, e que consequentemente é o diretor ou encenador do espetáculo. Segundo Maneschy (2001), o guardião tem a responsabilidade de “fazer o pássaro revoar”, ou seja, se apresentar a cada ano, se mantendo em atividade. Além disso, o guardião de pássaro, comumente, também é aquele que investe e financia o pássaro junino, cede o local para ensaios, escolhe a dramaturgia e é responsável por direcionar os brincantes, músicos e artistas do grupo, mantendo assim o grupo em atividade. O que torna esta expressão em um patrimônio cultural paraense é como ela é desenvolvida, mas acima de tudo as relações culturais que são proporcionadas a partir dela. Apesar de todas as dificuldades do Pássaro Junino se manter ativo no Estado do Pará, pela falta de investimento por parte de políticas públicas, a tradicionalidade e resistência estão presentes em cada grupo ainda ativo, movimentando pessoas de todas as idades, gerações de famílias e comunidade local. Uma das coisas mais importantes quanto ao Pássaro junino enquanto cultura popular é como a manifestação se apresenta também como uma narrativa simbólico-cultural, apresentando experiências individuais, coletivas, passados 23 históricos, regionalidade, fantasias e mitos amazônidas (SILVA; SILVEIRA; NETO, 2010). Além dos elementos de experiências individuais que compõem o Pássaro Junino, traços de culturas que formaram a Amazônia estão presentes nas narrativas. Charone (2010) exemplifica a importância dessas culturas como inspiração: Essa espécie de “ópera cabocla” se estrutura com elementos da cultura indígena, da cultura europeia e também, relevantes traços da cultura negra. Mas, o que nele se percebe, é a presença marcante da contribuição indígena. É um fenômeno urbano, com raízes bem fincadas na cultura popular amazônica, de onde tira parte substancial de sua inspiração. As relações e laços criados dentro do pássaro junino fazem com que o grupo seja um local de troca de experiências mútuas, onde pessoas mais antigas no grupo repassam técnicas e experiências para pessoas mais novas poderem assumir seus personagens futuramente. Além disso, o grupo se torna também um gerador e respiro cultural, no qual qualquer pessoa da comunidade, mesmo sem experiência com atividades teatrais possa participar do Pássaro Junino. Desde a sua origem o Pássaro Junino é denominado como um teatro de resistência, feito por pessoas de periferias, originado de negros e pobres do século XIX, e tendo fortes ligações com a religião africana e cultura amazônica. Um desses grupos é o Pássaro Junino “Tem-Tem” do Guamá que teve seu processo de construção no ano de 2018 registrado através de um documentário. 2.4 - O PÁSSARO TEM-TEM DO GUAMÁ. O Grupo de Pássaro Junino “Tem-Tem” do bairro do Guamá, no dia 30 maio de 2018, completou 88 anos,sendo um dos pássaros mais antigos em atividade da cidade de Belém, o grupo fica localizado na Passagem São Miguel, nº 312, onde são realizados os ensaios, em um grande barracão ao fundo da casa da família que guarda o pássaro, atualmente a família Amaral. O barracão é chamado “Casa de Cultura João Ramos de Guapindaia”, nome em homenagem ao antigo guardião do Tem-Tem. (FIGURA 1). 24 Figura 1: Fachada do barracão de ensaio. Fonte: Autora(2018). O grupo foi fundado no distrito de Icoaraci, na praça do cruzeiro, em Belém do Pará, pelo pescador Manoel Peixe Frito, no ano de 1930. O nome do grupo foi denominado assim por causa do pássaro Tem-Tem, pássaro encontrado na região amazônica de cor azul e amarelo. (CHARONE, 2010). “Tem-Tem” que começou no distrito de Icoaraci, distrito este muito distante do atual bairro onde o grupo atualmente reside e sai para se apresentar a cada ano. Já passou por três bairros, sendo eles: Icoaraci, Pedreira e Guamá. Marilza Amaral, servidora pública do Estado do Pará, é a guardiã do “Pássaro Tem-Tem”, ela e sua família, investem tempo, dinheiro e trabalho durante meses de ensaios e em apresentações da quadra junina. Junto com seu irmão, Antonio Ferreira, que hoje além de ser o encenador da peça ainda atua na mesma. Ambos, junto com o restante da família decidem todo o direcionamento do grupo durante os meses de ensaios e apresentações. Dentre os brincantes do grupo, é possível encontrar crianças, jovens, adultos e idosos, alguns que participam há mais de 50 anos. Todos os brincantes são moradores do bairro do Guamá, em Belém. Os ensaios são comumente realizados três vezes na semana, durante a noite para que todos possam participar, visto que muitos brincantes trabalham e tem outras atividades diárias. A construção teatral do grupo é feita pelo ensaiador Antonio Ferreira, no qual, no começo dos ensaios, cada brincante recebe um caderno com a dramaturgia, uma peculiaridade e tradição que o Tem-Tem segue até os dias de hoje que é escrever manualmente a dramaturgia em cada caderno do brincante, 25 onde eles possuem apenas suas falas e deixas, criando um ambiente de improvisação nas construções das cenas. (FIGURA 2) Figura 2: Caderno dos brincantes com a dramaturgia da peça. Fonte: Autora (2018). Dentro do pássaro cada brincante costuma ser designado para um núcleo, no qual costuma permanecer durante os anos ou subir de posto, fazendo assim personagens com mais falas. Durante os ensaios, novos e velhos brincantes se misturam, os veteranos a cada ano recebem novos atores para compor a peça, anualmente cerca de 50 pessoas participam direta e indiretamente da produção. Além de ensaios e apresentações, os brincantes e a família Amaral possuem uma relação de amizade, o barracão além de ser o lugar de ensaio do grupo (FIGURA 3), também é local de batuque e festividades do pássaro, como o de aniversários, do grupo e dos brincantes. É importante denotar que há uma relação familiar tradicional do que é chamado “brincar de pássaro” no Tem-Tem, de geração em geração a atividade é repassada, fazendo assim o Tem-Tem ter diversas famílias como participantes. 26 Figura 3: Brincantes no barracão durante ensaio. Fonte: Autora (2018). Diante disso, o grupo Tem-Tem vem resistindo como cultura popular na cidade de Belém durante anos. Sem políticas públicas para contribuir com o fomento da manifestação.O Pássaro Junino, atualmente, é pouco conhecido entre jovens e adultos que não estejam inseridos no meio artístico cultural, ou seja, próximo de brincantes da comunidade, tendo também poucos registros visuais ou audiovisuais da manifestação artística. O último registro conhecido em documentário sobre os Pássaros Juninos, que tem como personagem o grupo Tem-Tem é o documentário de 2011 “Ópera Cabocla” do cineasta paraense, Adriano Barroso. Então se o grupo descrito possui características de uma cultura popular imaterial, como seria possível conservar essa cultura para as futuras gerações da sociedade paraense? Como seria possível uma cultura digna de patrimônio, sendo ela intangível, ser difundida? Tendo em vista as referências bibliográficas vistas, abordaremos a seguir o formato do audiovisual como forma de construção prática e imagética do trabalho, através do registro pelo gênero documental. 27 3 - CAPÍTULO 2 - O REGISTRO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL ATRAVÉS DO AUDIOVISUAL 3.1 - DOCUMENTÁRIO: GÊNERO E FORMATO O Documentário nasce em paralelo com o cinema, ao contrário da ficção, o gênero tem seus objetivos focados em retratar uma história, realidade, ou momento através da visão do documentarista ou cineasta. Mas ainda que a realidade esteja sendo retratada através de registros e audiovisuais, a construção da narrativa é afetada pelo argumento que foi pensando pelo diretor ao iniciar a filmagem. Definir um conceito para gênero e formato de documentário sempre gera diversos tipos de concepções, a mais abrangente delas é que o documentário procura informar o seu espectador, passar algum tipo de mensagem ou conhecimento. O Filme de ficção, por sua vez, tem sua construção condicionada a um roteiro predeterminado, cuja base é composta de personagens ficcionais ou reais, os quais são interpretados por atores. Esses papéis são especificados no script, tendo como principal objetivo o entretenimento do espectador. Já o documentário, realizado com sujeitos do mundo real procura informar o espectador, sem se preocupar com o entretenimento. O Happyending é uma das marcas dos filmes de ficção; no caso do documentário, destaca-se a mensagem aberta.(LUCENA, 2012). É importante denotar que o documentário é um gênero necessário dentro da nossa sociedade, visto que é a partir dele que é possível visualizar e conhecer histórias ao redor do mundo. De acordo com Bill Nichols (1991), o apelo do documentário e até mesmo o prazer de assisti-lo é a possibilidade de podermos ver questões que precisam ser vistas, como problemas sociais, valores culturais e principalmente ter visões diferentes sobre um mesmo mundo, contribuindo através de ferramentas da cinematografia para a formação da memória popular. Nichols (2005) afirma que todo filme é um tipo de documentário, mesmo este filme sendo uma ficção, sendo dividido em dois tipos: o documentário de satisfação de desejos e o documentário de representação social. O documentário de satisfação pode ser denominado como filmes que demostram desejos, sonhos e medos, a partir da visão do diretor, de acordo como autor. Expressam aquilo que desejamos, ou tememos, que arealidade seja ou possa vir a ser. Tais filmes transmitem verdades, se assimquisermos. São 28 filmes cujas verdades, cujas ideias e pontos de vista podemosadotar como nossos ou rejeitar. Oferecem-nos mundos a serem explorados econtemplados; ou podemos simplesmente nos deliciar com o prazer de passardo mundo que nos cerca para esses outros mundos de possibilidades infinitas. (NICHOLS, 2005, p. 26). Já o documentário de representação social, ou não-ficção, representa um aspecto material da nossa realidade, através de sons e imagens do que está sendo documentada, transmitindo assim, verdades se quiser ou não, dependendo da vontade do diretor. Segundo Nichols (2005), este tipo de documentário “Tornam visível e audível, de maneira distinta, a matéria de que e feita a realidade social, de acordo com a seleção e a organização realizadas pelo cineasta”. Através de imagens e sons, o documentário tem a capacidade de instigar e transformar realidades, concepções e opiniões, podemos refazer preceitos através da maneira que a história é contada no filme. Existem diversos formatos diferentes de contar a história no documentário, através da observação, da inserção do documentarista na narrativa, de experimentações entre outras. 3.2 - O DOCUMENTÁRIO COMO FORMA DE REGISTRO DA CULTURA POPULAR IMATERIAL A inquietação que moveu este projeto de pesquisa foi: como seria possível documentar e repassar a cultura do Pássaro Junino para gerações futuras? Visto que a manifestação está em constante modificação, devido ao tempo, a rotatividade das pessoas que participam dos grupos, recursos e até mesmo mudanças políticas e sociais. O formato do documentário foi a formade registro escolhida pois leva o espectador à uma imersão no processo de criação do pássaro, por meio de recursos sonoros e imagéticos, fazendo com que o espectador tome conhecimento sobre o que se passa além das apresentações no palco, da importância da cultura popular na vida das pessoas que a fazem. Hoje, entretanto, sabe-se perfeitamente que a fotografia e o cinema participam de uma “cultura visual” de forma diferencial cada qual a seu modo. A fotografia, como a pintura renascentista, explora a tela clássica, face a qual o espectador adota uma visão frontal; como numa janela para o mundo, o espectador confronta-se com escalas de representação diferenciais. O cinema, inaugurando as atuais telas de computadores, explora a imersão do espectador, face a uma tela dinâmica, onde os limites entre o espaço da representação e o espaço físico se esvanecem. (ROCHA; ERCKERT, p.4, 2001). 29 Com o intuito de dar voz para aqueles que protagonizam a manifestação cultural, o documentário proposto por esse projeto experimental escolhe três personagens de dentro do grupo “Tem-Tem” do Guamá que conduzem a narrativa do filme, excluindo qualquer tipo de visão de fora, como de pesquisadores ou historiadores para falar sobre o grupo ou sobre o pássaro junino. O objetivo principal de fechar a narrativa apenas nas pessoas que vivenciam de perto a construção da cultura popular é, além de dar voz, criar empatia de quem é espectador em relação a vida e história dos personagens. Nichols (2005), exemplifica este modo de fazer documentário como uma questão de construção de identidade de personagens dentro dos documentários, esse movimento começou a partir das décadas de 60/70, dando a frase “Nós falamos de nós para eles” uma nova inflexão, que foi se expandindo a diversos tipos de grupos minoritários e excluídos da vida social nos Estados Unidos, como de mulheres, negros, latinos e grupos LGBT. Associada ao surgimento de uma “política de identidade” que honrava o orgulho e a integridade de grupos marginalizados ou excluídos, a voz do documentário deu uma forma memorável a culturas e historias ignoradas ou reprimidas por valores e crenças dominantes na sociedade (NICHOLS, p.192, 2005). 3.3 - TIPOS DE DOCUMENTÁRIOS De acordo com Nichols(2005), existem subgêneros do gênero de documentário, sendo assim: poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo e performático. Cada modelo expressa e apresenta seus objetos, assuntos e personagens de maneira diferente. O diretor ou roteirista, dentro do documentário é livre de qualquer amarra de processos pré-estabelecidos. Podemos destacar essa afirmativa, em documentários de gêneros poéticos, que por sua vez compartilham um terreno em comum com a vanguarda modernista, de acordo com Nichols (2005). Pois este modo sacrifica convenções de montagens em continuidade, brinca com o abstrato e não necessita do âmbito temporal para que possa alcançar seus objetivos. O documentário “Chuva” de Joris Ivens, 1929, utiliza da sua fotografia para transmitir um sentimento ou impressões, se distanciando da premissa de transmitir informação. O modo expositivo de documentários são os famosos documentários de narradores, onde há uma voz que se dirige diretamente ao espectador, a voz tem o objetivo de informar, e que segundo Nichols (2005), acaba por inverter a ênfase 30 tradicional do cinema, onde as imagens desempenham papel secundário. Elas ilustram, evocam ou contrapõem o que é dito. Em contraposto, temos o modo observativo, que também chamado de modo “voyeurístico”,que consiste no ato de observar e ocupa-se dos afazeres observados. Neste tipo de documentário, o diretor ao mesmo tempo em que controla o assunto, também se retira de qualquer participação. O modo participativo de documentário foi adaptado para a linguagem televisa em modelo de reality shows, sendo eles principalmente de sobrevivência e experimentações de outras culturas. Por si só o nome já éauto-explicativo. De acordo com Nichols (2005), o modo participativo utiliza-se de metodologias antropológicas de observação participativa, dando o foco na ideia de como é, para o cineasta ou diretor, estar inserido no contexto do assunto. Já o documentário reflexivo, é aquele que traz uma abordagem de análise ou até mesmo de documentário de arquivo, onde o cineasta dá um novo sentindo para um material, seja esse através de uma narração ou da montagem. Um caso bastante exemplar desse tipo de documentário é o documentário do cineasta Jean Luc Godard e Jean- Pierre Gorin, em “Letterto Jane” de 1972, onde os cineastas, através de uma carta, examinam detalhadamente uma fotografia da atriz Jane Fonda durante uma visita ao Vietnã. O documentário reflexivo é uma constante análise de imagens e reverberação de memórias. Por último, o documentário performático, que segundo Nichols (2005), suscita questões sobre o que é conhecimento, trabalhando através de memórias e experiências. Esse tipo de documentário traz uma visão subjetiva e afetiva dos conhecimentos, tornando-se até autobiográfico, é a transmissão de conhecimento do próprio personagem para o telespectador e não do diretor para o telespectador. Este projeto experimental visa utilizar o tipo de documentário observativo, onde a autora procura captar a realidade do grupo de Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá sem nenhuma interferência sobre os acontecimentos, transformando a câmera em um elemento invisível que capta os momentos dos grupos e pessoas. Também é usado durante o documentário o modo participativo, já que durante as entrevistas e algumas cenas é possível perceber a presença das perguntas da documentarista e da equipe. A princípio, o documentário seria realizado apenas pelo modo observativo, porém durante o processo de filmagem, houve também a imersão 31 de dois meses dentro do grupo pela diretora do filme, se fazendo necessário a inserção do modo participativo durante a montagem do filme. 32 4 - CAPÍTULO 3 - MEMORIAL DESCRITIVO DE PESQUISA E PRODUÇÃO DO PROJETO EXPERIMENTAL: DOCUMENTÁRIO “O PÁSSARO” Este projeto experimental visa usar recursos audiovisuais, em formato documental para registrar as relações interpessoais e o processo de construção cultural existentes dentro de grupos juninos de Pássaros no Estado do Pará, como cultura popular e sucessivamente como um patrimônio imaterial intangível. O objeto de estudo do projeto foi o Pássaro Tem-Tem do Guamá, no qual foram escolhidos três personagens fortemente atuantes dentro do grupo para representar e dar voz ativa para a narrativa documental. Para além disso, segundo Fávero (1983), a cultura popular é uma tomada de consciência sobre a realidade brasileira, cultura é política das massas, é economia, é o povo, e se torna necessária para compreender qualquer tipo de realidade. Tendo em vista a afirmação de Fávero, o objeto de pesquisa provêm da inquietação sobre de como seria possível registrar e repassar para outras gerações o saber cultural popular do Pássaro Junino, visto que a expressão cultural atualmente sofre com vários descasos por parte do poder público para se manter, além de que novas gerações, principalmente adolescentes e jovens não conhecem ou nunca ouviram falar do fazer cultural, fazendo com que o conhecimento não atinja um grande quantitativo de públicos além do círculo que ele já se encontra inserido. A correlação com o documentário como forma escolhida para o registro e difusão da cultura do pássaro junino se dá pelo fato de que o formato possa ser transmitido facilmente em qualquer lugar como uma sala de aula, sendo atrativo para diversos tipos de idades, conseguindo transmitir a história do fazer cultural do grupo de pássaros Tem-Tem do Guamá. Sendo assim, a finalidade do projeto é transmitir a história, contexto e relações dos personagens apresentados com a culturapopular e consequentemente entender como a cultura é mantida através da resistência cultural do grupo. O projeto foi produzido diante aos acompanhamentos de ensaios do grupo, onde houve uma imersão por parte da diretora, criando assim uma relação com os 33 indivíduos do grupo e gerando um conhecimento prévio a ser aplicado nas entrevistas do documentário. 4.1 - PRODUÇÃO DO DOCUMENTÁRIO É importante destacar que neste momento, houve uma pesquisa prévia dos pássaros juninos de Belém durante a quadra junina de 2018, em meados do mês de maio. O grupo Pássaro Junino Tem-Tem foi escolhido como personagem do documentário através de indicações de pesquisadores de pássaros juninos da cidade. Em conversa com a professora da Universidade Federal do Pará e pesquisadora Olinda Charone, que realiza sua pesquisa dentro do grupo Tem-Tem há alguns anos, a professora indicou um primeiro contato com a família guardiã do grupo, a família Amaral, no qual foi solicita e se autodenomina como um grupo de pássaro que abre espaço para pesquisadores, aceitando em primeira conversa participar do documentário. Porém não basta apenas ter apenas uma ideia para se ter um documentário em mãos. De acordo com Lucena (2012), quando criamos um documentário é preciso saber se a ideia pode ser concretizada, para além disso, é preciso saber como fazer isso. A partir desta concepção, Lucena explica que neste momento sempre recorre a questões básicas de estudantes de jornalismo e são elas: 1 – O que eu quero mostrar? 2 – Como eu quero mostrar isso? 3 – Por que eu quero mostrar isso? 4 – Quem é meu personagem? 5 – O que ele vai fazer? 6 – Como ele vai agir? (LUCENA, 2012). A partir destas perguntas, o documentário foi tomando forma de acordo com gravações, que foram realizadas principalmente nos ensaios do grupo, que eram realizados durante a noite, no bairro do Guamá, pelo menos três vezes por semana, no barracão sede do grupo. Nas primeiras gravações de acompanhamento dos ensaios, a câmera se tornava um mero instrumento invisível e escondido pela falta de intimidade com os personagens, com o passar do tempo, os brincantes do grupo começaram a ficar mais à vontade diante da câmera e da equipe de filmagem. Ao total foram dez ensaios gravados, uma confraternização de aniversário de 88 anos do Pássaro Junino Tem-Tem, as duas principais apresentações e entrevistas. Os personagens principais foram escolhidos a partir das respostas das questões básicas acima citadas e foram escolhidos em acordo com a família guardiã do grupo. É importante enfatizar que foi dado total apoio por parte de todo o grupo 34 para que fosse realizado as gravações, assim como tudo que era pensado no processo de construção fílmica deveria ser repassado para a família guardiã dá a permissão. 4.2 - ROTEIRO ATRAVÉS DA MONTAGEM 4.2.1 - Roteiro Roteiros costumam a ser confundidos com dramaturgias ou romances de teatro, com estruturas dramáticas longas e que instigam o leitor chegar ao fim. O roteiro também tem a capacidade de fazer isso, porém seu principal objetivo é estruturar e organizar ações para que elas sejam compreendidas nas diversas áreas que compõem a estrutura do cinema como a fotografia, direção, produção, som direto e etc. Field (2001) afirma que o roteiro é uma história a ser contada por imagens, diálogos e descrições, tendo como base o contexto de uma estrutura dramática, estrutura está dividida em começo, meio e fim. Lucena (2012) reforça este conceito quando fala que a escrita do roteiro é a transformação de uma viagem visual em texto. Quando falamos de roteiro, logo se pensa no roteiro de ficção, com estruturas bem definidas, meios e fim que devem ser seguidos à risca pela produção do filme e atores com textos decorados. O roteiro dentro de um set é a forma que a produção possui de controlar o seu filme e isto é definitivo para a ficção, no documentário não. 4.2.2 - A montagem como ferramenta de construção do roteiro do documentário “O Pássaro” A discussão acerca de roteiro de documentário é diversa, ela abrange desde da não utilização do roteiro para documentários até a diversos tipos e metodologias de usar um durante a produção. Eduardo Coutinho, considerado por muitos como um dos maiores documentaristas brasileiro não utilizava o roteiro em suas produções. Lins (2004 apud FRANÇA e NODARI, 2016), detalha que o diretor era um grande defensor da não utilização de roteiro, no qual afirmava constantemente que não havia a possibilidade ou necessidade de escrever roteiros para filmar documentários. Puccini (2009) conclui que por ser um formato aberto e sujeito a constantes interferências e mudanças, para se produzir o gênero exige bastante preparo e pré- 35 produção para que o material chegue na ilha de edição de forma completa para que o editor ou diretor possa conduzir a montagem de forma eficaz. França e Nodari (2016) em pesquisas com diversos documentaristas da cidade de Curitiba, conseguiram perceber diversos modos de produção dos filmes documentários através das respostas, uma delas a documentarista Joana Nin que explica como estrutura seu trabalho: Joana Nin explica que utiliza o roteiro a partir de uma pesquisa inicial (que considera indispensável), com dados e personagens coletados, escreve um roteiro, que funciona como uma descrição das primeiras cenas do filme. Porém, afirma tomar cuidado para escrever apenas aquilo que considera suficiente para o leitor do roteiro (no caso os julgadores de projetos dos editais públicos a que concorre) identificar a linguagem do filme e o tema que está sendo abordado. Esse é o único texto que escreve, segundo ela, o resto do trabalho de roteirização é mental, surge na fase da montagem ou anotações de decupagens. Joana Nin conta que já fez uso de escaleta em que descrevia cada uma das cenas, cena a cena. Método que pode ser bastante útil, inclusive para facilitar a montagem. Escaletas criadas na pré- produção contribuíram na fase da montagem “este é o momento quando as ideias ficam mais confusas”. (FRANÇA; NODARI, 2016) Tomando como base essa resposta, chegamos ao ponto de partida do processo de construção da narrativa do documentário “O Pássaro” que se desenvolveu a partir da montagem em ilha de edição. Ao dar início as filmagens, não foi criado nenhum tipo de roteiro prévio para se seguir durante as gravações, todo o processo de registro foi buscando centralizar os personagens, que também foram decididos ao longo do processo. Essa forma de construção ocorreu devido ao pouco tempo de pré-produção existente, visto que ao iniciar as filmagens o grupo já havia começado a ensaiar para as apresentações de 2018. Após dois meses de material gravado, cerca de 200gb gerados das filmagens, o processo de criação de narrativa do filme se iniciou na ilha de edição através do processo de filmagem. De acordo com Eisenstein (2012) no capítulo palavra e imagem de seu livro, a montagem é tão indispensável quanto qualquer outra área da produção cinematográfica. Segundo o autor, a montagem pode transformar fortemente a narrativa fílmica, apresentando vários tipos de métodos como a montagem rítmica, tonal, atonal, métrica e intelectual. O princípio da montagem, através disso, adquire o grande poder de estimulo criativo interior do espectador, que distingue uma obra emocionante e empolgante de uma outra que não vai além da apresentação da informação ou acontecimento. (EISENSTEIN, 2012). 36 O método escolhido para a montagem foi a rítmica, durante o processo se procurou montar imagens que impulsionam sem a mudança de cenas, no qual o documentário incorpora uma característica narrativa acelerada e eufórica para representar a excitação e exorbitâncias que existiam dentro do grupo Tem-Tem, indo desde dos figurinos grandiosos até a euforia dos ensaios e apresentações. 4.3 - ENTREVISTAS/ PERSONAGENS 4.3.1 - A entrevista documental A entrevista é aquela que conduz tanto a pesquisa quanto a narrativa de um documentário, é através dela que é possível ilustrar e até mesmo dar legitimidade para a narrativa escolhida. As entrevistas do documentário foram realizadas ao final de todas as filmagens com o intuito de que os personagens já estivessem acostumados com a câmera, assim como tivessem criado um vínculo de confiança com a diretora para falar sobre as questões abordadas. O cineasta Jean-Claude Bernadet (2003), reflete que o papel do diretor é imprescindível em produções documentais, em um primeiro momento para que se possa obter uma sensação de realidade do filme, a voz do filme tem que ser do entrevistado, ou seja, a fala do personagem precisa ser o fio condutor da narrativa. Durante as entrevistas foram estruturadas perguntas bases para todos os três personagens e partir das respostas, eles iam sendo instigados a falarem memórias e o que remetia a sua memória em relação ao Pássaro Junino Tem-Tem. Ao tornar um indivíduo o personagem de um filme, dar voz a ele é necessário fazer a reflexão de como aquele filme ou vídeo pode impactar a vida do sujeito. Ao fazer o movimento de transformar o outro em personagem, o documentário otorna público, produzindo, portanto, em sua vida, conseqüências que devem ser levadasem conta pelo realizador. (D’ALMEIDA, 2006). 4.3.2 - Os brincantes de pássaro Os personagens principais do documentário são Antônio Ferreira, Walmir Araújo e Gilberto Erivan. Os personagens escolhidos para a entrevista são aqueles que conduzem a narrativa, explicando suas vivências e história com diversos grupos de “pássaro junino” até chegarem ao grupo Tem-Tem, além de contextualizar a origem da manifestação. Os três personagens possuem características que os 37 interligam e os diferenciam, dando assim perspectivas diferentes para o documentário. Os personagens foram escolhidos por serem de gerações diferentes, Gilberto Erivan, brincante há 21 anos no grupo Tem-Tem é o mais novo; Antônio Ferreira, já foi músico, brincante e hoje atua como encenador do pássaro; Walmir Araújo, conhecido como “Pará”, há mais de 50 anosjá atuou como brincante em diversos grupos de “Pássaro Junino” espalhados pela cidade. Os dois brincantes, Gilberto Erivan e Walmir Pará são os responsáveis por explicar seus personagens dentro da manifestação que são “Morubixaba da Tribo” e o “Matuto”, respectivamente. A fala de ambos é reafirmar pela explicação geral sobre a origem dos personagens dada pelo encenador Antônio. (APENDICE 1). A narrativa é definida em três partes de acordo com as falas de cada um, onde a primeira somos apresentados a origem do “pássaro junino” e o que ele representa para cada personagem, na segunda a história do grupo Tem-Tem do Guamá e as relações de cada um com seus personagens, e finalmente a terceira parte é finalizada com falas sobre a importância da manifestação como cultura popular e como cada personagem vê a manifestação como forma de resistência artística. 4.4 - FOTOGRAFIA DOCUMENTAL Durante o processo de filmagem, a fotografia foi pensada a partir dos materiais e recursos que haviam disponíveis, ou seja, apenas uma câmera a ser manuseada por um cinegrafista, que também é a diretora do filme. A partir disso, a fotografia do documentário em cenas de apoio e acompanhamento buscam sempre os personagens e ação em que ele está fazendo, procurando sempre planos que priorizem o primeiro plano “PP” (FIGURA 4), planos médios “PM” (FIGURA 5) e close-ups (FIGURA 6). 38 Figura 4: Fotografia em Primeiro Plano “PP”. Fonte: Autora (2018) Figura 5: Fotografia em Plano Médio “PM”. Fonte: Autora (2018) Figura 6: Fotografia em close-up. Fonte: Autora (2018) 39 Araújo (2015) em análise do projeto vídeos nas aldeias do programa Cultura Viva do Ministério da Cultura (Minc), projeto este de documentário auto etnográfico, o autor discorre que ao espectador são apresentados durante o filme várias cenas da vida cotidiana dos índios, desde uma fabricação de canoa até a caça de animais silvestres. Ele analisa trechos da filmagem do documentário da seguinte forma: Destaca-se, em todos os momentos apontados, a forma como a câmera acompanha, observa e descreve detalhadamente cada uma dessas atividades cotidianas.A primeira, talvez a mais longa do filme, é a da colheita do murumuru, em que se assiste a um plano sequência com a duração de 54 segundos, no qual o AshaninkaOriyawatsi, no meio da mata e seguido de perto pela câmera que o enquadra em um plano de conjunto, explica para o espectador, enquanto colhe o coco, a importância da colheita para a renda da comunidade como também as dificuldades desse processo. (ARAÚJO, 2015) Tendo em vista esta afirmação de conceito de filmagem etnográfica, no documentário “O Pássaro” proposto por este projeto experimental também foi usado este mesmo recurso. Gravações diretas e planos contínuos foram usados para retratar de forma detalhada todas as ações diárias dos brincantes do grupo, toda a fotografia que retrata o cotidiano foi pensada sempre de forma “mais próxima” dos retratados, com o intuito de que o espectador perceba um ar intimista das cenas. Fernão Ramos (2012), afirma que existe uma relação entre o espectador e a imagem-câmera, o autor discorre sobre dois personagens nessa relação: O sujeito- câmera, que é quem direciona a imagem, e o sujeito que está em frente a câmera, podendo ele ser um atorou uma pessoa comum. Tomando o conceito de sujeito- câmera, Ramos assegura que é ele que concede ao espectador uma dimensão subjetiva do acontecimento, como o indivíduo que produz a imagem se tornasse os olhos de quem assiste, criando uma capacidade sensorial para aqueles que assistem. Tomando como base o conceito de sujeito-câmera durante as filmagens do documentário, se tomou como linha de fotografia a ser seguido, a captação de todos os momentos como caminhadas, trajetos no ônibus, confraternizações buscando da ênfase sempre a um personagem por vez, ambientando sempre os diversos tipos de sentimentos dos personagens no momento em que ele estava sendo gravado. 4.4.1 - A fotografia nas entrevistas As entrevistas foram gravadas todas em um mesmo local, o barracão de ensaios do grupo em um dia comum de preparação de figurinos. A fotografia das 40 entrevistas foi mesclada em jogos de câmeras para dar respiros em angulações diferentes (FIGURAS 7 E 8). Os ângulos e planos das entrevistas são em geral mais fechados propositalmente, visto que as falas dos personagens carregam emoções e expressões que contribuem e constroem o filme. Figura 7: Entrevista Walmir Pará. Fonte: Autora (2018) Figura 8: Entrevista Walmir Pará. Fonte: Autora (2018) 41 4.4.2 - Aspectos técnicos Em aspectos técnicos, foram usadas duas câmeras para a captação das imagens, uma Canon 70D e uma Nikon D5100, foram usadas também lentes fixas como a 50mm, 35mm e 30mm, além de uma lente 17-50mm para planos mais abertos. Como o documentário possuía necessidades de som direto, foi usado também um microfone direcional para captar sons ambientes e falas dos personagens nas imagens de apoio. 4.5 - CARTAZ Como o trabalho está vinculado à produção do documentário, viu-se a necessidade da confecção de uma peça gráfica como representação desta produção, tanto como trabalho ilustrativo do material e a necessidade de se ter um cartaz, de certa forma comercial, para o documentário, além da criação de uma identidade visual para o mesmo. A primeira ideia era a produção de um cartaz com o apoio fotográfico, porém, durante as gravações não houve a possibilidade de criação de fotos still para a produção do cartaz. Buscou-se então, uma técnica que pudesse trazer o simbolismo necessário para representar o documentário,fazendo assim, opção por produzir uma ilustração junto a uma artista paraense. A intenção, apesar de ser uma decisão de marketing, foi trabalhada respeitando a visualidade e o simbolismo do Pássaro Junino, sendo pensada com tudo que seria primordial para a identificação desta manifestação artística popular. Sendo assim,a ilustração foi direcionada de forma que pudesse representar o pássaro trazendo elementos estéticos que remetessem ao humor, grandiosidade e teatralidade, além de aproximar o público e chamar atenção ao trabalho artístico. Joaquim da Fonseca, explica como a ilustração pode ser usada como elemento atrativo ao espectador: A ilustração adiciona à mensagem escrita um forte poder de atração, estimulando a imaginação do leitor e valorizando esteticamente a aparência visual de qualquer texto. (FONSECA,1990, p. 57-58 apud RAMOS, 2007, p. 20) A partir desta afirmação, que Fonseca (1990, p. 57-58 apud RAMOS, 2007, p. 20) aponta duas características importantes da ilustração, a primeira, como fator de comunicação, indicando uma mensagem sem ruídos ao receptor e a segunda como fator estimulante da imaginação do leitor. 42 A ilustração foi pensada juntamente com o encenador do grupo, Antônio Ferreira, no qual ficou decidido que cada elemento na ilustração representaria um personagem dos núcleos de personagens que compõe o pássaro junino. Na ideia inicial foram pensados os elementos em destaques na ilustração: Pássaro Tem-Tem de cores azul e amarelo, um castelo que representa o núcleo da realeza, uma canoa representando o núcleo da matutagem, um capacete com penas para representar o núcleo indígena e águas de rios para representar o núcleo do balé. (FIGURA 9). Figura 9: Ilustração produzida para o cartaz. Fonte: Acervo Pessoal A partir do resultado da ilustração, foi trabalhado a melhor forma de se utilizar a arte produzida, transformando-a em peça gráfica, em formato de cartaz, além de conseguir se conectar visualmente com a identidade visual desenvolvida para o documentário por um designer paraense. (FIGURA 10) 43 Figura 10:Identidade Visual do Documentário. Fonte: Acervo Pessoal Com os elementos visuais em mãos, desenvolveu-se o projeto gráfico do cartaz final, de forma que fosse possível unificar as duas técnicas, ilustração e design gráfico, na confecção de um cartaz que seguisse também a visualidade cinematográfica, possibilitando a inserção dos elementos técnicos. Para tal, foi feita uma desconstrução dos elementos da ilustração, identificando o que era mais significativo no que está sendo apresentado e também com o próprio nome escolhido para o documentário, “O Pássaro”, buscando uma otimização desta aproximação com o público. [...] no processo de criação pós-moderna, as desconstruções ocorrem em todos os âmbitos, mas essas desconstruções se caracterizam pela reutilização do que funciona dentro do que se propõe, a desconstrução, dessa forma, se mostra como uma otimização do processo, sendo que proporciona melhor aproximação com a situação do indivíduo contemporâneo. (Oliveira e Silva, 2017, p. 94) Foram utilizadas, neste caso, diretrizes de design gráfico pós-moderno, pensando nesta junção de técnicas e em todas as frentes e formas criativas que a cultura do Pássaro Junino e a produção de um documentário envolvem. Trazendo à tona o conceito de design aliado a eficácia da peça gráfica, pois “o design necessita ser desenvolvido considerando as humanidades, sentir o ambiente é necessário para que o sentido do design seja realmente efetivo” (OLIVEIRA; SILVA, 2017, p. 95). 44 Desta forma foi possível desenvolver um cartaz conciso e significativo, contendo os significados, o aspecto visual e apelo estético que era almejado. (FIGURA 11). Figura 11: O Cartaz. Fonte: Acervo Pessoal 45 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Este projeto abordou conceitos e fundamentos mostrando como o Pássaro Junino é uma cultura popular que possui característica de patrimônio imaterial, e deve ser preservado e valorizado tanto pelo poder público quanto pela população paraense. Fica evidente, diante da pesquisa e falas coletadas, que o descaso e a falta de políticas públicas são um grande fator que interfere atualmente na difusão da cultura popular dentro do Estado. Durante o projeto foi notável perceber que a manifestação, como um todo, é muito diversa. A documentação e registro do grupo de Pássaro Junino“Tem-Tem”, quanto suas relações interpessoais e processo criativo das apresentações, são únicas, podendo os outros grupos espalhados pela cidade e Estado terem outras características que também precisam ser registradas. Em relação ao grupo, é possível considerar que o “Tem-Tem, suas relações e processo de criação vão além das apresentações no palco, a apresentação diante de toda a resistência e grandiosidade de cada brincante do grupo é maior do que qualquer apresentação dentro do Teatro do Paz. A manifestação também é um respiro cultural dentro do bairro do Guamá, sendo responsável pelo primeiro contato de crianças, jovens e adultos com a arte, possibilitando que grupo seja considerado, também, como fator educacional popular. Durante o projeto, a partir da produção do documentário “O Pássaro: Um Documentário sobre o Pássaro Junino Tem-Tem do Guamá” foi possível perceber a importânciados recursos audiovisuais enquanto forma de registro para a manutenção da expressão cultural, podendo ser utilizado como ferramenta de registro antropológico preservado, e também como ferramenta educacional, quando usada para repassar histórias e experiências de pessoas importantes no contexto da cultura de uma sociedade. Sobre os modos de se fazer documentário, é notável perceber que não há um jeito certo ou errado de documentar, e sim a visão por trás das câmeras, sempre respeitando os atores sociais que estejam sendo gravados, prevalecendo a sensibilidade em identificar os contextos em que está sendo feito o registro. 46 Durante o processo de produção, foi possível compreender o papel do documentário perante toda pesquisa. E este não é um produto final fechado e sim um produto de apoio para reafirmar e difundir a temática com mais abrangência. Por fim, podemos considerar que o objetivo deste trabalho foi alcançado, resultando assim, num produto audiovisual coerente com o proposto, levantando questões sobre a valorização da cultura popular e a atmosfera artística e educacional que a cerca. 47 6 - REFERÊNCIAS ABREU, M. e SOIHET R. Cultura Popular: Um conceito, várias histórias.Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. CASA DA PALAVRA, Rio de Janeiro, 2003. ARANTES, Antonio A. O que é cultura Popular. São Paulo, Brasiliense, 1981. ARAÚJO, JULIANO JOSÉ:1981-Cineastas Indígenas, documentário e auto etnografia: Um estudo do projeto vídeo nas aldeias. Campinas, SP :[s.n.], 2015. BAUER, M. W. GASKELL, G (orgs.); Pesquisa Qualitativa Com Texto, Imagem e Som – Um Manual Prático. Rio de Janeiro. Vozes, 2010. BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagem do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. CHAGAS, Mário. Tesouros Humanos Vivos. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. Memórias e Patrimônio: Ensaios Contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2003. p. 83-97. CHARONE, Olinda: O teatro do pássaro como forma de espetáculo pós- moderno. REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. ______, Olinda. Uma escuta sobre as canções do espetáculo: O Sofrimento de Camila, do Grupo Melodrama Fantasia Tem-Tem do Guamá. REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.2, n.3, jan-jun, 2010. D’ALMEIDA, Alfredo D. O processo de construção de personagens em documentários de entrevista. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 29., 2006, Brasília. Brasília: UNB, 2006. EISENSTEIN, Sergei. O Sentindo
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