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Autora: Profa. Katia Brandina Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Biomecânica Aplicada ao Esporte 2 Professora conteudista: Katia Brandina É graduada em Educação Física pela Universidade São Judas Tadeu (1997). Possui mestrado (2004) e doutorado (2009) em Biodinâmica do Movimento Humano pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). Atualmente, é professora titular da Universidade Paulista (UNIP). Coordena e ministra aulas nos cursos de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá (Reabilitação de Lesões e Doenças Musculoesqueléticas), da Universidade de São Caetano do Sul (Reabilitação e Exercício Físico nas Lesões e Doenças Musculoesqueléticas) e da FMU (Lesões e Doenças Musculoesqueléticas: Prevenção e Condicionamento Físico). Ministra aulas como professora convidada no curso de pós-graduação da Fefiso (Fisiologia do Exercício: Avaliação e Prescrição de Atividade Física). Os temas de estudo de maior interesse na área da Biomecânica são: locomoção humana, reabilitação de lesões musculoesqueléticas, calçado esportivo e eletromiografia. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B642b Brandina, Katia. Biomecânica aplicada ao esporte / Katia Brandina. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Biomecânica. 2. Atividade eletromiográfica. 3. Treinamento de força. I. Título. CDU 577.3 U507.23 – 20 3 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Giovanna Oliveira Elaine Pires 5 Sumário Biomecânica Aplicada ao Esporte APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 BIOMECÂNICA DO TREINAMENTO DE FORÇA.........................................................................................9 1.1 Tipos de contração e características estruturais do músculo ............................................ 10 1.2 Influência do comprimento do sarcômero e do ciclo alongamento- -encurtamento na produção de força muscular ............................................................................ 12 2 TORQUE E SUA INFLUÊNCIA NA PRODUÇÃO DE FORÇA MUSCULAR ........................................ 19 2.1 Análise dos braços de alavanca nos exercícios de academia ............................................. 32 2.1.1 Exercício peitoral ..................................................................................................................................... 32 2.1.2 Exercício dorsal ........................................................................................................................................ 39 2.1.3 Exercícios de ombro ............................................................................................................................... 42 2.1.4 Exercício de cotovelo ............................................................................................................................. 45 2.1.5 Exercício de membros inferiores ....................................................................................................... 47 2.1.6 Características e importância da eletromiografia na análise do movimento humano ...........51 2.1.7 Atividade eletromiográfica dos músculos nos exercícios ....................................................... 55 Unidade II 3 BIOMECÂNICA DA CORRIDA E DO CALÇADO ESPORTIVO .............................................................. 70 3.1 Características cinemáticas da corrida e influência do calçado esportivo ................... 71 3.2 Características cinéticas da corrida e influência do calçado esportivo ......................... 82 4 ATIVIDADE ELETROMIOGRÁFICA DOS MÚSCULOS NA CORRIDA ................................................ 95 4.1 Características da economia de corrida e influência do calçado esportivo no rendimento do corredor ...................................................................................................................100 Unidade III 5 BIOMECÂNICA DA GINÁSTICA .................................................................................................................112 5.1 Ginástica olímpica e artística: biomecânica do equilíbrio .................................................113 5.2 Treinamento proprioceptivo ..........................................................................................................121 6 GINÁSTICA DE ACADEMIA .........................................................................................................................126 6.1 Modalidade step .................................................................................................................................126 6.2 Ginástica de academia: modalidade aeróbia ..........................................................................129 6 Unidade IV 7 BIOMECÂNICA DAS MODALIDADES ESPORTIVAS ............................................................................134 7.1 Análise e controle da sobrecarga .................................................................................................134 8 SALTO VERTICAL: PARÂMETROS BIOMECÂNICOS PARA EFICIÊNCIA DO MOVIMENTO ..............136 8.1 Salto triplo: parâmetros biomecânicos para controle de carga mecânica e propulsão ...................................................................................................................................................142 7 APRESENTAÇÃO Os movimentos corporais e a interação de forças geradas entre corpo e meio ambiente em sua execução são o foco de estudo da área da Biomecânica. Para que o movimento aconteça, forças são produzidas e sustentadas pelo corpo, provocando ajustes do movimento que propiciaram o controle de cargas mecânicas e a geração de impulsos para propulsionar o aparelho locomotor (HALL, 2013; AMADIO; SERRÃO, 2004; AMADIO; SERRÃO, 2011). Essa mecânica de movimento pode ser evidenciada em gestos motores do cotidiano, tais como a caminhada, subir um degrau de uma escada ou alcançar objetos, mas também se aplica aos movimentos complexos vivenciados em modalidades esportivas e em atividades de academia. Para garantir uma técnica de execução correta dos movimentos esportivos complexos, é necessário analisá-los e discuti-los por meio dos instrumentos da Biomecânica, tais como câmeras, eletromiógrafos, plataforma de força de reação do solo, entre outros. O estudo do movimento por essa ótica define a área de atuação da Biomecânica, conhecida por Biomecânica Aplicada ao Esporte. A Biomecânica Aplicada ao Esporte evidencia as estratégias usadas pelo aparelho locomotor para garantir maior eficiência nos gestos motores esportivose as desenvolve nas sessões de treino, sendo estas estratégias e seu uso no treino esportivo os assuntos a serem discutidos nesta disciplina. Portanto, a disciplina tem os seguintes objetivos: • entender as características das diferentes modalidades esportivas e de treinamento; • aprender a controlar a sobrecarga para diminuir a incidência de lesões; • saber quais aspectos precisam ser treinados nas modalidades para melhorar o rendimento. Ao final do estudo desta disciplina o aluno deve ser capaz de: • analisar e manipular as forças presentes no movimento humano; • manipular as forças produzidas no movimento humano para prevenir o surgimento de lesões e melhorar a eficiência do movimento; • adequar os exercícios e o treinamento para evitar o surgimento de lesões. INTRODUÇÃO O aparelho locomotor possui muitos sistemas capazes de interagirem e se organizarem para produzirem movimentos bastante complexos, como os evidenciados em modalidades esportivas e em atividades de academia. Essa resposta em forma de gesto motor pode ser melhorada no aspecto mecânico quando bem conhecida e treinada. 8 Para programar sessões de treino que permitam desenvolver as capacidades físicas relevantes para aperfeiçoar a técnica do movimento de cada indivíduo é importante conhecer como o gesto motor usado é executado, que forças estão presentes nessa ação, como controlá-las e torná-las favoráveis para facilitar a execução do movimento com menos gasto energético. São vários os fatores que afetam o movimento humano. Um dos sistemas de grande relevância do nosso corpo capaz de produzir força e controlar as que incidem sobre ele é o sistema muscular. Para desenvolver as qualidades mecânicas do músculo é necessário entender e discutir a melhor estratégia a ser usada no treinamento de força. A estruturação da sessão de treino em acordo com os princípios do treinamento de força, a aplicação dos conceitos de torque e braço de alavanca e o uso dos registros eletromiográficos em exercícios de musculação serão alguns dos temas abordados a seguir, que favorecem o desenvolvimento das capacidades físicas musculares de força e potência. Além do entendimento sobre o desenvolvimento geral das características mecânicas do tecido muscular pelo treinamento de força, o livro contém a discussão de dados de registro e análise de movimentos esportivos, obtidos por meio das áreas de investigação da Biomecânica: Cinemetria, Dinamometria, Eletromiografia e Antropometria. Para a corrida, os parâmetros cinemáticos, cinéticos e eletromiográficos serão apresentados e discutidos, com o objetivo de explorar os fatores treináveis e não treináveis para melhorar a técnica e a eficiência da corrida. A influência das características de construção do calçado esportivo na técnica de movimento da corrida também será debatida, por este ser o principal acessório usado nesta modalidade. Para os movimentos da ginástica (olímpica, artística e de academia), os conceitos de equilíbrio e controle de sobrecarga foram os principais assuntos explorados. Com a leitura desse documento, é possível entender a relevância de se controlar a intensidade e a duração dos estímulos aplicados ao aparelho locomotor, bem como entender os riscos de se usar movimentos complexos, que exigem grande controle motor, para sujeitos com pouca habilidade. O controle motor pode ser aperfeiçoado com o treinamento proprioceptivo, sendo essa outra modalidade de academia discutida para compreensão da importância de desenvolver o equilíbrio dos movimentos. Por fim, os parâmetros cinemáticos e cinéticos do salto vertical são descritos para entendimento dos fatores que interferem no rendimento desse movimento, comum a muitas modalidades esportivas. 9 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Unidade I 1 BIOMECÂNICA DO TREINAMENTO DE FORÇA O movimento humano é gerado quando um conjunto de músculos é acionado para produzir força. A ação conjunta dos músculos deve garantir gestos motores eficientes com técnica de movimento correta (HALL, 2013; AMADIO; SERRÃO, 2011; AMADIO; SERRÃO, 2004). A capacitação do músculo para produção de força no movimento humano é conquistada com o treinamento de força. Essa estratégia de treino tem como princípios a sobrecarga, a especificidade e a reversibilidade do sistema locomotor (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Promover maior sobrecarga no músculo para otimizar sua capacidade de produção de força implica fazer o corpo sustentar uma carga adicional maior, com maior frequência ou com maior velocidade do que aquela que ele está acostumado a sustentar em seu cotidiano. Essa estratégia produzirá alterações na estrutura muscular que o farão executar movimentos mais complexos e com maior exigência de força (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). O ganho de força em movimentos melhora a funcionalidade do corpo para atender às demandas do cotidiano de cada sujeito (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Para o idoso, melhorar a capacidade de produção de força implica subir e descer escadas com maior autonomia, levantar de uma cadeira ou sentar nela sem perder o equilíbrio, retomar o equilíbrio de uma caminhada ao tropeçar na rua, reduzindo o risco de queda; para um adulto, implica melhorar e manter os movimentos repetidos em ambiente de trabalho, e, para um atleta, a capacidade de produzir força garante medalhas ou recordes em competições de alto nível esportivo. Para que o ganho de força seja realmente representativo com a prática do treinamento de força, cada sujeito deve treinar o movimento da forma como ele o executa em seu dia a dia. A especificidade do gesto motor no treinamento de força é fundamental para promover a adaptação dos grupos musculares que devem ser acionados em cada movimento (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Por exemplo, se um idoso quer melhorar sua capacidade de produzir força para levantar de uma cadeira e sentar-se nela, ele deverá usar movimentos no treino de força similares ao movimento de sentar em uma cadeira e levantar-se dela. O movimento que mais se assemelha a essa ação é o agachamento. É importante destacar que a força usada ao sentar em uma cadeira e levantar-se dela é dinâmica, portanto, adicionar carga e manter o idoso parado em um único ângulo do movimento de flexão e extensão de joelhos compromete a especificidade do treino e a adaptação do músculo para o ganho de força em uma ação dinâmica como essa. Assim, além de considerar o tipo de exercício, é preciso também definir sua forma de execução no treino, que deve ser compatível com o movimento executado no dia a dia do sujeito. 10 Unidade I Um atleta de alto nível que compete nas argolas, como é o caso do medalhista olímpico Arthur Zanetti, para tornar o treino de força específico às ações dessa prova, precisa fortalecer os músculos do ombro em posturas estáticas. Realizar o movimento de flexão de cotovelo com carga adicional e com os pés apoiados em um espaldar para ficarem alinhados com o tronco e solicitar ao atleta que ele execute uma flexão de cotovelos e mantenha os cotovelos flexionados por um período de tempo, sustentando a força, torna essa ação mais específica para a adaptação do músculo na prova de argolas. Esse é um exemplo de movimento que imita o que é usado por um atleta na competição de argolas e que exige um trabalho de fortalecimento muscular em postura estática, respeitando o princípio da especificidade do treino de força. Todo o esforço feito para treinar o tecido muscular para ganho de força, independentemente da atividade a ser realizada ou do tipo de público (adulto, idoso, atleta), só será mantido se o treinamento não for interrompido e se o nível de esforço do sujeito para realizar o exercício for modificado sempre para um patamar de maior exigência, com cargas mais pesadas, aumento no tempo de permanência de execução do gesto motor ou velocidade de movimento maior do que a de costume. Essa descrição explica o princípio da reversibilidade dotreinamento de força (FLECK; KRAEMER, 2016; FLECK; KRAEMER, 2017). Se o tecido muscular parar de receber estímulos ou se eles forem equivalentes aos recebidos no cotidiano, com o processo de envelhecimento contínuo do corpo, a capacidade de produção de força muscular diminui. Então, o treino de força só será eficiente se houver sobrecarga no sistema corporal, específica ao trabalho que será exigido do corpo. A discussão anterior mostra que o protagonista do corpo usado para realizar movimentos mais eficientes é o tecido muscular e este pode se adaptar para melhorar a capacidade de produzir e de sustentar a força. Dada a importância dessa estrutura para o corpo, as características estruturais e biomecânicas desse tecido serão consideradas a seguir. 1.1 Tipos de contração e características estruturais do músculo Por sua capacidade de produzir força, o músculo é considerado o tecido ativo do corpo humano, que realiza movimentos ao encurtar e oferece proteção aos ossos e articulações ao alongar para oferecer resistência às forças externas aplicadas ao corpo (HALL, 2013). As funções que o músculo cumpre para produzir movimento e resistir às forças externas são garantidas por contrações musculares distintas, que dependem do comprimento assumido pelo músculo e da relação de forças estabelecidas entre ambiente e corpo humano. As contrações dinâmicas, concêntrica e excêntrica, e a contração estática, isométrica, são as que definem as relações de comprimento e força destacadas anteriormente (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013). A contração dinâmica excêntrica é definida quando o músculo alonga com o aumento gradativo do seu comprimento até o limite máximo, sem gerar lesão. O corpo cede à ação da força da gravidade e desloca a porção do corpo movimentada em direção ao solo ou a favor da gravidade. Com isso, a força interna ou produzida pelo músculo é menor do que a força externa ou resistente no movimento (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013). 11 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Já a contração dinâmica concêntrica é definida quando o músculo encurta com a diminuição gradativa do seu comprimento. O corpo supera a ação da força da gravidade e desloca sua parte em movimento para cima ou contra a ação da gravidade. Com isso, a força interna ou produzida pelo músculo é maior do que a força externa ou resistente no movimento (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013). Quando o músculo não está nem totalmente alongado e nem totalmente encurtado, a contração isométrica, muitas vezes estática, é visualizada no gesto motor. O músculo assume seu comprimento intermediário e não há variação aparente em seu comprimento total; esses dois fatores caracterizam a contração isométrica. Dessa forma, a produção de força interna ou muscular se iguala à força resistente ou da gravidade que atua no corpo (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013). O comprimento assumido pelo músculo no movimento altera sua capacidade de produção de força muscular devido ao número de interações entre actina e miosina. Este é um aspecto biomecânico importante característico do músculo que influencia o treinamento de força (TRICOLI, 2013). Em acordo com o Modelo Biomecânico (NORDIN; FRANKEL, 2014) ilustrado a seguir, o tecido muscular é composto por dois componentes principais: o contrátil e o elástico. Componente elástico em paralelo (epimísio, permísio e endomísio) Componente elástico em série (tendão) Componente contráril (actina e miosina) Figura 1 – Ilustração do Modelo Biomecânico do Músculo O retângulo representa o ventre muscular. A parte superior do retângulo possui uma mola que simula as várias camadas de membrana formadas por fibras de colágeno que envolvem: a fibra muscular (endomísio), o conjunto de fibras musculares (perimísio) e o ventre muscular (epimísio). Essas camadas de membrana são conhecidas como componente elástico em paralelo em relação ao componente contrátil e têm a importante função de resistir às forças de tração, protegendo o músculo de lesões e de acumular e restituir energia elástica no movimento. Na parte inferior do retângulo verificam-se duas extremidades com aspecto de garfo se encaixando, esses são os componentes contráteis do Modelo Biomecânico do Músculo. Os componentes contráteis, 12 Unidade I actina e miosina, interagem entre si para encurtar o músculo e produzir o movimento humano, por isso uma representação que lembra a conexão entre as duas proteínas contráteis do músculo no modelo. Quanto maior for a quantidade de actinas e miosinas conectadas, maior será a capacidade de produção de força pelo músculo. Das extremidades do retângulo saem duas linhas (uma delas com uma mola) que também representam um componente elástico no músculo. Como estes componentes estão ao lado das proteínas contráteis de actina e miosina, são conhecidos por componente elástico em série em relação ao componente contrátil. No músculo, o componente elástico em série é o tendão muscular e tem estrutura e função similar à do componente elástico em paralelo. São elas: resistir às forças de tração no movimento para evitar lesão muscular por estiramento e acumular e restituir energia elástica para potencializar a força muscular no movimento. Mas como a capacidade de força muscular pode ser afetada ao considerar os componentes contrátil e elástico representados no Modelo Biomecânico do Músculo? Ela é afetada quando se considera: • o comprimento assumido pelo sarcômero nas diferentes contrações musculares sem o uso do componente elástico; • o uso do componente elástico em um movimento contínuo e com sobrecarga adequada – ciclo alongamento-encurtamento. 1.2 Influência do comprimento do sarcômero e do ciclo alongamento- -encurtamento na produção de força muscular A capacidade de produção de força pelo músculo mudará quando o sarcômero ficar muito alongado ou muito encurtado em comparação à condição em que fica em seu comprimento intermediário, conforme evidenciado na figura a seguir (NORDIN; FRANKEL, 2014; HALL, 2013). 13 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Fo rç a 1.0 0.5 1.27 1.65 2.0 3.602.24 Comprimento do sarcômero Z Z M A 2.25 - 3.6 µm 2.0 - 2.25 µm <1.65 µm Figura 2 – Ilustração da curva de comprimento-tensão. Produção de força do sarcômero (eixo y) em função do seu comprimento (eixo x): de 2,25 a 3,6 µm comprimento alongado (contração excêntrica); de 2,0 a 2,25 µm comprimento intermediário (contração isométrica); <1,65 µm comprimento encurtado (contração concêntrica) O eixo y do gráfico anterior indica a quantidade de força produzida pelo músculo, e o eixo x, a variação do comprimento assumido pelo sarcômero. Quando o sarcômero está entre 2.25 e 3.6µm, verifica-se o maior comprimento assumido pela fibra muscular, portanto o tipo de contração realizada é a excêntrica. No intervalo entre 2.0 e 2.25µm, o sarcômero está em seu comprimento intermediário, então o tipo de contração assumida é a isométrica. E no intervalo no qual o sarcômero encontra-se com o comprimento menor do que 1.65 µm, o tipo de contração é a concêntrica. Ao comparar o comprimento do sarcômero com a capacidade de produção de força do músculo, verifica-se no gráfico que, em contração excêntrica e concêntrica, a capacidade de produção de força do músculo diminui gradativamente quando o sarcômero se aproxima dos valores extremos de alongamento e encurtamento, respectivamente. Na contração isométrica, a produção de força muscular é máxima. As diferenças de produção de força muscular em acordo com o tipo de contração assumido pelo músculo são explicadas pela quantidade de interações entre actinas e miosinas. Em contração isométrica, todas as cabeças de miosinas estão alinhadas e conectadas aos sítios de ligação da actina. Com maior quantidade de “engrenagens” trabalhando dentro do músculo, essa “máquina” consegue produzir mais força. Em contração excêntrica, os sítios de ligação da actina se afastam das cabeças de miosina devido ao maior comprimento do sarcômero. Com isso, o músculoperde parte das interações entre actina e miosina, o que diminui sua capacidade de produção de força muscular. 14 Unidade I Em contração concêntrica, com a grande aproximação das paredes dos sarcômeros pelo encurtamento muscular, as actinas são sobrepostas e as extremidades das miosinas são “esmagadas” contra as paredes do sarcômero. Isso faz com que haja menos quantidade de sítios para interação entre actina e miosina e menos cabeças de miosinas alinhadas às actinas para conexão e produção de força muscular, respectivamente. Você deve estar se perguntando em qual situação essa forma de produção de força muscular é vista na prática. É possível citar duas situações: • no início do movimento a partir de uma contração excêntrica; • quando ocorre uma pausa no movimento entre a contração excêntrica e concêntrica do músculo. Quando o músculo principal do movimento está alongado por muito tempo antes de iniciar a ação, ele só tem os componentes contráteis para produzir a força necessária para o gesto motor. Por exemplo, quando um sujeito faz o movimento de flexão de cotovelo (rosca direta) com carga de treino alta (maior do que a condição basal). No início do movimento o cotovelo está estendido, o músculo bíceps braquial, que é um dos responsáveis pelo movimento de flexão de cotovelo, está alongado ao máximo, em contração excêntrica. Se nos reportarmos ao gráfico anterior (lendo-se da direita para esquerda), em contração excêntrica, a quantidade de interação entre actina e miosina é pequena, o que compromete a produção de força muscular. Iniciar o movimento de flexão de cotovelo é difícil, principalmente se a carga estiver muito alta. É por isso que, algumas vezes, verifica-se em academias um sujeito forçando a coluna em extensão para iniciar esse movimento. Trata-se de um erro comum que pode lesionar o corpo. O ideal é diminuir a carga de treino ou solicitar a ajuda de outra pessoa para iniciar o movimento. Lembrete Condição basal é a condição em que o corpo consegue manter todo seu funcionamento sem esforço, com pouco gasto energético. Nesse caso, para ganho de força, é preciso deixar a carga mais pesada do que a quantidade de peso que o sujeito ergue no seu dia a dia, ou seja, é preciso superar a condição basal de carga do sujeito. Depois do início da flexão do cotovelo no movimento de rosca direta, o bíceps braquial migra da contração excêntrica para contração isométrica. Perceba que a variação do comprimento do músculo do início para o meio do movimento faz com que o número de interações entre actina e miosina aumente (parte central do gráfico anterior). Com o cotovelo alcançando o ângulo de 90 graus, a produção de força muscular é máxima no movimento de rosca direta e a sensação que o exercício ficou mais fácil nesse instante do movimento é percebida pelo sujeito que o executa. Ao dar continuidade à execução do movimento da contração isométrica para contração concêntrica, tem-se nova alteração de comprimento do sarcômero, do intermediário para o mais encurtado (parte esquerda do gráfico); a produção de força no final da fase ascendente do movimento de flexão de 15 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE cotovelo diminui devido ao encurtamento total do músculo, que, nessa condição, perde parte das conexões entre actina e miosina. A variação de força na primeira repetição de movimentos que se iniciam com o músculo alongado sempre ocorrerá da forma como exemplificada no movimento de rosca direta (flexão de cotovelo). Para evitar compensações no movimento é importante: • adequar a carga de treino à condição física do sujeito; • auxiliar o início do movimento, se a carga de treino for alta e estiver compatível com o condicionamento físico do sujeito; • ajustar a máquina na qual o sujeito fará o movimento para que seu início ocorra com o músculo principal da ação mais próximo da contração isométrica. Isso facilitará a produção de força para iniciar o movimento. É importante destacar que o ângulo de execução do movimento nas repetições subsequentes não pode ser comprometido pelo ajuste inicial do movimento na máquina. Até o momento, somente o componente contrátil do músculo foi usado na produção de força. E o componente elástico do músculo? Será que esse outro componente não teria participação nenhuma na capacidade do músculo de produzir força? Sim, ele tem. A capacidade de acumular e restituir energia elástica é fundamental para produzir maior quantidade de força muscular e essa capacidade é vista nos componentes elásticos do músculo. O gráfico a seguir mostra a capacidade de produção de força do músculo, atentando para a ação dos componentes musculares separadamente, quando somente o componente contrátil (CC) age no movimento (curva vermelha) e quando o componente elástico (CE) acumula energia elástica (curva verde). De igual modo, a capacidade de produção de força atenta-se para a ação combinada dos componentes musculares, quando a ação dos componentes contrátil e elástico se somam para produzir o movimento (curva azul). Comprimento muscular CC CE CC + CE Pr od uç ão d e fo rç a Figura 3 – Ilustração da curva de comprimento-tensão. Produção de força do sarcômero (eixo y) em função do seu comprimento (eixo x). Curva vermelha: participação do componente contrátil para a produção de força; curva verde-clara: participação do componente elástico para produção de força, curva verde-escura somatória da produção de força dos componentes elástico e contrátil 16 Unidade I Para entendimento, considere apenas a curva vermelha do gráfico anterior. Lendo-a da direita para esquerda, ela ilustra o que acontece na primeira repetição do movimento de rosca direta discutido anteriormente. No início do movimento, o músculo produz pouca força por estar em contração excêntrica e sem energia elástica acumulada; no meio do movimento, produz força máxima em contração isométrica, e, no final, com o encurtamento demasiado do músculo, a produção de força cai. Isto ocorre devido à quantidade de interação entre actina e miosina em função do tipo de contração muscular e do comprimento adotado pelo músculo. Após a primeira flexão de cotovelo, o sujeito deverá estendê-lo para continuidade do movimento. Quando o sujeito estende o cotovelo, o músculo sai da contração concêntrica, migra para a contração isométrica e, em seguida, para a contração excêntrica (ler o gráfico da esquerda para a direita). Note que, ao passar da contração isométrica para a contração excêntrica na extensão do cotovelo, a curva verde aparece e tem um formato crescente para a produção de força com o aumento do comprimento muscular. Essa curva indica o início da participação dos componentes elásticos no movimento de rosca direta. Como um elástico, esses componentes são tracionados e acumulam energia elástica da contração isométrica para contração excêntrica na fase descendente do movimento de rosca direta. Como a intenção é repetir várias vezes o movimento de rosca direta, assim que o sujeito atinge o ângulo de extensão de cotovelo desejado, ele já inverte a ação para erguer novamente o peso. A passagem da fase descendente (contração excêntrica) para a fase ascendente (contração concêntrica) do movimento de rosca direta, sem pausas, garante a soma da ação dos componentes musculares contrátil e elástico, conforme demonstra a curva azul do gráfico. Perceba que, quando há a soma da participação dos componentes contrátil e elástico do músculo, a partir da segunda repetição do movimento de rosca direta, mesmo em contração excêntrica, a capacidade de produção de força é máxima (curva azul lado direito), diferente do observado na primeira repetição do movimento, quando o músculo está em contração excêntrica e somente o componente contrátil participa do movimento (curva vermelha, lado direito). Portanto, é possível entender que, quando a ação do componente elástico é somada à ação do componente contrátil, a capacidade de produção de força muscular é maior no movimento,fato que facilita sua execução. Para o componente elástico acumular e restituir energia elástica, é imprescindível que o músculo sofra um alongamento (contração excêntrica) seguido de um imediato encurtamento (contração concêntrica). Esse ciclo de ação muscular para otimizar a produção de força é conhecido como ciclo alongamento-encurtamento, que viabiliza a produção de força potente no movimento (TRICOLI, 2013; NICOL; KOMI, 2006). 17 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Observação A força potente é uma capacidade física que depende do uso de força submáxima ou máxima em alta velocidade de movimento. Entretanto, a capacidade do músculo para produzir força em alta velocidade diminui com o aumento da intensidade da carga. Assim, considerando o aspecto mecânico, o desenvolvimento da potência muscular é muito desafiador para o aparelho locomotor, mas este se adapta positivamente se o planejamento do treino físico for adequado. Caso haja pausa ou um atraso mínimo entre o alongamento e o encurtamento do músculo no movimento, toda ou parte da energia elástica se dissipará em forma de calor, e o músculo produzirá força somente com a participação do componente contrátil, comprometendo seu rendimento no movimento. Para explorar mais este conceito do ciclo alongamento-encurtamento, atente para os exemplos em discussão a seguir. O supino, movimento ilustrado na figura a seguir, pode ser realizado com ou sem o uso do ciclo alongamento-encurtamento. Figura 4 – Ilustração do movimento supino Na posição inicial ilustrada na figura anterior, quando o sujeito desce a barra em direção ao tronco, os músculos peitoral maior e tríceps braquial são alongados e, com isso, acumulam energia elástica. Se o executor do movimento fizer uma pausa em abdução horizontal dos ombros e flexão dos cotovelos, mesmo após alongar os principais músculos do movimento, a energia elástica se dissipará em forma de calor, e a ação de erguer a barra ocorrerá somente com o uso do componente contrátil. Tal ação será muito mais difícil de ser realizada porque o músculo não usará sua capacidade máxima de produzir força. Percebe-se, então, que o descanso deste movimento para uma próxima repetição jamais poderá ser feito entre o final da fase descendente e início da fase ascendente, porque a pausa nesse instante do movimento comprometerá o uso da força muscular total (componente contrátil e elástico) no supino. 18 Unidade I Entretanto, considerando-se a especificidade do treinamento de força de um atleta de supino olímpico, efetuar a pausa entre a ação excêntrica e concêntrica do músculo pode favorecer o atleta na conquista de resultados mais expressivo nas competições. Em competições de supino olímpico, existe o juiz da prova ou um sensor de toque posicionado na parte anterior do tronco dos atletas para validar a única tentativa de abaixar e erguer uma barra com peso máximo. O competidor é obrigado a esperar a autorização do juiz da prova para erguer a barra ou obriga-se a acionar o sensor pelo toque da barra no final da descida antes de erguê-la para ter sua tentativa validada na competição. Em ambas as situações, ocorrerá um pequeno atraso entre o alongamento e o encurtamento do músculo para um ciclo completo do movimento supino. Esse pequeno atraso será suficiente para dissipar parte da energia acumulada pelo componente elástico do músculo, e a força final usada pelo atleta na competição não será a máxima. Sabendo da dinâmica dessa competição, o treino de força de um atleta de supino olímpico deve obrigatoriamente evitar o uso do componente elástico do músculo, forçando o atleta a parar o movimento entre o final da fase descendente e o início da fase ascendente. Caso contrário, a estratégia de treino não será especificamente a usada na competição, e o atleta não conseguirá bons resultados. Vale lembrar que a soma da força produzida pelos componentes elástico e contrátil do músculo é a melhor estratégia para economizar energia no movimento. Sem o uso da força elástica, o músculo produzirá mais força contrátil para realizar o movimento, e tal força dependerá somente da quantidade de interação entre as proteínas actina e miosina (HALL, 2013). Para ter grande interação entre as proteínas contráteis, é necessário usar os estoques de ATP (energia) do músculo. Solicitar o uso de grande estoque de ATP para produzir força no movimento implica facilitar a ocorrência de fadiga muscular (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2002). A fadiga muscular compromete tanto a ação do músculo de produzir a força adequada para o movimento como a manutenção da postura e a proteção das estruturas passivas do corpo (ossos e componentes articulares), essa condição de treino é propícia para que aconteçam (TRICOLI, 2013; NICOL; KOMI, 2006). Portanto, a estratégia de uso exclusivo do componente contrátil para a produção de força no treino deve ser muito bem pensada e usada quando necessária, como no caso de exercícios que precisam da pausa entre a ação excêntrica e concêntrica para respeitar a especificidade do movimento a ser treinado. Outro movimento que tem rendimento alterado em acordo com a forma de execução é o salto vertical. Na fase preparatória para um salto, o executor flexiona as articulações dos membros inferiores para adquirir impulso para o movimento. O impulso é garantido pelo acúmulo de energia elástica nos músculos do quadríceps, tríceps sural, isquiotibiais e glúteo máximo por conta da tração exercida nesses músculos (contração excêntrica – fase descendente) com os movimentos de flexão de joelho, tornozelo e quadril, respectivamente, e pela participação do componente contrátil dos mesmos músculos para produção de força (fase ascendente). Após a aquisição do impulso, se o sujeito der continuidade ao salto realizando a fase aérea sem pausa, o deslocamento vertical do salto será muito eficiente; entretanto, se entre a fase descendente e a ascendente da preparação do salto o sujeito parar, o deslocamento vertical será menor devido 19 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE à dissipação de parte da energia elástica acumulada pelos músculos dos membros inferiores. Nessa segunda situação, somente o componente contrátil produzirá a força usada no salto, e o rendimento do movimento será visivelmente prejudicado – a altura de salto será inferior à máxima. Exemplo de aplicação Um atleta de handebol executa dois arremessos distintos. No primeiro, ele prepara o arremesso acelerando o braço para trás e alongando os principais músculos. Imediatamente após a preparação, acelera o braço para a frente e arremessa a bola. No segundo, ele prepara o arremesso acelerando o braço para trás, faz uma pausa no movimento e, em seguida, acelera o braço para a frente. Sabendo que o músculo possui dois componentes em sua estrutura que podem produzir força, o contrátil e o elástico, cite e explique em qual arremesso o atleta teve seu melhor rendimento. Além do uso dos componentes musculares, destaca-se a influência do torque para produzir gestos motores com execução mais fácil ou mais difícil, dependendo da postura adotada para o movimento e da quantidade de peso usada. Ambos os fatores podem alterar a ativação muscular em dado movimento e esse é o assunto a ser discutido na sequência. Saiba mais A respeito do tema, leia: BARROSO, R.; TRICOLI, V.; UGRINOWITSCH, C. Adaptações neurais e morfológicas ao treinamento de força com ações excêntricas. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 2, n. 13, p. 111-122, 2005. Disponível em: <http://www.nutricaoemfoco.om.br/NetManager/ documentos/adaptacoes_neurais_e_morfologicas_ao_treinamento_de_ forca_com_acoes_excentricas.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2016. KOMI, P. V. Força e potência no esporte. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 536 p. 2 TORQUE E SUA INFLUÊNCIA NA PRODUÇÃO DE FORÇA MUSCULAR Para caracterizar o conceito de torque, é importante lembrar os tipos de movimento que o corpo humano é capaz de produzir. Eles são conhecidos como movimentos de translação(linear) e de rotação (angular). No movimento de translação, todas as partes do corpo são deslocadas com a mesma velocidade, a mesma direção e o mesmo sentido. Esse movimento pode ocorrer de duas formas: retilínea ou curvilínea. 20 Unidade I Um movimento de translação retilíneo ocorre quando um sujeito anda de patins em linha reta. Nesse caso, tanto os patins quanto as partes do corpo da pessoa deslocam-se com a mesma velocidade, direção e sentido. No entanto, imagine que o mesmo patinador em vez de se deslocar em linha reta, resolva se deslocar em torno de um cone. Ele manterá o deslocamento de translação, só que agora curvilíneo. Apesar da alteração de linear para curvilíneo, as velocidades entre os patins e as partes do corpo do patinador são iguais. É um tipo de movimento igual ao que o planeta Terra faz em torno do Sol. Ao se movimentar ao redor do Sol, todas as porções da Terra se deslocam com a mesma velocidade, em um movimento de translação curvilíneo. O planeta, contudo, não realiza apenas o movimento de translação; ele também está em movimento de rotação em torno de seu próprio eixo. Nesse movimento, as camadas da Terra serão deslocadas em velocidades lineares diferentes. A camada subterrânea, mais próxima do eixo de rotação da Terra, se desloca mais lentamente, e a camada superficial, mais distante do eixo de rotação, mais rapidamente. Se nos reportarmos ao exemplo da patinação novamente e pensarmos em dois patinadores se deslocando ao redor de um cone lado a lado, um mais próximo do cone do que o outro, ambos estariam realizando o movimento de rotação ao redor do cone. Para se manterem lado a lado e ao redor do cone, a velocidade de deslocamento angular dos patinadores é a mesma. Entretanto, o patinador que está mais afastado do cone deverá se deslocar com maior velocidade linear para manter-se ao lado do outro patinador mais próximo do cone. Então, reforça-se o conceito de que quanto mais longe uma pessoa (ou objeto) está do eixo de rotação, maior será sua velocidade linear. O mesmo ocorre entre os segmentos do nosso corpo que giram em torno das articulações para promover os movimentos. Veja o caso do arremesso de martelo: o atleta realizará vários giros em torno de seu próprio eixo para que o martelo seja arremessado o mais longe possível. Se observarmos a velocidade de deslocamento linear do braço do atleta e compararmos com a do martelo, é possível calcular que a velocidade linear do martelo (objeto mais distante do eixo de rotação) é maior do que a do braço do atleta. Então, as distâncias dos objetos ou dos segmentos em relação ao eixo de movimento são um dos fatores que influenciam a execução de um movimento de rotação. Independentemente do tipo de movimento, para produzi-lo, é necessário aplicar uma força para iniciá-lo ou alterá-lo. Por exemplo, o cotovelo só se move se o músculo bíceps braquial acelerar o antebraço para cima ou se a força da gravidade empurrar o antebraço para baixo. Para entender as condições de repouso e movimento do corpo é preciso relembrar as Leis de Newton (ÖZKAYA; NORDIN, 1999). A Primeira Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Inércia, define que um corpo sempre tem a tendência de manter o seu estado de movimento, em repouso ou não, enquanto a resultante das forças que atuam sobre ele for igual a zero. Nessa condição, um corpo que está em repouso ficará nesse estado e um corpo que se movimenta em linha reta manterá sua velocidade constante e seu estado de movimento. Tal conservação no estado de movimento do corpo (em repouso ou parado) define o conceito de inércia. A massa de um corpo é a medida da sua inércia. Portanto, quanto maior for a massa de um corpo, mais difícil será tirá-lo do estado de repouso ou alterar seu movimento. 21 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Por exemplo: um lutador de sumô aumenta suas massas corporal, muscular e gorda, para que seu oponente tenha de fazer mais força para deslocar o seu corpo. Com isso, a inércia do lutador torna-se maior, tanto para deslocá-lo como para alterar o seu deslocamento. Essa estratégia de aumento de massa é extremamente eficiente em aumentar a aptidão desses lutadores para a modalidade. A Segunda Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Dinâmica, determina que quando um corpo sofre a ação de uma ou mais forças cujas resultantes são diferentes de zero, ele acelerará na direção da resultante da força, de forma proporcional a sua magnitude. Em outras palavras, para alterar o estado de movimento de um corpo, é necessário que haja uma força aplicada sobre ele. É claro que se o corpo estiver sob a ação de duas forças que se anulam, não haverá alteração no estado de movimento, por isso a resultante das forças deverá ser diferente de zero. Se um corpo não muda seu estado de movimento sem a aplicação de uma força, por que um skate tem seu deslocamento interrompido? Por que uma bola para de rolar mesmo que seja lisa e esteja em uma superfície perfeitamente plana? E por que cai após ser arremessada para o alto? Esses fenômenos são observados porque na natureza, em muitos casos, temos a interação de dois corpos gerando forças que nem sempre vemos claramente. Por exemplo, temos forças de atrito, de resistência do ar e a força peso, que surgem pela ação da aceleração da gravidade. O tempo inteiro nossos corpos estão sujeitos a forças que podem alterar nosso movimento. Ao discutir o conceito de torque, convém lembrar que o tipo de força externa ou observada na natureza que influencia diretamente os movimentos de rotação das articulações do corpo é a força peso. Em uma academia, normalmente os sujeitos só consideram que estão suspendendo um peso quando adicionam uma carga extra ao corpo, por meio de anilhas, caneleiras ou da carga de algum equipamento. Entretanto, é importante lembrar que nossos segmentos corporais também pesam! Imagine que em um estudo com cadáveres o pesquisador tenha que verificar o peso de cada segmento do corpo. Ele separaria por meio de um corte, por exemplo, o segmento mão do segmento antebraço, colocaria o segmento mão (já separado do resto do corpo) em uma balança e poderia fazer o registro do peso do segmento mão isolado do restante do corpo. Com isso, é possível perceber que, cada um dos nossos segmentos corporais tem ossos, músculos, pele e outras estruturas, que, juntas, definem a massa do segmento e essa massa, sob influência da força da gravidade, será acelerada para baixo, caracterizando a força peso do segmento. Observação A fórmula da força peso é definida da seguinte forma: P = mxg (N) Onde: 22 Unidade I P = força peso cuja unidade de medida é Newton (N). m = massa corporal do sujeito ou objeto. g = aceleração da força da gravidade na direção vertical para baixo. Por que esse conceito foi enfatizado? Porque se um sujeito com muita dificuldade em realizar o movimento de levantar o braço for para a academia para treinar força, o fato de ele não conseguir levantar uma carga adicional ao seu corpo não implicará ausência de treino. Lembre-se de que o treino pode ser manipulado pela frequência de execução do movimento e não somente pela carga adicional usada no movimento. Com o aumento da frequência do movimento, o sujeito aumentará a força resistente e melhorará suas funções no cotidiano e sua força muscular para adicionar uma carga extra na sequência. Portanto, a quantidade de peso que é usada em determinado movimento depende também dos segmentos que são movimentados pelos músculos principais da ação. Esse fator influenciará a quantidade de torque produzida pelo músculo. A Terceira Lei de Newton, também conhecida como Princípio da Ação e Reação, determina que para cada ação haverá sempre uma reação. As forças de ação e de reação são de igual magnitude, igual direção e sentidos opostos. Essa lei é fundamental para entender a interação dos corpos que se chocam. Esse princípio explica, por exemplo, por que sentimos dor ao dar um soco na parede. A força aplicada pelonosso punho é a ação. A mesma força se encontra na parede. Quando a ação for executada (o soco), ocorrerá uma reação (da parede) com força de igual magnitude e direção, porém de sentido oposto. Portanto, nesse exemplo, essa força de reação será aplicada na mão, gerando a dor. Outro exemplo da aplicação do Princípio da Ação e Reação ocorre durante os saltos verticais. Imagine uma pessoa parada e pronta para realizar um salto. Para que essa pessoa possa elevar-se do chão, ela aplicará uma força no chão para baixo (ação), e o chão a empurrará para cima (reação). A força recebida do chão terá a mesma magnitude e a mesma direção, mas sentido oposto ao da força que a pessoa aplicou. Você pode estar pensando: “Por que somente a pessoa se deslocou? Por que a Terra não foi empurrada também?”. A resposta é simples: porque a massa da pessoa é muito menor que a massa do planeta. Por isso a Terra tende a permanecer no lugar, e somente a pessoa se desloca. Com base no que foi discutido, podemos perceber que os movimentos dos corpos se iniciam pela aplicação de uma força, mas vimos anteriormente que os movimentos podem ser de translação ou de rotação. Como podemos diferenciar as forças que geram translação das que geram rotação? Podemos fazer essa diferenciação usando os conceitos de força e de torque. A força sempre produzirá um movimento de translação, o que significa que o corpo não apresentará rotação. Se o corpo estiver em rotação, significará que não foi aplicada uma força, mas sim um torque. Podemos exemplificar isso por meio de uma bola de futebol. Ao aplicar um chute, que passa exatamente pelo centro de massa da bola, ela se deslocará na direção e no sentido do chute, com velocidade inicial proporcional 23 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE à magnitude da força. Em condições perfeitas, não será observada rotação na bola, pois a força foi aplicada na direção do centro de massa. Por outro lado, se a direção da força não passar pelo centro de massa da bola, ou seja, se o chute ocorrer com a borda medial do pé (chute de chapa), a bola apresentará uma rotação que afetará sua trajetória da bola. Nesse caso, o que observamos é que o chute aplicado produziu um torque na bola. Observação O centro de massa é o ponto de equilíbrio do objeto ou segmento corporal. Ao redor desse ponto, a distribuição de massa do objeto ou segmento se dá de forma homogênea. Portanto, se o objeto ou segmento for suspenso por um fio exatamente pelo centro de massa, ele ficará em equilíbrio (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). Os movimentos de rotação produzidos pelas articulações só são possíveis devido à sua capacidade de produzir torques. O torque é definido como uma força rotacional. Para tanto, não basta definir a magnitude, direção e sentido da força, deve-se saber o local exato de sua aplicação e, para isso, a distância na qual a força está em relação ao eixo de rotação deve ser observada (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). Observação A fórmula do torque é definida da seguinte forma: T = F x d (Nxm) Onde: T = força rotacional. F = força produzida pelo músculo (interna ou potente) ou recebida do meio ambiente (externa ou resistente). d = distância perpendicular à F ou braço de alavanca, que pode ser interno/potente ou externo/resistente. A unidade de medida da força torque é Newton (N)/metro (m). As variáveis torque, força e distância, na equação de torque, estão na mesma linha, o que significa que seus valores mudam de forma proporcional, ou seja, quando o valor da força e/ou o valor da distância aumenta, a força de rotação (torque) também aumentará, e o contrário também é verdadeiro. Em uma situação prática, se o sujeito adicionar um peso sobre o corpo (aumento de força) e também afastar o peso do eixo de rotação (articulação principal do movimento), o torque externo aumentará, o que obrigará o corpo a produzir um torque interno maior. 24 Unidade I Dois tipos de torques em um mesmo movimento? Isso é possível? Sim, lembre-se da segunda Lei de Newton: o movimento sofre ação de forças externas (como a força da gravidade) que podem mudar sua condição de realização. Então, o corpo sempre produzirá o torque interno ou potente, que interage com o torque externo ou resistente. O torque potente ou interno é caracterizado pela força que o principal músculo do movimento produz para executá-lo e pela distância que a força mantém em relação ao eixo articular. Para produzir a força no movimento rotacional, o músculo faz contração concêntrica. O músculo está conectado ao osso em determinado ponto (inserção), dessa forma, a distância do ponto de aplicação da força no osso em relação ao eixo articular é conhecida por braço de alavanca potente (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). O torque resistente ou externo é caracterizado pelas forças pesos que são movimentadas no exercício e pela distância entre o centro de massa de cada segmento e implemento em relação ao eixo articular. Por definição, sempre a força da gravidade atuará no centro de massa para tentar empurrar (acelerar) o objeto ou segmento para baixo, isso define a força peso. Em um exercício, todos os pesos movimentados (de segmentos e implementos) devem ser considerados; bem como suas distâncias. Elas são caraterizadas pela distância entre o Centro de Massa de cada peso (segmento e/ou implemento) e o eixo articular. Em um exercício, é muito comum haver vários torques resistentes (MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). Uma vez que a articulação recebe um torque potente ou interno gerado pelos músculos, que favorece sua movimentação, e um torque resistente ou externo imposto pelos pesos dos segmentos corporais e dos implementos, que impede sua movimentação, fica claro que existe uma relação de balança entre torque potente e torque resistente. Se o torque potente for maior do que o resistente, a articulação se movimentará de acordo com a ação do músculo principal do movimento. Entretanto, se o torque potente for menor do que o resistente, a articulação se moverá contra a ação do músculo da alavanca e a favor da força da gravidade, e o músculo perderá para as forças ambientais. A compreensão desse conceito pelos profissionais que trabalham na área da saúde é de fundamental importância para determinar a intensidade do exercício em uma sessão de treino. O exemplo visto na sequência mostra como os torques, potente e resistente, são representados no movimento de elevação frontal. 25 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Figura 5 – Representação dos torques potente e resistente no movimento de elevação lateral Na figura anterior, temos a seguinte correspondência: FM é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, Pb é a força resistente do peso do braço, BARPb é o braço de alavanca resistente do peso do braço, Pab é a força resistente do peso do antebraço, BARPab é o braço de alavanca resistente do peso do antebraço, Pm é a força resistente do peso da mão, BARPm é o braço de alavanca resistente do peso da mão, Pi é a força resistente do peso do implemento, BARPi é o braço de alavanca resistente do peso do implemento. O eixo articular do movimento está representado pelo triângulo e é a articulação do ombro. O músculo principal do movimento é o deltoide e sua força para executar está representada pela seta de sigla FM (força muscular). Como o músculo deltoide se conecta na tuberosidade deltoidea do úmero, a distância perpendicular entre a seta FM, posicionada na tuberosidade deltoidea do úmero, e a articulação do ombro foi traçada. Essa distância é conhecida por braço de alavanca potente (BAP). Com a determinação da FM e do BAP, o torque potente do movimento foi identificado. Para realizar a elevação lateral, o torque potente deverá vencer os torques resistentes definidos nesse movimento, como: peso do braço (Pb) e braço de alavanca resistente do peso do braço (BARPb), peso do antebraço (Pab) e braço de alavanca resistente do peso do antebraço (BARPab), peso da mão (Pm) e braço de alavanca resistente do peso da mão (BARPm)e peso do implemento (Pi) e braço de alavanca resistente do peso do implemento (BARPi). É importante lembrar que cada peso está a uma determinada distância do eixo articular do movimento e para traçar essa distância considera-se o centro de massa de cada segmento ou objeto e o eixo articular. Assim, no movimento de elevação lateral, são quatro os torques resistentes que tentarão impedir a execução do exercício. 26 Unidade I Como o sujeito conseguiu erguer os pesos na mesma linha do ombro, o torque potente foi maior do que o torque resistente – o músculo deltoide, por meio da contração concêntrica, realizou o exercício. Observação Tipos de contração e sua relação com os torques potente (TP) e resistente (TR): TP = TR (contração isométrica); TP> TR (contração concêntrica); TP <TR (contração excêntrica). Existe uma forma de manipular o torque resistente para dificultar o movimento de elevação lateral da figura anterior e duas formas de manipular o torque resistente para facilitar a execução do exercício. A dificuldade será aumentada se o peso do implemento for aumentado. Uma vez que o torque depende da força e do braço de alavanca, quando o peso do implemento do torque resistente é aumentado, obrigatoriamente o músculo deltoide deverá produzir mais força para continuar a execução do movimento. Veja na equação: TP > TR (a) Onde TP é o torque potente do movimento. TR é o torque resistente do movimento. Se TP = FM x BAP (b) e TR = (Pb x BARPb) + (Pab x BARPab) + (Pm x BARPm) + (Pbi x BARpi) (c) então, TP> TR é: FM x BAP = (Pb x BARPb) + (Pab x BARPab) + (Pm x BARPm) + (Pbi x BARPi) (d) 27 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Com o aumento de Pi, para TP continuar maior do que TR, FM deverá aumentar. Como já dissemos, as variáveis das equações de torque se alteram de forma proporcional, se de um lado da equação algum valor aumenta, do outro lado algum valor também deverá aumentar para conservar o movimento. Deve-se lembrar que o torque potente só pode ser alterado com as mudanças de forças, já que o braço de alavanca potente não pode ser mudado porque a inserção do músculo no osso não é passível de alteração. O exercício de elevação lateral ficará mais fácil de ser executado se o Pi for removido ou diminuído, dessa forma, FM poderá ser menor. Entretanto, é possível também manipular alguns braços de alavancas desse exercício. Se em todo movimento de elevação lateral o sujeito mantiver os cotovelos flexionados, em relação à figura anterior, haverá a diminuição das distâncias do Pab, Pm e Pi em relação ao eixo articular do ombro. Com a diminuição dos BARs do torque resistente, a FM do torque potente poderá diminuir e, ainda assim, a execução do exercício será possível (TP será maior do que TR). Outro fator que pode facilitar ou dificultar a realização de um movimento é o tipo de alavanca usado pela articulação. O corpo humano é capaz de produzir três tipos de alavancas (conforme figura a seguir): interfixa ou de primeira classe; inter-resistente ou de segunda classe; e interpotente ou de terceira classe. Cada uma dessas alavancas apresenta diferentes características que precisam ser discutidas para entender a facilidade ou a dificuldade que o músculo apresentará para produzir movimento (HAMILL; KNUTZEN, 2003; MCGINNIS, 2015; HALL, 2013). F R F R F R Segunda classe Terceira classe Primeira classe Figura 6 – Ilustração das alavancas do corpo humano em que F é a força potente e R é a força resistente 28 Unidade I Saiba mais Para mais informações, ler a seguinte obra: SMITH, L. K.; WEISS, E. L.; DON LEHMKUHL, L. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. 5. ed. São Paulo: Manole, 1997. A alavanca interfixa ou de primeira classe é definida por ter o eixo de rotação do movimento localizado entre os torques potente e resistente. Na prática, todos os movimentos nos quais a coluna vertebral precisa fazer a estabilização postural têm como característica a alavanca interfixa (ressaltando que a coluna não é a principal articular do movimento). Veja o exemplo da figura a seguir: Figura 7 – Representação da alavanca interfixa no movimento de extensão de cotovelo na máquina crossover Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular da coluna lombar. No movimento de extensão de cotovelo na máquina crossover a articulação do cotovelo é a principal; entretanto, a análise para definição da alavanca interfixa será feita na articulação da coluna lombar. Considerando a articulação da coluna lombar como o eixo principal da alavanca interfixa, os músculos eretores de espinha deverão trabalhar em contração isométrica para evitar que a coluna faça movimentos no plano sagital (flexão ou extensão de coluna) quando a carga for movimentada. É uma alavanca que trabalha com o objetivo de controlar a postura do movimento. 29 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Então, a força potente (P) da alavanca será posicionada sobre a inserção dos eretores de espinha com o vetor apontando para baixo, e o braço de alavanca potente (BAP) será determinado pela distância entre a força muscular (P) e o eixo articular da coluna, representado na figura pelo triângulo verde. Do lado oposto ao torque potente está o torque resistente do movimento, representado na figura pela força resistente (R) e pelo braço de alavanca resistente, caracterizado pela distância entre a força resistente e a coluna lombar. A disposição dos torques potente e resistente nas extremidades e do eixo da alavanca no centro é o que define o tipo de alavanca interfixa no movimento. Ela é observada nos vários movimentos em que a coluna vertebral precisa ficar estática para preservar a técnica do movimento. Os movimentos de agachamento, elevação frontal, elevação lateral, rosca direta (flexão de cotovelo) são outros exemplos de movimentos nos quais a coluna vertebral atua como uma alavanca interfixa. Deve-se destacar a importância de controle sobre o BAR da alavanca interfixa com eixo na coluna, já que quanto mais afastada a força resistente estiver do eixo articular, mais força potente será necessária para estabilizar a coluna vertebral. Entre as vértebras da coluna, encontram-se os discos intervertebrais, que serão sobrecarregados, se o BAR for grande, e/ou terão distribuição de força desproporcional em sua superfície, se a força muscular falhar no movimento. Ambos os fatores podem favorecer a lesão da coluna conhecida por hérnia de disco (WILKE et al., 1999). A alavanca inter-resistente ou de segunda classe é definida por ter o eixo de rotação do movimento localizado na extremidade, o torque resistente fica no meio do sistema e o torque potente na outra extremidade da alavanca. Esse tipo de alavanca é muito rara no corpo humano e isso é vantajoso quando se pensa no ganho de força muscular. Se o torque resistente fica mais próximo do eixo articular em relação ao torque potente, o BAR será menor do que o BAP. Isso significa que o músculo tem uma vantagem mecânica no movimento, porque se o BAP é maior do que o BAR, sua produção de força não precisará ser tão alta, e o movimento ficará mais fácil de ser executado. O exercício que exemplifica a alavanca inter-resistente no corpo humano é o de extensão de tornozelo em pé (panturrilha em pé). Veja a disposição do torque potente, resistente e do eixo articular na figura a seguir. 30 Unidade I Figura 8 – Representação da alavanca inter-resistente no movimento de extensão de tornozelo (panturrilha) Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do tornozelo. É possível observar que, na figura anterior, o eixo do movimento é a articulação metatarsofalângica, e o torque resistente localiza-selogo após o eixo do movimento. Com essa disposição, o BAR é menor do que o BAP, e o músculo do complexo tríceps sural, principal executor da extensão de tornozelo, precisa ser estimulado com uma força resistente muito alta para que o exercício realmente possibilite o ganho de força muscular. Na maioria dos exercícios, a articulação principal do movimento participa do sistema de alavanca, esta conhecida por interpotente. Essa apresenta posicionamento contrário ao da alavanca inter- resistente entre os torques potente e resistente. Na alavanca interpotente, o eixo articular fica na extremidade do sistema, em seguida o torque potente é observado (no meio do sistema) e na outra extremidade verifica-se o torque resistente. É uma alavanca que cria dificuldade para o corpo produzir força, porque o BAR é maior do que o BAP; assim, o músculo principal do exercício precisa de muito mais força para executá-lo. 31 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Figura 9 – Representação da alavanca interpotente no movimento de extensão de cotovelo Na figura anterior, a correspondência se dá da seguinte forma: P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro. A figura anterior representa a alavanca interpotente. O músculo deltoide, principal do movimento de elevação lateral, está mais próximo do eixo articular do que qualquer força peso dos torques resistentes. Então, para produzir um torque potente maior do que o torque resistente para elevar o braço, o músculo precisa produzir muita força. Com esse tipo de estrutura de movimento, os músculos são mais exigidos e sofrem hipertrofia no treino de força. Exemplo de aplicação O movimento popularmente conhecido como “panturrilha”, executado na prática da musculação, pode ser realizado nas posturas em pé e em sentado. Em ambas as situações, o eixo do movimento é a articulação metatarso-falângica e o músculo responsável é o complexo tríceps sural, com origem distal no osso do calcâneo. Sabendo das informações anteriores: A) Represente os torques potentes e resistentes do movimento de “panturrilha” nas condições sentado e em pé. B) Descreva o tipo de alavanca de cada movimento. C) Reflita sobre o tipo de movimento mais intenso para o complexo tríceps sural, em acordo com a relação de comprimento entre braço de alavanca potente e resistente. 32 Unidade I 2.1 Análise dos braços de alavanca nos exercícios de academia 2.1.1 Exercício peitoral Os exercícios destinados a desenvolver a musculatura peitoral envolvem, na maioria dos casos, o movimento de adução horizontal do ombro no plano transversal. O supino, o crucifixo e o pec-deck são exemplos de exercícios com essa característica. O exercício ilustrado na figura a seguir é conhecido por fly ou supino com halteres, dependendo da região do Brasil na qual estivermos. Para executá-lo, o sujeito encontra-se deitado em decúbito dorsal sobre um banco segurando um halter em cada mão. Observação Entre as várias regiões do Brasil, há diferenças na nomenclatura usada para os exercícios de treino de força. Assim, sempre que possível, a descrição do movimento será vinculada a uma imagem que ilustrará sua forma de execução. A posição inicial, representada na figura a seguir (A), é considerada quando os halteres estão próximos, os ombros ficam em adução horizontal, os cotovelos estendidos e as escápulas abduzidas (MARCHETTI et al., 2010). Nesse instante, a força resistente incide praticamente sobre a articulação do ombro, tornando o braço de alavanca resistente do movimento muito pequeno, próximo de zero. Por isso, o torque resistente do movimento é praticamente nulo, sendo, assim, muito fácil manter essa posição ao considerar a articulação do ombro como o eixo do movimento. Figura 10 – Ilustração do exercício fly ou supino com halter. A) São as fases inicial e final do movimento com a representação dos torques potente e resistente. B) É a fase principal do movimento com a representação dos torques potente e resistente Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro. 33 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Os músculos atuam em contração concêntrica para manter a posição supracitada, sendo o músculo peitoral maior e o deltoide os principais responsáveis pela adução horizontal do ombro, e o músculo bíceps braquial o grande auxiliador da adução horizontal de ombro e o responsável pela estabilização do cotovelo, juntamente com o músculo tríceps braquial. Para alcançar a fase principal do movimento, conforme se vê na figura anterior (B), o sujeito faz a abdução horizontal do ombro, a extensão parcial dos cotovelos e a adução das escápulas (MARCHETTI et al., 2010). Como o corpo está cedendo à ação da força da gravidade, os músculos que trabalharam na fase anterior também trabalharão nessa fase, mas em contração excêntrica. Os músculos peitoral maior e deltoide controlam a abdução horizontal do ombro, e o músculo bíceps braquial controla a extensão dos cotovelos e auxilia no controle da abdução horizontal dos ombros. Essa função muscular, antagônica à ação da gravidade, evita que a articulação do ombro sofra trancos que poderiam lesioná-la e permite a execução do movimento de supino com halteres com controle e técnica adequados. Ao alcançar o final da fase principal do movimento, é possível perceber um aumento importante no tamanho do braço de alavanca resistente – BAR, conforme a figura anterior (B). Os halteres se afastam muito do eixo articular do ombro. Esse é o instante de maior dificuldade do movimento para o músculo, porque terá que produzir maior quantidade de força (P), conforme a figura anterior (B), uma vez que o braço de alavanca potente (BAP), também representado em (B) na figura anterior, é menor. A quantidade de peso dos halteres não variou da fase inicial para a fase principal do movimento, mas como eles ficaram mais longe do ombro, o torque resistente, que é influenciado pela força resistente e pela distância em que essa força resistente está em relação ao eixo articular do movimento, aumentou. O ciclo do movimento se encerra quando o sujeito realiza a adução horizontal do ombro e leve flexão de cotovelos. Para tanto, os músculos peitoral maior e deltoide encurtam para promover a adução horizontal do ombro, auxiliados pelo músculo bíceps braquial, que também flexiona o cotovelo para assumir o mesmo posicionamento observado na figura anterior (A). A manipulação da intensidade do exercício de supino com halteres, para mais ou para menos, pode ser feita de quatro formas distintas pela alteração dos valores das variáveis do torque resistente (força resistente e tamanho do braço de alavanca resistente). As duas manipulações para deixar o exercício de supino com halteres mais intenso são: • aumentar o peso dos halteres para a força resistente ficar maior, o que obrigará o músculo a produzir mais força potente; • estender mais os cotovelos na fase principal do movimento para aumentar o braço de alavanca resistente e deixar o torque resistente mais intenso. Isso novamente obrigará o músculo a produzir mais força potente. 34 Unidade I As duas manipulações para deixar o exercício de supino com halteres menos intenso são: • diminuir o peso dos halteres ou retirar os halteres para o torque resistente ficar menor, facilitando a produção de força muscular no movimento; • flexionar os cotovelos na fase principal do movimento para diminuir o braço de alavanca resistente e reduzir o torque resistente. Isso facilitará a produção de força muscular no movimento. Além do conceito de torque já discutido, é importante lembrar que, no ciclo do movimento do supino com halteres, a força elástica do músculo é acumulada entre a fase inicial e a fase principal do movimento. Portanto, se houver alguma pausada fase principal para fase final do movimento, a energia elástica se dissipará em forma de calor, e a dificuldade para executar o movimento será ainda maior. Como visto anteriormente, no final da fase principal do supino com halteres, o braço de alavanca resistente é grande e o músculo está em contração excêntrica, ou seja, com grande comprimento e pouca interação entre as proteínas contráteis de actina e miosina. Essas condições tornam a capacidade de produção de força muscular mais difícil. Uma pequena pausa entre as fases principal e final dificultará muito a finalização do ciclo do movimento, a energia elástica será parcialmente perdida, o músculo alongado terá pouca interação entre actina e miosina e o braço de alavanca resistente maior do exercício tornará o torque resistente difícil de ser vencido pelo torque potente. Ainda que seja uma situação bastante desvantajosa para o corpo produzir o movimento, no caso do treinamento de força de atletas que competem na modalidade de Power lifting, usar essa estratégia de movimento com pausa no treino seria eficiente no treino da força contrátil do músculo, que é muito exigida na competição em função das regras de validação dos levantamentos. Entretanto, para sujeitos que querem apenas garantir maior condicionamento físico, o ideal é usar a energia elástica do músculo somada à força contrátil, realizar o movimento de supino com halteres sem pausa e nem atrasos entre as fases principal e final do movimento. Toda vez que o uso da energia elástica do músculo for comprometido no exercício, haverá maior necessidade do corpo de produzir e consumir ATP. O movimento será feito principalmente pela produção de força contrátil, que depende da interação entre actina e miosina para ocorrer. Essa interação e movimentação do músculo em contração concêntrica só será possível com o uso e produção suficiente de ATP pelo corpo. A possibilidade de fadigar a musculatura por falta de energia para produzir o movimento é grande, aumentando o risco de lesão. Além do supino com halteres, o supino reto (figura a seguir) também é muito usado para treinamento de força em academias por indivíduos que querem melhorar o condicionamento físico ou que são atletas e desejam otimizar o rendimento em suas modalidades esportivas. 35 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE Figura 11 – Ilustração da fase principal do exercício supino reto Na figura anterior, P é a força muscular, BAP é o braço de alavanca potente, R é a força resistente, BAR é o braço de alavanca resistente e o triângulo representa o eixo articular do ombro. A posição principal do supino reto está representada na figura anterior e ocorre quando os ombros estão em abdução horizontal, os cotovelos flexionados e as escápulas aduzidas (MARCHETTI et al., 2010). Perceba que, nessa fase, o braço de alavanca resistente é grande e, quando combinado com uma força resistente (barra com anilhas) elevada, deixa o movimento bastante intenso, sendo necessário realizar grande força potente para executá-lo. Quando os cotovelos estão estendidos e a barra fica posicionada acima do corpo, com ombros em adução horizontal e escápulas abduzidas, as fases inicial e final do ciclo do movimento se definem. Nestas, o braço de alavanca resistente incide sobre a articulação do ombro, reduzindo muito o torque resistente e facilitando a manutenção da postura do movimento, como visto no supino com halteres. Os músculos que atuam no movimento são o peitoral maior e deltoide para controlar a abdução horizontal do ombro da fase inicial para a principal do movimento em contração excêntrica; e, para adução horizontal do ombro da fase principal para a final do movimento, os mesmos músculos trabalham em contração concêntrica. O músculo tríceps braquial é o responsável por controlar a flexão do cotovelo da fase inicial para a principal do movimento em ação excêntrica e trabalha em contração concêntrica da fase principal para a final do movimento. Da mesma forma como discutido no supino com halteres, no supino horizontal a situação de maior estresse para o músculo ocorre na fase principal do movimento, quando o braço de alavanca resistente 36 Unidade I é grande, os músculos executores estão alongados e a interação entre as proteínas actina e miosina é baixa. Assim, para favorecer a produção de força no exercício, é necessário evitar a pausa ou o atraso na execução da fase principal para a final, garantindo o uso da energia elástica acumulada pelo músculo da fase inicial para a principal. Novamente a escolha por não usar o ciclo alongamento-encurtamento no movimento depende do objetivo do sujeito que o pratica. No caso dos atletas levantadores de peso, a pausa no meio do ciclo do movimento de supino horizontal pode ser usada como estratégia de treino específica para a competição de supino olímpico. Nesta, é maior a exigência muscular e, por isso, também o é a chance de fadiga muscular e lesões, devido à maior dependência do consumo de energia produzida pelo músculo (ATP). A manipulação da intensidade do exercício de supino horizontal, para mais ou para menos, pode ser feita de duas formas distintas somente pela alteração dos valores do peso da barra e das anilhas no movimento. O exercício de supino horizontal ficará mais intenso com o aumento do peso do implemento (barra e anilhas), obrigando o músculo a produzir mais força muscular, e ficará menos intenso com a redução do peso do implemento, facilitando a produção de torque potente pelo músculo. É muito comum observar nas academias indivíduos mudarem o posicionamento das mãos para segurarem a barra, deixando-as ou mais próximas ou mais afastadas entre si. Essa alteração promove mudanças nos torques resistentes entre os músculos peitoral maior e tríceps braquial – veja a figura a seguir para entender essa situação: Figura 12 – Ilustração da fase principal do exercício supino reto, lado direito com empunhadura mais aberta, lado esquerdo com empunhadura mais fechada Na figura anterior, R é a força resistente, o triângulo marrom é o eixo articular do cotovelo, Barc é o braço de alavanca resistente do cotovelo, o triângulo vermelho é o eixo articular do ombro e Baro é o braço de alavanca resistente do ombro. À esquerda, as mãos estão mais próximas para segurar a barra no supino horizontal. Essa proximidade faz com que as distâncias entre o peso da barra, o eixo articular do ombro e o eixo articular do cotovelo 37 BIOMECÂNICA APLICADA AO ESPORTE variem. O peso fica mais próximo do ombro, tornando o braço de alavanca para esta articular menor, e mais afastado do cotovelo, aumentando o braço de alavanca resistente do cotovelo. Então, para elevar a barra a partir dessa posição, o músculo do tríceps braquial será mais solicitado do que o músculo do peitoral maior. À direita, as mãos estão mais afastadas para segurar a barra no supino horizontal. O peso fica mais próximo do eixo articular do cotovelo e mais distante do eixo articular do ombro, então o braço de alavanca resistente para o ombro é maior e o músculo peitoral maior será mais usado no movimento. O músculo tríceps braquial terá menor participação no movimento, porque o braço de alavanca resistente entre o eixo do cotovelo e o peso da barra é menor. Observa-se, com isso, que a exigência maior de ativação de um músculo (peitoral maior) em relação a outro músculo (tríceps braquial) no supino horizontal sofre alteração com o tipo de empunhadura adotada (MARCHETTI et al., 2010), devido às mudanças nos braços de alavanca resistentes. Esta pode ser outra estratégia a ser usada no treino de força para alterar a forma de uso do músculo no movimento. O último movimento que será descrito e analisado nesta seção é o peck deck (demonstrado na figura a seguir), que também enfatiza a ação do músculo peitoral maior, deltoide e bíceps braquial para adução horizontal do ombro. Figura 13 – Ilustração das fases inicial e final do movimento de peck deck, braços abertos, e da fase principal