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1 Felipe Antônio Dal'Agnol DOENÇA FALCIFORME E TALASSEMIA Englobadas nas hemoglobinopatia. Hemoglobinopatias Quantitativas (Talassemias): ausência ou diminuição da síntese de uma cadeia globínica. Ex: β-talassemia, α- talassemia, a persistência hereditária de HbF. Qualitativas (Variantes da hemoglobina): resultantes de alteração da estrutura de uma cadeia globínica. Ex: HbS (drepanocitose), HbC, HbD, etc. As hemoglobinopatias no mundo As hemoglobinopatias constituem o grupo de patologias genéticas mais comuns nas populações humanas. Segundo a OMS, cerca de 250 milhões de pessoas em todo o mundo são portadores de algum tipo de hemoglobinopatias. No Brasil: norte 1%, centro-oeste 6%, nordeste 8%, sudeste 75% e sul 10%. Talassemias São um grupo heterogêneo de doenças genéticas, caracterizadas pela redução ou ausência da síntese de um dos tipos de globina que formam as hemoglobinas. A doença apresenta-se sob três formas clínicas: 1. Talassemia maior: forma grave (que se denominada anemia de Cooley), dependente de transfusões, correspondendo a homozigotos ou heterozigotos compostos. 2. Talassemia intermediária: forma sintomática menos grave, com níveis de HB de 8 - 10 g/dL, em geral não depende de transfusão; 3. Talassemia menor: heterozigotos clinicamente assintomáticos podem ser detectados por alterações laboratoriais. Hemoglobinas normais Eletroforese normal No período fetal: hemoglobina fetal (HbF): 99%. 2 Felipe Antônio Dal'Agnol Na vida extra-uterina: HbA (duas cadeias alfa e duas cadeias beta) +/- 95%; HbA2 (duas cadeias alfa e duas cadeias delta): até 3,5%; HbF (duas cadeias alfa e duas cadeias gama): +/- 1 a 2%. A troca total de HbF por HbA se dá até um ano. A maior parte nos primeiros seis meses de vida. 3 Felipe Antônio Dal'Agnol Manifestações clínicas: anemia, hipodesenvolvimento somático e sexual, hiperplasia da medula óssea, alterações ósseas, esplenomegalia, sobrecarga de ferro, alterações endócrinas, alterações cardíacas, alterações hepáticas. Tratamento O tratamento conservador da talassemia maior fundamenta-se em transfusões de sangue, terapêutica quelante, esplenectomia e apoio psicológico. Com o emprego dessas medidas, a talassemia deixou de ser uma doença letal na infância com sobrevida mediana inferior a cinco anos, transformando-se em uma doença crônica, com desenvolvimento próximo ao normal e vida mediana superior a 25 anos. Alternativamente, o transplante de medula ósseas pode erradicar a doença, substituindo a medula anormal pelo tecido hemopoiético de doador saudável ou heterozigoto. Transplante de Medula; Transfusões; Terapia quelante de Ferro. Talassemia menor: os heterozigotos são clinicamente assintomáticos e habitualmente não exigem tratamento, apesar de apresentarem microcitose, hipocromia e níveis de Hb ligeiramente inferiores aos normais. A queda de Hb costuma acentuar-se em mulheres heterozigotas durante a gravidez, mas raramente necessitam de transfusões se forem tratadas de maneira apropriada para evitar carências concomitantes de ferro e folatos. DOENÇA FALCIFORME É uma doença hereditária, mais associada com a população negra. Segundo estimativas da OMS, a cada ano, nascem no Brasil, cerca de 3500 crianças portadores de Doença Falciforme. É a doença hereditária mais comum no Brasil. Cerca de 1 em cada 8 afro-brasileiros tem o que é chamado de traço falcêmico. Por que a doença é tão frequente entre nós: essa alteração faz com que a hemácia fique mais forte contra a malária, que possui alta incidência na África. Com o tráfico de escravos, essa alteração chegou aqui e foi sendo repassada pelas gerações. 4 Felipe Antônio Dal'Agnol Anemia Falciforme (HbSS) A mais importante hemoglobinopatia estrutural. Substituição da valina pelo ácido glutâmico. Consequências clínicas decorrem da tendência à polimerização da hemoglobina S quando desoxigenada. Como se transmite a Doença Falciforme: A forma heterozigótica da anemia falciforme é o chamado traço falcêmico, quando há, pelo menos, 50% de hemoglobina A. Geralmente os indivíduos são assintomáticos. Se vê no exame de sangue quando vai doar sangue e no teste do pezinho. Formas associadas de Hemoglobinopatias S podem estar associadas à: talassemia α ou β, hemoglobina C (lisina), hemoglobina D (glutamina) e hemoglobina E. Fisiopatologia A anemia falciforme é uma doença hereditária que transforma glóbulos vermelhos saudáveis em glóbulos vermelhos doentes com formato de foice, que podem causar estagnação do sangue, infartos teciduais, dores nas juntas ou no abdome e outros problemas. 5 Felipe Antônio Dal'Agnol Mas o que causa a anemia falciforme? 1. Síntese da hemoglobina S: mutação no gene da globina beta (cromossomo 11), levando à formação da globina βS. Depois, há a formação de dímeros de globina βS, que, junto com dímeros de globina α (vindas do cromossomo 16), formam o tetrâmero de globinas α/βs. Ao se ligarem com Ferro, há a formação da molécula HbS. 2. Como ocorre a falcização: molécula saudável de hemoglobina (Hb A) sofrem oxigenação e seguem seu rumo. Já as moléculas de hemoglobina com mutação (Hb S), ao tentarem estabelecer o mesmo processo de oxigenação, fazem uma DPG com ligação exposta, desoxigenando-se. A partir disso, moléculas de Hb A, por não terem feito sua ligação com oxigênio (e ainda terem "espaço" para efetuar ligações), acabam ligando-se umas às outras, gerando a formação de polímeros de Hb S. A falcização ocorre quando os polímeros de Hb S alteram a estrutura do glóbulo vermelho, tornando-o menos maleável, mais frágil, encurtando sua vida e dando a ele a forma de foice característica da anemia falciforme. 3. O desequilíbrio do oxigênio e as alterações da membrana do glóbulo vermelho: a polimerização da Hb S impede o uso do oxigênio pela hemoglobina, fazendo com que duas moléculas de oxigênio se unam, formando o oxigênio molecular (O2). Elétrons livres são incorporados pela molécula de oxigênio, gerando a espécie ativada de O2 íon superóxido. A partir daí, há ataque dos íons superóxidos contra a membrana (gerando destruição de ácidos graxos da membrana - causa lesões na membrana). O oxigênio ativado também oxida a molécula de Hb S, transformando-a em meta Hb S, que vão se agregar, formando os Corpos de Heinz. Os corpos de Heinz vão crepitar em direção à membrana, alterando a proteína Banda 3 e a disposição da Fosfatidilserina da membrana (que vai ser exposta). 4. Consequências da falcização: os glóbulos vermelhos deformados e com a membrana alterada prejudicam a circulação, causando a oclusão vascular, que provoca inchaço e dores nas mãos e pés. Os glóbulos vermelhos deformados também são fagocitados pelos macrófagos. A retirada dos glóbulos vermelhos causa anemia. Além disso, os macrófagos que fagocitaram os glóbulos vermelhos defeituosos liberam citocinas que se difundem para a microcirculação do sistema nervoso, emitindo sinalizações que causam contração vascular, aumento da frequência cardíaca e pressão sanguínea, alterações metabólicas, febre e dor. As manifestações clínicas começam a partir do 6º mês, quando a maior parte de HbF foi substituída por HbS. Há uma maior probabilidade de infecções e estimulação da atividade esplâncnica. 6 Felipe Antônio Dal'Agnol Dano crônico aos órgãos devido às várias crises trombóticas. Sintomas gerais: fadiga, fraqueza, palidez (das conjuntivas e palmas das mãos), icterícia, vertigens, diminuição da concentração, edemas, esplenomegalia. Sintomas agravados em situações de hipóxia (exercício físico, altitude); Cardiopulmonar: diminuição da PO2, insuficiência cardíaca (em homozigóticos), ruídos de ejeção sistólico, síndrome torácica (frequente em crianças - intensa dor no peito e falta de ar); Hepatobiliar: icterícia, litíase biliar e infartos hepáticos; Geniturinário: microinfartos dostúbulos renais, hematúria, incapacidade de concentrar a urina (hipostenúria), priapismo, insuficiência renal (rara); Esqueleto: dores ósseas por expansão da medula óssea, infartos ósseos, osteomielites, vértebras bicôncavas; Pele: úlceras crônicas; Sistema nervoso: trombose cerebral e aumento da incidência de hemorragia subaracnóidea. Diagnóstico laboratorial: anemias do tipo hemolíticas (icterícia, reticulocitose e aumento da bilirrubina indireta) e eletroforese da hemoglobina (quantificação). Tratamento Medidas gerais: boa nutrição, profilaxia (penicilinas, vacinas), diagnóstico e tratamento das infecções, hidratação, cuidados com o clima, ir ao ambulatório duas a quatro vezes ao ano, educação familiar. Mortalidade da Doença Falciforme no Brasil: MORTALIDADE SEM CUIDADOS DE SAÚDE COM CUIDADOS DE SAÚDE Crianças até 5 anos de idade 80% 1,8% Gestante durante o parto 50% 2% Embora a anemia falciforme seja uma doença determinada geneticamente, sua evolução depende das condições sócio-econômicas e da qualidade de vida dos indivíduos. 7 Felipe Antônio Dal'Agnol Suporte: antibioticoterapia nas infecções, hidratação nas crises falcêmicas, transfusões (conforme indicações), vacinas anti-pneumocócica e anti-hemophilus, ácido fólico. Transplante de Medula Óssea (TMO): único método curativo. Hidroxiuréia: vantagens (diminuição da frequência das crises álgicas, dos episódios de dor torácica aguda). Indicações: Pelo menos uma das seguintes complicações nos últimos 12 meses: 3 ou mais episódios de crises vaso-oclusivas com necessidade de atendimento médico; 1 crise torácica aguda recidivante (definida como dor torácica aguda com infiltrado pulmonar novo); Febre de 38,5ºC ou mais, taquipneia, sibilos pulmonares ou tosse; 1 ou mais acidentes vasculares encefálicos ou ataques isquêmicos transitórios mesmo que em programas de transfusão de substituição; 1 episódio de priapismo grave pós-puberal ou priapismo recorrente; Anemia grave e persistente (Hb < 6,0 g/dL em três dosagens no período de três meses). Efeitos adversos: mielossupressão reversível e teratogênese. Transfusões: indicações: 1. Crise vaso-oclusiva grave ou refratária; 2. Hematúria macroscópica refratária; 3. Crise anêmica; 4. Pré-operatório (manutenção do hematócrito acima de 30%); 5. Disfunção orgânica grave; 6. Profilaxia da recorrência de AVC. Desvantagens das transfusões: (i) hemocromatose, podendo levar à hepatoesplenomegalia, cirrose hepática, DM, hipogonadismo, hiperpigmentação cutânea e cardiomiopatia - usar quelante desferoxamina; (ii) aloimunização; (iii) infecções (HIV, HTLV-1, Hepatite B e C). Complicação mais comum (dor): 8 Felipe Antônio Dal'Agnol 9 Felipe Antônio Dal'Agnol 10 Felipe Antônio Dal'Agnol É fundamental que o diagnóstico precoce a partir da triagem neonatal universal se torne uma realidade nacional. Os pacientes e familiares necessitam receber informações precisas e ser acompanhados por equipes multidisciplinares que contemplam a complexidade da doença. Os profissionais de saúde das UBS e dos serviços de urgência devem ter o conhecimento necessário sobre a doença. Os serviços de urgência devem estar próximos das suas residências e apresentar resolução adequada dos eventos agudos. O paciente deve ser abordado de maneira global para além dessas complicações, ou seja, ter garantida a sua integridade física e emocional.
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