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125
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
Unidade III
7 A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE BRASILEIRA: UM DIÁLOGO COM 
FREYRE, BUARQUE E RIBEIRO
Como vimos anteriormente, o conceito de identidade é elemento-chave para o estudo e a 
compreensão das relações sociais. É um conceito que trata do pertencimento. Consiste em literalmente 
saber quem é e, assim, compreender melhor sua relação com o mundo.
Outro aspecto interessante sobre esse tema é que para se compreender o outro, como faz a 
antropologia, é necessário saber quem é o eu. Para falar algo sobre o ser humano em suas relações 
sociais, é importante que saibamos de onde nós falamos.
Por isso, agora vamos estudar a formação da identidade brasileira – se é que é possível falar em 
uma só! – para que possamos otimizar nossa forma de compreensão de mundo voltada às relações 
internacionais.
O que é ser brasileiro? Quais as características de nossa cultura? Existe uma identidade nossa? Ou é 
algo que ainda está em construção? Para tentar responder a essas perguntas, vamos dialogar sobre cada 
uma das principais etnias que formaram nossa sociedade: indígenas, africanos e portugueses. Como 
afirmamos na introdução, nossos interlocutores serão três autores clássicos da literatura brasileira: 
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro. 
Mas por que estudar esses autores? Porque eles são os maiores nomes da antropologia e da sociologia 
nacional. Devemos ter cuidado com a palavra “maiores”, pois eles são, de fato, os mais conhecidos, e 
suas contribuições foram fundamentais para o início do desenvolvimento de uma antropologia que de 
fato se debruça sobre questões brasileiras. Existem outros autores, claro. Mas seja pelo pioneirismo ou 
pelas questões que suas obras levantaram, eles são destaques na produção nacional.
Temos também outro aspecto muito importante. A antropologia surgiu na Europa. Logo, durante 
muito tempo, nós sempre fomos o outro. Isso porque o Brasil se constitui como país aos olhos europeus 
somente a partir de 1500. Portanto, compreender o Brasil na dimensão social é uma tarefa recente. Mais 
do que isso, o processo de expansão que trouxe os lusitanos para cá também foi um fato que contribuiu 
para o surgimento da antropologia, pois possibilitou o contato do europeu com o ameríndio, ou seja, o 
outro na ótica de nossos colonos.
É de suma importância para nós estudarmos autores brasileiros, pois estamos, dessa forma, trocando 
de lugar. Estamos, assim, deixando de ser o outro para sermos nós. Além do mais, é uma forma de 
contribuir com o desenvolvimento da antropologia brasileira.
126
Unidade III
Porém, para Gomes (2008), não é possível afirmar que exista de fato uma antropologia brasileira. 
Isso porque, ainda, os esforços são individuais e se utilizam de matrizes estrangeiras. Nos dias 
de hoje, é possível ver correntes e tendências timidamente se espalhando pelas universidades. 
Exatamente por isso é crucial compreendermos o pensamento desses grandes autores que já 
destacamos há pouco.
Contudo, há que se fazer algumas considerações. Se admitimos que o Brasil surge a partir do contato 
dos portugueses com as culturas nativas e com o caldeamento da cultura africana que foi trazida para 
cá na forma de escravidão, podemos considerar, também, que a antropologia pode ter começado de fato 
nesse contato.
Mesmo que muitos desses relatos tenham sido contribuição latente, também, para o 
desenvolvimento da antropologia europeia, é possível afirmar que, por conta da nossa 
miscigenação, esses relatos também contribuíram para o surgimento dos estudos brasileiros. Era, 
metaforicamente, a semente plantada.
Com o passar dos anos, novas gerações de mestiços iam surgindo, e outros observadores também 
contribuíram para que a semente germinasse lentamente. Porém, tais esforços poderiam ter sido maiores 
se não houvesse uma grande repressão por parte da Coroa portuguesa para se manter o sistema de 
latifúndio escravocrata.
Nesse meio tempo, raras foram as tentativas de um estudo realmente brasileiro. Talvez, a primeira 
ideia de construção de uma identidade se deu com José Bonifácio e suas ideias de independência. 
Porém, mesmo considerado o patrono da independência, havia um ideal de integração gradativa de 
indígenas e africanos que, no ideal de Bonifácio, já era para ter ocorrido muito antes de 1888. Tivemos 
outros precursores, como Gonçalves Dias e José de Alencar.
Mas poetas podem ser precursores da antropologia? Se considerarmos que em seus escritos 
esses autores projetavam ideias de cunho integrador, mesmo que aparentemente incomuns, são, 
no mínimo, ideias pioneiras. Contudo, muito se falava do português e do indígena, sendo que 
o negro escravizado ficava à margem, também, da própria inquietação do que é ser brasileiro, 
reflexo do pensamento da excludente da época.
Na metade do século XIX surge a corrente evolucionista de pensamento, como vimos anteriormente. 
O resultado dessa influência na antropologia é uma hierarquia de raças e variações culturais. 
Esqueceram-se de que nossa raça é a mesma, independentemente de cor ou etnia. Isso é fruto do que 
foi chamado de darwinismo social:
Conjunto mais ou menos coerente de ideias e concepções creditadas como 
próprias do método científico, agregado a preconcepções, justificativas e 
projeções ideológicas de preconceitos e realidades vividas, onde todos 
os povos e culturas estão em processo evolutivo, estando acima de todos os 
europeus caucasianos (GOMES, 2008, p. 184).
127
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
No final do século XIX, período de transição da monarquia para a república, esse darwinismo social 
é a mentalidade que impera no Brasil. E, como não poderia deixar de ser, a antropologia que nasce vem 
carregada desse pensamento.
Até a década de 1930, o pensamento que acreditava na evolução das raças em âmbito social não 
poderia encontrar nada de positivo na miscigenação que foi a base de nossa colonização. Era como se 
não houvesse outra escolha, pois essa era a vertente dominante do pensamento europeu.
 Lembrete
O darwinismo foi o maior expoente do evolucionismo. Esse pensamento 
permeou as elites brasileiras e ainda deixa marcas em nossa sociedade atual.
Grande parte dos antropólogos se debruçou em interpretar os indígenas. Não pelo ímpeto de pesquisa, mas 
basicamente com o ideal de civilizar os nativos. Aliás, o irmão gêmeo de civilizar foi o catequizar dos jesuítas.
Segundo Gomes (2008), um antropólogo que se diferencia dessa perspectiva foi o alemão Curt Unkel. Após 
ler sobre os indígenas, veio ao Brasil e dedicou quarenta anos de sua vida às pesquisas etnográficas. Foi adotado 
pelos índios, se naturalizou brasileiro e ainda hoje é referência nos estudos dos povos indígenas no país.
O oposto disso pode ser visto em Nina Rodrigues, médico maranhense que vivia na Bahia. Para ele, 
os negros eram inferiores intelectualmente e precisavam da tutela do Estado.
Outro nome que caminhou na contramão da tendência evolucionista foi o poeta Euclides da Cunha, 
com sua obra Os Sertões. A grande herança do autor foi reconhecer e retratar poeticamente qualidades 
como força, determinação e inteligência nos mestiços que compunham, como ainda compõem, a 
maioria da sociedade brasileira.
Talvez um marco para que o pensamento social brasileiro desse uma alavancada tenha sido a Semana 
de Arte Moderna em São Paulo. Foi um encontro de diferentes vertentes do pensamento brasileiro, que 
tinha por base estudos sobres práticas e costumes do povo brasileiro. 
Depois desse panorama, vamos agora entender por que o destaque para Gilberto Freyre, Sérgio 
Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro.
Gilberto Freyre publicou em 1933 o livro Casa-Grande & Senzala. Esse livro foi um marco para os 
estudos das características da formação social brasileira. Freyre estudou nos Estados Unidos e conheceu 
a fundo os métodos e pensamentos de Franz Boas.
Em seu livro, ele defendeu a ideia de que o Brasil foi formado pela mistura de etnias. Pela forma que 
ele escreveu o livro,percebe-se que é um entusiasta da miscigenação. Seu trabalho é bem detalhado, 
descrevendo todos os aspectos sociais, desde o ambiente até religião e rituais.
128
Unidade III
Seu pensamento defende que, no Brasil, o preconceito se dá por cor e classe, fugindo da corrente 
evolucionista sobre raça. Por conta da forma até romântica que Freyre (2004) descreve as relações entre 
as etnias, em uma lógica sui generis, sempre na intenção de um convívio pouco conflituoso, sofreu 
várias críticas. Um símbolo desse pensamento é a própria moradia, sendo a casa-grande e a senzala 
o espaço geográfico onde senhores e escravos mantinham sua relação de dominação, mas com uma 
distância social extremamente reduzida, pois dividiam o mesmo ambiente.
Ele escreveu vários outros livros sobre o que é ser brasileiro. É inegável que ele é um grande autor 
que contribuiu imensamente para a antropologia brasileira. Porém, por conta dessa forma romantizada 
de escrever, não conta com grande admiração justamente na área acadêmica antropológica.
Nosso outro interlocutor é Sérgio Buarque de Holanda. Embora tenha tido grande contribuição 
para a antropologia, ele é historiador de origem. A título de curiosidade, ele é pai de Chico Buarque de 
Holanda, grande nome da MPB.
Sua obra-prima é Raízes do Brasil, publicada em 1936. Sua tese central é que o brasileiro é um 
homem cordial e a sociedade, consequentemente, seria pouco conflituosa. Não é preciso dizer que sua 
tese foi refutada, pois havia e ainda há muitos conflitos camuflados em nossa sociedade.
Entretanto, enquanto a ideia do homem cordial era vista como um equívoco, ele debruçou sua 
reflexão sobre a transição de uma ordem patrimonial para o capitalismo. A conclusão que ele chega é 
que o Brasil ainda tinha elementos fortíssimos do patrimonialismo, pois o Estado era dominado pela 
elite agrária que transcendia o próprio Estado, tendo a conivência da classe média, que se espelhava 
nesse ideal, sendo que a influência das elites se dava por vontades particulares em âmbito social.
Até hoje esse pensamento de Holanda (2016) é aceito e propagado. Talvez hoje mereça até uma 
revisão, dada a nossa sociedade pós-moderna, altamente tecnológica, interconectada e desigual. Hoje, 
quiçá mais do que antes, as fronteiras do público e privado estão cada vez mais porosas.
Sobre a cordialidade, depois das críticas que recebeu, ele esclarece e explica melhor sua tese. Para ele, 
o termo cordial não está ligado com gentiliza, mas sim com sentimentalismo, proximidade. Isso muda 
por completo a interpretação do pensamento do autor.
Para o autor, “nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez” 
(HOLANDA, 2016, p. 254). Aquilo que é visto como generosidade e hospitalidade, principalmente pelos 
estrangeiros, tornou-se um dos traços da cultura brasileira, que na verdade é a influência dos padrões 
culturais vividos na família rural patriarcal. Entretanto, o que essa cordialidade significa é uma forma de 
defesa diante da própria sociedade.
No dia a dia, através dessa cordialidade mítica, as relações familiares continuam sendo o modelo 
obrigatório de qualquer composição social, um espelho do patriarcalismo rural. Consequentemente, os 
indivíduos não conseguem distinguir por entre as esferas públicas e privadas, reafirmando o patrimonialismo.
129
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira 
libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se 
sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de 
expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela 
social, periférica, que no brasileiro – como bom americano – tende a ser a 
que mais importa. Ele é antes um viver nos outros (HOLANDA, 2016, p. 255).
Sendo assim, o homem que ele diz ser cordial é aquele que busca uma ligação pessoal em todas as 
relações sociais. “O impessoal para ele é um tormento. Tudo que é impessoal, desde a burocracia até 
as pessoas em multidão, lhe são potencialmente adversários” (GOMES, 2008, p. 190).
Contudo, para que o relacionamento aconteça, é necessário a simpatia. E essa característica seria por 
conta do antagonismo entre o Estado e a família, a base da sociedade brasileira. O Estado representaria 
o impessoal, aquilo que é público, e a família é o estereótipo do pessoal.
Ribeiro (2015) também partilha da ideia de que a cordialidade do brasileiro é um mito. Para o autor, 
sempre houve no Brasil conflitos de todos os tipos, desde étnicos e sociais até econômicos e religiosos. 
Dessa maneira, o brasileiro só pode conviver, em sua perspectiva, com algo que seja possível tornar 
pessoal. Essa seria a sociabilidade do brasileiro. Porém, na década de 1970, Roberto da Matta explora e 
expande essa ideia de cordialidade. Para ele, essa cordialidade possui um lado negativo. Essa relação de 
proximidade seria somente para que o brasileiro pudesse exercer sua influência em proveito próprio. É o 
famoso jeitinho brasileiro, a forma de se burlar as regras para se atingir o objetivo e também a famosa 
frase “Você sabe com quem está falando?” quando alguém quer se impor. Esses dois comportamentos 
típicos e peculiares a nossa cultura seriam fruto da cordialidade entendida como aproximação pessoal 
(DA MATTA, 1979).
Finalmente, nosso terceiro interlocutor é Darcy Ribeiro. Ele foi um antropólogo dedicado às causas 
indígenas e à educação. Foi o idealizador do Museu do Índio, a Universidade de Brasília – referência 
em relações internacionais – e o Sambódromo. Foi também responsável pela criação da primeira 
pós-graduação em Antropologia. Ele foi político, professor e chegou a viver exilado no período ditatorial.
Embora tenhamos mostrado um breve panorama sobre nossos interlocutores, a ideia não é um 
estudo da vida de cada um, mas sim um apanhado dos principais conceitos que eles cunharam em suas 
respectivas trajetórias, retirados de suas obras clássicas.
Vamos, então, falar das três etnias que compuseram a base de nossa sociedade, sempre dialogando 
com nossos interlocutores. 
7.1 O papel dos portugueses na colonização brasileira
Devido à própria dinâmica do processo colonizador pelo qual temos passado desde o século XVI, 
uma característica fundamental desse processo é comum para os três autores: a miscigenação. Porém, 
cada um deles a aborda de uma forma.
130
Unidade III
Enquanto para Freyre (2004) não se pode transportar uma raça de um continente ao outro porque 
seria preciso levar junto o meio físico, Holanda (2016) afirma ser a colonização do Brasil uma “tentativa 
de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, 
largamente estranhas à sua tradição milenar” (HOLANDA, 2016, p. 311). Em um contexto como esse, 
é inevitável o contato e a mistura de etnias. Entretanto, há algumas peculiaridades na colonização 
brasileira que podem auxiliar na compreensão de alguns de nossos hábitos.
Por falar em mistura de etnias, ao contrário do que o imaginário nos mostra de o povo europeu ser 
um povo “frio”, temos que estudar quem eram esses portugueses que chegaram ao Brasil. Compreender 
a origem e a formação do povo luso pode nos dar pistas de quem foram nossos colonizadores.
Freyre (2004) afirma que o colono português já havia tido contato com outros povos em torno de 
um século antes de iniciarem a colonização na América. Isso fez com que já chegassem no Brasil com 
experiências de outras expedições colonizadoras, tanto na Índia como na África.
Eles obtiveram sucesso ao instalarem aqui uma economia à base de agricultura, na organização 
patriarcal da família, na escravidão e na mistura do português com a mulher indígena, incorporando 
tais características em uma cultura que começava a se firmar na colônia. Suas experiências prévias com 
a miscigenação foram fundamentais para o sucesso dessa colonização.
Outro aspecto interessante é que, assim como os portugueses já haviam tido experiênciascom 
miscigenação antes da colonização americana, Holanda (2016) afirma que eles já conviviam também 
com escravos, tanto nas colônias quanto na capital. Eram escravos de origem moura e africana que 
em Lisboa eram até mais numerosos que os próprios portugueses. Toda casa de pessoas ricas tinha 
seus escravos, sendo que os “donos de escravo” até podiam lucrar com a venda dos filhos deles. Lógica 
parecida com a que vem a ser instaurada no Brasil.
Figura 32 – Estátua dos exploradores
Esses dois fatos nos ajudam a compreender o porquê do sucesso da empreitada por aqui. O colono 
que chega no Brasil no século XVI já o faz com experiências bem-sucedidas em outros lugares, carregando 
consigo um ímpeto à miscigenação. Mesmo porque a diferença entre a população nativa e o colono é 
131
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
considerável. Assim, a miscigenação é uma forma de povoar a colônia. Para o português isso não era 
problema, mas sim solução.
Existe outra questão que também é fundamental para a constituição da identidade brasileira: a 
religião cristã institucionalizada, que estudamos anteriormente. E podemos compreender agora, ao 
estudar a nossa colonização, a importância dos estudos sobre a religião na antropologia, pois toda a 
sociedade europeia estava, no mínimo, com mil anos de domínio cristão, também no campo social e 
político. Veremos a seguir o quanto essa doutrina foi fundamental para a própria colonização.
Contudo, pela própria história portuguesa já ser de contato com outras culturas, o cristianismo 
que nossos colonos trazem consigo já era influenciado tanto pelos africanos como pelo islamismo 
dos mouros. 
O que se sente em todo esse desadoro de antagonismos são as duas culturas, 
a europeia e a africana, a católica e a maometana, a dinâmica e a fatalista 
encontrando-se no português, fazendo dele, de sua vida, de sua moral, 
de sua economia, de sua arte um regime de influências que se alternam, 
se equilibram ou se hostilizam. Tomando em conta tais antagonismos de 
cultura, a flexibilidade, a indecisão, o equilíbrio ou a desarmonia deles 
resultantes, é que bem se compreende o especialíssimo caráter que tomou 
a colonização do Brasil, a formação sui generis da sociedade brasileira, 
igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje sobre antagonismos 
(FREYRE, 2004, p. 69).
Esse panorama foi propício para o surgimento de uma nova sociedade, pois o colono que chegou 
aqui trazia consigo a capacidade de se adaptar, tanto socialmente como fisicamente. E em contato com 
culturas nativas e culturas oriundas de outro continente, formou um arcabouço para o surgimento de 
um povo completamente novo, capaz de manter traços originais de culturas colonizadoras, ao mesmo 
tempo em que começa a se formar uma completamente nova.
É inegável que os portugueses são responsáveis pela colonização brasileira. Isso não quer dizer 
que esse processo ocorreu como propagado pela história socialmente aceita. Muito mais do que 
dizer que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil e aqui só tinha índio, nós, enquanto internacionalistas, 
devemos compreender como se desenrolou esse processo e quais as suas consequências tanto para 
nossa formação enquanto sociedade quanto para a formação das características de nosso país que se 
evidenciam nas relações internacionais.
Primeiramente, se os portugueses são fundamentais nesse processo, devemos entender quem eram 
eles e como viviam. Sendo assim, a primeira coisa que precisamos estudar é a própria formação da 
sociedade portuguesa. 
Para Tinhorão (1998), Portugal vivia nesse período a transição renascentista. Era o momento do 
crescimento das ciências, do declínio de influência da Igreja e, justamente por isso, as empreitadas 
além-mar são possíveis. Essa mudança no modo de vida lusitano é, dentre todas as caraterísticas, 
132
Unidade III
também de cunho cultural. Os primeiros anos da colonização brasileira são uma espécie de cópia dessa 
realidade portuguesa.
A organização social em Portugal se dava através de aldeias, vilas e cidades. Esses aglomerados 
tornaram-se centros de desenvolvimentos locais, atraindo diversos indivíduos vindos do campo. Com o 
crescimento da economia através do comércio marítimo, mais pessoas são atraídas para esses centros 
que estão próximos ao litoral. Dessa forma, muitas pessoas acabam por aderir a empreitadas para além 
do oceano.
Essa capacidade de deslocamento que nossos colonos apresentavam foi fundamental para que 
possamos compreender o perfil dos portugueses, pois, em primeiro lugar, eles chegam à América. Em 
segundo lugar, são um povo que tem a capacidade de se misturar com as sociedades locais e, desse 
contato, conseguem aumentar o contingente populacional não com mais colonos vindos da Europa, 
mas constituindo uma nova população a partir dessa miscigenação.
Para Freyre (2004), a capacidade de miscigenação foi de extrema importância para o sucesso dos 
portugueses, pois auxiliou os lusitanos para que eles pudessem se firmar como proprietários de terras 
enormes, competindo com numerosos povos locais e, mesmo assim, conseguir ser eficaz no seu propósito. 
E essa eficácia só foi possível por conta do intercurso sexual com os povos locais.
Holanda (2016) partilha de visão semelhante. Para ele, o processo de mestiçagem não foi algo 
esporádico, mas sim um processo normal na colônia. Assim, foi possível que eles pudessem constituir 
uma pátria a quilômetros da sua. O fato é que, independentemente de questões morais ou tabus, esse 
envolvimento sexual é crucial para a compreensão da formação brasileira. Tão crucial que Freyre (2004) 
utiliza a sífilis para explicar o quão relevante esse aspecto foi. Para ele, essa doença era vista como motivo 
de orgulho, chegando ao ponto de quem não a tivesse seria visto como o não normal. A “civilização 
e a sifilização andam juntas: o Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado” 
(FREYRE, 2004, p. 110).
Muito mais do que discutir a sexualidade de uma sociedade, compreender esse ímpeto é importante 
para que possamos entender como outras características sociais surgiram em nosso povo. Dentre tais 
características, a própria relação sexual entre o colono e a nativa vale nossa atenção.
A sexualidade exacerbada durante nossa colonização trouxe também um sadismo, que fica evidente 
nas atitudes machistas e autoritárias, pois esse ímpeto sexual principalmente por parte do colono para 
com a índia nem sempre teve o consentimento dela. Mais do que isso, tal ímpeto agressivo também 
acontecia do senhor para com o menino escravo.
Para Freyre (2004), essa figura do escravo menino, chamado de leva-pancadas, vítima de agressões 
era, ao mesmo tempo, um “amigo” para brincar junto com o filho de donos de escravo. Posteriormente, 
esse sadismo, principalmente contra os escravos, acaba por exceder a esfera da vida sexual e doméstica 
e vem aparecer no campo social e político. É uma espécie de “gosto por mandar” que, para complicar 
nossa estrutura social, aparece no exercício de posições elevadas de poder, como na política ou em 
cargos de administração pública.
133
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
 Saiba mais
DA MATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do 
dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Não podemos esquecer que estamos estudando antropologia e, para que possamos compreender 
melhor nossa própria sociedade, é necessário que façamos um exercício de reflexão e análise de 
elementos que ficam evidentes em nosso dia a dia, no que chamamos de cultura. 
Analisando tal característica por outra ótica, podemos perceber algo muito interessante por conta desse 
sadismo. Como consequência, ficou enraizado em nossa cultura essa característica que fica explícita na vontade 
de mandar. Logo, temos nos cargos públicos um reflexo da vontade particular (privado).
Se a capacidade de miscigenação do povo colonizador foi fundamental para que se povoasse o 
território brasileiro, também é importante que compreendamos a capacidadede deslocamento dos 
portugueses. Freyre (2004) chama essa capacidade de mobilidade, sendo que sem essa característica 
seria impossível entender como havia um Portugal “vazio” em relação às populações das colônias. 
Essa característica fica evidente nos critérios de escolha de colonos por parte da Coroa. Para o alto 
escalão da monarquia, os indivíduos valiosos foram os “guerreiros, administradores, técnicos, [que] 
eram por sua vez deslocados pela política colonial de Lisboa como peças em um tabuleiro de gamão” 
(FREYRE, 2004, p. 70). 
Percebe-se, por essa escolha, a preocupação na seleção de pessoas que pudessem exercer funções 
relativas ao funcionamento de uma sociedade. Além do mais, a própria prática da escravidão por parte 
dos portugueses também pode ser um indício de sua mobilidade, uma vez que eles transportavam 
nações, algumas vezes quase que inteiras, para o trabalho em outro continente. Há alguns personagens 
fundamentais para essa mobilidade: o bandeirante, o colono, o jesuíta e os rios. Os rios? Sim, os rios! 
Uma característica geográfica também é importante para a colonização.
Para Freyre (2004), os rios de nosso país foram fundamentais para a expansão dentro de nosso 
território, tanto os grandes quanto os menores. Mesmo parecendo contraditório, os grandes rios não 
foram tão úteis quanto os rios menores, devido a sua incerteza de cheias e baixas. A importância dos rios 
maiores se deu no fato de guiarem tanto o bandeirante quanto o jesuíta. Já os rios menores ajudaram a 
formar as vilas, pois diferentemente dos grandes rios, era possível dimensionar as cheias e baixas. 
Outra característica de nossa organização social aparece nesse período: o sedentarismo rural. Era 
na margem do rio que as primeiras vilas foram formadas, pois ele servia de transporte e possibilitava a 
agricultura. Esses rios serviam as populações fixas. Sendo assim, fixar população está diretamente ligado 
ao processo de colonização.
134
Unidade III
Outro personagem importantíssimo nessa empreitada é o bandeirante. Ele foi responsável por 
desbravar matas e explorar novos locais até então desconhecidos dos portugueses. O bandeirante possui 
ligações com a metrópole europeia e sua função foi conseguir locais para que o colono pudesse se 
instalar de forma estável e permanente.
Já a importância da mobilidade na figura do jesuíta se dá pela missão de expansão da fé cristã. Os 
jesuítas andavam nos diversos pontos de nosso território e estabeleciam contato entre os povos locais 
e os colonos, pois foram os primeiros a aprender as línguas nativas. Sua mobilidade ajudou a propagar 
um sistema de educação uniforme, de acordo com os modelos cristãos, articulando-se como educadores 
e catequistas. 
Por fim, o colono, embora também importante para a mobilidade, foi fundamental para a manutenção 
da área explorada. É o colono que se estabelece na terra e dita as regras a partir de então.
Além da mobilidade, Freyre (2004) fala em aclimatação por parte do colono, pois não houve dificuldade 
em se instalar em regiões quentes. O fato é que, a partir dessa perspectiva, a colonização brasileira forma 
uma das primeiras sociedades coloniais modernas que possuem características de permanência. 
O português não: por todas aquelas felizes predisposições de raça, de 
mesologia e de cultura a que nos referimos, não só conseguiu vencer as 
condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de europeus 
nos trópicos como suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa 
colonizadora unindo-se com mulher de cor. Pelo intercurso com mulher 
índia ou negra, multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população 
mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical. A falta de 
gente, que o afligia, mais do que a qualquer outro colonizador, forçando-o 
à imediata miscigenação [...] foi, para o português, vantagem na sua obra 
de conquista e colonização dos trópicos. Vantagem para a sua melhor 
adaptação, senão biológica, social (FREYRE, 2004, p. 74-75).
 Lembrete
Vemos aqui um exemplo de como o determinismo geográfico não pode 
ser utilizado como referência, pois os portugueses romperam com tais 
limitações físicas e ambientais em nossa colonização.
Se pensarmos nessas características em paralelo com a antropologia, temos aqui um exemplo 
muito interessante sobre a relação entre os aspectos culturais e os biológicos. Primeiro, pela própria 
continuidade da espécie, já que o povoamento do Brasil passa necessariamente pela mistura do colono 
com a nativa, pois somente dessa maneira foi possível que surgisse uma população local. Segundo, pelas 
questões sociais e culturais da antropologia, pois a primeira geração dessa mistura é quem vai, de fato, 
se estabelecer como sociedade.
135
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
Quando falamos sobre a sociedade colonial que o português firma no Brasil, temos de pensar em 
como ela foi instalada. Diferentemente da lógica europeia da época, que propagava a lógica de extração 
de riquezas minerais, como aconteceu em outras colônias, aqui tivemos uma espécie de colônia de 
plantação. Isso significa que instalou-se a base agrícola e, como em qualquer plantação, é necessário o 
seu cultivo e cuidado. Portanto, foi necessária a permanência do colono na terra.
No Brasil, iniciaram os portugueses a colonização em larga escala dos 
trópicos por uma técnica econômica e por uma política social inteiramente 
novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do Atlântico. A primeira: a 
utilização e o desenvolvimento de riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço 
do particular; a agricultura; a sesmaria; a grande lavoura escravocrata. A 
segunda: o aproveitamento da gente nativa, principalmente da mulher, 
não só como instrumento de trabalho, mas como elemento de formação de 
família (FREYRE, 2004, p. 79).
Assim, surgiu uma sociedade patriarcal em torno das plantações de açúcar, não espalhadas pelo 
território em grupos aleatórios. Entretanto, uma característica que marca esse desenvolvimento é o fato 
de que toda essa colonização não foi feita através do Estado, ou seja, não foi obra da Coroa portuguesa; 
pelo contrário, foi obra de iniciativa particular. 
Isso significa que, além de explorar, o proprietário particular era responsável por manter o 
funcionamento desses latifúndios, provendo o que fosse necessário para o funcionamento e manutenção 
do sistema social. Temos assim mais um motivo que explica como a vontade particular foi parar na vida 
pública. Os proprietários tinham que, inclusive, defender militarmente as terras, como era exigência 
da Coroa. Além do mais, também eram responsáveis pela ampliação do território a oeste, como vimos, 
principalmente, através dos bandeirantes e jesuítas.
O que colaborou para a consolidação desse sistema foi o predomínio do sistema familiar rural. Para 
Holanda (2016), essa influência da vontade particular na organização social em torno do latifúndio, de 
forma familiar e patriarcal, chama-se patrimonialismo, que significa que o público e o privado não 
possuem distinções.
 Observação
Exatamente como vimos há pouco quando falamos sobre o homem 
cordial, a família também é alicerce dessa prática que culmina na porosidade 
das fronteiras entre público e privado.
A escolha das pessoas que irão exercer os cargos públicos se faz de acordo com a confiança de quem 
escolhe, e não por méritos ou capacidades de quem irá ocupar essa posição. Como a organização social 
girava em torno da família patriarcal, as relações que se desenvolvem na vida doméstica se tornam o 
modelo obrigatório em todas as relações sociais.
136
Unidade III
Chega a ser assustador como algo que aconteceu há praticamente quinhentos anos pode ser tão 
próximo de nossa realidade atual. Podemos até compreender por que no Brasil os interesses sempre 
foram particulares. Quando houve um sistema administrativo baseado em interesses públicos, foi em 
caráter excepcional. 
Outro aspecto da forma em que se instituiu a sociedade brasileira pode ser percebidana influência da 
religião, pois a instituição família é uma forma de organização espelhada no ideal cristão. “Nos domínios 
rurais, é o tipo de família organizada segundo normas clássicas do velho direito romano-canônico [...] que 
prevalece como base e centro de toda a organização” (HOLANDA, 2016, p. 132). 
A força que detinha a família rural a colocava em posição-chave para o funcionamento da sociedade, 
pois ela era a unidade produtiva desde o desbravar do solo até a instalação das fazendas. Fazia a vez 
comercial, pois tratava da compra de escravos, ferramentas e bois, e também era responsável pela força 
social, desdobrando essa característica na política, constituindo, assim, uma aristocracia colonial.
Consequentemente, o poder dessa forma de organização familiar transcende o recinto doméstico. 
E, como não poderia deixar de ser, nessa visão de sociedade, a entidade privada sempre estará à frente 
da entidade pública. Essa organização social faz prevalecer continuamente os laços afetivos, e, por conta 
da força dessa unidade, transforma-se em marca de nossa sociedade, permeando toda a vida pública a 
partir dessa ótica. 
Ademais, a questão da autoridade patriarcal é inquestionável, tornando esse modelo de poder 
normal. A figura do patriarca se torna sinônimo de obediência, respeito e poder, e é essa forma que vai 
encontrar terreno no âmbito público. 
Se a família ocupava posição central na organização social, espelhada no ideal cristão, a influência 
religiosa também é outro aspecto determinante na formação social brasileira. Para Freyre (2004), o 
catolicismo da época foi fundamental em orientar a sociedade portuguesa em sua percepção sobre 
o crime. 
Não professar fé católica, não acreditar no Deus cristão ou até mesmo usar de feitiçaria eram os 
piores crimes que se poderia cometer. A influência religiosa na formação social era tão grande que “pelo 
crime de matar o próximo, de deshonrar-lhe a mulher, de estuprar-lhe a filha, o delinquente não ficava, 
muitas vezes, sujeito a penas mais severas” (FREYRE, 2004, p. 82). 
 Observação
Feitiçaria é um termo usado pelo autor que significa qualquer tipo de 
ato místico ou religioso que não seja católico.
Sendo assim, a conivência da autoridade religiosa contribuiu para que os excessos da vida sexual fossem 
enraizados na cultura brasileira, pois, aos olhos da Igreja, esses excessos eram, no mínimo, toleráveis. É sabido 
que uma parcela pequena de nossos colonizadores veio ao Brasil justamente por essa possibilidade de se 
137
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
cometer excessos. Entretanto, esse fato não é suficiente para justificar toda a dinâmica sexual. Ademais, 
Portugal era conivente com essa situação justamente para que fosse possível povoar a nova colônia. 
Portanto, é possível perceber a importância do catolicismo nessa formação não só através da 
tolerância contra crimes bárbaros e intolerância contra aqueles que não professavam a mesma fé, mas 
também na formação da família como centro econômico-social. A importância da fé católica era tão 
grande, que influenciava até na imigração para a nova colônia. “Soubesse rezar o padre-nosso e a 
ave-maria, dizer creio-em-Deus-Padre, fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz e o estranho era bem-vindo no 
Brasil colonial” (FREYRE, 2004, p. 91).
Inclusive, durante boa parte da colonização, era comum um frade subir a bordo dos navios que 
chegavam no Brasil. Sua função era examinar a fé do passageiro que chegava por aqui. E, por incrível 
que pareça, o que barrava esse imigrante era a heresia. Entretanto, por mais que os frades fossem 
representantes oficiais da igreja, o cristianismo que se instituiu no Brasil era da vertente popularesca. 
Era comum, dada a força da família patriarcal, o culto à família se realizar na própria casa em vez de 
acontecer na catedral ou na igreja. Essa vertente popular fica explícita na relação das pessoas com os 
santos, por exemplo. 
Os santos e os anjos só faltando tornar-se carne e descer dos altares 
nos dias de festa para se divertirem com o povo; os bois entrando pelas 
igrejas para ser benzidos pelos padres; as mães ninando os filhinhos com 
as mesmas cantigas de louvar o Menino-Deus; as mulheres estéreis indo 
esfregar-se, de saia levantada, nas pernas de São Gonçalo do Amarante; 
os maridos cismados de infidelidade conjugal indo interrogar os “rochedos 
dos cornudos” e as moças casadouras os “rochedos do casamento”; Nossa 
Senhora do Ó na imagem de uma mulher prenhe (FREYRE, 2004, p. 84).
Exemplo de aplicação
Se por acaso você tem alguma dúvida sobre a consequência dessa vertente, pegue o calendário e 
olhe a quantidade de feriados presentes. Quantos deles são de cunho religioso? Ainda mais: dos feriados 
religiosos, existe algum feriado que não seja católico? Quantos?
Para Freyre (2004), a organização em torno da família patriarcal que coloca os interesses privados 
acima de qualquer coisa, nomeando para cargos públicos quem lhe convinha por critérios de afinidades, 
fez com que a maioria dos colonos que se instalaram aqui não tivessem nenhum apreço pela terra, 
muito menos gosto por sua cultura. 
Diante de tal perspectiva, é possível compreender por que o braço escravo foi utilizado em nossa 
colonização. Havia uma “igualdade de interesses agrários e escravocratas que através dos séculos XVI 
e XVII predominou na colônia” (FREYRE, 2004, p. 93). Mesmo quando o produto principal, que era a 
cana-de-açúcar, foi trocado pelo café ou até mesmo pelo ouro em outras épocas, a força sempre foi 
a mão de obra escrava e a organização física, o latifúndio.
138
Unidade III
Assim, é possível perceber como o português que chegou aqui no século XVI instalou uma lógica 
social diferenciada de outras colônias, acabando por moldar muito dos nossos costumes e formas de 
pensar. Entretanto, como vimos há pouco, todo esse processo é fruto do contato da cultura portuguesa 
com a cultura indígena e africana.
Figura 33 – Caravela portuguesa
Assim, é importante entender quem era o ameríndio que, em sua perspectiva, teve sua terra invadida.
7.2 A importância do indígena na formação brasileira
Socialmente aceito e amplamente ensinado nos livros escolares, a velha pergunta e resposta “Quem 
descobriu o Brasil? Pedro Álvares Cabral!” não nos deixa outra possibilidade a não ser pensar que não 
havia Brasil antes dos portugueses. É inegável que essa tese se faz presente desde os primórdios da 
educação das crianças. Porém, essa forma eurocêntrica de explicar nossa formação relega o papel do 
indígena ao segundo plano na história do desenvolvimento da sociedade brasileira. Esse é um dos 
maiores erros que podemos cometer: eles já estavam aqui antes dos portugueses.
Outro aspecto de extrema relevância é o fato de que não podemos simplesmente generalizar como 
se fossem somente um tipo de sociedade atrasada em relação à europeia. Precisamos compreender que:
• havia diversas tribos com culturas e línguas distintas, sendo que muitas delas eram rivais e 
guerreavam entre si;
• a interpretação da cultura nativa como inferior foi fruto da visão eurocêntrica evolucionista, pois a 
sociedade organizada em nosso território tinha sua própria lógica, sendo que hoje podemos perceber 
essas diferenças não somente com o critério evolucionista, mas sim como sociedades distintas.
Essa percepção de as sociedades nativas serem inferiores aparece até em Freyre (2004), pois, ao 
descrever o contato do português com o nativo brasileiro, ele afirma que a população local era “rasteira”. 
139
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
Ao mesmo tempo, ele afirma que a cultura europeia era “madura”, sendo que os portugueses encontraram 
aqui o que ele chama de “bando de crianças”. 
Sua justificativa para essa explicação reside no fato de que não houve, por parte dos nativos, 
resistência ao colono como houve em outras civilizações americanas contra os espanhóis. Por isso, ele 
é taxativo ao afirmar que a cultura aqui não era desenvolvida, mas sim “verde”, comparando com uma 
fruta, dandoa entender que não estava pronta para tal situação.
A condição de diversidade tribal também é defendida por Ribeiro (2015). Para ele, a ausência de 
unidade das tribos nativas foi explorada pelo colono português e pelo jesuíta, a quem ele chama 
de protagonista europeu. Essa diversidade era tamanha que havia diversos povos tribais que até falavam 
línguas da mesma raiz, mas que logo se transformavam em dialetos de uma mesma língua, que crescia 
e se ramificava e, em pouco tempo, havia tribos que já não mais se identificavam, levando ao confronto 
e à hostilidade.
Diante de tal panorama, soma-se o contato com a cultura luso-europeia. Por conta das próprias 
dinâmicas sociais tão distintas, esse contato foi muito mais prejudicial ao nativo, principalmente pelo 
fato de as doenças serem até então desconhecidas para os povos que aqui habitavam. Era a introdução 
de um novo protagonista no cenário recém-desenhado.
Diante da ótica europeia, é possível compreender a diferença cultural entre as duas sociedades. Para 
Freyre (2004), o papel do índio nesse processo guiado pelos portugueses foi vegetal. Essa classificação 
do autor refere-se ao fato de que o europeu, desde sua chegada, foi se acomodando com os nativos.
O nativo foi extremamente útil nesse primeiro momento da colonização. O homem foi utilizado 
para suprir as necessidades de trabalho, principalmente como guia para desbravar as matas. Também 
foi utilizado como elemento de guerra, pois esse início era conflituoso, mas não tanto entre o nativo e 
o colono, e sim entre os próprios nativos.
Já a mulher indígena foi objeto de geração de filhos e formação de família. Por conta da própria 
organização social, o nativo não oferecia resistência como em outras partes da América. Isso se deve 
ao fato de que não havia a capacidade política e técnica para esse enfrentamento, dadas as diferentes 
dinâmicas que se chocaram. Toda essa forma de relacionamento é um dos elementos que contribuiu 
para a formação de uma sociedade híbrida.
Foi assim que se constituiu essa sociedade híbrida, e, diferentemente de outros lugares, de 
forma menos conflituosa que em outros lugares do mesmo continente. Entretanto, esse hibridismo 
foi muito mais utilizado e prolífero para o colono do que para o colonizado, como a história sempre 
mostrou. Sendo assim, “organizou-se uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indígena, 
recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de 
muitas das tradições” (FREYRE, 2004, p. 160).
Ribeiro (2015) é muito mais cético e enxerga o contato do europeu com o índio de uma forma muito 
mais negativa. Inicialmente, os nativos compreenderam a chegada dos colonizadores de uma forma 
140
Unidade III
mítica de mundo, algo espantoso. Ele justifica sua posição no fato de que nas sociedades nativas havia 
uma forma de auxílio entre eles que beirava a cordialidade. Dessa forma, para os recém-saídos do mar 
não poderia ser diferente justamente por conta da sua visão mítica de mundo.
Entretanto, com o passar dos anos, essa visão de mundo se desfez. Os portugueses não eram essas 
pessoas que pensaram nos índios no primeiro momento, sendo que muitos perderam seus rumos e 
vontade de viver. Isso se deve ao fato de que o contato com o europeu destruiu as bases da vida social 
dos ameríndios através da negação de seus valores. Ademais, muitos foram encarcerados, e a vida no 
cativeiro era o oposto do que era a vida indígena. Muitos índios morreram porque perdiam o desejo de 
viver. Esse seria, então, o primeiro encontro que levaria a mortes de nativos.
Contudo, vale ressaltar que essa a “união” do europeu com a mulher indígena no início da 
colonização foi por necessidade, para se constituir população na nova colônia, visto que o ímpeto 
à miscigenação já estava enraizado no colonizador e, por questões sociais, para que fosse possível 
povoar a nova colônia. 
Mas, a partir do século XVII, a necessidade de colonização deu lugar à preferência do europeu. Assim, 
temos no início de nossa colonização um ímpeto sexual que atinge duas dimensões: a necessidade 
da colônia e a necessidade carnal. Obviamente que, independentemente da necessidade, havia uma 
consequência, uma geração de descendentes fruto de um choque cultural extremamente recente.
Neste o amor foi só físico; com gosto só de carne, dele resultando filhos 
que os pais cristãos pouco se importaram de educar ou de criar à moda 
europeia ou à sombra da Igreja. Meninos que cresceram à toa, pelo mato; 
alguns tão ruivos e de pele tão clara, que, descobrindo-se mais tarde a eles e 
a seus filhos entre o gentio, os colonos dos fins do século XVI facilmente 
os identificaram como descendentes de normandos e bretões (FREYRE, 
2004, p. 162).
Temos grande influência da cultura indígena nas dinâmicas sociais. Um exemplo que podemos 
utilizar para demonstrar essa influência são os trajes coloridos, pinturas corporais, utensílios e 
vestimentas. Claro que por conta do ideal de a colônia ser uma cópia da capital europeia, essa influência 
se dilui nas práticas, ou seja, o colono vai se espelhar no modelo europeu, mas vai incorporar algumas 
características ameríndias. 
Dessa forma, podemos perceber essa prática na utilização e significação das cores, pois, como vimos 
anteriormente, na cultura muitos elementos se tornam símbolos e, como não poderia deixar de ser, 
carregados de significados que transcendem a própria cor. Uma delas é o vermelho, que Freyre (2004) 
chama de encarnado. Essa cor foi utilizada nos trajes populares da mulher brasileira, pois ela remete a 
um costume místico, servindo como proteção contra maus espíritos. Inclusive, depois da chegada dos 
africanos, algumas expressões populares de música e dança também se utilizam do vermelho como 
cor básica.
141
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
Embora tenhamos insistido na ideia de miscigenação, podemos de fato considerar a formação 
da primeira geração de mamelucos somente a partir da segunda metade do século XVI. Foi o tempo 
necessário para que se desenvolvesse uma geração que teve como motivo a colonização.
A figura da mulher indígena é a base de tudo. Isso porque quem chegou foram os colonizadores; não 
havia mulheres que vinham de Portugal, salvo raríssimas exceções. A mulher indígena foi, no primeiro 
momento, um ventre gerador dos brasileiros. Sua influência também pode ser vista no comportamento. 
Delas herdamos muitos hábitos, como o consumo de uma série de alimentos, remédios caseiros, tradições 
na criação dos filhos, higiene, utensílios de cozinha. A rede, que ainda é muito utilizada Brasil afora, 
também é um hábito herdado dessas mulheres, assim como, em questões de vaidade, a utilização do 
óleo de coco nos cabelos. 
Já o índio teve papel fundamental como guia do colono. Eles foram extremamente importantes para 
a mobilidade dos bandeirantes. Porém, quando foram “utilizados” para o trabalho braçal nos engenhos 
de cana, não houve êxito. Isso porque a lógica de trabalho deles era completamente distinta do que o 
colono entendia como trabalho. 
Podemos analisar esse fato da perspectiva da antropologia. O índio é oriundo de uma sociedade 
igualitária, enquanto o colono europeu chega de um sistema desigual, com o advento do Estado. 
O trabalho, para o índio, não tinha a conotação de lucro que o europeu compreendia. Por isso, o índio 
sequer entendia o que estava fazendo trabalhando de forma braçal para extrair e produzir recursos que 
nem mesmo ele entendia para que serviam.
Embora não tenha sido possível “usar” o índio da forma como o colono gostaria, não significa que 
não tenha havido escravidão indígena. Houve, inclusive, cativeiros de índios, com a conivência da Coroa 
e da Igreja. A escravidão indígena foi predominante durante o século XVI. Foi somente no século XVII 
que a escravidão dos africanos se constituiu de fato como mão de obra.
A partir da carta régia de 1570, em que d. Sebastião autorizava o apresamento 
de índios em guerras justas, a uma leide alforria se seguia outra, autorizando 
o cativeiro através de procedimentos paralegais como os leilões oficiais para 
a venda de índios, as taxas cobradas por índio vendido como escravo, as 
ordens reais para preia e venda de lotes de índios para custear obras públicas 
e até para construir igrejas, como ocorreu com a catedral de São Luís do 
Maranhão (RIBEIRO, 2015, p. 76).
No projeto português de colonização, os índios foram, em sua maioria, incorporados na sociedade 
colonial desta maneira: como instrumentos úteis para o ideal europeu. Eles não eram vistos nem tratados 
como membros da sociedade, eram mão de obra a custo zero para a Coroa. A ironia reside no fato de 
que, para a Coroa, eles eram homens livres, mas necessitavam de tutela, e, para os padres jesuítas, almas 
transviadas que necessitavam de resguardo e vigilância.
Por isso, as explicações mais absurdas sobre o cárcere dos indígenas foram criadas. Primeiramente, se 
eles eram homens livres, não poderiam ser escravizados. Porém, se fossem aprisionados como resultado 
142
Unidade III
de uma guerra justa, isso seria considerado legal. Se eles fossem capturados em ataques legais ou 
libertos de outras tribos, também poderiam ser escravizados. Enfim, burlar a regra legal parece ter sido 
algo que, mais do que o “jeitinho brasileiro”, também herdamos da própria Coroa portuguesa.
Freyre (2004) aponta outro aspecto interessante da organização social indígena que contribuiu para 
que a escravidão dos nativos não atendesse aos anseios da Coroa. Segundo o autor, a maioria das tribos 
eram nômades e não agrícolas. O pouco de produção era entregue às mulheres da tribo, pois os homens 
ficavam à mercê dos ofícios da vida nômade, como a caça e a pesca, por exemplo. O colono, que se 
instalava na terra, não estava alinhado com essa forma de sociedade. Podemos, então, até afirmar que a 
organização social das tribos indígenas influenciou também o advento da escravidão africana.
Outro choque cultural que molda a sociedade brasileira é entre a moral católica e a moral vigente 
nas tribos nativas, principalmente em relação às questões sexuais e à formação de família. Entretanto, 
não se pode negar que a influência foi mútua. Exatamente por isso que os esforços dos clérigos na 
catequização tiveram como um dos alvos principais justamente essas questões da moral sexual e da 
família, sendo que o problema central na visão dos catecúmenos era a poligamia. 
Porém, a diferença no que tange essas questões não significa que a vida dos nativos fosse de 
libertinagem. Ao contrário do senso comum, eles viviam sobre alguns preconceitos e medos que eram 
frutos de suas crenças e mitos, e, de certa forma, grande parte deles também foi absorvida pela nossa 
cultura mestiça. 
Segundo Ribeiro (2015), esse respaldo divino por parte da igreja que justificava a empreitada 
catequista-colonizadora era fruto de uma mentalidade que o autor chama de salvacionista. 
O salvacionismo era uma corrente de pensamento respaldada no divino que acreditava que as sociedades 
tidas como não civilizadas eram compostas de indivíduos de almas sujas por conta da antropofagia, 
manipulados pelo demônio através de suas feitiçarias.
Havia questionamentos no meio teológico sobre se eles eram humanos, feitos de barro como os 
europeus, pela mão do Deus cristão. A sua lógica produtiva que visava a subsistência era vista como 
algo ruim, e eles foram taxados de preguiçosos. Afinal, na lógica capitalista, o trabalho é fundamental, 
mesmo que para enriquecer outro.
A missão dos catequistas e colonizadores era compreendida como uma destinação divina, e eles se 
reconheciam como soldados da cristandade. Esse ímpeto divino também teve como fruto uma “teologia 
alucinada e messiânica que via na expansão ibérica, com a sucessiva descoberta de dilatadas terras 
ignotas e de incontáveis povos pagãos, uma missão divina que se cumpria passo a passo” (RIBEIRO, 
2015, p. 45). Mais do que isso: justificava uma ação cruel e sanguinária de conivência com a escravidão 
e a exploração de povos diferentes do seu. No fundo, o colono enriquecia, e os nativos seriam salvos 
para a “vida eterna”.
Esses discursos respondiam a uma necessidade igualmente imperativa. A de 
atribuir alguma dignidade formal à guerra de extermínio que se levava adiante, 
à brutalidade da conquista, à perversidade da eliminação de tantos povos. 
143
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
O império ibérico, sagrando-se sobre o Novo Mundo, se tingia com as tintas 
de Roma. Prometia que, à torpeza índia, faria suceder a prudência e a 
piedade cristãs, até converter os infiéis servos do demônio em cristãos, 
tementes ao pecado e da perdição, adoradores do verdadeiro Deus 
(RIBEIRO, 2015, p. 46).
Porém, a consequência foi devastadora para a cultura local. O que do lado europeu é visto como 
missão divina, antropologicamente podemos compreender como etnocídio. Seus corpos foram 
escravizados, sua cultura sobrepujada e seus bens usurpados.
Temos claramente nesse exemplo brasileiro dois conceitos que estudamos há pouco: ideologia e poder. 
A questão ideológica ocorre porque o ímpeto salvacionista foi fruto da ideologia cristã, etnocêntrica, 
justificando atrocidades e colocando sua cultura acima de outras.
Podemos ver as relações de poder nas interações sociais. Uma cultura dominou a outra e docilizou 
os corpos para a produção no modelo capitalista. Dessa forma, quando a mão de obra não atingiu as 
expectativas da Coroa, foi substituída por outra.
Ademais, essa ideologia orienta o pensamento de muitas sociedades ainda hoje. A ordem social é 
divina e justifica, por exemplo, o oprimido estar onde está.
A implantação e a predominância da moral católica europeia tiveram suas consequências 
para nossa formação. O indígena perdeu sua autonomia, sendo levado a praticar os padrões que 
lhe eram impostos. No encontro entre duas culturas em níveis de desenvolvimento diferentes 
e perspectivas morais distintas, a tendência é que haja um choque. Normalmente, o “vencedor 
entende de impor ao povo submetido a sua cultura moral inteira, maciça, sem transigência que 
suavize a imposição” (FREYRE, 2004, p. 178).
Porém, ao mesmo tempo, a cultura nativa que restou foi diluída em hábitos e práticas dentro do que 
compreende-se como essa nova moral social. No âmbito social, o que possibilitou a formação híbrida 
do povo brasileiro foi o cunhadismo, “velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. 
Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa” (RIBEIRO, 2015, p. 63).
Primeiramente, ao olhar da antropologia, podemos ver a prática do parentesco, comum nas 
sociedades igualitárias. Na prática, quando o colono assume esse tipo de relacionamento social até 
então “estranho”, automaticamente ele estabelecia laços com todo o grupo.
Talvez aí, junto do ideal da família rural patriarcal, também esteja outro fator que contribuiu para que 
essa prática de emprego de parentes tenha sido incorporada ao poder público brasileiro no século XIX. 
O cunhadismo parece ter sido fundamental para que os colonos pudessem, sem resistência alguma, 
fecundar as índias e estabelecer uma nova geração no novo mundo. Se o problema inicial da colônia 
era justamente constituir população, ao aderir essa prática muito mais por conveniência do que por 
afinidade, o colono poderia contar com apoio de parentes para benefício próprio. Só para ilustrar a 
importância dessa prática, no século XVI, João Ramalho, um paulista assentado nessa prática que vivia 
144
Unidade III
com nativos, “era capaz de levantar 5 mil índios de guerra, enquanto todo o governo português não 
conseguiria 2 mil” (RIBEIRO, 2015, p. 65).
Isso se alcançava graças ao sistema de parentesco classificatório dos índios, 
que relaciona, uns com os outros, todos os membros de um povo. Assim é 
que, aceitando a moça, o estranho passava a ter nela sua temericó e, em 
todos os seus parentes da geração dos pais, outros tantos pais ou sogros. 
O mesmo ocorra em sua própria geração, em que todospassavam a ser seus 
irmãos ou cunhados. Na geração inferior eram todos seus filhos ou genros 
(RIBEIRO, 2015, p. 63).
Porém, com o passar do tempo, essa prática passa a ser uma ameaça à Coroa portuguesa. Portugal 
aplica, então, o regime das donatarias. Elas eram terras doadas a pessoas com ligações com a Coroa 
para que pudessem colonizá-las. Esses que recebiam o dote eram chamados de donatários e atuavam 
como verdadeiros reis, com poder político e econômico, possuindo direitos de concessão de terras e 
de imposição de penas. Consequentemente, essas terras tornaram-se grandes províncias e mudaram 
a lógica do cunhadismo, pois, com a fundação de vilas nessas terras, o indígena perde seu status de 
parente. O que não muda é o fato de que, a partir de então, as concessões dadas por esses grão-senhores 
também se baseavam no ideal da família e parentesco, sendo a gênese da família rural patriarcal. É por 
isso que temos no Brasil todo bairros com nomes de famílias.
Outro personagem de destaque durante esse processo foi o missionário. Os missionários que 
chegaram no Brasil, em sua grande maioria, foram os da ordem jesuíta. Porém, nossos interlocutores 
afirmam que essa missão foi um dos principais fatores de extermínio dos indígenas.
Sob a justificativa do salvacionismo, eles baniram todas as expressões socioculturais que estavam 
em desacordo com a lógica católica europeia. A consequência dessa catequização foi a mudança na 
dinâmica da aldeia. Os jesuítas dividiram os indígenas em grandes aldeias, fazendo com que se mudasse 
todo o ritmo social entre essas populações.
O jesuíta e o colono tiveram papéis diferentes, durante a colonização, na destituição da cultura 
nativa. Os colonos foram responsáveis pelas mudanças nas dinâmicas sociais, produtivas e sexuais. 
E o jesuíta foi o causador da destruição cultural. Eles foram os culpados, por exemplo, pela implantação 
do uso das roupas nos nativos. A consequência disso foi problemas de saúde, tanto na pele quanto 
respiratórios, pois foi uma mudança brusca de hábito.
Outro aspecto que nos mostra a herança indígena em nosso cotidiano e modo de vida é através da 
culinária. O uso da mandioca como ingrediente na culinária em várias regiões do país é de origem indígena. 
Em um país de desigualdade social, a utilização de um ingrediente para diversas finalidades é extremamente 
significativa. Inclusive, grande parte dos nomes de alguns alimentos são de origem indígena.
Depois da figura da mulher indígena, quem teve importante contribuição no processo colonizador 
encabeçado pelos lusitanos foi o menino indígena. Era através deles que se iniciava o controle social na 
tribo. A lógica era simples: catequisando os pequenos, eles estavam semeando a nova cultura para as 
145
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
futuras gerações. E os jesuítas foram extremamente astutos em conservarem algumas danças indígenas 
e associarem os valores cristãos nelas, implantando, por exemplo, a figura do diabo. Não é exagero 
relacionar essas práticas com futuras práticas católicas de cunho popular.
Figura 34 – Meninos indígenas
Os métodos empregados pelos jesuítas eram diversos. Normalmente, criava-se um colégio jesuíta 
para ensinar os meninos mestiços – em latim, muitas vezes – a rezar, ler e escrever. Porém, os indígenas 
não tinham nenhum apreço por tais aprendizados. A dificuldade desses estudos era somente amenizada 
quando havia lições de música, especificamente canto, ou quando eles faziam encenações de milagres 
e autos religiosos. 
O culumim tornou-se cúmplice do invasor na obra de tirar à cultura nativa 
osso por osso, para melhor assimilação da parte mole aos padrões de moral 
católica e de vida europeia; tornou-se o inimigo dos pais, dos pajés, dos 
maracás sagrados, das sociedades secretas. Do pouco que havia de duro e 
viril naquela cultura e capaz de resistir, ainda que fracamente, à compreensão 
europeia. Longe dos padres quererem a destruição da raça indígena: queriam 
era vê-la aos pés do Senhor, domesticada para Jesus (FREYRE, 2004, p. 218).
Mas não era só o pequeno índio que aprendia com o jesuíta; o jesuíta muito aprendeu com o 
curumim, principalmente em relação à língua nativa. Foi através do contato com os pequenos que 
eles aprenderam a língua nativa para que pudessem atingir seus objetivos. Ribeiro (2015) afirma 
que o tupi-guarani foi a língua falada no Brasil durante séculos. Uma herança que podemos 
perceber desse fato é que temos nomes indígenas para várias regiões do país, desde cidades até 
rios e serras.
Novamente, na perspectiva sociológica, a língua é elemento central na cultura. Ela se tornou 
a base para o intercâmbio entre o jesuíta e o nativo. O tupi foi impregnado com valores cristãos e, 
posteriormente, quando o português torna-se obrigatório, é ele que vem impregnado de tupi.
146
Unidade III
Diante desse panorama, não é de se estranhar que exista uma distância enorme entre o 
erudito e o popular. Primeiramente, a língua dos bacharéis, o português erudito. Depois, a língua 
popular, das pessoas comuns, que vem ainda a ser temperada com diversos dialetos depois da 
chegada dos africanos. 
 Lembrete
O papel dos indígenas foi crucial não só para a colonização, fornecendo 
a primeira leva de brasileiros, mas também contribuiu para diversos 
elementos culturais. Entre os nativos, ganham destaque a mulher e o 
menino indígena.
Há outro aspecto muito interessante para compreendermos o alcance da cultura. Vimos que a 
expansão do poder político da Igreja Católica se deu através da unificação da liturgia e que essa unificação 
se deu através da música. Na colonização brasileira, a música também foi utilizada como instrumento 
para se instituir uma visão de mundo. Ela foi a ferramenta de introdução de ritos, principalmente de 
forma lúdica para as crianças da aldeia. 
O mais interessante é essa troca entre o tupi e o português. Chegou ao ponto de haver algumas 
expressões utilizadas pela Igreja que eram recitadas ou cantadas em tupi. “Ao toque da ave-maria, 
quase toda a gente dizia em voz alta, fazendo o pelo sinal: Santa Caruçá rangana recê” (FREYRE, 
2004, p. 222). 
Porém, o convívio com o jesuíta deixou marcas profundas nos indígenas a partir do momento 
em que sua cultura havia sido tão modificada a ponto de eles mesmos não se reconhecerem mais 
como o povo que eram. Conforme a empreitada catequista foi perdendo força devido ao próprio 
desenvolvimento da sociedade escravocrata, os indígenas foram abandonados pelos seus catequistas 
e ficaram a esmo na sociedade. Aqueles que vieram para “salvar” esse povo nativo acabaram por 
contribuir para sua degradação.
Quando esse momento chegou ao seu ápice, os indígenas ficaram presos à moral à qual haviam sido 
submetidos pelos jesuítas, com obrigações de sustento da família, por exemplo, mas sem nenhuma base 
econômica para tal. E o golpe final foi a instituição do latifúndio açucareiro escravocrata. O índio não 
mais servia aos jesuítas e colonos, e foi simplesmente descartado. 
Uma verdadeira revolução econômica se dá é com o salto da múltipla roça 
indígena, que se cultivava, misturando dezenas de plantas, para a fazenda 
de monótonos canaviais açucareiros. Era o passo da fartura-fome para 
quem lavrava, porque iam deixando de cultivar o que se comia e usava, para 
produzir mercadorias (RIBEIRO, 2015, p. 70).
147
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
Figura 35 – Índios do Amazonas
Porém, essa mudança da matriz de mão de obra de indígena para africana somente mudou os 
protagonistas explorados e seus herdeiros, pois os exploradores continuam sendo os mesmos.
Com a chegada de novos protagonistas, os já mestiços brasileiros recebem a influência de outra 
etnia e, dessa maneira, o desenvolvimento de nossa identidade tornou-se ainda mais complexo.
8 O PAPEL DOS ESCRAVOS AFRICANOS NA FORMAÇÃO BRASILEIRA
Um dos ingredientes mais importantes para o nosso caldeirão de etnias que culminou na miscigenação 
de nosso país foi a presença do negro africano. Assim como a mulherindígena e o curumim foram 
fundamentais para as pretensões da Coroa portuguesa em ocupar e povoar a nova colônia, o escravo foi 
fundamental para a consolidação do sistema latifundiário monocultor.
Se o contato inicial do colono com a indígena foi no ímpeto de constituição de mão de obra 
para povoar a colônia, o sexo foi elemento fundamental na formação do Brasil. Vale ressaltar que, 
seja ele de forma consensual, nos moldes da tradicional família católica europeia, seja nas relações 
completamente fora desse padrão, sempre esteve presente em nosso processo de desenvolvimento 
enquanto sociedade.
O mais interessante é que esse relacionamento sexual se deu, principalmente, entre etnias diferentes, 
e com a chegada do africano escravizado, esse panorama não se alterou. O relacionamento social entre 
os brancos e os negros fazia com que o processo de envolvimento sexual acontecesse.
Ademais, o envolvimento entre os escravos e os senhores e sua família era, além de sexual, de 
convívio no âmbito familiar. É praticamente impossível afirmar que seria um relacionamento afetivo. 
Porém, sabe-se que, mesmo que não houvesse afeto, o relacionamento era de intimidade.
Vamos começar pelas crianças. Desde o nascimento da criança branca, o envolvimento com as 
escravas acontecia, como no caso da ama-de-leite. Ela era uma escrava destinada a cuidar e amamentar 
148
Unidade III
a criança. Ao mesmo tempo, a criança ganhava um escravo da mesma idade para “brincar”, como 
também já estudamos anteriormente, desenvolvendo nos pequenos um gosto por mandar.
Para Freyre (2004), a formação social brasileira em relação à moral sexual foi consequência do sistema 
econômico e social. Com a escravidão funcionando livremente, a sexualidade tornou-se algo corriqueiro 
e banal, funcionando mecanicamente. Firmou-se então um ideal de liberdade sexual, embora muitas 
vezes ainda de forma velada, muito diferente de outras sociedades que se desenvolveram nessa mesma 
época. A consequência disso seria a associação da imagem do negro escravizado à perversão.
Figura 36 – Senzala 
Se fosse possível mensurar, em termos quantitativos, qual etnia foi mais importante para a 
constituição de nossa identidade, muitos autores afirmariam que o negro escravizado ocuparia esse 
lugar. Porém, já que uma tarefa como essa é impossível, vamos estudar alguns elementos-chave que os 
negros escravizados deixaram de herança para nós. Assim como fizemos ao estudar os colonos lusitanos, 
vamos compreender quem eram esses escravos e como vieram parar aqui.
Sua importância é extensa: contribuíram da miscigenação do nosso povo até a propagação da fé 
ou língua portuguesa. Eles foram mão de obra do latifúndio, isso porque a cultura do seu local de 
origem era extremamente desenvolvida, com lógicas mais complexas do que as culturas que os colonos 
encontraram aqui com os nativos indígenas.
Freyre (2004) afirma que, para compreendermos melhor esse papel do africano, devemos entender o 
momento vivenciado por eles em seu continente. Dessas pessoas escravizadas, grande parte era oriunda 
da cultura islâmica e em sua maioria alfabetizada. Escravos trazidos do Sudão, que predominavam na 
Bahia, eram, em sua maioria, muçulmanos instruídos, por exemplo. Dessa forma, havia na região mais 
escravos alfabetizados do que a família patriarcal que vivia na casa-grande.
Embora seja importante para nosso estudo compreender a origem dos africanos que aqui foram 
trazidos, vale salientar que os motivos dos colonos é que ditaram esse processo migratório na forma 
de escravidão. Não podemos nos esquecer que “sempre que consideramos a influência do negro 
sobre a vida íntima do brasileiro, é a ação do escravo, e não a do negro por si, que apreciamos” 
149
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
(FREYRE, 2004, p. 397). Essas características culturais foram completamente ignoradas pelos 
portugueses. Aos seus olhos, os negros eram vistos como fortes e baratos, e o critério de escolha 
era a condição de se exercer o trabalho braçal. Parece-nos absurdo nos dias de hoje escravizar seres 
humanos para trabalharem na forma mais precária possível e simplesmente ter como objetivo 
final o ato de povoar e gerar lucro aos que comandam a nova terra. A consequência desse fluxo 
migratório forçado foi o choque intercultural em um caldeirão em ebulição como é a sociedade 
brasileira por essência.
É leviano simplesmente classificar tudo em um único conceito: os “negros africanos”. São seres 
humanos, escravizados por uma potência expansionista, subjugados de sua humanidade, advindos 
de diversas culturas, muitas delas letradas, assim como a cultura dos lusitanos, vindos do continente 
africano, mas de diversas partes dele, sendo que várias nações e etnias foram colocadas em contato 
e, ao chegarem aqui, tornaram-se simplesmente objetos de valor mercantil. Não podemos negar a 
humanidade dessas pessoas. No campo profissional, muitos que foram trazidos à força já trabalhavam 
como ferreiros ou eram especialistas em atividades como mineração, criação de gado e indústria pastoril.
Ribeiro (2015) afirma que a primeira leva de escravos chegou ao continente na metade do século XVI. 
A conivência e o apoio à prática da escravidão por parte da Coroa era oficial, sendo permitido a cada 
senhor do engenho um limite de importação de 120 escravos. Entretanto, o viés capitalista da Coroa 
nunca limitou a quantidade de escravos que poderiam ser comprados nos mercados. Nesse período, o 
mercado escravocrata gerou uma movimentação financeira de 160 milhões de libras-ouro.
Assim como havia acontecido com o ameríndio, o encontro entre o catolicismo europeu e as religiões 
africanas também ocorreu. Houve, inclusive, o choque com a doutrina islâmica, por conta da cultura 
dos africanos e um sincretismo por parte do catolicismo. A religião católica que surge na América é, 
talvez, uma das mais sincréticas do mundo justamente por causa do contato entre culturas distintas.
 Observação
Sincretismo é a capacidade que uma religião tem de absorver elementos 
de outras religiões. 
Freyre (2004) fala que o cristianismo no Brasil foi “amansado” ao contato com outras culturas. 
Podemos perceber a herança de encontro cultural em diversas práticas, como a reza para proteger a casa 
de ladrões e amuletos, mas feitos com coisas simples, como pedaço de papel. Toda essa mistura pode ser 
vista nos ritos que surgiram dessa mistura e se enraizaram em nossa sociedade.
Outro aspecto interessante da constituição do Brasil enquanto sociedade é o fato de que as três culturas 
que aqui se chocaram tinham algumas características parecidas, o que facilitou o desenvolvimento em 
paralelo entre elas e, simultaneamente, de uma nova concepção sociocultural como resultado desse 
encontro. Essas similaridades contribuíram, de fato, para a formação do catolicismo popular. 
150
Unidade III
Um aspecto interessante que vale nossa atenção é o fato de que o próprio catolicismo português, 
embora de origem europeia, também já havia tido influencia de outras culturas por lá, fazendo com que 
algumas práticas já tivessem tendências ao popularesco. Dentre essas práticas, destacam-se aquelas 
relacionadas à gravidez: a grávida não passar debaixo da escada ou realizar pedidos às santas – sempre 
Nossa Senhora de alguma coisa – para que o parto não fosse doloroso se tornaram hábitos comuns. 
Ao contato com as culturas ameríndia e africanas, temos no Brasil uma leva de nomes de Marias: de 
Lourdes, das Graças, da Conceição, entre muitos outros.
A origem islâmica, embora não seja tão visível, deixou resquícios no modo de vestir. Tomemos, por 
exemplo, o traje africano de origem islâmica. Por conta de grande parte dos escravos que estavam na 
Bahia serem de origem islâmica, é comum as doceiras utilizarem xales e muitas saias. Essa figura vem a 
ser explorada como ala obrigatória nos desfiles de escolas de samba principalmente a partir da década 
de 1990: a ala das baianas. Estamos falando de herança e desenvolvimento de cultural. Tudoé fruto de 
um processo de desenvolvimento social, sendo praticamente impossível datar quando e onde as coisas 
começaram. Porém, podemos perceber que muitas práticas socioculturais só passam a existir após o 
contato com outras culturas. As práticas são consequências.
Durante o período colonial até o império, muitos problemas sociais foram justificados colocando a 
culpa no escravo. Era uma forma ideológica de se justificar a escravidão. Se eles foram desumanizados, 
desenraizados de seu meio social em contato com outras forças culturais e tiveram sua cultura diluída 
em outro meio, seu comportamento só poderia ser imoral perante os olhos dos colonos.
Diante da lógica da monocultura escravocrata, criou-se uma prática social na qual uma minoria 
manda e a maioria trabalha. É o ócio colonial que surge desse sistema. Dessa forma, o não trabalho 
ganhou aqui conotação positiva, afinal, só não trabalhava quem não precisava. Podemos ver, então, na 
ostentação do ócio, uma forma de exibição de poder. E o que é a vida nas redes sociais, nos dias de hoje, 
se não uma forma de ostentação de uma vida perfeita? 
Contudo, desse convívio em espaço reduzido entre os senhores e os escravos na casa-grande e a 
senzala, com os filhos dos senhores sendo cuidados por escravas e muitas vezes até amamentados 
por elas, os cuidados de mãe acabaram por ser transferidos de figura. Essa era a possibilidade de um 
intercâmbio cultural intenso, transitando desde cuidados de higiene até intercâmbio religioso.
Tal prática, mesmo com o fim da escravidão, ainda é presente em nossa sociedade. É comum na alta 
sociedade a figura da babá morando na casa dos patrões. Aliás, o Brasil, principalmente nas metrópoles 
da região Sudeste, é um dos poucos países em que, durante o século XX, fazia-se o quarto de empregada 
em suas construções.
Não estamos aqui de forma alguma afirmando que a empregada é uma escrava! O fato é que 
essa prática em que uma pessoa é incumbida dos cuidados maternais e de cuidar da casa é de origem 
escravocrata. Nos dias de hoje, muitas vezes, os pais trabalham e não podem ficar o tempo desejado 
com os filhos, aumentando a necessidade dessa figura maternal alheia ao sangue, mas a prática em si 
remonta suas origens na colônia e na escravidão. O pano de fundo nessas questões são as diferenças de 
classes sociais existentes no Brasil desde o período colonial.
151
ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA
 Saiba mais
Sobre o tema, assista ao filme:
QUE HORAS ela volta? Dir. Anna Muylaert. Brasil: África Filmes, 2015. 
114 minutos.
Novamente voltamos à língua. O processo de desenvolvimento do português falado é um excelente 
indicador das dinâmicas sociais em terras brasileiras. Muitas canções de ninar de origem lusitana foram 
modificadas pelas amas negras. Essas modificações eram ligações com elementos regionais, atrelados 
às crenças africanas e indígenas. As melodias portuguesas alteradas com palavras de origem africana 
formaram um dos pilares que sustentou e propagou a miscigenação. 
Assim a velha canção “escuta, escuta, menino” aqui amoleceu-se em 
“durma, durma, meu filhinho”, passando Belém de “fonte” portuguesa, a 
“riacho” brasileiro. Riacho de engenho. Riacho com mãe-d’água dentro, 
em vez de moura-encantada. O riacho onde se lava o timãozinho de 
nenê. E o mato ficou povoado por “um bicho chamado carrapatu”. E em 
vez do papão ou da côca, começaram a rondar o telhado ou o copiar das 
casas-grandes, atrás dos meninos malcriados que gritavam de noite nas 
redes ou dos trelosos que iam se lambuzar de geléia de araçá guardada na 
despensa – cabras-cabriolas, o boitatá, negros de surrão, negros velhos, 
papa-figos (FREYRE, 2004, p. 410).
Esse processo demonstra o potencial da comunicação como elemento constituinte de trocas 
sociolinguísticas. As histórias e narrativas lusitanas foram alteradas no Brasil principalmente na figura 
das amas-de-leite. Não somente elas, mas os escravos foram fundamentais na expansão da língua 
portuguesa. “Isso porque sua população principal de escravos e mestiços, sendo compelida a adotar 
a fala do capataz para se comunicar com os outros escravos, realizou o papel de consolidar a língua 
portuguesa” (RIBEIRO, 2015, p. 75). Dessas histórias modificadas surgiram novas histórias. Elas eram 
narrativas, muitas vezes de cunho mítico, que se espalham por nossa terra. Dessa maneira, temos o 
surgimento do que chamamos de folclore.
Assim como os catequistas focaram seus esforços no menino indígena, o contato dos meninos 
de engenho com escravas teve efeito parecido, embora não intencional como o jesuíta. Isso porque o 
intercâmbio sociolinguístico aconteceu na linguagem infantil. Segundo Freyre (2004), essa influência 
pode ser vista nas palavras infantis com as sílabas finais moles – neném, papá, pipi, bumbum e uma 
infinidade de palavras – e, principalmente, nos sotaques. Embora na linguagem infantil seja mais fácil 
de encontrarmos expressões “amolecidas”, essa troca sociolinguística aconteceu em toda a língua de 
modo geral. 
152
Unidade III
Holanda (2016) nos mostra, também através da língua, um aspecto familiar patriarcal através do 
emprego de diminutivos. “A terminação ‘inho’, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com 
as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo” (HOLANDA, 2016, p. 256). Pensando 
nas relações internacionais, o diminutivo no Brasil tem significado de proximidade, sendo que em várias 
culturas do mundo ele é uma forma de rebaixar a outra pessoa. Esse é um fato de nossa cultura do qual 
devemos estar cientes para que não tenhamos problemas no meio internacional.
Diferentemente do tupi, aprendido e difundido pelos jesuítas, as línguas nativas dos africanos não 
foi difundida, mas diluída na língua portuguesa. Utilizamos hoje palavras africanas em nosso dia a dia 
que sequer sabemos que são africanas.
É inegável que Freyre (2004) é entusiasta e defensor da miscigenação. Para ele, a troca sociolinguística 
acontece porque algumas palavras se conectam melhor às emoções, sentido, experiência e paladar. De 
fato, o que acontece muitas vezes é um embate linguístico entre popular e erudito. Isso não apaga 
o fato de que a língua portuguesa que aqui se desenvolveu teve uma lógica sui generis, assim como 
inúmeros aspectos de nosso desenvolvimento enquanto sociedade. 
Através da própria linguagem, podemos perceber a influência negra na formação brasileira. As 
relações entre as duas etnias – brancos e negros – moldaram o Brasil. Claro que não esquecemos do 
nativo, mas depois da chegada dos escravos, as formas de organização social e produção econômica 
foram alteradas. Não podemos esquecer que a população brasileira era mestiça, e as relações entre 
escravos e senhores começam no nascimento e acabam somente com a morte. 
À figura boa da ama negra que, nos tempos patriarcais, criava o menino lhe 
dando de mamar, que lhe embalava a rede ou o berço, que lhe ensinava as 
primeiras palavras de português errado, o primeiro “padre-nosso”, a primeira 
“ave-maria”, o primeiro “vôte” ou “oxente”, que lhe dava na boca o primeiro 
pirão com carne e molho de ferrugem, ela própria amolegando a comida 
– outros vultos de negros se sucediam na vida do brasileiro de outrora. 
O vulto do moleque companheiro de brinquedo. O do negro velho, contador 
de histórias. O da mucama. O da cozinheira. Toda uma série de contatos 
diversos importando em novas relações com o meio, com a vida, com o 
mundo. Importando em experiências que se realizavam através do escravo 
ou à sua sombra de guia, de cúmplice, de curandeiro ou de corruptor 
(FREYRE, 2004, p. 419).
Porém, salientamos que, infelizmente e acima de tudo, o negro era escravo. O fato para o qual 
chamamos atenção é que, mesmo sob essa condição, sua influência foi incomensurável. O escravo 
companheiro de brinquedo do menino branco, por exemplo, era um objeto para satisfazer um desejo 
sádico de mandar. E, infelizmente, essa prática era comum. Quando a criança conseguia deixar o berço,

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