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A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL - Thamiris Nogueira e Fellipe Besighini Valles

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A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
THAMIRIS NOGUEIRA MATOS 
FELLIPE BESIGHINI VALLES 
 
PROFª. MARIANA RASGA 
 
 
RESUMO: A presente pesquisa tem o intuito de tratar a importância da saúde como Garantia 
Constitucional, os problemas atuais e como esse cenário influenciou na Judicialização da Saúde 
pública no Brasil. A partir do crescimento desses tipos de ações, os Tribunais brasileiros 
encontram-se abarrotados de processos e o tempo de análise, primordial nesse caso, se encurta. 
Como auxílio aos Magistrados, o Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde (NAT) 
veio para trazer uma explicação técnica sobre os pedidos terapêuticos, porém segundo a 
pesquisa realizada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER) para o Conselho Nacional de 
Justiça (CNJ) os pareceres dos NATs têm sido pouco usados nas decisões judiciais. 
 
 
PALAVRAS-CHAVE: Judicialização da saúde. Direito Constitucional. Garantias 
Constitucionais. Princípio da dignidade da pessoa humana. NAT. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
 
THE JUDICIALIZATION OF PUBLIC HEALTH IN BRAZIL 
 
Abstract: This research aims to address the importance of health as a Constitutional Guarantee, 
the current problems and how this scenario influenced the Judicialization of public health in 
Brazil. As a result of the growth of these types of lawsuits, the Brazilian Courts are full of cases 
and the time of analysis, essential in this case, is shortened. As an aid to the magistrates, the 
Center for Technical Assistance in Health Actions (NAT) came to bring a technical explanation 
about the therapeutic requests, however according to the research carried out by the Institute of 
Education and Research (INSPER) for the National Council of Justice (CNJ ) the opinions of 
NATs have been little used in judicial decisions. 
 
Keywords: Judicialization of health. Constitutional right. Constitutional Warranties. Principle 
of human dignity. NAT. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
I. INTRODUÇÃO 
 O Ser Humano para atingir seu bem-estar completo necessita, principalmente, de 
equilíbrio, e para isso é necessário que todas as áreas de sua vida estejam funcionando 
minimamente bem. No entanto, se pudéssemos colocar essas necessidades em uma cadeia 
hierárquica, possivelmente, a saúde estaria no topo, já que se esta área não estiver em equilíbrio, 
todo o resto pode perecer. 
 E hoje, o conceito de saúde adotado mundialmente é a concepção aplicada pela 
Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946): “um estado de completo bem-estar físico, mental 
e social, não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade.” 
 A contar desse conceito firmado pela OMS, na década de 70, as ciências sociais 
ganharam importância na América Latina. E, por esse motivo, foram organizadas conferências, 
como a de Alma-Ata e a Conferência de Ottawa, para que medidas de promoção da saúde 
fossem discutidas e alcançassem o nível mundial. 
 Com isso, a Constituição de 1988, do artigo 196 ao artigo 200, fixou a saúde como 
garantia fundamental a todos os cidadãos brasileiros. Nesses artigos o legislador disciplinou 
assuntos como: o dever do Estado de garantir o acesso de todos, as diretrizes do sistema único, 
quais seriam os recursos para manter esse sistema, e quais são suas atribuições. E, com esses 
parâmetros definidos a garantia tomou sua forma teórica. 
 
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas 
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e 
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e 
recuperação. 
 
 Contudo, é primordial entender que por trás da letra da lei há um princípio norteador 
dessa garantia. A salvaguarda da saúde é pautada em especial no princípio da dignidade da 
pessoa humana, que busca proteger os valores mais caros do indivíduo, colocando-o em um 
lugar de honra e respeito, e não mais como uma pequena peça de engrenagem do sistema. 
 
 
II. SEGUNDO 
 Dessa forma, com o advento da definição da saúde como garantia constitucional, a 
população brasileira tomou consciência de que esse direito deveria ser cumprido e prestado de 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
forma eficaz e igualitária. Essa conscientização, porém, só foi alcançada pela população, não 
atingindo o Estado. 
 Há alguns anos que o Sistema de saúde brasileiro, visivelmente, não recebe os 
investimentos necessários para um funcionamento eficiente e capaz de atender a todos. As 
UPAs e hospitais públicos parecem estar esquecidos pelos governantes, não recebendo os 
medicamentos, insumos e equipamentos necessários. Falta pessoal, e os profissionais de saúde 
que ali estão não conseguem prestar um socorro digno aos usuários por falta dos materiais 
necessários. 
 Os usuários por sua vez não têm a possibilidade de escolha, e acabam tendo que lutar 
por alguma forma de atendimento, mesmo que precária. Ficam em filas infinitas para consultas 
e cirurgias, são atendidos em corredores e macas improvisadas, saem dos atendimentos sem 
medicação, não conseguem atendimento de emergência, etc. Conforme é relatado na matéria 
do Jornal Extra: 
 
No corredor D do setor conhecido como "grande emergência" no Hospital Municipal 
Lourenço Jorge, um homem de quase 80 anos espera por atendimento. Deitado em 
uma maca improvisada, colocada há três dias num cantinho do chão próximo a uma 
porta, ele ainda não recebeu o diagnóstico da doença que o deixou sem fala e 
movimentos. Mas $o único hospital público da Barra da Tijuca, o paciente está 
devidamente acomodado num leito, identificado por um número, na enfermaria 999.1 
 
E também na reportagem do Jornal Estadão: 
 
Pelo menos 904 mil pessoas esperam por uma cirurgia eletiva – não urgente – 
no Sistema Único de Saúde (SUS). Parte desses pacientes aguarda o procedimento há 
mais de 10 anos. Isso é o que mostra levantamento inédito feito pelo Conselho Federal 
de Medicina (CFM) com dados das secretarias da Saúde dos Estados e das capitais 
brasileiras obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. A demora para realizar 
procedimentos, afirmam especialistas, pode agravar o quadro dos pacientes.2 
 
 Esses são alguns casos do tratamento desumano que os usuários da saúde pública 
brasileira enfrentam todos os dias. 
 
1DIAS, Thamyres. Macas viram leitos e corredor se transforma em enfermaria no hospital Lourenço Jorge. O 
Globo, Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 2011. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/macas-viram-leitos-
corredor-se-transforma-em-enfermaria-no-hospital-lourenco-jorge-2686491>. Acesso em: 08 de Junho de 2020. 
2CAMBRICOLI, Fabiana. País tem 904 mil na fila por cirurgia eletiva no SUS; espera chega a 12 anos. O Estado 
de São Paulo, São Paulo, 04 de Dezembro de 2017. Disponível em: <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,p 
ais-tem-904-mil-na-fila-por-cirurgia-eletiva-no-sus-espera-chega-a-12-anos,70002106713>. Acesso em: 08 de 
Junho de 2020. 
 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
 E na tentativa de conseguir o tratamento necessário, os usufrutuários desse desserviço 
buscam na justiça sua última esperança. Por isso, as ações de medicamentos em face da Fazenda 
Pública vêm crescendo nos Tribunais pelo Brasil. São processos em que os autores procuram 
medicamentos, insumos, cirurgias, tratamentos e transferências, que, obviamente, não são 
fornecidos pelas vias normais. 
 Além disso, alguns medicamentos e insumos, por exemplo, não fazem parte da lista de 
medicamentos fornecidos pelas Secretarias de Saúde ou não possuem autorização da Agência 
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para circularem no Brasil. E, então, além de contar 
com a falta de abastecimento dos produtos pertencentes à estas listas, os cidadãos contam com 
maisessa barreira. 
 E, através da assistência das Defensorias Públicas e de escritórios particulares de 
advocacia, todo cidadão, que comprovar sua necessidade de tratamento e impossibilidade de 
arcar com os custos da terapêutica, pode ingressar com tal ação e por intermédio do poder 
Judiciário alcançar seu pleito. 
 O Judiciário, portanto, tem papel de intermediário nessa relação, buscando, de forma 
coercitiva, que o Estado forneça o recurso terapêutico necessário. Caso não seja fornecido 
dentro do prazo estipulado pelo Juízo, pode ser imposto o bloqueio de valores do erário público, 
sendo necessário a comprovação pela parte autora do menor valor disponível no mercado para 
realização do requerido. 
 
 
II. TERCEIRO 
 No entanto, como os autores dessas ações tem logrado êxito em seus pedidos, elas vêm 
se tornando mais conhecidas, e, com isso, a quantidade de processos vem crescendo de forma 
significativa. Os tribunais brasileiros se encontram abarrotados desses processos, alguns 
pedidos necessitam de análise em tempo recorde, como o caso das ações de transferência 
hospitalar, e se torna cada vez mais necessário que se estude medidas para a diminuição dessas 
ações e para otimização do tempo de julgamento. 
 Alguns estados já implementaram medidas que caminham dando certo, e sendo 
ajustadas. Medidas essas que buscam uma maior comunicação entre os órgãos atuantes na área, 
para que seja encontrada uma alternativa que diminua a necessidade de procura ao Judiciário 
pelos cidadãos. 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
 É o caso do Rio Grande do Sul e de São Paulo, que criaram um Comitê Estadual para 
que os principais atores da judicialização da saúde pública pudessem se comunicar e delimitar 
os principais problemas apresentados em cada órgão, para ,assim, conseguirem traçar medidas 
eficazes, como cita a pesquisa Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas 
e propostas de solução: 
 
Assim como no Estado de São Paulo, também no Rio Grande do Sul a judicialização 
da saúde é marcada por uma predominância de casos individuais envolvendo 
medicamentos fora das listas e protocolos do SUS e tendo como [...] polo passivo a 
Secretaria Estadual de Saúde.[...] A principal característica da gestão da 
judicialização da saúde no estado é a íntima articulação de atores por meio do Comitê 
Estadual. Em todas as entrevistas realizadas no estado os atores destacaram o comitê 
como um divisor de águas na história da judicialização do estado que passou a 
responder com uma paulatina redução de novas ações e custos desde 2010, quando 
foi instituído logo após a Resolução CNJ n. 107 de 2010. [...] O comitê atua a partir 
de ações de [...] planejamento e de gestão sistêmicos com foco na saúde, promovendo 
o diálogo entre diferentes atores do sistema de justiça e de saúde diante de problemas 
de saúde focalizados.3 
 
Uma das medidas implementadas que tem se mostrado bem vantajosa é o acesso direto 
da Defensoria Pública do Estado ao sistema informatizado da SES para que seja feita uma 
consulta de estoque dos medicamentos. Com esse feito houve uma diminuição das ações 
judiciais e um aumento dos processos administrativos, trazendo um refrigério para o sistema 
judiciário, como aponta o Magistrado Martin Schulze na pesquisa Judicialização da Saúde no 
Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução: 
 
Uma das articulações fundamentais promovidas pelo Comitê, também destaca o 
magistrado, foi a triagem administrativa realizada pela Defensoria antes do 
ajuizamento de qualquer ação judicial, nos moldes do Acessa SUS paulistano. A 
Defensoria conta com um núcleo específico da saúde – Núcleo de Defesa da Saúde 
(NUDS) que desde 2015 atua de forma conveniada com a secretaria com acesso direto 
ao sistema informatizado da SES para consultas sobre a disponibilidade de 
medicamentos em estoque – o sistema AME ou Administração de Medicamentos 
Especiais (AME). A Defensoria pode consultar o estoque da SES e realizar uma 
triagem administrativa a partir de convênio firmado com o Conselho Regional de 
Farmacêuticos, o qual disponibiliza uma farmacêutica ao núcleo (Vasconcelos, 2018). 
Como resultado, o atendimento administrativo tem recebido 85% das demandas em 
saúde na capital, das quais apenas 15% se tornaram pedidos judiciais em 2015, o que 
inverteu o cenário de predominância de casos judiciais sobre administrativos – em 
2017 tramitariam na capital 20 mil processos administrativos e 3.100 judicias. Esta 
 
3BRASÍLIA, Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e 
propostas de solução. Brasília, 2019. Página 110. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019 
/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf. Acesso em: 08 de junho de 2020. 
 
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO 
BRASIL 
 
 
 
triagem resume-se à capital e à comarca de Santa Marta, município que registra os 
maiores indicies de judicialização do estado (Vasconcelos, 2018). 4 
 
E para que os Magistrados tenham um maior embasamento em suas decisões referentes 
a saúde, os NATs (Núcleos de assistência técnica) foram criados para oferecer esse auxílio. A 
partir dos documentos médicos anexados pela parte autora ao processo, o NAT emite um 
parecer técnico sobre as evidências científicas da terapêutica indicada, para que, então, o Juízo 
decida se o pedido feito é pertinente. 
O mecanismo ampara decisões de muitos magistrados pelo país, já que ao ser distribuído 
e encaminhado o pedido para o Juízo, esse não possui qualificação técnica para afirmar a 
adequação do tratamento ao paciente. Por isso, a necessidade de uma análise científica caso a 
caso. 
No entanto, a utilização e citação dessas avaliações em decisões judiciais ainda é muito 
baixa. Segundo dados apresentados pela pesquisa Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das 
demandas, causas e propostas de solução, alguns estados não possuem nenhuma decisão que 
faça referência ao Núcleo: 
 
O mesmo pode estar ocorrendo em outros estados que possuem NATs ainda muito 
jovens, apesar da primeira recomendação do CNJ para sua criação ser de 2011. É o 
caso do TJDFT, como vimos também na parte qualitativa, em que nenhuma decisão 
faz referência ao núcleo. Dentre os estados analisados na porção qualitativa desta 
pesquisa, apenas citam o NAT o TJBA e o TJPA cada um em uma decisão.5 
 
Portanto, torna-se clara a necessidade de analisar medidas que possam tornar o uso dos 
pareceres do NAT mais efetivo, visto a necessidade de suas avaliações para a existência de 
decisões embasadas e certeiras. 
 
 
 
4BRASÍLIA, Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e 
propostas de solução. Brasília, 2019. Página 110 e 111. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads 
/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf. Acesso em: 08 de junho de 2020. 
5BRASÍLIA, Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e 
propostas de solução. Brasília, 2019. Página 137 e 138. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads 
/2019/03/66361404dd5ceaf8c5f7049223bdc709.pdf. Acesso em: 08 de junho de 2020.

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