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LIVRO 2 - Gênero e Vulnerabilidade na saúde das mulheres

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Catalogação elaborada na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável: 
Rosiane Maria - CRB-14/1588
U588g Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de 
 Saúde Pública. Curso de Atenção Integral à Saúde das Mulheres – Modalidade a Distância.
 Gênero e vulnerabilidades na saúde das mulheres [Recurso eletrônico] / Universidade 
 Federal de Santa Catarina. Michele de Freitas Faria de Vasconcelos... [et al]. (org.) – 2 ed. – 
 Florianópolis: UFSC, 2019.
 74 p. : il. color. 
 Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br 
 Conteúdo do módulo: Unidade 1 – Relações de gênero e o cuidado em saúde. – Unidade 2 
 – Especificidades e vulnerabilidades na saúde das mulheres. – Unidade 3 – Perspectivas de 
 atenção à saúde das mulheres na atenção primária.
 ISBN: 978-85-8267-108-5
 1. Gênero e saúde. 2. Saúde das mulheres. 3. Vulnerabilidade e saúde. I. UFSC. 
 II. Vasconcelos, Michele de Freitas Faria de. III. Silva, Jeane Félix da. IV. Rodrigues, Ana María 
 Mujica. V. Warmling, Deise. VI. Título. 
CDU: 613.9
 5 
GOVERNO FEDERAL
Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção Primária em Saúde
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas
Coordenação Geral de Ciclos de Vida
Coordenação de Saúde das Mulheres
Universidade Federal de Santa Catarina
Reitor: Ubaldo Cesar Balthazar
Vice-Reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann
Pró-Reitora de Pós-Graduação: Cristiane Derani
Pró-Reitor de Pesquisa: Sebastião Roberto Soares
Pró-Reitor de Extensão: Rogério Cid Bastos
Centro de Ciências da Saúde
Diretor: Celso Spada
Vice-Diretor: Fabrício de Souza Neves
Departamento de Saúde Pública
Chefe do Departamento: Fabrício Augusto Menegon
Subchefe do Departamento: Lúcio José Botelho 
Coordenadora do 
Curso de Capacitação: Elza Berger Salema Coelho
Créditos
 6 
EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres
Gestora geral do Projeto
 Elza Berger Salema Coelho
Equipe de produção editorial
 Carolina Carvalho Bolsoni
 Deise Warmling
 Elza Berger Salema Coelho
Equipe executiva
 Dalvan Antonio de Campos
 Gisélida Vieira 
 Patrícia Castro 
 Sheila Rubia Lindner 
 Naiane Cristina Salvi
 
Consultoria técnica
 Carmem Regina Delziovo
Créditos
 7 
AUTORIA DO MÓDULO
 Ana María Mujica Rodriguez
 Deise Warmling
 Jeane Félix da Silva
 Michele de Freitas Faria de Vasconcelos
Assessoria pedagógica
 Márcia Regina Luz 
Identidade visual e Projeto gráfico 
 Pedro Paulo Delpino 
Diagramação, ajustes 
e finalização 
 Adriano Schmidt Reibnitz
Esquemáticos
 Naiane Cristina Salvi
Design instrucional, revisão de 
língua portuguesa e ABNT 
 Eduard Marquardt
Fonte para imagens e esquemáticos
 Fotolia
Créditos
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 9 
Este módulo tem como fio condutor o concei-
to de relações de gênero, fundamental quando 
se trabalha para produzir saúde das – e com 
– as mulheres. Parte-se da ideia de que a saú-
de das mulheres é influenciada, de maneira 
relevante, pela intersecção entre relações de 
gênero e territórios de vulnerabilidade. Este 
reconhecimento pode contribuir com a huma-
nização da atenção às mulheres nos serviços 
de saúde, considerando suas especificidades 
e vulnerabilidades. 
O convite para você é que repense a sua práti-
ca diária e que atue na contramão da produção 
de uma atenção à saúde da mulher prescrita 
de forma generalizada e uniformizada, aten-
ção esta aqui entendida como “desumaniza-
dora”, na medida em que é incoerente com o 
direito à saúde de todas as diferentes mulhe-
res, com garantia de acesso universal e equi-
tativo a ações integrais em saúde, de acordo 
com as suas especificidades. 
É um convite, portanto, para ir em direção à 
atenção à saúde das mulheres, incluindo sin-
gularidades de grupos de mulheres e de cada 
mulher, levando em consideração diferenças 
e desigualdades regionais, de faixa etária, 
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
escolaridade, religião, sexualidade, aparência 
física, entre outros fatores. Trata-se de, no 
atendimento, abarcar questões de raça/cor e 
etnia, como as especificidades concernentes 
à produção da atenção à saúde das mulheres 
negras, indígenas, mulheres do campo, flo-
resta e águas, que vivem em situação de rua, 
de mulheres transexuais, mulheres que vivem 
com HIV/AIDS – ou seja: refletir sobre a saúde 
das mulheres, considerando a multiplicidade 
de cenários e as contingências das situações 
em que as mulheres brasileiras vivem. 
A aposta, então, é no acesso com qualidade 
e equânime aos serviços de saúde a todas as 
mulheres, exercitando o direito à saúde. 
Esperamos que este módulo do curso seja 
muito proveitoso. Por isso, desejamos ótimos 
estudos e (trans) formações nos modos de 
pensar e produzir saúde, não apenas para, e 
sim junto com as mulheres.
 10 
Neste módulo o aluno deverá ser capaz de re-
conhecer as principais questões de gênero e 
vulnerabilidades que influenciam a saúde das 
mulheres. 
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Objetivos de aprendizagem para este 
Módulo
Ao final deste módulo, você deverá reconhe-
cer as principais questões concernentes à in-
terface entre relações de gênero e territórios 
de vulnerabilidade que influenciam a saúde 
das mulheres. 
Carga horária de estudo recomendada 
para este módulo
30 horas
 11 
Unidade 1 – UN1
Relações de gênero e o cuidado em saúde 13
1.1 Correntes teóricas de gênero 15
1.2 Desigualdades de gênero e impactos na saúde 18
1.3 Medicalização do corpo feminino 21
Unidade 2 – UN2
Especificidades e vulnerabilidades na saúde das mulheres 23
2.1 Identidades de gênero e orientações sexuais 26
2.2 Políticas públicas para as mulheres lésbicas, bissexuais e 
 transexuais e travestis 31
2.3 Acolhimento às mulheres lésbicas, bissexuais e travestis 32
2.4 Especificidades em saúde das mulheres 34
Unidade 3 – UN3
Perspectivas de atenção à saúde das mulheres na Atenção Primária 53
3.1 Estratégias de superação das vulnerabilidades em saúde das mulheres 55
3.2 Abordagem multidisciplinar e intersetorial da saúde das mulheres 60
Resumo do módulo 65
Referências 67
Sobre as autoras 73
Sumário
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UN1
Relações de gênero e o cuidado 
em saúde
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 15 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Nesta unidade, apresentaremos o conceito de 
relações de gênero, propondo que, por meio 
dele, possamos analisar o cuidado em saú-
de que temos produzido. A partir do entendi-
mento de que o gênero atravessa a produção 
das práticas de saúde, a proposta é qualifi-
carmos a atenção em saúde por meio deste 
viés. Apostamos na ideia de que a saúde das 
mulheres é influenciada pela intersecção en-
tre relações de gênero e territórios de vulne-
rabilidades. Deste modo, é preciso conside-
rar as especificidades e as vulnerabilidades 
das mulheres, entendendo cuidado em saúde 
como um modo de, em aliança com as mulhe-
res, interferir no que restringe tais territórios, 
ampliando possibilidades de vida.
1.1 Correntes teóricas de gênero
Gênero é um conceito construído no interior 
dos movimentos feministas e de mulheres, no 
intuito de construir respostas teóricas, políti-
cas e intervenções que possam ser utilizadas 
para se contrapor as desigualdades de diver-
sas ordens sustentadas a partir das diferen-
ças naturalizadas entre homens e mulheres. 
Como existem diferentes feminismos, existem 
diversas maneiras de se pensar e operar com 
esse conceito. Neste curso, entendemos gê-
nero como um organizador da esfera social, 
como “categoria analítica de poder” (SCOTT, 
1995) não restrita à mulher, nem à relação 
entre homens e mulheres. Ou seja, o gênero 
atravessa a constituição e o funcionamento 
de instituições, símbolos, normas, leis, ser-
viços assistenciais, políticas públicas, mo-
dos de ser e de conviver em uma sociedade(MEYER, 2008). 
Figura 1 – O gênero é fundamental no cuidado à saúde 
das mulheres
 16 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Em outros termos, as relações de gênero são 
construídas no âmbito da cultura e se sus-
tentam por meio de relações de poder: entre 
homens e mulheres, homens e homens, mu-
lheres e mulheres. Todavia, a construção so-
ciocultural de masculinidades e feminilidades 
tem se refletido em desigualdades de diver-
sas ordens, desigualdades estas que se sus-
tentam a partir das diferenciações corporais 
entre homens e mulheres.
Figura 2: Masculinidades e feminilidades são construções 
fluidas que podem se modificar ao longo do tempo
Guacira Louro (2004), inspirando-se em Judi-
th Butler, sinaliza que antes de pretendermos 
“ler” os gêneros tomando como referência 
os “dados” dos corpos, seria mais congruen-
te ponderarmos tais dimensões como sendo 
discursivamente inscritas nos corpos e se 
expressando através deles, pois os discursos 
circulam em nossas veias como o sangue. 
Assim, ao dizermos “é um menino; é uma me-
nina”, mais do que uma descrição, estamos 
construindo corpos de homem e de mulher, 
masculinidades e feminilidades de um deter-
minado modo, e barrando tantos outros. 
De acordo com Dagmar Meyer (2008), a cons-
trução sociocultural de feminilidades e mas-
culinidades ocorre de maneira articulada a 
outros marcadores socioculturais, tais como 
raça, cor e etnia, religião, classe social, entre 
outros. Cada uma dessas articulações produz 
modificações importantes nas formas pelas 
quais as feminilidades ou as masculinidades 
são, ou podem ser, vividas e experimentadas, 
e na construção diferenciada de territórios de 
vulnerabilidade. Desse modo, afirmamos a 
existência de muitas e conflitantes formas de 
definir e viver a feminilidade e a masculinidade 
(MEYER, 2008). 
Território de vulnerabilidade é um termo 
aqui conotado por contextos de vulnera-
bilidade que acometem mulheres no seu 
processo de saúde-cuidado-doença.
Assim, a partir do conceito de gênero não po-
demos pensar que todas as mulheres ou que 
todos os homens são iguais. Existem aspectos 
comuns entre os diferentes grupos de mulheres 
e entre os diferentes grupos de homens, mas 
existem também, e com muita intensidade, di-
ferenças entre as várias mulheres, os vários ho-
mens e entre cada uma e cada um. Com isso, 
queremos dizer que, singularmente, cada uma 
e cada um de nós vive como mulher ou como 
homem de modos particulares; que diferentes 
grupos de mulheres, assim como os grupos de 
homens, vivem as feminilidades e as masculini-
dades de formas distintas, e também que essas 
formas de viver masculinidades e feminilidades 
não são estáveis, sofrendo modificações ao lon-
go da vida e das vivências. Mais especificamen-
te, queremos dizer que há diferentes formas de 
ser e estar mulher e homem no mundo, e que, no 
âmbito dos cuidados em saúde, esses são fato-
res que precisam ser considerados.
 17 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Em relação às políticas de saúde da mulher, no 
Brasil, nas últimas décadas, têm sido desen-
volvidas considerando esse cenário de lutas 
feministas por reconhecer as diversas possi-
bilidades de ser e estar mulher (que conside-
ra os marcadores sociais com destaque para 
etnia, geração, classe social), de tomada de 
poder do corpo da mulher e, desse modo, as 
relações de desigualdade existentes entre ho-
mens e mulheres e entre os diferentes grupos 
de mulheres. 
Figura 3 – Há modos singulares de ser homem e ser mulher
Gênero seria, como já foi dito, a construção 
sociocultural das masculinidades e feminili-
dades, das formas possíveis e inteligíveis de 
feminilidades e masculinidades em um dado 
momento histórico e em uma determinada 
cultura. No entanto, suspeitamos que no in-
terior mesmo de tais políticas funciona uma 
transversalidade de gênero, por meio da qual 
se intenta produzir homens e mulheres de 
determinados tipos e não de outros. Dessa 
forma, parece ser importante visibilizar essa 
transversalidade e garantir um recorte e aná-
lise de gênero desde a formulação, implemen-
tação e monitoramento das políticas públicas 
(BANDEIRA; ALMEIDA, 2013).
Partir desta transversalidade implica compre-
ender que as instituições são generificadas 
e reproduzem desigualdades de gênero nas 
tarefas e práticas cotidianas que realizam. 
Esse recorte analítico de gênero é importante 
porque possibilita atendimento diferenciado 
a partir do reconhecimento de que mulhe-
res e homens são sujeitos diferentes entre 
si. Mas, é preciso considerar, como já disse-
mos, que há outras diferenças, algumas delas 
no interior dos próprios grupos de mulheres 
e de homens. 
Nosso entendimento é o de que há um atraves-
samento de gênero na produção da gestão e da 
atenção à saúde das mulheres, o qual se tece 
simultaneamente à incorporação de formas 
específicas de subjetivar feminilidades e mas-
culinidades, o que se reverte em formas espe-
cíficas e restritivas de se fazer e pensar a saúde 
das mulheres. 
Dito de outra maneira, parece que enquanto o 
gênero funcionar como um vetor de subjetiva-
ção, colado a determinadas fôrmas masculinas 
e femininas (que não se misturam e que estão 
coladas a um corpo de homem e de mulher 
biológicos, respectivamente), seguiremos dis-
cutindo, descrevendo e reificando papéis e fun-
ções de homens e mulheres. Assim, não serão 
discutidos os atravessamentos de gênero nas 
políticas e práticas de saúde, mesmo aquelas 
que nasceram contestando hierarquizações e 
desigualdades ‘de gênero’. Essa generificação 
tende a se refletir também nos modos de cuida-
do ali produzidos, bem como nos modos como 
as próprias mulheres cuidam de si e das pesso-
as sob sua responsabilidade – ou seja: gerando 
efeitos na saúde das mulheres. Por isso tudo, 
precisamos estar alertas para desnaturalizar a 
generificação das instituições, das políticas, das 
 18 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
práticas cotidianas de se pensar e produzir cui-
dados em saúde.
1.2 Desigualdades de gênero e 
 impactos na saúde
Você já deve ter percebido que as desigualdades 
de gênero não podem ser pensadas isoladas de 
outros marcadores sociais, tais como classe 
social, raça/etnia, geração, religião, entre outros. 
E que elas têm impactos na saúde das mulheres 
e dos homens. Essas desigualdades se fazem 
presentes no contexto dos serviços de saúde. 
Algumas situações exemplificam estas desi-
gualdades, dentre elas a tendência de afasta-
mento dos homens dos serviços de saúde, o 
que pode estar conectado ao tipo de socializa-
ção dos homens, associada a uma certa sen-
sação de invulnerabilidade ou a dificuldade de 
demonstrar sentimentos – que, por sua vez, 
estão ligados à fragilidade com que são consi-
derados, na nossa cultura, atributos de femini-
lidade (PEREIRA, 2015, p. 10). Por outro lado, a 
baixa procura e adesão de mulheres que fazem 
uso abusivo e prejudicial de álcool aos Centros 
de Atenção Psicossociais para Álcool e outras 
Drogas (CAPS-AD) pode decorrer, dentre outros 
fatores, da masculinização do uso de drogas e 
da discriminação de mulheres que ousam dizer 
que utilizam estas substâncias (JASEN, 2016; 
VASCONCELOS, 2013).
Homens procuram menos 
os serviços de saúde para 
prevenção e cuidados, 
acessando-os em geral quando
possuem um agravo instalado. 
Essa característica relaciona-se 
a feminilização do cuidado. 
Mulheres que fazem uso 
abusivo de álcool e drogas 
procuram menos os CAPS-AD 
devido à masculinização do 
uso de substâncias e a 
discriminação que sofrem 
por serem usuárias. 
Como os padrões de gênero interferem no 
cuidado em saúde?
Podemos assinalar ainda algumas práticas 
institucionais violentas e desumanizadoras 
de assistência ao parto, tais como interven-
ções em demasia, impostas sem negociação, 
ao corpoda mulher grávida, bem como sob o 
corpo do bebê; ou as ‘antigas’ abordagens em 
forma de ‘incentivo’ ao parto, ainda vivenciadas 
em nossas maternidades como: ‘se não doeu 
para entrar, não pode doer para sair’(MARTINS 
et al., 2014). 
Não podemos aqui deixar de mencionar tam-
bém a naturalização de certas concepções 
e hierarquizações de gênero e raça/cor que 
tendem a acompanhar a atenção materna, 
com destaque para o fato de que milhares de 
mulheres brasileiras morrem anualmente por 
conta de práticas de abortamento inseguro, 
de que as mulheres grávidas que mais mor-
rem no Brasil são mulheres negras e de clas-
ses sociais menos favorecidas, na maioria das 
vezes, por causas que poderiam ser evitadas 
caso tivessem acesso e atenção adequada no 
pré-natal e parto. 
 19 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Figura 4 – A atenção integral à saúde é direito de todas 
as mulheres
Esses são alguns exemplos no que se refere 
ao atravessamento das questões de gênero 
na produção do cuidado em saúde, que pro-
duz efeitos nos corpos, na saúde, na vida, no 
cuidado às mulheres brasileiras. 
É importante destacar ainda que no campo do 
cuidado em saúde, as noções de risco e vulne-
rabilidade centram-se, muitas vezes, em uma 
perspectiva individualizante. Na saúde das mu-
lheres, em particular, sob essa perspectiva, cui-
dado se subordina ao cumprimento de uma lis-
ta de prescrições de condutas individuais, por 
meio das quais se pode diminuir as chances 
de adoecimento. Ou seja, se a mulher se cui-
da seguindo toda uma lista de recomendações 
das equipes de saúde, corre menos risco ou 
está menos vulnerável a doença e morte. Essa 
perspectiva, em grande medida, responsabili-
za as mulheres pela “falta de cuidados” con-
sigo mesma, e muitas vezes também com os 
outros, como companheiros e familiares, sem 
levar em conta fatores sociais e institucionais 
que contribuem para que as mulheres estejam 
mais ou menos suscetíveis a adoecimentos 
e situações de risco. Além disso, especial-
mente em relação à gravidez e à maternidade 
de adolescentes e jovens, em geral, tem-se a 
noção destes episódios da vida como eventos 
problemáticos, como se o fossem para todas 
as adolescentes. Pesquisa que analisa o perfil 
socioeconômico das adolescentes gestantes, 
indica que é, em alguns contextos, sobretudo 
de meninas mais pobres, uma condição de sta-
tus social, por isso desejada por elas (CRUZ; 
CARVALHO, 2016).
A abordagem sobre o uso de mé-
todos contraceptivo e prevenção 
das Infecções Sexualmente Trans-
missíveis (IST) deve ser feita para 
homens e mulheres, sempre que 
possível. Evitando-se a responsa-
bilização apenas da mulher pela 
prevenção e contra contracepção. 
Como você e sua equipe podem fa-
zer isso? Reflita. 
Essa dimensão da culpabilização das mulhe-
res e de seus corpos é reflexo da generificação 
das instituições e políticas sociais, do cuidado 
em saúde, das relações de poder e desigual-
dades construídas entre homens e mulheres. 
Trata-se da comparação realizada entre mu-
lheres consideradas modelo (brancas, mães 
zelosas, trabalhadoras, com endereço fixo e 
conta bancária, responsáveis pelo cuidado 
de si e dos outros) e as outras mulheres que 
não se encaixam neste modelo, usuárias dos 
serviços de saúde. 
 20 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
No caso das adolescentes, adiciona-se ainda 
o marcador geração, que, em uma sociedade 
como a nossa, que valoriza em especial a po-
pulação adulta jovem e ativa economicamente, 
apesar do Estatuto da Criança e do Adolescen-
te (BRASIL, 1990) e do Estatuto da Juventude 
(BRASIL, 2013) reconhecerem adolescentes e 
jovens como sujeitos de direitos, estes ainda 
têm dificuldade de acessar os serviços de saú-
de. Precisamos ainda avançar muito na direção 
de garantia efetiva desses direitos.
Neste contexto, na tentativa de suplantar 
perspectivas reducionistas, individualizantes 
e culpabilizantes, apontamos para a possi-
bilidade de produzir cuidado em saúde das 
mulheres, considerando a multiplicidade de 
dimensões complexas e inter-relacionadas 
(biológica, psicológica, social, cultural etc.) 
que envolvem o processo saúde-doença. 
Como tentativa de ampliar o entendimento, 
qualificar o cuidado em saúde das mulheres 
e tatear abordagens possíveis no que se re-
fere a interferir nas desigualdades de gênero 
e vulnerabilidades a elas relacionadas, abor-
daremos o conceito de vulnerabilidade desen-
volvido por Meyer et al. (2006). O conceito de 
vulnerabilidade é entendido a partir da articu-
lação dos três componentes. Veja a seguir: 
Destaca-se que os comportamentos asso-
ciados à maior vulnerabilidade não são en-
tendidos nem abordados como simplesmente 
decorrentes da ação voluntária das pesso-
as. Ao invés disso, entende-se que estão 
relacionados com o grau de consciência que 
essas pessoas têm sobre tais comportamen-
tos e ao efetivo poder que podem exercer para 
transformá-los, às condições contextuais 
É de ordem cognitiva (capacidade 
de elaborar e signi�car as informações 
que a pessoa dispõe) e comporta-
mental (mais ou menos capacidade e 
interesse para lidar com as informa-
ções e situações de forma a adotar 
atitudes e ações de proteção). 
Envolve a quantidade e a qualidade de compro-
missos, recursos, gerência, planejamento e monito-
ramento de programas, projetos e políticas de edu-
cação, trabalho, moradia, prevenção, assistência, 
cuidado, os quais são fundamentais para identi�car 
necessidades, canalizar recursos, desenvolver ações 
e otimizar seu uso. 
Envolve o acesso a mais ou menos 
quantidade e qualidade de informa-
ções; a capacidade que os grupos 
sociais têm de metabolizá-las e o 
poder de incorporá-las a mudanças 
práticas na vida diária, condições 
estas diretamente associadas ao 
acesso a recursos materiais, a insti-
tuições sociais tais como escolas e 
serviços de saúde, ao poder de 
in�uenciar decisões políticas, e a 
possibilidade de enfrentar barreiras 
culturais e de estar livre de
coerções violentas.
Componente 
individual
Componente 
Social
VULNERABILIDADE
Componente 
programático
ou 
institucional
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UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
e objetivas do ambiente, bem como as condi-
ções culturais e sociais em que tais compor-
tamentos ocorrem (MEYER et al., 2006).
Vulnerabilidade, nesse sentido, seria a inte-
ração de fatores individuais, sociais e pro-
gramáticos que tornam indivíduos e grupos 
mais suscetíveis a adoecimentos do que ou-
tros pelos diferentes contextos nos quais 
estão envolvidos. 
Figura 5 – Os cuidados em saúde devem considerar as es-
colhas individuais e os contextos sociais 
No que se refere às práticas de cuidado em 
saúde das mulheres, tal conceituação implica 
justamente em considerar que os cuidados 
prestados devem levar em conta as escolhas 
individuais, os contextos sociais, a rede ins-
titucional de suporte e, ainda, a presença ou 
ausência de redes não institucionalizadas de 
apoio, como, por exemplo: vizinhança, igreja e 
demais grupos ou instituições de apoio social. 
1.3 Medicalização do corpo 
 feminino
A generalização das mulheres ou a suposta 
‘natureza feminina’ foi sendo utilizada, histo-
ricamente, para explicar a loucura, a degene-
ração moral, a criminalidade – e isso a ponto 
de se considerar a mulher um ser incapaz de 
autonomia (VIEIRA, 2002). 
No campo dos cuidados em saúde das mu-
lheres, em geral, o cuidado tem sido incluído 
à tríade mulher-mãe-heterossexual. Mas é 
preciso ter em vista outras formas de ser e de 
se estar mulher: nem todas as mulheres são 
heterossexuais, nem todas são ou querem ser 
mães e nossa atenção e cuidado deve estar 
direcionado a todas.
Mulheres têm, então, seus corpos, suas 
subjetividades, suas saúdes sequestradas 
por práticas e linguagens que falam em seu 
nome. As palavrasgênero e saúde da(s) 
mulher(es) parecem ter assumido contor-
nos de prescrição, normalização, formas de 
ação, homogeneização, restringindo modos 
de vida. Nesse sentido, tais práticas e dis-
cursos evidenciam um determinado modo 
de pensar e agir sobre esses corpos, que se 
conectam a ações históricas e socialmen-
te construídas, mas que passam a ser tidos 
como ‘naturais’ e, por isso, generalizáveis, 
‘universais’. 
Faz-se necessário pensar na construção de 
novas práticas, discursivas e não-discursivas, 
que quebrem com essa ideia institucionalizada 
de corpo de mulher=feminino=heterossexual, 
como se todas as mulheres tivessem a histó-
ria de seus corpos coladas à genitália feminina, 
 22 
UN1 Relações de gênero e o 
cuidado em saúde
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
que lhes indicasse um determinado modo (cor-
reto e único) de viver o gênero e de ter relações 
afetivo-sexuais. 
Ao longo dos anos, no bojo das políti-
cas de gestão da vida, as mulheres foram 
incorporadas, posicionadas, circunscritas 
como mães, tendo seus corpos minuciosa-
mente medicalizados, em nome da respon-
sabilidade que elas teriam no que se refere à 
saúde de seus filhos e filhas, e, de forma exten-
siva, à saúde da sociedade (MEYER, 2005). 
Nesse contexto, multiplicam-se e atua-
lizam-se discursos sobre os cuidados a 
serem dispensados ao corpo das mulheres, 
tendo, por exemplo, em nome de evidências 
científicas, seus seios, suas vaginas, seus 
partos tomados de assalto por relações 
político-sanitárias.
Nesse processo, parece que os saberes, fa-
zeres, as condições de vida e os desejos das 
mulheres são o que menos importam; desejos 
estes que devem se sujeitar às “boas” evidên-
cias prescritas ‘de fora’.
A seguir, apontamos algumas especificidades 
e vulnerabilidades na saúde das mulheres a 
fim de que você possa identificar as neces-
sidades de saúde das diferentes mulheres no 
seu território.
Figura 6 – As mulheres podem ter diferentes expressões de gênero e orientação sexual
UN2
Especificidades e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
 24 
 25 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Para que você possa reconhecer as especifi-
cidades e vulnerabilidades das diferentes mu-
lheres no seu território, consideramos impor-
tante relembrar alguns conceitos, tais como 
identidade de gênero e orientação sexual.
Inicialmente, é importante salientar que iden-
tidade de gênero e orientação sexual são duas 
categorias distintas, mas que interagem en-
tre si. Entende-se por identidade de gênero o 
gênero com o qual uma pessoa se identifica. 
Trata-se de uma experiência subjetiva, que 
pode ou não concordar com a sua genitália e 
gênero que lhe foi atribuído ao nascer (JESUS, 
2012).
Desta forma, não só existem mulheres cisgê-
neras (que se identificam com seu sexo bioló-
gico e gênero atribuído ao nascer), como tam-
bém todo um guarda-chuva de identidades de 
gênero trans, entre as quais encontramos as 
mulheres transexuais e as travestis. 
A orientação sexual pode ser entendida pela 
atração física, sexual ou emocional, podendo 
ser entre pessoas do gênero oposto (heteros-
sexual), do mesmo gênero (homossexual, gay, 
lésbica) ou por ambos os gêneros (bissexual). 
E dentro desta última categoria também se in-
cluem as pessoas que se atraem por todos os 
gêneros e sexos (pansexual) (APA, 2008).
Figura 7 – A orientação sexual para além do padrão binário: 
homossexual ou heterossexual. 
Existe o imaginário de uma linearidade entre 
sexo, gênero, desejo e expressão de gênero. 
Em geral, espera-se que uma pessoa que nas-
ce com determinada genitália cumpra certas 
normas sociais sobre como se expressar e se 
relacionar, além de desempenhar determina-
dos papéis de gênero. Do mesmo modo que a 
heteronormatividade, a cisnormatividade con-
forma a organização social e cria resistência à 
existência de outras formas de identidades e 
expressões de gênero. 
 26 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Heteronormatividade refere-se à ideia 
hegemônica de que toda pessoa é ‘es-
pontaneamente e naturalmente’ hete-
rossexual, tendo como consequência 
uma heterossexualidade compulsória, 
pela qual perpassam também as formas 
como construímos o imaginário e as ex-
pectativas do feminino e masculino em 
determinados corpos. 
A cisnormatividade parte do pressu-
posto de que toda pessoa é cissexual. 
Por exemplo, pessoas que nascem com 
vagina e são denominadas do ‘sexo fe-
minino’ sempre se tornaram mulheres, 
bem como o oposto: quem nasce com 
pênis é denominado do ‘sexo masculi-
no’ e torna-se homem. Chamam-se cis-
gêneros as pessoas que se identificam 
com a identidade de gênero que lhes 
foi atribuída ao nascer, de acordo com 
a genitália. 
A construção da cisnormatividade traz à tona 
o privilégio e legitimidade atribuídos às pes-
soas não trans, ditas “normais”. Desta for-
ma, a composição da heteronormatividade 
com a cisnormativadade, definida como 
hetero-cisnormatividade, é um construto que 
legitima, naturaliza e normatiza discrimina-
ções e violências. 
2.1 Identidades de gênero e 
 orientações sexuais
Com relação à saúde das mulheres, sob as 
diversas identidades de gênero e orientações 
sexuais, apontaremos situações para que você 
possa refletir sobre a sua prática enquanto 
profissional de saúde, identificando como am-
pliar o seu olhar e atenção às diferentes ne-
cessidades das mulheres no seu território.
Você já deve ter percebido situações de dis-
criminação contra à diversidade sexual das 
mulheres. Veja no esquemático as diferentes 
formas de preconceito e discriminação, dentre 
elas a lesbofobia, bifobia e transfobia. 
Lembramos que a discriminação é um fenô-
meno crescente, amplamente estudado e rela-
cionado com as formas de interação entre as 
pessoas e características do contexto social. 
É de suma importância, devido às suas conse-
quências nas diferentes esferas da sociedade, 
inclusive na saúde. Pode-se definir como uma 
conduta culturalmente instituída e construída, 
sistemática e socialmente generalizada, que 
se manifesta por meio de atitudes nocivas, 
julgamentos ou trato diferenciado baseado 
no gênero, raça, classe social e outras carac-
terísticas da pessoa ou grupo. Desta forma, a 
discriminação se realiza com base em um pre-
conceito prejudicial ou um estigma relaciona-
do com uma desvantagem imerecida, que tem 
como efeito, intencional ou não, a transgressão 
dos direitos e liberdades fundamentais das 
pessoas e grupos-alvo (ZEPEDA, 2004).
contra mulheres lésbicasLesbofobia
Formas de preconceito e discriminação 
contra diversidade sexual nas mulheres:
Bifobia
Transfobia
contra pessoas bissexuais
contra pessoas trans
O fato de as mulheres lésbicas, bissexuais e 
trans não fazerem parte do padrão da hetero-
cisnormatividade já lhes atribui um estigma 
ao se desviar do dito ‘normal’, seguido de um 
processo de rotulação e discriminação. 
 27 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
As pessoas trans por transgredirem as nor-
mas do determinismo biológico e do esperado 
como feminino e masculino, podem ser vistas 
pela sociedade como se estivessem no corpo 
errado. Essa percepção é equivocada, consi-
derando-se que o a identidade de gênero, sexo 
e orientação sexual não são lineares.
Os padrões sociais hegemônicos não permitem 
a expressão de feminilidade e masculinidade em 
corpos diversos e biologicamente diferentes do 
esperado. No caso das mulheres transexuais 
e travestis, estas são punidas socialmente por 
expressarem uma feminilidade que não deveria 
estar no corpo biológico de um homem. 
Pessoas trans: incluem-se mulheres 
trans, homens trans, mulheres e ho-
mens transexuais, travestis, pessoas 
não binárias. 
A vulnerabilidade destapopulação é eviden-
ciada na violência a que são submetidas pela 
sociedade. Entre 2008 e 2018 foram registra-
dos 2982 assassinatos de pessoas trans em 
72 países do mundo, mais da metade na Amé-
rica Latina, No período de 2017 a 2018, ocor-
reram 369 casos de assassinatos de pessoas 
trans e de gênero diverso, constituindo um 
aumento de 44 casos em comparação com 
a atualização do ano passado e 74 casos em 
comparação com 2016. A maioria dos assas-
sinatos ocorreu no Brasil (167), México (71), 
Estados Unidos (28) e Colômbia (21) (TVT, 
2018). É importante salientar que estes dados 
são uma estimativa subnotificada, pois vári-
os dos crimes transfóbicos (violências aco-
metidas contra as pessoas transexuais) são 
colocados como homofobia. Isso se deve, por 
vezes, ao despreparo de profissionais da me-
dicina legal, que, ao realizarem o registro de 
óbito, preenchem de acordo com o sexo bio-
lógico, desrespeitando a identidade de gêne-
ro, o que invisibiliza a causa dessas mortes. 
Cabe ressaltar que as travestis em atividade 
de prostituição e trabalhadoras sexuais, pos-
suem maior risco de morte. A expectativa de 
São pessoas que vivenciam os papéis 
de gênero feminino, embora possam 
se reconhecer como homem, mulher, 
ou ainda, um terceiro gênero. Porém, 
independente de como se 
reconhecem, preferem ser chamadas 
pelo gênero feminino - as travestis - 
e nunca 'os travestis'.
Travestis: 
Pessoas não binárias: 
Homens transexuais ou 
homens trans: 
São pessoas que foram designadas 
homens ao nascer pela sua 
genitália, mas que se identi�cam 
como mulheres. 
Mulheres transexuais ou 
mulheres trans: 
É um termo guarda-chuva que 
abarca aqueles que não se sentem 
contemplados pela binaridade 
mulher-homem e/ou feminino-
masculino exclusivamente, alguns 
exemplos são: pessoas agênero, 
bigênero, gênero �uído, entre outras.
Ou ainda, transhomens, são pessoas 
que foram designadas mulheres ao 
nascer pela sua genitália, mas que se 
identi�cam como homens.
 28 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
vida das travestis e transexuais está em torno 
de 30 a 36 anos (TVT, 2018). 
As mulheres lésbicas são expostas frequen-
temente a situações de violência sexual, com 
destaque para os chamados estupros cor-
retivos. Estes são violências sexuais com o 
propósito de ‘curá-las’ da homossexualidade 
ou da identidade de gênero diferenciada que 
assumem. A lesbofobia e transfobia, expres-
sadas neste tipo de violência decorrem da 
chamada heterossexualidade compulsória, 
cujo pressuposto é de que toda mulher tem 
inclinação natural a se atrair por homens cis, 
tornando-as sujeitos destituídos de direitos e, 
principalmente, do direito sobre seus corpos. 
O crime de ‘estupro corretivo’ tem sido 
noticiado com maior frequência em 
mulheres lésbicas, mas também é co-
mum em homens transexuais. Para 
saber mais sobre o tema, leia esta 
notícia sobre um caso de ‘estupro 
corretivo’ motivado por transfobia. 
Acesse o link: <http://www.brasil 
post.com.br/2016/03/24/transfobia_ 
n_9541636.html>.
A bissexualidade, dado o seu caráter ambi-
valente, gera polêmica: trata-se do imaginá-
rio de que as mulheres bissexuais têm esta 
orientação sexual porque são pessoas “não 
resolvidas”. O fato destas mulheres se rela-
cionarem com ambos os gêneros faz com 
que tenham “mais opções”, e, por conse-
quência, sejam consideradas promíscuas. 
Entretanto, é importante ter clareza que a 
orientação sexual não determina que haja 
envolvimento sexual simultaneamente com 
mais de um(a) parceiro(a). Essa interpreta-
ção faz parte de um estereótipo de gênero 
discriminatório e bifóbico. 
Nos serviços de saúde, as pessoas trans de-
vem ser chamadas pelo nome social. O uso do 
nome civil apenas, se caracteriza como des-
respeito à sua identidade de gênero. 
Porém, o uso dos pronomes “a”, “o”, “ele”, “ela”, 
ao se referir à pessoas trans, costuma gerar 
dúvidas aos profissionais de saúde. A me-
lhor forma, é dialogar com as pessoas trans e 
perguntar por qual nome e pronome se iden-
tificam e como preferem ser chamadas. Essa 
é estratégia fácil de ser adotada, que torna o 
atendimento acolhedor e humanizado.
BRASIL
167
MÉXICO
71
2.982 assassinatos de pessoas trans
Entre 2008 e 2018
A expectativa de vida de 
travestis e transexuais é de
30 à 36 anos
MUNDO
Figura 8 – Registro de assassinatos de pessoas trans
Fonte: TVT (2018).
http://www.brasilpost.com.br/2016/03/24/transfobia_n_9541636.html
http://www.brasilpost.com.br/2016/03/24/transfobia_n_9541636.html
http://www.brasilpost.com.br/2016/03/24/transfobia_n_9541636.html
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Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Você sabia que desde 2013 o Sistema de 
Cadastramento de Usuários do Sistema 
Único de Saúde (CADSUS) possibilita a 
impressão do Cartão Nacional de Saúde 
(Cartão SUS) somente com o nome so-
cial da/o usuária/o? No lugar onde você 
trabalha é respeitado o nome social?
Há um movimento mundial pela despatologiza-
ção das identidades trans, de modo que estas 
pessoas sejam respeitadas da forma como se 
identificam. Quando acessam os serviços de 
saúde para iniciar a terapia hormonal ou fazer 
alguma modificação corporal desejada, isso 
dispensa o diagnóstico prévio de psicólogos ou 
psiquiatras. 
A patologização a qual nos referimos concerne 
a essa obrigatoriedade do laudo, assim como 
o desrespeito pelo nome social, entre outras 
experiências de discriminação, que fazem com 
que estas pessoas procurem outras formas de 
suprir suas necessidades em saúde, como, por 
exemplo, a automedicação não controlada e 
a compra de hormônios no mercado paralelo 
(RODRIGUEZ, 2014).
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de 
Janeiro (SMS-Rio) e a Coordenadoria Especial 
da Diversidade Sexual do Município (CEDS-Rio) 
lançou em outubro de 2016 a campanha “Nome 
social, eu uso”, sendo um exemplo para garan-
tir o respeito à identidade trans e ao direito de 
cada um escolher como se identifica (PREFEI-
TURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, 2016). 
Você e sua equipe já conversaram sobre isto?
Figura 9 – O nome social: um direito conquistado
Fonte: Portal Brasil (2016).
O silicone industrial usado para o aumento 
das mamas, entre outras partes (glúteo, coxa 
e face) é um procedimento realizado frequen-
temente pelas bombadeiras em travestis e 
mulheres transexuais. Na pesquisa etnográ-
fica de Souza et al. (2015), feita no Rio Grande 
do Sul, as travestis que participaram relata-
ram alguns dos motivos para o seu uso: faci-
lidade de acesso, custo menor do que cirurgia 
e não serem julgadas pelo procedimento. Sa-
be-se que o uso deste líquido no corpo pode 
ter vários efeitos e gerar processos inflama-
tórios localizados, formação de siliconomas, 
infecções e necroses teciduais, migração do 
material a inflamações sistêmicas graves, 
associadas ou não a processos infecciosos. 
Bombadeiras são as pessoas que apli-
cam o silicone industrial. Na maioria das 
vezes, são também travestis. 
Estudo que analisou o uso de hormônios 
para modificação corporal em travestis e 
mulheres transexuais, verificou-se que a au-
tomedicação é frequente e está relacionada 
a restrições de acesso a serviços de saúde 
(Kruger, et al. 2019). 
 30 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Verificou-se 64,5% das pessoas trans entre-
vistadas, fazem uso contínuo de hormônios. 
A formulação mais utilizada foi a combina-
ção de estrogênio e progesterona (86,2%), 
nas vias injetável (75,1%) e oral (66%). Rela-
tou-se que a maioria das participantes (84%) 
consegue os hormônios sem receituário mé-
dico. As orientações sobre o uso desses hor-
mônios vêm de seus pares (outras pessoas 
trans) em 41% dos casos. 
O uso de técnicas cirúrgicas de risco 
por travestis e transexuais para as suas 
modificações corporais é frequente.Ao 
mesmo tempo, é notável o baixo acesso 
aos serviços de saúde, seja pela discrimi-
nação sofrida, seja pelo alto custo des-
ses procedimentos quando particulares. 
Como você, profissional de saúde, pode 
identificar e acolher tais casos, contri-
buindo para redução desses riscos?
É importante considerar ainda que dentro das 
relações homoafetivas nem sempre existe 
uma pessoa que desempenha o papel da fi-
gura ‘masculina’ e outra a ‘feminina’. Esse 
olhar passa pelo paradigma da heteronorma-
tividade, que pressupõe que nas relações ho-
moafetivas as dinâmicas entre duas pessoas 
devem ser ‘opostas’, com papéis e expressão 
de gênero dicotômicos: feminino/masculino, 
mulher/homem e penetrado/penetrador. 
Em relação à saúde sexual e reprodutiva das 
mulheres, é importante considerar que existe 
risco para HPV (Vírus do Papiloma Humano) 
também em relacionamento homossexuais 
(MARRAZZO, 2004). Desta forma, é funda-
mental que independente da orientação se-
xual das mulheres, o profissional investigue 
a presença de ISTs (infecções sexualmente 
transmissíveis).
Outro fator importante a considerar com re-
lação às experiências sexuais é que, segun-
do estudo realizado com mulheres que se 
autoidentificaram lésbicas, aproximadamente 
80% das entrevistadas tiveram também rela-
ções sexuais com homens em algum momen-
to da vida (MARRAZZO, 2004).
Mulheres homessexuais tem
menos acesso à 
Informações sobre 
prevenção de IST e 
AIDS
Realização de exame
preventivo de colo 
de útero
Consulta regular ao 
ginecologista
Outro estudo de Barbosa e Facchini (2009), 
realizado no Brasil, em serviços de ginecolo-
gia com mulheres que faziam sexo com mu-
lheres, encontrou em relação à realização 
de exames preventivos que poucas delas 
relataram acesso às informações sobre 
prevenção das ISTs e AIDS, e aproximada-
mente 40% delas referiu nula ou escassa a 
 31 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
realização de exame preventivo de colo de 
útero. Estudo internacional encontrou re-
sultados similares, nos quais mulheres lés-
bicas e bissexuais relataram realização de 
exames preventivos significativamente me-
nor em relação às mulheres heterossexuais 
(BOEHMER et al., 2012). 
No mesmo estudo, foi relatado que a primei-
ra visita ao ginecologista pelas mulheres 
entrevistadas era em função de convenções 
sociais de gênero, tais como: a primeira 
menstruação, a primeira relação heteros-
sexual e a maternidade. As entrevistadas 
com vivências marcadamente heterosse-
xuais no passado ou com prática bissexual 
no momento da pesquisa relataram visitar o 
ginecologista uma ou mais vezes ao ano.
Você e sua equipe desenvolvem ações 
para o acesso, acolhimento e atenção 
integral à saúde das mulheres lésbicas, 
bissexuais, transexuais e travestis no 
seu território? 
Em relação à saúde sexual da mulher lésbica, a 
forma como o HIV/AIDS tem sido construída em 
torno da homossexualidade influencia a visão 
de risco por parte dos profissionais sobre gays, 
lésbicas ou bissexuais. Esse fato faz com que 
algumas pessoas não assumam estas identi-
dades por receio de serem discriminadas. Um 
exemplo de fala oriunda dos serviços de saúde 
a uma mulher lésbica é: “Tem certeza que você 
não quer fazer o exame de HIV?”. No início da 
epidemia de HIV/AIDS falava-se de grupos de 
risco; logo depois passou-se a falar de práticas 
de risco ou comportamentos de risco, sendo 
que a primeira fala gerou estigmatização, além 
de baixa eficácia de ações preventivas. 
Figura 10 – Todas as mulheres necessitam cuidados quanto 
a ISTs
Como você já pode perceber, as vulnerabilida-
des e as necessidades de saúde variam nas 
diferentes identidades de gênero e orientações 
sexuais. A seguir, trataremos das políticas 
públicas para a atenção a estas mulheres.
2.2 Políticas públicas para as 
 mulheres lésbicas, bissexuais 
 e transexuais e travestis 
Em relação ao cuidado à saúde das mulheres 
lésbicas, bissexuais e travestis, estas se en-
contram incluídas nas iniciativas e estratégias 
de políticas públicas para as pessoas lésbi-
cas, gays, bissexuais e travestis (LGBT) e nas 
políticas específicas para mulheres. 
Entre as primeiras, temos o programa federal 
Brasil sem Homofobia, criado pelo Ministério 
de Saúde em 2004, que entre as suas ações 
teve a formalização do Comitê Técnico Saúde 
da População de Gays, Lésbicas, Transgêne-
ros e Bissexuais, cujo objetivo era estruturar 
uma política nacional de saúde para essa po-
pulação. A versão preliminar foi lançada em 
2008, aprovada pelo Conselho Nacional de 
Saúde (CNS) no ano de 2009 e instituída no 
Sistema Único de Saúde (SUS) pela Portaria 
no 2.836, em 2011.
Em 2008 foi publicada a Portaria no 1.707, que 
regulamenta o Processo Transexualizador 
no SUS, com o propósito de regular algumas 
necessidades específicas em saúde das 
pessoas trans. Essa portaria foi redefinida 
e ampliada em 2013, sob no 2.803, com a in-
clusão de algumas demandas cirúrgicas para 
os homens trans, o atendimento ambulatorial 
 32 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
para as travestis, entre outras. Até o presen-
te ano, são cinco os centros/ambulatórios 
credenciados pelo Ministério de Saúde para 
o processo transexualizador (Porto Alegre, 
Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraíba). 
Processo Transexualizador é um con-
ceito constituído por ações que visam 
um cuidado de certas especificidades 
da saúde das pessoas trans no que se 
refere ao uso da hormonoterapia e à 
realização da cirurgia da transgenita-
lização e outros procedimentos que 
visam à modificação dos caracteres se-
xuais secundários.
O Processo Transexualizador no SUS reco-
menda hormonioterapia para pessoas que te-
nham pelo menos 18 anos, assim como limita 
as cirurgias às pessoas com mais de 21 anos 
e que estejam em acompanhamento multi-
profissional a pelo menos 2 anos. As cirurgias 
citadas nesta portaria, para mulheres transe-
xuais e travestis, são:
ÎÎ Redesignação genital;
ÎÎ Plástica mamária bilateral: próteses mamárias de 
silicone;
ÎÎ Tireoplastia: redução do “Pomo de Adão”; e
ÎÎ Cirurgia em cordas vocais.
Para homens trans, os procedimentos citados 
no mesmo documento contemplam:
ÎÎ Mamoplastia masculinizadora: ressecção de ma-
mas, reposicionamento do complexo aréolo ma-
milar; e
ÎÎ Histerectomia com anexectomia (retirada dos 
ovários e trompas) e colpectomia (retirada da va-
gina, que pode ser total ou parcial): ressecção de 
útero e ovários.
Apesar destas possibilidades cirúrgicas, há 
poucos serviços públicos e com grande de-
manda, para realização de procedimentos de 
redesignação genital.
A Comissão Nacional de Incorporação de Tec-
nologias no SUS (CONITEC) , elaborou e pu-
blicou em 2017, uma proposta de elaboração 
de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas 
(PCDT) para a Hormonioterapia no processo 
transexualizador apresenta o escopo do que 
se pretende elaborar como recomendações do 
Ministério da Saúde para a atenção integral a 
travestis e transexuais.
Para conhecer a proposta de elaboração 
da CONITEC de um PCDT para a Hormo-
nioterapia no processo transexualizador 
acesse o link: <http://conitec.gov.br/
images/Enquete/Proposta_Escopo_
PCDT_Hormonioterapia.pdf>.
Em 2016 foi aprovado o Decreto no 8.727, 
sobre o uso do nome social e reconhecimento 
da identidade de gênero de pessoas travestis 
e transexuais. 
Conheça o Decreto no 8.727, de 28 de 
abril de 2016, que dispõe sobre o uso do 
nome social e o reconhecimento da iden-
tidade de gênero de pessoas travestis e 
transexuais no âmbito da administração 
pública federal direta, autárquica e fun-
dacional. Acesse o link: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Decreto/D8727.htm>.
2.3 Acolhimento às mulheres 
 lésbicas, bissexuais 
 e travestis
Conhecer a orientação sexual e a identidade de 
gênero pode melhorar ovínculo entre quem pro-
cura o serviço e a equipe de saúde. A empatia 
e o vínculo construídos vão contribuir para 
uma maior qualidade no atendimento na saúde 
das mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais 
http://conitec.gov.br/images/Enquete/Proposta_Escopo_PCDT_Hormonioterapia.pdf
http://conitec.gov.br/images/Enquete/Proposta_Escopo_PCDT_Hormonioterapia.pdf
http://conitec.gov.br/images/Enquete/Proposta_Escopo_PCDT_Hormonioterapia.pdf
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8727.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8727.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8727.htm
 33 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
e travestis, e os profissionais poderão dar uma 
melhor atenção às especificidades de saúde 
destas, particularmente aquelas relacionadas 
às práticas sexuais, uso de hormônios, modifi-
cações corporais, medidas de proteção contra 
as ISTs, entre outras. 
Para construir este vínculo é necessário criar 
espaços acolhedores, onde estas mulheres se 
sintam à vontade para se expressar de acordo 
com sua identidade de gênero, dadas as dis-
criminações e violências a que são submetidas 
dentro e fora dos serviços de saúde.
Esse fato impacta, muitas vezes, na resistência 
por parte delas em revelar alguma situação re-
lativa à sua identidade de gênero ou orientação 
sexual para os profissionais de saúde. Parte des-
se acolhimento acontece por meio da linguagem 
que é usada, a qual deve ser neutra e não sexista. 
Uma linguagem neutra quer dizer usar das di-
ferentes formas linguísticas para se comuni-
car de maneira a não demarcar o gênero para 
as pessoas. Inclusiva, no sentido de respeitar 
os nomes e pronomes pelos quais a pessoa 
quer ser chamada, e não sexista no sentido de 
não assumir por meio das perguntas feitas na 
anamnese a orientação sexual da pessoa, nem 
sua identidade de gênero. 
Importante! Como acolher sem discrimina-
ção as mulheres lésbicas, bissexuais, tran-
sexuais e travestis? 
Diante da dúvida, pergunte. Não assuma a 
identidade de gênero e orientação de uma 
pessoa pela sua forma de se expressar, 
vestir, falar, entre outros indícios, ou ainda 
de acordo com os estereótipos do que seria 
mulher e homem, feminino e masculino. A 
forma de perguntar deve ser sem emitir juí-
zo de valor. Assim, você está respeitando a 
autonomia e dando espaço para a mulher 
se sentir à vontade e acolhida. 
Lembre-se também que as mulheres lésbicas, 
bissexuais, transexuais e travestis não são to-
das iguais. Assim como mulheres cisgênero 
e heterossexuais, elas compõem um grupo 
heterogêneo com as suas especificidades 
e vulnerabilidades em saúde, que devem ser 
consideradas. 
Figura 11 – Reconhecer a diversidade sexual das mulheres contribui para qualidade da atenção à saúde
Fonte: Blog da Sáude – Ministério da Saúde (2016).
 34 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Leia o Manual para o Uso da Linguagem 
Não Sexista, publicado pela Secretaria 
de Políticas para as Mulheres do Rio Gran-
de do Sul, em 2014. Acesse o link: <http://
www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_ 
Manual%20para%20uso%20n%C3%A3o 
%20sexista%20da%20linguagem.pdf>. 
Além das questões de gênero as mulheres es-
tão submetidas a outras condições que am-
pliam sua vulnerabilidade, dependendo do con-
texto em que vivem ou a fatores como idade, 
raça e cor. O processo saúde-doença está in-
trinsecamente relacionado aos fatores sociais, 
econômicos, culturais e históricos, indicando 
que o estado de saúde das pessoas varia de 
acordo com o tempo, o espaço que habitam e 
as vulnerabilidades a que estão sujeitas. 
A seguir comentaremos sobre as especifici-
dades que contribuem para o processo saú-
de-doença das mulheres, expostas à diferen-
tes condições socioeconômicas e culturais.
2.4 Especificidades em saúde das 
 mulheres
Considerando-se a heteregoneidade e diver-
sidade das mulheres, seja em relação a fato-
res como identidade de gênero e orientação 
sexual, cor de pele e etnia, ou mesmo a fatores 
socioeconômicos e culturais, compreende-se 
que as condições de saúde, bem como suas 
especificidades e vulnerabilidades, apresen-
tam diferenças importantes em um desses 
(e dos demais) grupos de mulheres. 
Devido à complexidade e profundidade de 
cada grupo de mulheres, não será possível 
abordar em profundidade neste módulo todas 
as diferenças e especificidades envolvidas. 
Entretanto, serão apresentadas a seguir algu-
mas características das mulheres do campo, 
da floresta e das águas, indígenas, negras, 
privadas de liberdade e em situação de rua. 
É fundamental que a compreensão des-
sas características seja levada em conta na 
implantação e implementação da Política Na-
cional para Atenção Integral à Saúde da Mu-
lher, para que seja possível o alcance de uma 
atuação mais próxima da realidade local e, 
portanto, com melhores resultados.
2.4.1 Mulheres do campo, da floresta 
 e das águas
As mulheres do campo, da floresta e das águas 
sofrem grande influência das características 
dos lugares onde vivem sobre as suas condi-
ções de vida e saúde. O modo de viver no cam-
po, na floresta e nas águas reflete em práticas 
populares de cuidado com a saúde, mas que 
devem estar articuladas com a luta permanen-
te pelo acesso à saúde pública universal e de 
qualidade. Ter um olhar atento sobre a saúde 
dessas mulheres ainda é um grande desafio, 
especialmente porque os dados oficiais oriun-
dos dos sistemas de informação em saúde 
ainda são agrupados por local de moradia, em 
divisão simples: urbano ou rural. Assim, não 
há distinção entre os grupos de camponeses, 
pescadores, extrativistas, por exemplo, com os 
demais moradores do meio rural. 
Para a compreensão da pluralidade dessas 
mulheres, é relevante detalhamos suas espe-
cificidades (BRASIL, 2015).
ÎÎ Mulheres do campo – são aquelas que vivem e 
se relacionam predominantemente com a terra: 
as camponesas; trabalhadoras rurais assenta-
das ou acampadas, assalariadas ou não; tem-
porárias, que residam no campo ou não. São 
as que trabalham na agricultura convencional, 
agricultura familiar ou orgânica, e têm por meio 
desta atividade seu meio de sobrevivência. 
http://www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_Manual%20para%20uso%20não%20sexista%20da%20linguagem.pdf
http://www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_Manual%20para%20uso%20não%20sexista%20da%20linguagem.pdf
http://www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_Manual%20para%20uso%20não%20sexista%20da%20linguagem.pdf
http://www.spm.rs.gov.br/upload/1407514791_Manual%20para%20uso%20não%20sexista%20da%20linguagem.pdf
 35 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
ÎÎ Mulheres da floresta – são oriundas de comu-
nidades tradicionais, tais como as ribeirinhas e 
quilombolas, que vivem e utilizam de reservas 
extrativistas como forma de trabalho e subsis-
tência. As florestas são territórios onde ainda 
ocorre a exploração ambiental, com grande de-
sigualdade social. Porém, é também local de 
abundância e oferta diversificada por meio da 
natureza. 
ÎÎ Mulheres das águas – são as integrantes da co-
munidade pesqueira, que vivem e se relacionam 
com os mares, rios, lagos, manguezais, arrecifes, 
igapós, igarapés, entre outros. 
Em relação à população rural, a Pesquisa Na-
cional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 
2015, apresenta a proporção média de 15,3% da 
população total residente no Brasil, sendo que 
deste índice, 7,4% são mulheres (IBGE, 2015). 
É um número pequeno quando comparado 
à população urbana, mas que corresponde a 
mais de 14 milhões de mulheres que perma-
necem invisíveis nas estatísticas oficiais, e que 
ao mesmo tempo enfrentam diversas dificul-
dades, especialmente no que se refere ao aces-
so aos serviços públicos essenciaispara uma 
vida saudável e com qualidade (PNAD, 2015).
Números da população rural no Brasil
ÎÎ 15,2% da população brasileira vive em 
áreas rurais
ÎÎ dessa população, 7,4% são mulheres
ÎÎ ou seja, são 14 milhões de mulheres 
vivendo no campo
A partir de um conceito ampliado de saúde – 
sendo, este, produto de vários fatores relaciona-
dos à qualidade de vida, tais como a alimentação 
e nutrição adequadas, habitação e saneamento, 
condições dignas de trabalho, renda, oportuni-
dades de educação, ambiente físico saudável e 
cuidado em saúde – é necessário se reconhecer 
os determinantes socioculturais e econômicos 
que influenciam o processo saúde e doença 
deste grupo de mulheres. 
Para a identificação destes determinantes em 
saúde, foram analisados dados sobre mulhe-
res que vivem no meio rural, publicados na 
Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios 
(PNAD) de 2015, apresentados a seguir.
A escolaridade média no meio urbano foi de 
8,2 anos de estudo, enquanto no meio rural foi 
de 5,6. A diferença entre a proporção de mu-
lheres com ensino médio e superior também 
foi marcante, sendo que na zona urbana houve 
90,8 %
Realizam trabalho doméstico 
Diferenças entre homens e mulheres no meio rural:
Diferenças entre meio urbano e rural:
Mulheres Rurais Mulheres Urbanas 
Escolaridade (anos) 8,2 
 
Ensino medio completo 25% 
 
Ensino superior completo 13% 
 
 5,6 Escolaridade (anos)
 
11% Ensino medio completo
 
2% Ensino superior completo
10,2h por semana 26h por semana
43,1 %
Realizam trabalho doméstico 
 36 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
25% e 11%, enquanto na zona rural foi de 13% 
e 2% apenas, respectivamente. 
A inserção das mulheres no mercado de traba-
lho e em atividades remuneradas refletem direta-
mente na autonomia econômica, e, consequen-
temente, na sua qualidade de vida. Tanto homens 
como mulheres possuem taxas de ocupação 
altas a partir dos 16 anos; entretanto, em rela-
ção à posição de ambos verificam-se grandes 
desigualdades de gênero na zona rural. Os ho-
mens em maioria trabalham por conta própria 
(36,2%) ou em emprego, sem carteira assinada 
(21,5%), e a minoria trabalha para o consumo pró-
prio ou em atividades não remuneradas (18,5%). 
Já este cenário para as mulheres é oposto, majo-
ritariamente elas trabalham para o consumo pró-
prio ou em atividades não remuneradas (47,2%). 
Uma parte considerável do tempo dessas mu-
lheres é ocupada pelo trabalho doméstico, pois 
90,8% das brasileiras no meio rural se dedicam a 
esse tipo de trabalho, no qual despendem cerca 
de 26 horas semanais. Enquanto apenas 43,1% 
dos homens realizam trabalho doméstico e gas-
tam 10,2 horas semanais com essa tarefa, menos 
da metade que as mulheres. Outra desigualdade 
em relação ao meio urbano é a proporção de em-
pregadores rurais: a taxa é baixa para os homens 
(2,1%), mas ainda é três vezes menor para as mu-
lheres, sendo apenas 0,7%.
Os tipos de trabalho desempenhados refletem 
diretamente na renda mensal dessas mulhe-
res, repercutindo em desigualdades de gê-
nero e raça. São os homens brancos os que 
possuem maiores rendimentos mensais, o 
equivalente ao valor médio de R$ 2.653,70, 
enquanto as mulheres negras rurais apresen-
tam as menores médias salariais, sendo de R$ 
536,20, cerca de cinco vezes menor. Um indi-
cador ambiental importante é o saneamento 
básico no meio rural: em 2009, somente 6,9% 
possuíam rede de coleta de esgoto; já no meio 
urbano essa taxa era de 61,4%. A ausência 
destes serviços, assim como de outros tam-
bém essenciais, é prejudicial tanto para estas 
populações como para a economia do país. 
Campos, florestas e águas são meios que se 
destacam em relação à saúde do trabalhador, 
tanto devido às iniquidades em saúde, quanto 
aos riscos a que os trabalhadores estão expos-
tos. Há fatores de raça, etnia e gênero, de ordem 
econômica e tecnológica, além dos riscos físicos, 
químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos 
presentes. Como estes são previsíveis de acordo 
com a atividade, eles são evitáveis, devendo-se 
desenvolver ações de prevenção nesse sentido. 
O trabalho agrícola, segundo a Organização 
Internacional do Trabalho (OIT) e a Organi-
zação Mundial da Saúde (OMS), está entre as 
ocupações que apresentam maiores riscos 
ocupacionais, com destaque para os agrotó-
xicos, que podem causar tanto intoxicações 
agudas como influenciar em doenças crôni-
cas, reprodutivas, além do impacto ambien-
tal negativo (FARIA: FASSA; FACCHINI, 2007). 
Também são frequentes as Lesões por Esfor-
ços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares 
Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), atrela-
dos ao trabalho braçal. 
Nas florestas, é elevado o número de casos 
de malária, leishmaniose e doença de Chagas. 
No caso das atividades extrativistas, além 
do contato com poluentes do ambiente no 
qual se inserem, estas também podem oca-
sionar problemas específicos, aos quais os 
profissionais de saúde atuantes nessas áre-
as devem estar atentos. Nas águas, a expo-
sição a contaminantes, a exposição ao sol, 
calor, umidade, salinidade, os movimentos re-
petitivos, além do risco de cortes, acidentes e 
 37 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
afogamentos impactam diretamente na saúde 
dessas mulheres. 
Quanto aos aspectos da saúde sexual e re-
produtiva da mulher, estes foram investiga-
dos pela Confederação Nacional de Trabalha-
dores na Agricultura (CONTAG), em parceria 
com o Ministério da Saúde. Realizaram-se 
escutas itinerantes da população que vive no 
campo, identificando-se uma elevada taxa de 
cesáreas: 47% das entrevistadas fizeram ao 
menos uma vez. Ressalte-se o baixo acesso 
ao anticoncepcional oral (14%) e ao preser-
vativo (12%), paralelamente à elevada pro-
porção de laqueaduras (47%), sendo este úl-
timo o principal método contraceptivo usado. 
O aborto foi referido por 28% das mulheres, 
sendo que dessas, 41% teve mais de um caso 
(BRASIL, 2013). 
Também são agravantes deste quadro de 
saúde a violência doméstica e sexual, a vio-
lência desencadeada pelos conflitos terri-
toriais, a violência institucional, por vezes 
praticada nos serviços de saúde, tal como 
maternidades e hospitais, fatores estes as-
sociados ao desconhecimento dessas mu-
lheres sobre seus direitos de acesso aos 
serviços e assistência à saúde humanizada 
e de qualidade (BRASIL, 2015). 
A partir desse contexto de vida e saúde das 
mulheres, junto a mobilização e pressões dos 
movimentos sociais relacionados às questões 
da terra e do meio ambiente, emergiu a Política 
Nacional de Saúde Integral das Populações do 
Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA). 
Figura 12 – Política Nacional de Saúde Integral das 
Populações do Campo, da Floresta e das Águas: produto 
dos movimentos sociais
Fonte: Ministério da Saúde (2013).
Essa política foi precedida por debates ricos 
e intensos, com participação coletiva e re-
presentação de diversos segmentos sociais: 
sociedade civil organizada, trabalhadores da 
saúde, da academia e gestores, alcançando-
-se um produto legítimo e norteador do re-
conhecimento das necessidades de saúde 
das referidas populações. Inicialmente, foi 
instituída a Política Nacional de Saúde Inte-
gral das Populações do Campo, da Floresta 
(PNSIPCF) pela Portaria no 2.866, de 2 de de-
zembro de 2011, assinada na 14a Conferência 
Nacional de Saúde, abrangendo a seguinte 
população:
[...] povos e comunidades que têm seus 
modos de vida, produção e reprodução 
social relacionados predominantemente 
com o campo, a floresta, os ambientes 
aquáticos, a agropecuária e o extrati-
vismo, como: camponeses, agricultores 
familiares; trabalhadores rurais assen-
tados e campados; comunidades de 
quilombos; populações que habitam ou 
usam reservas extrativistas; populaçõesribeirinhas; populações atingidas por 
barragens; outras comunidades tradi-
cionais (BRASIL, 2013). 

 38 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Posteriormente, no II Encontro Nacional de 
Saúde das Populações do Campo, da Flores-
ta e das Águas, as representações dos mo-
vimentos sociais da pesca artesanal e ma-
risqueiras reivindicaram a inserção do termo 
‘águas’ junto à política, tendo em vista a ne-
cessidade de contemplar a diversidade entre 
esta população, reconhecendo-se também 
as especificidades das populações extrati-
vistas das águas, tais como marisqueiras, ri-
beirinhas e pescadoras. Para tanto, a Portaria 
no 2.311, de 23 de outubro de 2014, instituiu 
o termo ‘das águas’, renomeando a redação 
para Política Nacional de Saúde Integral das 
Populações do Campo e da Floresta e das 
Águas (PNSIPCFA). Este foi um passo essen-
cial para que as desigualdades e iniquidades 
em saúde se tornem visíveis e então se in-
tegrem ao processo de trabalho dos profis-
sionais atuantes serviços de saúde destas 
comunidades. 
Importante! A Política Nacional de Saú-
de Integral das Populações do Campo 
e da Floresta e das Águas (PNSIPCFA) 
é um marco histórico na saúde brasi-
leira, devido ao reconhecimento dos 
determinantes sociais do campo sobre 
o processo saúde e doença dessas po-
pulações. Este foi um passo inicial, mas 
que deve avançar continuamente, em 
parceria com os movimentos sociais e 
lideranças comunitárias, representati-
vas destes povos. 
A PNSIPCFA norteia o SUS para o alcance 
dessas populações, mas ainda há grandes 
déficits estruturais e de serviços nessas co-
munidades. Para a superação desses desa-
fios, é necessário adotar estratégias inter-
setoriais que promovam a descentralização 
da gestão, o fortalecimento da rede de aten-
ção à saúde, a ampliação da cobertura da 
Atenção Primária, o fortalecimento da Rede 
Cegonha, de programas de provimento de 
médicos, como o Programa Mais Médicos, e 
a implantação do Centro de Referência em 
Saúde do Trabalhador Rural (CEREST-rural). 
Como ponto fundamental da rede, devem-se 
fortalecer os conselhos de saúde e demais 
espaços participativos e de controle social 
(SOARES et al. 2014).
2.4.2 Mulheres Indígenas
A população indígena brasileira é de 896.900 
pessoas, de acordo com o Censo Demográ-
fico de 2010. Foram identificadas mais de 
300 etnias, que falam mais de 274 línguas 
distintas. Os povos indígenas estão pre-
sentes nas cinco regiões brasileiras, sendo 
que 36,2% deles vivem em área urbana e 
63,8% na área rural. Foram incluídos como 
indígenas 817,9 mil pessoas que se declara-
ram indígenas no quesito cor ou raça, além 
de 78,9 mil pessoas que residiam em terras 
indígenas, e que mesmo declarando-se de 
outra cor ou raça (principalmente pardos, 
67,5%), consideravam-se indígenas devido 
aos aspectos culturais e de vida, tais como 
tradições, costumes, cultura e antepassados. 
Há um equilíbrio na proporção entre os sexos, 
sendo que há 100,5 homens para cada 100,0 
mulheres (IBGE, 2010). 
A estruturação e operacionalização do 
Subsistema de Atenção à Saúde Indí-
gena, articulado com o Sistema Único 
de Saúde (SUS), é de responsabilidade 
do Ministério da Saúde desde agosto de 
1999. Em 2002 foi lançada a Política de 
Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, cujo 
objetivo é:
 39 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
[...] garantir aos povos indígenas o 
acesso à atenção integral à saúde, de 
acordo com os princípios e diretrizes 
do Sistema Único de Saúde, contem-
plando a diversidade social, cultural, 
geográfica, histórica e política de modo 
a favorecer a superação dos fatores 
que tornam essa população mais vul-
nerável aos agravos à saúde de maior 
magnitude e transcendência entre os 
brasileiros, reconhecendo a eficácia 
de sua medicina e o direito desses 
povos à sua cultura (FUNASA, 2002, 
p. 13).
Em relação à atenção à saúde da mulher, há 
grandes desafios na assistência pré-natal, na 
prevenção do câncer de colo de útero e das 
IST/HIV/AIDS. Ainda, há insuficiência dos 
dados epidemiológicos disponíveis para ava-
liação dos problemas de saúde das mulheres 
indígenas. Diante deste cenário, a PNAISM 
tem por finalidade a garantia da atenção in-
tegral às mulheres, atendendo as suas es-
pecificidades e vulnerabilidades em saúde, 
considerando-se os aspectos socioculturais 
e econômicos que interferem na sua saúde 
(BRASIL, 2004).
Figura 13 – A atenção à saúde da mulher indígena está 
contemplada na PNAISM
Para o reconhecimento das condições de saú-
de das mulheres indígenas foi realizado o I In-
quérito Nacional de Saúde e Nutrição Indíge-
na, entre 2008-2009, que buscou caracterizar 
o estado nutricional de mulheres entre 14 e 49 
anos de idade, bem como de crianças meno-
res de 5 anos. Foram visitadas 113 aldeias e 
entrevistadas 6.692 mulheres, o que represen-
ta uma amostra probabilística da população 
indígenas residente das quatro macrorregiões 
brasileiras: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul 
e Sudeste (COIMBRA JR., 2013). Este inquéri-
to foi um grande avanço no âmbito da saúde 
pública, embora tenha ocorrido com grande 
atraso em relação à população não indígena, 
visto que no restante da população já são rea-
lizados esses levantamentos desde a década 
de 1970 (BARROS, 2008). 
O Inquérito Nacional apresentou grandes ini-
quidades em saúde entre as populações in-
dígenas e não indígenas, além de diferenças 
importantes entre as regiões. Em relação ao 
saneamento básico, apenas 19% dos domi-
cílios indígenas possuíam banheiros dentro 
de casa, enquanto na região Norte essa taxa 
era de apenas 0,6%. Em cerca de 63% dos 
domicílios, os dejetos são coletados em fos-
sas rudimentares, sendo que este porcentual 
chega a 91% dos domicílios na Região Norte. 
Enquanto as aldeias praticamente não dis-
põem de saneamento básico mínimo, 90% da 
população não indígena possui algum recur-
so de saneamento, mesmo que insuficiente 
(IBGE, 2010). 

 40 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Sobre o acesso à água potável, a maioria dos 
domicílios indígenas relatou coletar água de 
fontes locais, sem tratamento prévio. Mesmo 
quando há local para coleta de água, há pro-
blemas estruturais como bomba d’água que-
brada, falta de combustível para o gerador ou 
problemas de encanamento e instalação, que 
tornam a água indisponível aos domicílios in-
dígenas (COIMBRA JR., 2013). 
Em relação à mulher indígena, o Inquérito Nacio-
nal revelou que o estado nutricional da mulher 
indígena é marcado pelo excesso de peso, onde 
46% das indígenas entrevistadas apresentaram 
sobrepeso ou obesidade. Ao lado desse estado 
de sobrenutrição, permanece uma prevalência 
de anemia de 32,7% em nível nacional, sendo a 
mais elevada na região Norte (46,8%). As defi-
ciências na realização do pré-natal, bem como 
o acesso aos serviços de Atenção Primária em 
saúde impactam negativamente no estado nu-
tricional dessas mulheres. 
A saúde sexual e reprodutiva também é uma 
situação de risco para as indígenas, que apre-
sentam uma taxa de fecundidade entre 4-8 fi-
lhos, enquanto essa taxa na população brasi-
leira é de 1,9 filhos por mulher, com intervalos 
curtos entre as gestações, além do início da 
vida sexual e primeira gestação precoce (IBGE, 
2010; MOLITERNO et al. 2015). As Infecções 
Sexualmente Transmissíveis (IST) e o câncer 
de colo de útero são agravos prevalentes nes-
sas populações. 
São fatores de risco associados muito presen-
tes nas populações indígenas da América do 
Sul o início precoce da atividade sexual, a alta 
paridade, multiplicidade de parceiros, hábitos 
precários de higiene, tabagismo e ainda a difi-
culdade de acesso a exames preventivos e tra-
tamento adequado (RODRIGUES et al., 2014). 
Importante! Os principais problemasde 
saúde entre as mulheres indígenas são 
o sobrepeso, a anemia, a baixa assis-
tência ginecológica e obstétrica, a di-
ficuldade de realização do tratamento 
Algumas condições de saúde e fatores de risco 
especí�cas das mulheres indígenas são:
Início precoce da atividade sexual
Média elevada de �lho por mulher (4-8 �lhos)
Hábitos precários de higiene
Tabagismo
Acesso de�ciente à exames preventivos e tratamento
Alta prevalência de excesso de peso (46%)
Alta prevalência de anemia (37,2 %)
Alta prevalência de cancer de colo de útero e IST
Fatores de risco: 
Condições de saúde:
 41 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
das IST nas mulheres e seus parceiros, 
a mortalidade por câncer de colo uteri-
no e mama, além do alcoolismo, do uso 
de drogas, violência contra a mulher e 
prostituição (FERREIRA, 2013). 
Embora a publicação das políticas públicas – 
Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos 
Indígenas (PNASPI) e PNAISM – representem 
avanços na garantia da saúde das mulheres 
indígenas, de acordo com o panorama de saú-
de apresentado verifica-se que ainda é preciso 
avançar para o alcance de resultados mais efeti-
vos. Em especial, na realização de inquéritos em 
saúde e registro de informações em saúde nos 
sistemas de informação. Para que haja maiores 
registros sobre informações epidemiológicas, 
é preciso avançar na cobertura dessa popula-
ção, assegurando-lhes os serviços de atenção 
primária, bem como o acesso à Rede de Atenção 
à Saúde (RAS). Para o cuidado em saúde das 
indígenas não se pode perder de vista as suas 
especificidades socioculturais e o isolamen-
to geográfico para a criação de estratégias de 
promoção da saúde efetivas. Também é funda-
mental inserir as mulheres indígenas nas ações 
de planejamento em saúde, incentivando a par-
ticipação social junto aos conselhos de saúde e 
movimentos sociais (MAGGI, 2015). 
Para organizar a oferta dos serviços de aten-
ção à saúde dos povos indígenas, a PNASPI 
estabeleceu os Distritos Sanitários Especiais 
Indígenas (DSEI) nas comunidades locais, onde 
a atenção primária e os serviços de referência 
se situam. O DSEI é definido como um modelo 
de organização dos serviços, voltado para um 
espaço étnico e cultural dinâmico, geográfico 
e populacional bem definido. São realizadas 
pelos DSEIs atividades técnicas para oferta 
de atenção à saúde, reordenando a RAS, bem 
como o desenvolvimento de atividades admi-
nistrativas e gerenciais necessárias para a as-
sistência, como, por exemplo, o controle social. 
Cada distrito deve organizar a sua rede de ser-
viços de Atenção Primária, integrada à RAS. 
As demandas que não forem atendidas nos 
Figura 14 – A atenção à saúde indígena faz parte da rede de atenção saúde no SUS
Fonte: SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena (2012).
 42 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
distritos devem ser referências para a rede de 
serviços do SUS (BRASIL, 2002). 
Importante! As equipes de saúde indí-
gena deverão ser compostas por médi-
cos, enfermeiros, odontólogos, auxilia-
res de enfermagem e agentes indígenas 
de saúde (AIS), contando com a parti-
cipação sistemática de antropólogos, 
educadores, engenheiros sanitaristas e 
outros especialistas e técnicos conside-
rados necessários (FUNASA, 2002).
Na equipe de saúde, os agentes de saúde in-
dígena são fundamentais para a aproximação 
dos profissionais com a população, bem como 
para o reconhecimento da realidade local. Um 
entrave no acesso à saúde das mulheres indí-
genas é também a vergonha de serem aten-
didas por homens. Em geral, as mulheres 
têm dificuldade de falar sobre sua saúde com 
homens, sejam brancos ou indígenas, devido 
a aspectos e tradições culturais. Falar sobre 
saúde sexual e reprodutiva com um profissio-
nal do sexo masculino, na maioria das vezes, 
vai contra seus princípios, o que dificulta a 
abordagem da saúde sexual e saúde reprodu-
tiva, tão relevante e emergente nessa popula-
ção (FERREIRA, 2013). 
Em 2015, havia cerca de 15 mil profissionais 
de saúde indígena em equipes multidiscipli-
nares para o atendimento de cerca de 640 
mil indígenas pelo SUS, na atenção primária. 
Uma contribuição importante para a com-
pletude dessas equipes foi o programa Mais 
Médicos, que levou 305 profissionais para 34 
DSEIs, em todo o território nacional. Há uma 
série de avanços que precisam ser fortaleci-
dos, e desafios a serem superados na saú-
de indígena. Para tanto, é preciso avaliação 
e monitoramento, bem como investimentos 
continuados, tanto em infraestrutura como 
no provimento de profissionais e sua quali-
ficação constante para o alcance da melho-
ria da qualidade de vida e saúde deste grupo 
populacional. 
Você pode conhecer mais sobre este 
assunto acessando o portal da Secre-
taria Especial de Saúde Indígena, em: 
<http://portalsaude.saude.gov.br/index.
php/o-ministerio/principal/secretarias/
secretaria-sesai>.
2.4.3 Mulheres negras 
As vulnerabilidades às quais estão sujeitas 
as mulheres negras, bem como os homens 
negros, ocorrem em função das desigualda-
des sociais presentes nas estruturas da nossa 
sociedade. Essas desigualdades estão intrin-
secamente relacionadas ao racismo, à classe 
social e também ao sexismo, quando se trata 
das mulheres (NASCIMENTO, 2011). 
Para abordar a relação entre saúde e cor de 
pele, no caso das mulheres negras, é neces-
sário acessarmos o conceito de interseccio-
nalidade. Este refere-se à intersecção entre 
diversas opressões: de gênero, raça, classe 
social, orientação sexual, entre outros marca-
dores sociais. A interseccionalidade nos aju-
da a compreender a problemática que envolve 
as consequências estruturais e dinâmicas da 
interação entre dois ou mais eixos de subor-
dinação. É um caminho para a compreensão 
de como o racismo, o patriarcalismo e as di-
ferenças de classes sociais, bem como outros 
sistemas discriminatórios, geram desigual-
dades que determinarão as posições de mu-
lheres, raças, etnias e classes na sociedade 
(CRENSHAW, 2002).
Interseccionalidade é o estudo da so-
breposição ou intersecção de identi-
dades sociais e sistemas relacionados de 
opressão, dominação ou discriminação.
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/secretaria-sesai
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/secretaria-sesai
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/secretaria-sesai
 43 
Especificidades e 
vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
Gênero e vulnerabilidades na 
saúde das mulheres
UN2
Sob a ótica da interseccionalidade, quando 
assumida para a organização das pautas em 
saúde das mulheres negras, torna visível um 
conjunto de vulnerabilidades definido com 
uma tripla opressão: racismo, machismo e 
preconceito de classe social (GONZALEZ, 
1982). Esse trio seria aumentado no caso 
de serem mulheres negras transexuais ou 
travestis, e com orientação sexual não hete-
rossexual. O uso da interseccionalidade não 
se trata de hierarquizar opressões, mas de 
considerar os efeitos que estes sistemas de 
opressão têm por estarem imbrincados uns 
aos outros.
Com relação à raça e saúde, é importante 
destacar que esta não é uma realidade bio-
lógica, mas sim apenas um conceito – aliás, 
cientificamente inoperante – para explicar a 
diversidade humana e para dividi-la em raças 
estagnadas. Em outras palavras, biológica e 
cientificamente, as raças não existem (MU-
NANGA, 2004).
Também é preciso reconhecer que há um pro-
cesso de racialização, no qual são atribuídas 
atitudes e características pensadas como 
naturais e fixas nas pessoas, de acordo com 
a cor de pele. Esse entendimento tem como 
desfecho o racismo, o qual pode ser entendi-
do por uma ideologia essencialista que parte 
da divisão da humanidade em grandes gru-
pos denominados

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