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INTRODUÇÃO A EDUCAÇÃO FÍSICA Me. Thiago Rogel Santos Ferreira GUIA DA DISCIPLINA 2020 1 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância INTRODUÇÃO A EDUCAÇÃO FÍSICA – Leve introdução Esta disciplina tem como objetivo apresentar a Educação Física como profissão, formação acadêmica, intervenção profissional, área de conhecimento e uma ciência. Para isto, os conteúdos foram divididos para que ao final da disciplina seja possível reconhecer: • as diferenças entre ocupação e profissão; • às áreas de atuação profissional do licenciado em educação física; • os conhecimentos que estruturam a formação acadêmica; • às raízes epistemológicas da educação física como ciência e prática pedagógica; • diferentes teorias e abordagens que revestem a educação física no contexto escolar; • as práticas corporais que estão presentes nos currículos da educação Física na escola; • a influência dos aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais que envolvem o estudo do movimento humano. O que é a Educação Física? Antes de tudo, Educação Física é Educação... 2 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. EDUCAÇÃO FÍSICA: PROFISSÃO CIENTIFICAMENTE ORIENTADA Antes de iniciar as discussões a cerca da educação física como área de conhecimento e suas contribuições na aplicação das práticas pedagógicas, se faz importante contextualizar a presença da Educação Física nas instituições de Ensino Superior e na formação profissional. Na maioria das vezes uma profissão começa como uma ocupação e passa por um processo de estruturação e aperfeiçoamento denominado de profissão. O que diferencia uma ocupação de uma profissão é que na primeira o método de trabalho é dependente de tradições ou da tentativa e erro. Enquanto isso, uma profissão o método é fundamentado por um conjunto de conhecimentos específicos (LAWSON apud TANI, 2011). Existem diferentes formas de se classificar uma profissão, dentre elas darei atenção as orientações técnicas e cientificas (acadêmicas). As profissões tecnicamente orientadas, acontecem por meio das escolas técnicas profissionalizantes, já as profissões cientificamente orientadas, são aquelas em que o exercício profissional pressupõe uma formação superior, fundamentada por um corpo de conhecimento acadêmico-científicos, que orientam profissionais para solução de problemas específicos encontrados na sociedade (TANI, 2011). O Conselho Nacional de Educação-CNE institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena mediante a resolução 7/2004. “Art. 3. Art. 3º A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção acadêmico-profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e da reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas.” 3 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A formação de profissionais de Educação Física se efetivará em cursos de graduação que certificarão os formandos em duas modalidades: licenciatura e bacharelado. Em resumo, são duas formações distintas com intervenções profissionais separadas. Para o Licenciado é exclusividade atuar especificamente na componente curricular Educação Física na educação básica, e ao Bacharelado impossibilitada a atuação docente na educação básica. No campo acadêmico a licenciatura habilita para cursos de pós- graduação e a docência no Ensino Superior. Figura 1. Atuação profissional e acadêmica do Licenciado em Educação Física. A licenciatura deve tomar como referência, para a constituição de seu currículo, as diretrizes estruturadas segundo a Lei de Diretrizes e bases da Educação nacional (LDB) nº 9394 de 1996. “Art. 61. Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:” I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. Docência Educação Educação Física Licenciatura Bacharelado Demais segmentos fora da escola Educação infantil Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Coordenador pedagógica Coordenador de esportes Gesta escolar Pós graduação (Strictu/Latu Sensu) Ensino Superior Atividades Extracurriculares/ Enriquecimento Curricular 4 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal.” Logo, a Educação Física integrada a proposta pedagógica da escola é componente curricular obrigatório na educação básica, e assim, se caracteriza como uma necessidade da sociedade assegurada como direto constitucional, sendo a atuação profissional cientificamente orientada. A escola estabelece-se como um espaço do saber sistematizado, ou seja, da ciência e do currículo (MARCCO, 2006). Uma associação entre teoria e prática é visto como uma forma de legitimar o exercício da profissão, isto é, a produção de conhecimentos científicos deve fundamentar as intervenções pedagógicas, bem como os problemas encontrados na prática profissional devem ser solucionados pela produção científica. Entretanto, alguns problemas vêm sendo reconhecido de forma recorrente entre a teoria e a prática: I. a identificação de um currículo acrítico com ênfase nos aspectos biológicos e rendimento esportivo máximo; II. o distanciamento entre o conhecimento produzido por pesquisas científicas e suas aplicações práticas na Educação Física Escolar III. crise de identidade e legitimidade da educação física como ciência 1.1. Formação profissional A Educação Física teve seu início na década de 20 no ensino primário e secundário, desde então seus objetivos sofreram mudanças influenciadas por questões políticas e ideológicas que serão abordadas mais detalhadamente nas próximas aulas. De uma forma geral a Educação foi utilizada como um meio para atingir diferentes fins, sendo a saúde e o esporte os mais notáveis. Diante desta importância atribuída a saúde e ao rendimento no esporte, o currículo da Educação Física no Ensino superior foi composto de conhecimentos biológicos relacionados as melhoras da aptidão física e conhecimentos práticos no ensino dos esportes. Tojal apud Tani (2011) afirma que, via de regra, estes cursos iniciaram suas 5 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância atividades com ausência de preocupações na produção de conhecimentos (teóricos) e sim na reprodução de conhecimentosempíricos acumulados através das experiências motoras culturalmente observadas, isto é, predominando-se um ensino baseado nas tradições. A fundamentação teórica dos cursos de educação física foi baseada na produção de conhecimentos adquiridos nas ciências mães (fisiologia, anatomia, pedagogia) e suas implicações no exercício do corpo e no desempenho do esporte. Na década de 80 este modelo foi fortemente criticado, influenciado muito provavelmente, pelo início dos cursos de pós graduação no Brasil. Em relação ao debate acadêmico, o aumento gradual das pesquisas tendo como objeto de estudo o movimento humano levou à produção de conhecimentos em várias dimensões desse fenômeno, biológico, psicológico, social, cultural e filosófico. Esse processo levou ao surgimento de várias subdisciplinas que emergiram através de forma interdisciplinar (Manoel, 1996). A estrutura do currículo pode ser observada da seguinte forma: Disciplinas Ciências mãe Disciplinas Práticas Subdisciplinas Interdisciplinar Fisiologia Esportes Fisiologia do Exercício Pedagogia Dança Psicologia do esporte Biologia Ginásticas História do esporte Psicologia Sociologia do Esporte Sociologia Psicologia da Educação Entre outras... Entre outras... O currículo de caráter interdisciplinar fez da educação física uma disciplina acadêmica dependente da produção de outras áreas, expondo assim uma ausência de autonomia na produção de um corpo de conhecimentos centrados em um objeto de estudo em comum, uma vez que, estas disciplinas poderiam conter apenas algumas informações relevantes a performance humana. Esta lacuna criou uma crise de identidade e de legitimidade da Educação Física como ciência, isto é, como a Educação Física poderia ser considerada uma ciência sem um objeto de estudo particular? 6 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A partir destas discussões, Henry (1964) propôs que a disciplina acadêmica Educação Física não poderia ter uma estrutura interdisciplinar e sim transdisciplinar, com um objeto de estudo próprio, e consequentemente um corpo de conhecimentos específico. Para Henry e outros pesquisadores, garantir a Educação Física como uma ciência a faz mais importante. Diante disso, ao observar as limitações da educação Física como uma área de conhecimento, um conjunto de propostas denominados de matriz científica sugere a mudança de nomenclatura para atender as necessidades de uma disciplina transdisciplinar. Diferentes correntes podem ser observadas na literatura, sendo destacado a Cinesiologia (Ciência do Movimento Humano) e a Ciência da Motricidade Humana. Em contrapartida, um segundo grupo, considera a impossibilidade de que a Educação Física se constitua, no atual período histórico, como ciência. Para tanto, tendo em vista a especificidade da área, consubstanciada no seu caráter eminentemente pedagógico, compreendem-na como uma prática pedagógica que trata/tematiza as manifestações da cultura corporal, a qual, entretanto, não deve se eximir de se fundamentar no conhecimento científico de outras disciplinas, ou seja, a educação física teria como objeto de estudo as práticas pedagógicas e as dificuldades encontradas nesta prática pedagógica devem ser resolvidas com a importação de conhecimentos de outras áreas (ciências). Estas duas visões apresentadas, ainda que antagônicas, concordam ao menos que a Educação Física se faz uma profissão do saber sistematizado fundamentada cientificamente (academicamente), uma vez que, historicamente a ausência da teoria resultou em currículos com ênfase na reprodução acrítica e sem significado de atividades práticas no contexto escolar. A dualidade das propostas para a Educação Física reflete questões epistemológicas e paradigmáticas. Para Thomas Khun o período de crise é também um período de revolução, de mudanças de paradigmas. Um paradigma consiste em uma visão de mundo, portanto, diferentes paradigmas são diferentes formas de ver o mundo. A ciência não é estática, muda no tempo, logo, a forma de ver a atuação profissional também mudará. 7 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 2. Referente a ideia de diferentes paradigmas (visão de mundo) que sustentam diferentes formas de entender a educação física. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 1996. MANOEL, E. J. Comportamento Motor e Educação Física: as duas faces de Janus. Motriz, Janeiro, 1996. MARCCO. A. Educação Física: cultura e sociedade. Campinas, Papirus, 2006. TANI, G. Leituras em Educação Física: Retratos de uma jornada. São Paulo, Phorte, 2011. 8 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. CINESIOLOGIA: ESTUDO DO MOVIMENTO HUMANO Nesta aula iremos abordar a Cinesiologia como estrutura transdisciplinar, no qual a educação física estaria inserida na atuação profissional fundamentada por um corpo de conhecimentos produzidos por meio da pesquisa aplicada. Uma disciplina acadêmica é normalmente identificada por possuir: (a) um objeto de estudo próprio; (b) uma metodologia de estudo especializada, e (c) um paradigma próprio identificado por um conjunto de teorias, que resulta num corpo de conhecimentos único. A cinesiologia pode ser definida como o estudo do movimento humano ou da atividade física como proposto por Karl Newell (NEWELL, 1990a). Embora existam várias possibilidades para a cinesiologia, Newell sugere que o estudo da atividade física possa ser útil e até considerado em quatro dimensões. Essas dimensões são: a própria atividade física, a base de conhecimento interdisciplinar, o desenvolvimento da qualidade de vida e as profissões da atividade física. Figura 1. Referente as dimensões da Cinesiologia proposta por Newell (2007). De acordo ainda com o mesmo autor a atividade física deve estar incorporada ao contexto, e apresenta uma estrutura hierárquica sobre os contextos de aplicação da atividade física, isto é, menor interferência do contexto nos movimentos reflexos e Profissões Atividade Física Conhecimento Interdisciplinar Desenvolvimento qualidade de vida Atividade Física 9 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância espontâneos, ainda que mesmo nos bebês estes movimentos podem ser influenciados pelo ambiente. Dança, exercício, Música, Jogo, Esporte e Trabalho Educação do Movimento Atividades da vida diária Postura, locomoção e manipulação Movimentos espontâneos e Reflexos Para Tani (1996) a cinesiologia é mais do que uma disciplina acadêmica, é uma área de conhecimento que tem como objeto de estudo o movimento humano, com o foco de preocupações centradas no estudo de movimentos genéricos (postura, locomoção, manipulação) e específicos do esporte, exercício, ginástica, jogo e dança. Para Tani (2011) o movimento não poder se restringir ao aspecto biológico, uma vez que se relaciona com o desenvolvimento psicológico, social, cultural e evolutivo. Figura 2. Integração dos sistemas perceptivos, motores e cognitivos A cinesiologia como área de conhecimento apresenta-se com uma peculiaridade de estudar o movimento humano desde uma perspectiva microscópica (níveis bioquímicos) ao nível macroscópico resultante das inúmeras interações socioculturais, e assim, seria dividida em três subdivisões que podem ser agrupadas em três grandes áreas de concentração (MANOEL, 1996). Organização das percepções Movimento Sensação Cognição Percepção Exploração do meio ambiente Integração das sensações Programação e controle das ações 10 Introdução à Educação Físicae Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. Biodinâmica do Movimento: estuda os mecanismos de sustentação para o movimento (bioquímica, fisiológica) bem como de organização motora em seus aspectos físicos internos e externos (biomecânica). 2. Comportamento Motor Humano: estuda os processos neuropsicológicos da organização motora em termos de controle, desenvolvimento e aprendizagem motora. 3. Estudos Socioculturais de Movimento Humano: estuda os aspectos sociais, antropológicos e filosóficos da atividade motora A Educação Física por sua vez, seria constituída de duas subáreas: Pedagogia do Movimento Humano e Adaptação do Movimento Humano. Frente as diferentes áreas de concentração, novas disciplinas emergiram com características de orientação pedagógica, como por exemplo aprendizagem motora. Todas estas disciplinas estariam interligadas a manifestação do movimento no exercício, ginástica, jogo e dança. Esta estrutura garante a independência da Educação Física das disciplinas mães, e possibilita a emergência um corpo de conhecimento própria da área de conhecimento. A fim de atender as necessidades teóricas e práticas, o modelo proposto diferencia a pesquisa básica e aplicada, uma vez que, tem sido apontado um afastamento dos achados na pesquisa básica com a realidade das práticas pedagógicas, isto é, o distanciamento entre teoria e prática faz com que a produção de conhecimentos não contribuam para a atuação profissional na escola. As pesquisas básicas preocupam-se com problemas teóricos, são realizadas em situação de laboratório, exigem condições cuidadosamente controladas o que implica na diminuição de seu valor ecológico, ou seja, seu valor prático. Já as pesquisas aplicadas Biodinâmica do Movimento Comportamento Motor Estudos Socioculturais Fisiologia do Exercício Aprendizagem motora Sociologia do Esporte Bioquímica do Exercício Desenvolvimento Motor História da Educação Biomecânica Controle Motor Antropologia Cineantropometria Psicologia do Esporte Filosofia da Educação 11 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância caracterizam-se por voltar-se a problemas imediatos do mundo real. Estas pesquisas fornecem resultados direto para a prática (THOMAS E NELSON, 2002). A Cinesiologia é fundamentada em novos paradigmas da ciência (complexidade e sistemas dinâmicos) no qual o movimento é um fator indispensável para o aumento não linear de complexidade do comportamento motor e humano. De uma forma mais simplista, a Educação Física com foco no estudo do movimento humano (atividade física), permite planejar um currículo voltado a Educação do Movimento e uma Educação pelo Movimento, isto é, uma criança quando se envolve em um jogo exige adaptações fisiológicas da aptidão física, adaptações neuromusculares no desempenho de habilidades motoras diversificadas, mas também interage com os seus pares, criam e resolvem conflitos coletivos e por fim são apresentados a uma diversidade lúdica na vivência de jogos tradicionais distintos culturalmente construídos. Nos Estados Unidos, a matriz epistemológica da cinesiologia é disciplinar. No Brasil, a situação é ambígua, uma vez que educação física é o termo preferido por instituições de ensino superior e está presente amplamente na denominação dos programas de pós- graduação. Todavia, as áreas de concentração desses programas revelam uma hegemonia da biodinâmica (MANOEL E CARVALHO, 2011). Cinesiologia Pesquisa Básica Educação Física Pesquisa Aplicada Biodinâmica do Movimento Comportamento Motor Estudos Socioculturais Pedagogia do Movimento Humano Adaptação do Movimento Humano 12 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Com isso, a área dos estudos socioculturais e pedagógicas enfrenta dificuldades e perdem espaço nos programas de pós graduação. Para os críticos da Cinesiologia, esta proposta ainda que se disponha a estudar aspectos macroscópico na teoria, na prática observa-se uma resistência e limitações epistemológicas. Diante a perspectiva dos pesquisadores das áreas pedagógicas e socioculturais a cinesiologia acrescenta aos problemas relacionado aos conteúdos tradicionais do condicionamento físico, rendimento esportivo e a reprodução de movimentos descontextualizados em busca da aquisição de padrões de movimentos. Para Manoel e Carvalho (2011) os conhecimentos produzidos pela cinesiologia em geral e pela biodinâmica em particular têm grande potencial de generalização, mas as aplicações na resolução de problemas e no desenvolvimento de bens e serviços requerem um investimento na pesquisa orientada aos dilemas que as populações enfrentam. Os estudos pedagógicos são delineados para responder a tal demanda. Restringir essa produção com base em uma política científica que se justifica por meio de critérios que valorizam a produtividade quantitativa, em detrimento do impacto e da relevância social da produção científica, implica também abdicar das pesquisas que legitimam, acadêmica e profissionalmente, a educação física. A cinesiologia tem uma forte influência dos estudos do comportamento motor, mas especificamente da aprendizagem motora, e teve grande importância no Brasil diante da formulação de uma proposta para a Educação Física Escolar fundamentada por uma abordagem desenvolvimentista, em um momento de crise de epistemológica da educação física, que mais adiante seria confrontada por pesquisadores que defendem uma matriz pedagógica da educação física. MANOEL, E. J. CARVALHO, Y. Pós-graduação na educação física brasileira: a atração (fatal) para a biodinâmica. Educação e Pesquisa. v.37, n.2, p. 389-406, 2011. NEWELL, K. M. Kinesiology: the label for the study of phisical activity in higher education. Quest. v. 12. 269-278, 1990a. TANI, G. Leituras em Educação Física: Retratos de uma jornada. São Paulo, Phorte, 2011. THOMAS, J. R.; NELSON, J. K. Métodos de pesquisa em Educação física. Porto Alegre, Artmed, 2002. 13 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. CIÊNCIA DA MOTRICIDADE HUMANA Um embate recorrente no meio acadêmico tem, como foco, o conceito de ciência e o seu critério de demarcação. Essa discussão assume diferentes magnitudes a depender do foco, por exemplo: pesquisa qualitativa vs pesquisa quantitativa, subjetividade vs objetividade, holismo vs reducionismo. Inserida no que podemos chamar de matriz científica a ciência da motricidade humana apresenta características diferentes da cinesiologia, a começar pela ruptura de uma ciência positivista. A Ciência da Motricidade Humana sugerida e defendida pelo português Manuel Sérgio tenta resolver os problemas ontológicos, epistemológicos e políticos, deixados pela tradicional Educação Física por meio de um pensamento fenomenológico. A ciência da motricidade humana estuda o movimento intencional da transcendência, tendo como objeto de estudo o corpo enquanto forma de desenvolvimento. A transcendência significa superação. O ser humano através da sua motricidade prova que anseia a transcendência pela capacidade de ser mais e ser melhor. O foco da definição está na busca da superação dos limites da realidade dada, dos limites existentes em um dado momento, tanto no sujeito como nas circunstâncias. A evolução humana é marcada por intensa relação entre o movimento intencional e a flexibilidade das estratégias adaptativas de aprendizagem permanente (SÉRGIO, 2019). Os movimentos dos bebês ainda que espontâneos e reflexos são os primeiros movimentos observáveis diretamente, sejam reflexos primitivos ou posturais estruturam a emergência de movimentos voluntários e desdeentão a motricidade se faz presente nas mudanças na complexidade dos movimentos corporais, bem como na quantidade de interação com o meio. A movimento na criança permite viver diferentes momentos durante o seu desenvolvimento, e na maior parte, estes momentos exigem um sentido de superação. Com uma visão mais amplificada no que se refere ao corpo, a ciência da motricidade humana tem sido associada a 14 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância corporeidade. O conceito de corporeidade corresponde a uma representação que criamos em nossa mente, por meio da qual percebemos nossos corpos e, principalmente, os compreendemos. Assim, a corporeidade define o ser humano como ser físico/corporal e complexo, estando todas as qualidades e dimensões pertencentes ao ser humano enraizadas em seu corpo, enquanto uma organização sistêmica (NETO, 2018). O homem precisa ser visto não apenas enquanto corpo material, mas principalmente enquanto um fenômeno corporal, ou seja, enquanto expressividade, palavra e linguagem. Somos movimento, gesto, expressividade, presença (Merleau- Ponty, 1999). O dualismo entre mente e corpo é outro ponto de diferenciação desta proposta, influenciado pelo trabalho de Merleau- Ponty, no qual o corpo juntamente com a realidade externa, é a base da consciência, por essa razão, há um inseparável entre o sujeito conhecedor e as circunstâncias, onde não se pode separar o corpo como objeto de estudo do sujeito, ou seja, não temos um corpo somos um corpo. A motricidade humana envolve também aspectos antropológicos do desenvolvimento, levando em conta heranças culturais, necessidades individuais e sociais e questões sociopolíticas. Do homo sapiens aos dias de hoje o corpo e a motricidade reveste-se de um conjunto de significados que representam revoluções e conquistas em diferentes momentos do tempo e do espaço. A construção de artefatos e a descoberta do fogo garantiram não só a sobrevivência da espécie como uma evolução sem precedentes. Do nomadismo ao sedentarismo, do trabalho fabril as revoluções da computação, dos jogos ao esporte rendimento, do brincar na rua ao brincar em espaços urbanizados e privados, do exercício físico ao culto de padrão de beleza midiático, do simples movimento a arte, a corporeidade é a expressão de inúmeras mudanças culturais. Diante de uma perspectiva cultural, a motricidade é vista como uma linguagem não verbal presente nas atividades cotidianas, no rendimento esportivo, na arte, no trabalho, na reabilitação e na educação. No que se refere à Educação Física como ciência a motricidade reconhece a necessidade de objeto de estudo independente as ciências mães, e propõe uma alteração da nomenclatura para atender as tais necessidades transdisciplinares, que foi denominado de corte epistemológico. A mudança da concepção da Educação Física para motricidade humana assim como a cinesiologia amplia as possibilidades de interação, influenciado pelo pensamento complexo de Edgar Morin (1991). 15 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Sem uma ciência autônoma a Educação Física nada mais é que uma prática didática, perde a sua fundamentação teórica, constituída do processo social sem que ela (Educação Física) se encontre empenhada (Sérgio, 2019). Ainda que reconhecida como ciência, a motricidade exige uma prática pedagógica, sendo esta prática chamada de educação motora para transcendência em um sentido evolutivo de vida. O movimento como fim em si mesmo não é o objetivo desta educação motora, pelo contrário, se pensa em um corpo que se movimenta por um conjunto de significados. Para Manoel Sérgio, a educação física deve romper com a postura friamente analítica, e politicamente neutra, se busca alcançar estes objetivos. A ciência da motricidade humana estuda o movimento humano intencional da superação (o movimento mais autenticamente humano) e como tal concorre a uma leitura política do corpo, já que os corpos ricos e os corpos pobres não são o mesmo corpo. Cada classe social tem a sua cultura motora. Pobreza, analfabetismo, democracia também são problemas teóricos (Sérgio, 2019) Para Manoel Sérgio a Educação Física não é redutora apenas enquanto terminologia, mas, sobretudo sobre o conteúdo. Os professores de Educação Física e de Esporte se expressam como duas realidades completamente diferentes. O autor se apropriou do desporto, mais especialmente do futebol para romper a visão reducionista e acrítica do corpo. Para Sérgio (2019) o desporto é um excelente exemplo de movimento intencional para a transcendência. Entretanto, o autor propõe algumas mudanças para um novo desporto, mais humano e mais crítico. Dentre a cultura do espetáculo que sobrepõe o economicismo aos valores culturais, as questões éticas e os valores antropológicos do esporte. Assim o desporto do rendimento, que valoriza mais as ciências exatas, que produz o atleta midiático esquecendo-se do esporte-educação e os princípios da ética desportiva não está invisível aos atentos olhos dos jovens aprendizes, logo, o esporte escolar não pode ser dissociado do esporte popular, diante disso a escola é um importante caminho para uma revolução do desporto. O esporte ensinado nas escolas enquanto cópia irrefletida do esporte de competição ou de rendimento, só pode fomentar vivências de sucesso para a minoria e o fracasso ou a vivência de insucesso para a maioria. Esse fomento de vivências de insucesso ou fracasso, para crianças e jovens em um contexto escolar é, no mínimo, uma irresponsabilidade pedagógica por parte de um profissional formado para ser professor. O esporte de rendimento segue os princípios básicos da “sobrepujança” e das “comparações objetivas”, os quais permanecem inalterados mesmo para os esportes praticados na escola onde por falta de condições ideais o rendimento não se constitui no objetivo maior da aula. Este é um dos motivos que contribui para que 16 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância o ensino dos esportes, também, venha a influenciar as crescentes “perda de liberdade” e “perda da sensibilidade” do ser humano, pelo “racionalismo” técnico- instrumental das sociedades industriais modernas (KUNZ, 2006, p. 125). A prática esportiva envolve uma busca orgânica a superação, quem hoje corre 100 metros em 12 segundos, amanhã irá tentar correr em 11 segundos. O esporte é um objeto de estudo da ciência da motricidade humana sob a perspectiva de olhar sistêmico. Ao fragmentar os conhecimentos da formação a nível superior corre-se o risco de não compreender este fenômeno complexo que é a superação, isto é, os ajustes fisiológicos e biomecânicos resultantes do treinamento esportivo, ainda que ganhem destaque de forma isolada no achados científicos da ciência do esporte, na verdade são ajustes que permitem a busca por uma transcendência, que não está em sua essência, na busca pelo aumento do volume máximo de oxigênio ou da densidade muscular, mas sim, na busca por um significado de superação. Figura 1. Diferentes manifestações de torcedores aos refugiados em seu país. SERGIO, M. Da Ciência à Transcendência: Epistemologia da Motricidade Humana. Universidade Católica, Lisboa, 2019. NETO, A. F. Motricidade Humana: novos olhares e outras práticas, a luz da transdisciplinaridade e das Ciências Emergentes. Appriz, Curitiba, 2018. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. 17 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. MATRIZ PEDAGÓGICA: CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO Nos últimos 30 anos, o campo da Educação Física brasileira foi “palco” para algumas viradas epistemológicas. Uma delas pode ser adjetivadade “culturalista”, tendo como um de suas principais consequências uma nova maneira de teorizar o corpo. Antes de qualquer coisa a Educação Física é Educação. Para Bracht apud Betti (2013) a educação física não é uma ciência e sim uma prática de intervenção social imediata, que obviamente não pode prescindir do conhecimento científico para efetivar sua intervenção, não sendo possível satisfazer critérios epistemológicos que permitam identificar uma ciência (seja Educação Física, Motricidade Humana, Movimento Humano). Desta forma, Valter Bracht reconhece as ciências tradicionais, mas entende que as ciências aplicadas são difíceis de serem objeto próprio de uma área de conhecimento. Por exemplo a Sociologia da Educação, pode ser sociologia, e ao mesmo tempo ciência da educação. Ainda assim, diferente da Medicina, a Educação Física tem ainda que justificar sua importância social, podendo ser confundida com o esporte, que é um fenômeno que lhe dá prestígio. O profissional parece buscar essa identificação (com a ciência) em outros ramos do saber, pressionado pela insegurança e por um desejo de reconhecimento que, em sua opinião, seu campo de formação não oferece e não se sabe, mesmo, se virá a oferecer. Assim, surgem muitos especialistas em Fisiologia, Psicologia do Esporte, Sociologia do Esporte etc., mas poucos em Educação Física (VARGAS E MOREIRA, 2012) Betti (1996) diagnosticou a existência, no campo de Educação Física, de uma “matriz científica” e de uma “matriz pedagógica”. Bracht (1999) realizou significativo avanço para a compreensão das relações entre essas duas concepções, ao perceber a Educação Física como campo acadêmico responsável pela teorização da prática pedagógica que se propõe a tematizar manifestações da cultura corporal de movimento (BETTI, 2013). Ao revisar e refletir sobre essas diversas considerações à luz da filosofia da ciência, Betti (2005a) concluiu que a Educação Física não é uma disciplina científica, mas sim, uma área de conhecimento e intervenção profissional-pedagógica que expressa projetos social e historicamente condicionados, os quais, por sua vez, levam à construção dos 18 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância objetos da pesquisa científica, ao passo que está se exercita e transforma constantemente no seio da comunidade acadêmica. Para o autor, na qualidade de prática pedagógica, o projeto da Educação Física é a apropriação crítica da cultura corporal de movimento. Nos termos do antropólogo Clifford Geertz, a cultura é uma teia de significados tecida pelo homem. Essa teia orienta a existência humana. Geertz (1989), define símbolo como qualquer ato, objeto, acontecimento ou relação que representa um significado. A introdução da cultura no debate da educação física trouxe categorias não somente diferentes, mas inovadoras para esse debate, tais como a representação social do corpo, os significados presentes nas expressões corporais, os sentidos da prática da educação física, as influências da cultura na atuação de professores e alunos, a revisão e ampliação do conceito de “técnica” na educação física, a consideração dos conteúdos da educação física como construções culturais, além de outros (DAOLIO, 2001). Já a cultura corporal se refere ao “amplo e riquíssimo campo da cultura que abrange a produção de práticas expressivo-comunicativas, essencialmente subjetivas que, como tal, externalizam-se pela expressão corporal”. Dessa forma, o conceito de cultura defendido por Escobar (1995) implica numa apreensão do “processo de transformação do mundo natural a partir dos modos históricos da existência real dos homens nas suas relações na sociedade e com a natureza”. A ideia da cultura corporal na escola foi amplamente estuda por Jocimar Daólio, em uma perspectiva antropológica, pelo Coletivo de Autores na perspectiva do materialismo histórico-dialético e Mauro Betti na perspectiva fenomenológica e semiótica. De uma forma geral a cultura pode ser compreendida como um conjunto de significados que podem ser expressas por meio da linguagem corporal na dança, no esporte, entre outras atividades culturais. A cultura corporal emerge em meio as críticas ao modelo de esportivização da Educação Física, como uma proposta mais crítica das práticas pedagógicas. 4.1. Pedagogia crítica e educação física Para Mclaren a pedagogia crítica é uma forma de pensar, negociar e transformar as relações de ensino-aprendizagem, a produção do conhecimento, as estruturas institucionais da escola, as relações sociais e materiais mais amplas das comunidades, sociedades e nações. Tais mudanças são realizadas com o intuito de eliminar bases 19 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância injustas que criam currículos com características sexistas, racistas, homofóbicas, classistas, características que são agravadas na sociedade capitalista. O rompimento com uma posição de neutralidade política da prática pedagógica da Educação Física só foi possível graças a uma geração de educadores/as engajados/as em entender a Educação Física como “Educação” e não como mera atividade. Constituiu-se, com base nisto, uma tendência denominada de pedagogia do conflito, concretizada por projetos político-pedagógicos objetivando transformar a ordem vigente em contraposição à pedagogia do consenso, que atua em função da manutenção do status quo (NOGUEIRA, 2003). A proposta contra hegemônica que emerge no Brasil é a concepção pedagógica libertadora, formulada por Paulo Freire. Essa proposta suscita um método pedagógico que tem como ponto de partida a vivência da situação popular (1◦passo), de modo a identificar seus principais problemas e operar a escolha dos “temas geradores” (2◦ passo), cuja problematização (3◦ passo) levaria à conscientização (4◦ passo) que, por sua vez, redundaria na ação social e política (livro amostra critica acadêmico). Também influenciados por tendências marxistas a pedagogia crítica se colocou a confrontar os efeitos da ascensão capitalista na educação, bem como a luta de classes coais mais vulneráveis. Essas ideias foram defendidas na educação física pela abordagem crítico- superadora de Valter Bracht, cujos objetivos caminham para a formação do indivíduo crítico e engajado na superação de desigualdades e injustiças sociais. Desta forma podemos observar que o movimento “culturalista” se contrapôs a concepção da cultura corporal mais contemporânea, especificamente a ideia do culto ao corpo como forma de consumo e no discurso ideológico e político. Entendendo que algumas destas práticas corporais, se adaptaram ao capitalismo, as propostas que envolvem a cultura corporal de movimento, busca comtemplar os valores históricos das expressões corporais, e de forma crítica discutir tais práticas na escola. Já no que se refere a produção acadêmica as mudanças resultantes de questões ideológicas e políticas levaram ao problema da quantidade e qualidade das produções científicas, que passa a ser desde então questionado por pensadores críticos da cultura corporal de movimento. 20 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O crescimento dos cursos de pós graduação no país resultou no aumento das agências de fomento a pesquisa, consequentemente ao aumento no número de publicações e periódicos da área. Seguinte uma lógica capitalista de produção, o crescimento do número de trabalhos produzidos não foi acompanhado pelo aumento das qualidades destes trabalhos na visão da pedagogia crítica. As ciências sob uma perspectiva analítica e objetiva do conhecimento dominaram de forma hegemônica o campo da publicação científica, sendo reconhecido como produtivíssimo. O distanciamento das produções em razãode uma perspectiva neoliberal da ciência é citado como um fator determinante para o isolamento dos achados científicos apenas para uma comunidade cientifica retroalimentada pelas suas próprias produções. A fragmentação do conhecimento, bem como a utilização de metodologias com reduzidos valores ecológicos, fez emergir uma crise entre a formação cientificamente orientada e a prática profissional. BETTI, M. Educação Física Escolar: Ensino e Pesquisa-ação. Unijuí, 2013. DAOLIO, J. A antropologia social e a educação física: possibilidade de encontro. In: CARVALHO, Y.M.; RUBIO, K. (Org.). Educação física e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 2001. p. 27-38. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989. NOGUEIRA, Q. W. C., Educação Física e Pedagogia Crítica: praticar o discurso? Perspectiva. v.21, n.01, p. 179-197, 2003. VARGAS, C. P., MOREIRA, A. F. a crise epistemológica na educação física: implicações no trabalho docente. Cadernos de Pesquisa, v.42, n.146, p.408- 427, 2012. 21 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. EDUCAÇÃO FÍSICA, APTIDÃO FÍSICA E SAÚDE Desde a introdução da Ginástica (nome dado a atual Educação Física nas escolas) a saúde é um tema de destaque que reveste as práticas pedagógicas. Não diferente o rendimento esportivo, o treinamento físico e as atividades habituais da vida diária envolvem um estado de aptidão física. Ainda que esta afirmativa seja de conhecimento popular, ainda se faz muita confusão na definição de alguns termos relacionados a aptidão física e saúde. Desta forma, antes de discutir estes conceitos na aplicação das práticas pedagógicas se faz necessário uma classificação destes conceitos. Para tal compreensão, devemos considerar o primeiro conceito que se refere a atividade física, uma vez que é a partir dela que entenderemos os demais conceitos. Para Caspersen (1985) atividade física é definida como toda e qualquer atividade realizada pela contração dos músculos esqueléticos que promova um gasto energético acima dos níveis de repouso, considerando atividades de lazer, meios de transporte ativo, práticas esportivas, exercício físico etc. A soma do tempo destinado a estas atividades ao longo de um dia resulta no nível de atividade física diário, logo, a soma destinada ao período de uma semana indica o nível de atividade física semanal e por aí em diante. Níveis reduzidos de atividade física estão relacionados com inúmeras implicações para a saúde, desde o aumento do peso corporal ao desencadeamento de doenças crônicas e degenerativas como a hipertensão, a diabetes, o acidente vascular cerebral, entre outras. Portanto, níveis mais elevados de atividade física, em especial aquelas que apresentam algum planejamento e controle (exercício físico e treinamento físico) de uma determinada frequência (quantos dias por semana), duração (quanto tempo por sessão) e intensidade (leve, moderada ou intensa) de forma regular, muitas vezes estão relacionadas com a melhora do bem estar físico, mental e social, ou seja, com a saúde https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/physical-activity. Já a aptidão não é uma forma de realizar atividade física, mas pode ser considerada uma condição e uma reposta a atividade física, sendo esta resposta, relacionada com o tipo de atividade física praticada. Este conjunto de atributos ou características que as pessoas possuem (genética) e adquirem através da atividade física pode ser temporário, isto é, estar https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/physical-activity 22 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância apto para alguma atividade pode ser uma condição de estado temporal que é diminuído à medida que o meu nível de atividade física é reduzido. Portanto, aptidão física é um conceito abstrato sendo mensurável pelo desempenho físico e motor, e genérico uma vez que engloba inúmeras variáveis voltadas a saúde e à performance. As variáveis da aptidão que mais se relacionam com as capacidades orgânicas e funcionais estão diretamente relacionadas com a saúde. Uma criança pode apresentar níveis desejáveis para sua aptidão cardiorrespiratória, entretanto, um baixo desempenho da flexibilidade. Assim como, é possível identificar pessoas com uma composição corporal saudável, mas com desempenho abaixo do normal para os demais componentes da aptidão física relacionada a saúde. E por isso, a forma de desenvolver tais capacidades segue um princípio de especificidade, isto é, a melhora da aptidão cardiorrespiratória se faz de forma mais eficaz por exercícios predominantemente aeróbio. Diante dessa especificidade é possível compreender que o treinamento da condição da força muscular não desenvolve a flexibilidade, que por sua vez, quando treinada a flexibilidade não irá contribuir para a melhora da aptidão cardiorrespiratória. Ainda que definidos de forma analítica, sabe-se que o corpo humano funciona de forma sistêmica, e por isso, estas diferentes variáveis se relacionam. Como exemplos destas relações a agilidade e a velocidade podem ser prejudicadas ou favorecidas de acordo com a composição corporal. Abaixo segue uma estrutura para melhor compreender tais conceitos. Saúde Jogos e Brincadeira s Esporte Exercício Físico Atividades habituais Educação Física Escolar Atividade Física Aptidão Física relacionada a Saúde Aptidão cardiorrespiratória Composição Corporal Força Muscular Flexibilidade Aptidão Física relacionada a Performance Agilidade Tempo de Reação Velocidade Coordenação 23 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Figura 1. Relação entre os conceitos de atividade física, aptidão física e saúde no contexto escolar. Após estas definições voltamos o olhar para o contexto escolar. A aptidão física e saúde como intervenção profissional nas aulas de educação física podem ser discutidas pelas primeiras concepções higienistas e militaristas. Estas concepções tinham como objetivo desenvolver o corpo físico e a moral dos alunos por meio de exercícios físicos e o reconhecimento de hábitos saudáveis de higiene. Deve-se ressaltar que a preocupação com a higiene se dava pelo número de doenças infecciosas e transmissíveis, número este, que foi sendo reduzido concomitantemente ao desenvolvimento científico e tecnológico da Medicina no Brasil. Já a visão Militarista além de reforçar o conceito de ordem e disciplina com um modelo hierárquico fortemente centrado na posição do professor, objetivava desenvolver um físico capaz de suportar e atuar na guerra, e assim, selecionar indivíduos mais aptos ou “perfeitos” (DARIDO, 2001). Mais adiante houve a implementação dos métodos ginásticos europeus, que visavam desenvolver o físico para a saúde, mas também como preparação laboral, dada a revolução industrial e o crescimento do número de indústrias e consequentemente o número de operários. Destaca-se aqui uma primeira ruptura epistemológica da educação física que se dá pela mudança do nome Ginástica para Educação Física. A aptidão física se manteve ainda muito presente no período de esportivização da educação física, já que o treinamento para o rendimento esportivo visava um projeto de desenvolvimento da nação por meio do esporte. Esta concepção da Educação como meio de desenvolvimento de um corpo físico foi fortemente criticada como uma visão reducionista do ser humano no momento em que um paradigma sistêmico ganhava mais notoriedade no campo científico, e deixou de ser foco dos pensadores da área por alguns anos, sendo retomada mais fortemente com a abordagem da saúde renovada da educação física. Especialmente liderado porGuedes (1996) e Nahas (1997) iniciou-se um movimento a favor da matriz biológica na educação física, tendo como objetivo desenvolver hábitos saudáveis para uma melhor qualidade de vida e saúde. Inspirados em estudos americanos os autores defendiam a ideia de que as primeiras atividades físicas vivenciadas na infância e adolescência se caracterizam como importantes atributos para o desenvolvimento de atitudes positivas na promoção de saúde quando adultos (DARIDO, 2001). 24 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Diante desta perspectiva o desenvolvimentos da aptidão física nas crianças seria alcançado por um conjuntos de atividades ofertadas na escola que permitissem aos alunos desenvolver algum interesse em continuar praticando fora da escola, e ainda, que no ensino médio seria possível ensinar as relações entre atividade física, aptidão física e saúde a fim de conscientizar a importância da atividade física. Neste sentido, ainda que apresente um olhar predominantemente biológico a abordagem da saúde renovada supera o dualismo entre corpo e consciência das concepções militarista e higienistas a alcançando alguns interesses sociais. Guedes e Guedes (1997) realizaram um estudo observando 144 aulas de educação física do ensino fundamental e médio em diferentes escolas da rede Municipal de Londrina, Paraná. Como instrumento de pesquisa foram utilizados monitores cardíacos para medir a intensidade das aulas e uma observação direta das aulas para registros das características das aulas. Os resultados encontrados indicaram que os escolares se ocuparam por um tempo excessivamente longo com tarefas de organização e transição das atividades ministradas. Foram oferecidas aos escolares poucas oportunidades de participar em atividades voltadas ao desenvolvimento e ao aprimoramento da aptidão física. Os professores responsáveis pelas aulas em nenhum momento recorreram a exposição de conceitos teóricos associados à prática da atividade física relacionada à saúde. O nível de intensidade dos esforços físicos administrados aos escolares foi menor que o limite mínimo necessário para que possa ocorrer adaptações funcionais voltadas a um melhor funcionamento orgânico. Esses achados sugerem uma prática descontextualizada do conceito de saúde, e ineficaz para o desenvolvimento da aptidão física. Deve-se ressaltar que por mais que fossem a intensidade das aulas, elas seriam apenas um contributo para o nível de atividade física semanal dos alunos, uma vez que as aulas de educação física acontecem em uma carga horária mínima exigida, muito abaixo dos valores recomendados pelas principais diretrizes internacionais de atividade física. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, para crianças e jovens (5-18 anos), a atividade física inclui brincadeiras, jogos, esportes, transporte, recreação, educação física ou exercício planejado, no contexto de atividades familiares, escolares e comunitárias. A fim de melhorar a aptidão cardiorrespiratória e muscular, a saúde óssea, 25 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância os biomarcadores de saúde cardiovascular e metabólica e reduzir os sintomas de ansiedade e depressão, recomenda-se: 1. Crianças e jovens de 5 a 17 anos devem acumular diariamente pelo menos 60 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa. 2. Quantidades de atividade física maiores que 60 minutos oferecem benefícios adicionais à saúde. 3. A maior parte da atividade física diária deve ser aeróbica. Atividades de intensidade vigorosa devem ser incorporadas, incluindo aquelas que fortalecem músculos e ossos, pelo menos 3 vezes por semana. Entender a educação física como uma forma de desenvolver todas as variáveis da aptidão física relacionada a saúde (força, aptidão cardiorrespiratória, composição corporal e flexibilidade) em suas práticas pedagógicas se faz uma estratégia ineficaz e inadequada, entretanto, é possível esperar que as aulas de educação física somadas as demais práticas diárias e a redução dos hábitos sedentários possibilitem uma intervenção no desenvolvimento de um comportamento de risco para a saúde física e mental. A conscientização da importância da atividade física (dimensão conceitual de aprendizagem), a realização das diferentes formas de atividade física (dimensão procedimental de aprendizagem) e por fim, a mudança nos hábitos saudáveis das crianças e adolescente no tempo dentro e fora da escola (dimensão atitudinal de aprendizagem) se faz coerente principalmente se considerámos que a inatividade física se faz hoje um problema de saúde pública. CASPERSEN, C. J, POWELL, K. F, CHRISTENSON, G.M. Physical activity, exercise and physical fitness: definitions and distinctions for health-related research. Public Health Rep. v.100, p. 126-31, 1985. DARIDO, S. Educação Física na Escola: questões e reflexões. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2003. GUEDES, J. E. R. P., GUEDES, D. P. Características dos programas de educação física escolar. Revista Paulista de Educação Física.v.11, n.1, p.49-62, 1997 World Health Organization (WHO). Physical Activity. Acessado em https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/physical-activity, acessado em junho de 2020. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/physical-activity 26 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. EDUCAÇÃO FÍSICA E PSICOMOTRICIDADE A psicomotricidade é uma ciência indicada para a Educação Física, Psicologia, Neurologistas, entre outros, tendo seu início voltado ao atraso no desenvolvimento motor e intelectual da criança. Atualmente a psicomotricidade se posiciona no contexto escolar como uma preposição de um modelo pedagógico na interdependência do desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo. O maior influenciador deste pensamento no Brasil foi o francês Le Bouch através da publicação de seu livro Educação pelo movimento. Le Bouch apresentou críticas a uma Educação Física que não corresponde a uma educação real do corpo, dando ênfase ao rendimento mecânico do movimento. Assim, a psicomotricidade advoga por uma ação educativa que deve ocorrer a partir dos movimentos espontâneos e das atividades corporais, favorecendo a gênese da imagem corporal, núcleo centra da personalidade (DARIDO, 2001). A educação psicomotora deve ser considerada como educação da base na escola primária. Ela leva a criança a consciência dos seu corpo, lateralidade, esquema corporal e adquirir habilmente a coordenação dos seus gestos e movimentos. A educação psicomotora permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas (Le Bouch, 1968). Nesse ambiente educativo, o professor deve organizar as atividades, a partir das produções das crianças, de seus interesses, das atividades e jogos pelos quais demonstram interesse e curiosidade, considerando sempre seu nível de maturidade afetiva e cognitiva, e seus limites. O educador será o mediador, o acompanhante que ajudará a criança, na evolução e desenvolvimento de suas necessidades individuais. O pensamento psicomotricista foi o primeiro movimento articulado na década de 70 a se contrapor aos modelos anteriores, entretanto, atualmente é mais observada sua atuação na educação infantil, uma vez que mesmo frente as críticas colocadas a educação Física, ela ainda se mantém na escola como disciplina obrigatória no Ensino Básico e garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB. Uma outra concepção da psicologia na pedagogia foi a psicologia do desenvolvimento, mais especificamente o pensamento construtivista. 27 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6.1. Psicologia do desenvolvimento: construtivismoO corpo e o comportamento são descritos em inúmeras propostas na Educação Física Escolar, entretanto, existem diferenças conceituais do termo corpo em duas principais visões. Na primeira o corpo é objeto de estudo direto, sendo considerado apenas os comportamentos observáveis, investigados por pesquisas quantitativas através de métodos empíricos (positivista), já uma segunda perspectiva se contrapõe a ideia da dissociação do corpo e consciência, considerando aspectos mais subjetivos, através de pesquisas qualitativas e método interpretativo. Logo, pode-se perceber que as duas visões apresentam fundamentos teóricos também distintos. O estudo do comportamento teve grande impulso em pesquisas da psicologia. Os psicólogos direcionavam grande parte dos seus esforços à compressão de processos mentais, como o raciocínio, a imaginação e o sentimento que define a consciência (mente). Estes estudos foram divididos em duas concepções: estruturalismo e funcionalismo. O estruturalismo direcionou esforços à divisão dos processos mentais. O objetivo do estruturalismo era compreender os elementos, isto é, a estrutura da consciência. Já o funcionalismo em grande parte, uma reação ao estruturalismo foi influenciada pelo trabalho de Charles Darwin, buscou entender os processos mentais observando os motivos que impulsionavam o comportamento, isto é, a função do comportamento (LEFRANÇOIS, 2016). Após a consolidação dos estudos da mente e do comportamento humano como ciência denominada de psicologia, os temas mais subjetivos como mente e pensamento foram rejeitados dada a sua limitação empírica, dando origem ao estudo do comportamento (behaviorismo), que por sua vez deu origem as teorias da aprendizagem. O behaviorismo ofereceu aos estudos do desenvolvimento e da aprendizagem conceitos como o condicionamento clássico de Pavlov, o condicionamento operante (Skinner) também conhecido como behaviorismo radical. O condicionamento clássico foi limitado aos comportamentos reflexos (estímulo- resposta), já o condicionamento operante considerou as consequências das respostas como reforçamento positivo e negativo do comportamento. O reforçamento pode ser definido como um evento que segue a uma resposta e altera a probabilidade de que uma determinada resposta ocorra novamente, ou seja, consequências positivas do movimento 28 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância realizado aumentariam a probabilidade de repetição, em contrapartida, consequências negativas diminuiriam a probabilidade de ocorrência do mesmo comportamento, podendo até mesmo este movimento ser extinto após muitas tentativas frustradas ou após punição em consequência a resposta realizada. O behaviorismo foi criticado por considerar a influência do ambiente e desconsiderar o indivíduo e ações cognitivas, como percepção e tomada de decisão. As teorias cognitivas surgem como alternativa para essas críticas denominadas de cognitivismo, que por sua vez influenciou o nascimento de um conceito muito influente na educação, o construtivismo. Dentre os pensadores construtivistas Jean Piaget foi sem dúvida o maior destaque, seus estudos fundamentados na epistemologia genética buscou explicar como ocorre a mudança de um pensamento mais simples para um conhecimento mais complexo (esquemas mentais), por meio das interações do indivíduo com o meio em um processo de equilíbrio entre as fases de assimilação e acomodação do conhecimento, que por adaptação levaria a um estado mais complexo. De acordo com Piaget se faz importante que o aprendiz participe ativamente do processo de aprendizagem, e que os programas de ensino considerem o conhecimento prévio do aluno. O jogo como estratégia de ensino foi amplamente difundido, uma vez que, por meio do jogo o aprendiz tem a possibilidade de testar possibilidades, isto é, tomar decisões. Outro importante pensador do construtivismo foi Vygotsky, assim como Piaget entendia que ao aprendizado ocorre frente as interações do aprendiz. Numa perspectiva construtivista-interacionista Vygotsky propôs o conceito de Zona próxima do desenvolvimento, que se refere ao momento de suporte ao aprendizado. A zona proximal de desenvolvimento define a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda e o nível de desenvolvimento potencial determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro (uma criança mais velha). Para a intervenção pedagógica identificar a zona proximal se faz importante para o suporte na aprendizagem. 29 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Vygotsky, e especialmente Piaget influenciaram muito a Pedagogia como suas propostas para uma psicologia do desenvolvimento. No Brasil, o professor João Batista Freire apresenta uma proposta para educação física intitulada de Educação para o corpo inteiro: Teoria e Prática da Educação. Influenciado pela psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget e do pensamento psicomotor de Le Boulch (1982), Freire (1989) defende que na escola deva predominar o jogo educativo, adotado como recurso pedagógico para o desenvolvimento de comportamentos padronizados: habilidades motoras e cognitivas, noções de tempo e espaço, manipulação fina de objetos e o desenvolvimento de lógicas de seriação, conservação, classificação, cooperação e respeito às regras (BONETTO et al., 2017). O jogo como na ideia de Piaget fortalece a noção de tomada de decisão. Freire defende a ideia do resgate dos jogos populares, dada a sua importância cultural em oposição as propostas desenvolvimentistas, no qual os movimentos seriam realizados de forma descontextualizada de significados, além disso, assim como proposto por Piaget também considera o conhecimento já adquirido que cada criança traz para as aulas. As diferenças [grifo nosso] entre crianças de um grupo aparentemente homogêneo são muito grandes. Enquanto a classificação dos objetos em pequenos e médios não é problema para algumas, outras só conseguem resolver o problema em relação aos muito grandes ou aos muito pequenos (FREIRE, 1989, p. 73). A educação Física de Corpo inteiro proposta por Freire (1989) foi denominada como uma abordagem construtivista-interacionista oriundas dos pensamentos de Piaget, mas ao mesmo tempo traz em seu nome (corpo inteiro) uma crítica a visão do corpo e mente de forma separada, o que nos faz concluir uma influência de concepções originadas do estruturalismo, e mais especificamente da motricidade humana. 30 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BONETTO, P. X. R., NEVES, M. R., QUARESMO, F. N., NEIRA, M. G. Diferença no currículo psicomotor: uma análise da obra “educação de corpo inteiro. CONBRACE, Goiânia, 2017. FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989. LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até os 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. LEFRANÇOIS, G. Teorias da aprendizagem. São Paulo, Cengage Learning, 2016. 31 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. EDUCAÇÃO FÍSICA E COMPORTAMENTO MOTOR Após apresentar uma perspectiva da educação física centrada na aptidão física, esta aula irá se discutir o movimento de crianças e adolescentes como conteúdo pedagógico da educação física escolar. Assim como na aula anterior faremos mais uma revisão de conceitos bases, neste caso, do movimento humano. Os movimentos são realmente um aspecto crítico do desenvolvimento evolucionário, pois é mediante a eles que a criança interage com o meio, intercambiandoenergia e informação. O movimento nas crianças torna-se aparente durante o início do período fetal, resultante de dinâmicas espontâneas, denominadas de reflexos e estereótipos rítmicos. Duas funções essenciais dos reflexos primitivos de sobrevivência são buscar nutrição e proteção, mais adiante reflexos posturais começam a emergir como precursores de movimentos voluntários. Tais movimentos fornecem indícios de que o desenvolvimento motor humano é um sistema auto organizado, empenhado em aumentar o controle motor (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013; TANI, 2011). A partir dos três anos de idade observa-se uma predominância em atividades de corrida de perseguição (pega-pega) e simulação de lutas no brincar das crianças (PELLEGRINE, 1988). Esses comportamentos têm sido amplamente investigados e são denominados de “rough and tumble play” ou brincadeiras turbulentas (ELLIOT; CONNOLLY, 1974). Nelas as crianças simulam duelos experimentando ou vivenciando situações de conflito, dominação e cooperação. A brincadeira turbulenta é um fenômeno generalizado nas crianças e sua dinâmica pode fornecer novos mecanismos pelos quais sistemas mais complexos de comunicação podem evoluir. À medida que os jogos e brincadeiras vão se tornando mais complexos, um conjunto de regras é postulado para fins de organização. Uma vez que o jogo apresente regras institucionalizadas, que se desenvolve com base lúdica, em forma de competições entre duas ou mais partes oponentes ou contra a natureza, cujo o objetivo busca através da comparação de desempenhos, designar o vencedor exigindo esforço máximo de seus participantes, ele se torna um esporte (BETTI, 1999). Isto posto, observa-se que os movimentos estão presente desde a evolução de atividades livres às práticas mais organizadas, transmutando diversidade e variabilidade de movimentos para seleção e especialização, envolvendo ainda, uma rede complexa de aspectos não essencialmente 32 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância físicos. Em suma, a experiência motora corresponde ao momento em que diferentes níveis de organização (molecular, celular, orgânico, comportamental e social) são vinculados para gerar comportamentos (PERROTTI; MANOEL, 2001; MALINA; BOUCHARD, BAR-OR, 2009). Movimentar-se na infância além de trazer inúmeros benefícios a saúde, promovem também todas as condições necessárias para que as crianças estabeleçam um diálogo profícuo com o mundo, com o outro e consigo mesmas, de modo a crescer e realizar experiências significativas, isto é, onde existe vida o movimento está presente e onde existem crianças o movimento é incessante e vital (MATURANA; GARCÍA, 1998; WICKSTROM(1977). Para Newell (1985) o movimento refere-se ao deslocamento do corpo e/ou membros produzidos como uma consequência do padrão espacial e temporal da contração muscular. Entretanto, quando falamos dos movimentos intencionais nos referimos de forma mais adequada ao termo habilidades motoras. A habilidade motora consiste na capacidade de realizar uma ação motora com o máximo de certeza e o mínimo de esforço ou tempo. Já as mudanças observáveis nas habilidades ao longo do desenvolvimento infantil é objeto de estudo do comportamento motor. O comportamento motor como visto na aula 2, se caracteriza como uma grande subárea de conhecimento da cinesiologia (estudo do movimento ou atividade física). Dentro desta subárea, novas três divisões do comportamento motor são destacadas, sendo elas: controle motor, aprendizagem motora e o desenvolvimento motor. O controle motor resulta da integração dos sistemas nervoso, sensorial e músculo esquelético na execução de ações motoras. Já o desenvolvimento motor por sua vez pode ser definido como um conjunto de mudanças que ocorrem no repertório de movimentos resultante da maturação e das experiências ao longo de meses, anos e décadas, isto é, ao longo da vida. Por fim, a aprendizagem motora configura-se como um fenômeno oculto, inferida por mudanças qualitativas no comportamento motor, relativamente permanente, resultante da repetição e feedback, inferida pelo desempenho. Embora seja inadequada a separação destes conceitos na prática, farei uma breve fragmentação para melhor compreensão no contexto teórico. 33 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Em primeiro lugar, os conceitos de aprendizagem motora e desenvolvimento motor são referentes as mudanças no desempenho motor observável, já que se trata de fenômenos ocultos (processos internos) e são influenciadas por processos de maturação, prontidão para aprendizagem. O que diferencia estes dois conceitos de forma mais objetiva é o aspecto temporal das mudanças, ou seja, a aprendizagem se refere as mudanças observadas em um período mais curto e resultante de prática sistemática. Já o desenvolvimento motor refere-se as mudanças observáveis espontâneas em um período mais longo de tempo, caracterizada por marcos motores, e progressão de fases e estágios durante o ciclo de vida. Portanto, nas intervenções pedagógicas nas escolas, o que se pretende é contribuir para a aquisição de um repertório habilidades motoras (aprendizagem motora), objetivando que este conjunto de aprendizados (experiências) contribuam com o desenvolvimento motor das crianças ao longo da vida. Tani e Manoel (1988) apud Darido (2003) propuseram a abordagem desenvolvimentista para a Educação Física escolar com ênfase nos anos iniciais do ensino fundamental. Entendeu-se que deveria ser elaborado um currículo de roteiro completo para a disciplina, isto é, uma proposta com objetivos, conteúdos e métodos devidamente delineados por faixa de escolarização. A abordagem desenvolvimentista parte do pressuposto que dentro do ciclo de vida do ser humano é possível identificar uma sequência normal nos processos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, e assim, as crianças precisam ser orientadas para atingir estas expectativas e necessidades. Na abordagem desenvolvimentista a aprendizagem é vista como um processo de soluções de problemas, isso implica em um esforço consciente de elaboração, execução e avaliação das ações realizadas. A abordagem apresenta uma preocupação com a ausência de um conteúdo estruturado de forma progressiva nos anos de ensino, e diante disso, entendem que o aumento da diversificação e complexidade dos movimentos ao longo dos anos escolares se faz necessária para o currículo. 34 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os conteúdos foram fundamentados no modelo de taxionomia proposta por Gallahue (1982) e adaptada por Manoel (1994). Tais conteúdos devem ser desenvolvidos segundo uma ordem de habilidades, desde os mais simples aos mais complexos (básico-específico). As habilidades básicas podem ser divididas em estabilização (equilíbrio estático, giros e rotações pelo próprio eixo...) manipulativas (rolar, arremessar, rebater...) e locomotora (correr, saltar, esquivar...). Já as habilidades específicas seriam culturalmente determinadas a partir da dança, dos esportes, das lutas... Esta proposta teve grande impacto na Educação Física Escolar no Brasil nas décadas de 80/90, e fez oposição a abordagens ou pensamentos sem uma fundamentação teórica. A abordagem desenvolvimentista emergiu com o retorno de professores dos cursos de pós graduação no exterior e foi marcada por caracterizar-se como uma abordagem cientificamente estruturada, tendo como foco o movimento humano. Ainda que os autores descrevam que o movimento não pode ser visto de forma dissociada do desenvolvimento global da criança, esta proposta seria a frente criticada pelo surgimento de abordagens culturalistas que surgem com a pedagogia crítica. A aquisiçãode habilidade motoras foi descrito pelos seus críticos como uma prática descontextualizada dos aspectos sociais, e mera reprodução de movimento sem significados. Em contrapartida, os autores rebatem estas críticas, reforçando que esta é apenas uma proposta, e que um conjunto de propostas distintas poderiam contribuir para o amadurecimento da área. Fazendo uma reflexão inversa as propostas culturalistas, os defensores da abordagem desenvolvimentista devolvem a mesma questão. Qual seria a contribuição destas propostas no que se refere ao aprendizado de movimentos? O reducionismo biológico estaria sendo substituído por um reducionismo sociocultural? Isto é, ao destacar elementos culturais do movimento, estaria os mecanismos de controle e aprendizado dos movimentos deixados de lado? 35 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância BETTI, I. C. R. Esporte na escola: mas é só isso professor? Motriz. v.1, n.1, p.25- 31, Rio Claro, 1999. ELLIOTT, J. M.; CONNOLY, K. J. Hierarchical structure in skill development. In CONNOLLY, K.; (Ed). The growth of competence. London, 1974. GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C.; GOODWAY, J. D. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescente e adultos. 7 ed, São Paulo, Artmed, 2013. NEWELL KM. Coordination, control, and skill. In: Goodman D, Wilberg RB, Franks. In (eds): Differing Perspectives in Motor Learning, Memory, and Control. Amsterdam: North-Holland, 1985, p. 299-317. PELLEGRINI, A. D. Elementary-school children's rough-and-tumble play and social competence. Developmental Psychology, v.24, n.6, p.802-806, 1988. PERROTTI, A. C.; MANOEL, E. J. Uma visão epigenética do desenvolvimento motor. Revista Brasileira de Ciência e Movimento. v.9, n.4, p.77-82, Brasília- DF, 2001). WICKSTROM, R. L. Fundamental Motor Patners. 2 ed. Philadelphia, Lea & Febiger, 1977. 36 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. EDUCAÇÃO FÍSICA E JOGO O jogo é considerado um fenômeno sociocultural, pois diz respeito ao conjunto de atividades e ambições humanas, apresentando quantidade e variedade infinitas. A diversidade de fenômenos considerados como jogo mostra a complexidade em defini-lo, não diferente, existem inúmeras maneiras de abordar seu estudo, da pedagogia à matemática, passando por Huizinga, Piaget, Vygotssky, Neuman, Nash (Caillois, 2017). Em geral, são características eminentes do jogo, uma ação livre, dentro de um contexto social e de um conjunto de regras, predominando o simbolismo da realidade e que promove diversão e prazer em realizá-la (Huizinga 2003, Kishimoto 1998). O jogo é temporal e espacialmente limitado, pode ser mais ou menos estruturado e capaz de promover a socialização (Huizinga, 2003; Kishimoto, 1998). No jogo, encontramos diferentes níveis de organização (molecular, celular, orgânica, comportamental e social) que estão ligados para gerar comportamentos, que assumem fortes significados sociais e culturais (Gallahue et al., 2013). Nos últimos anos tem se observado uma diminuição do tempo destinados aos jogos e brincadeiras na infância. Esta redução envolve inúmeros fatores, isto é, trata-se um problema multidimensional. Entretanto, o processo de urbanização é um fator que potencialmente desencadeou diversas condições restritivas ao jogo na infância, dentre elas: • O aumento populacional das cidades mais desenvolvidas, resultante da busca por melhores condições de trabalho fez das cidades urbanas um espaço projetado para o automóvel, consequentemente o aumento no fluxo de carros, somada ao aumento da violência urbana retirou das crianças o espaço da rua como espaço lúdico. • A diminuição do tempo livre dos pais em razão do aumento da jornada de trabalho, fez com que as crianças passassem mais tempo nas instituições educacionais, que por sua vez, também apresentam uma redução do tempo do jogo e uma supervalorização do tempo em atividades dirigidas, influenciados por uma preocupação evidente com o desempenho escolar das crianças e a preparação para um futuro mercado de trabalho. 37 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Diante disso, observa-se por exemplo, que crianças de 3 a 11 anos perderam 12 horas por semana de tempo livre, diminuindo o tempo de brincadeira das crianças em 25% no período de 1981 a 1997 (Hofferth, 2011). O jogo se faz essencial para a aquisição de habilidades motoras, melhoria da aptidão física e desenvolvimento perceptivo-motor e para o aprendizado não formal e informal. Para o desenvolvimento dos jogos e brincadeiras o espaço se faz um elemento fundamental, sendo o espaço na escola uma alternativa de compensar os espaços urbanizados dos bairros na cidade. O uso dos espaços escolares pode estimular o desenvolvimento de inúmeras habilidades, como: cooperação, compartilhamento, comunicação, resolução de conflitos, autodisciplina, características empreendedoras, respeito às regras e respeito à diversidade cultural (National Association of Early Childhood Specialists [NAEC ], 2002), no entanto, é necessário criar as condições para que a criança possa explorar, imaginar, desfrutar de diferentes ambientes e materiais. O espaço utilizado da escola é fundamental para otimizar os jogos e brincadeiras das crianças e pode ser dividido em espaços naturais e / ou tradicionais em ambientes grandes ou pequenos, pobres ou enriquecidos. • O ambiente natural é caracterizado pela possibilidade de interação e exploração de diferentes tipos de solos, árvores e arbustos que permitem habilidades como escalar, pular e se esconder. • Os espaços tradicionais são áreas pavimentadas, com a presença de equipamentos fabricados e rígidos, que permitem a exploração de forma mais estruturada. • A dimensão do espaço é um fator crítico para o surgimento de comportamentos que envolvem habilidades como correr através dos vários jogos de perseguição. Os materiais no ambiente estimulam habilidades de manipulação, como arremessar, rolar e chutar a bola. • As diferenças na configuração dos espaços e os atributos físicos que eles contemplam, a distinção entre espaços verdes e tradicionais, grandes e pequenos, e ricos e enriquecidos são determinantes essenciais para a estimulação da brincadeira no recreio da escola. 38 Introdução à Educação Física e Esportes Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os jogos configuram um importante componente do desenvolvimento humano, uma vez que é revestido de aspectos culturais passados de geração em geração. A diversidade de jogos amplia o repertório de movimento, contribui para o desenvolvimento da aptidão física, fortalece as relações pessoais e possibilita as crianças reconhecer uma cultura popular bem como produzir novos significados culturais através de diferentes linguagens e símbolos. A cultura lúdica é outro fator indispensável para o desenvolvimento, já que a capacidade de renovação das atividades estressantes do dia a dia e a possibilidade de criação são fortemente presentes. O jogo possibilita uma ruptura com a realidade ainda que temporariamente. De uma forma geral, os jogos e brincadeiras devem ser encarados como ponto crítico de evolução humana. O jogo na escola emerge inspirada na concepção liberal-democrática, que deu luz a uma escola que tinha por base respeitar a personalidade da criança e desenvolvê-la de forma integral, através de práticas que possibilitassem o aprendizado brincando. Esta mudança de concepção marca a mudança de um conceito anátomo-fisiológico para um conceito biossócio-filosófico da Educação Física, isto é, uma passagem da valorização do biológico para o sócio-cultural (Darido, 2005). O jogo foi proposto por diferentes
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