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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FILOSOFIA GERAL: PROBLEMAS METAFÍSICOS GUARULHOS – SP 1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 2 INTRODUÇÃO À METAFÍSICA .............................................................................. 4 2.1 A essência e o existir .......................................................................................... 9 2.2 Ato de ser e liberdade ....................................................................................... 14 2.3 Ética e metafísica: uma relação necessária ...................................................... 20 3 O EXISTENCIALISMO .......................................................................................... 23 3.1 Jean-Paul Sartre e sua filosofia existencialista ................................................. 23 3.1.1 O que é existir? ............................................................................................... 24 3.1.2 Concepções caraterizadoras do existencialismo ............................................ 25 3.1.3 O existencialismo de Jean-Paul Sartre ........................................................... 25 3.1.4 Conceito de ser-em-si, de ser-para-si ............................................................. 26 3.1.5 Liberdade no existencialismo de Sartre .......................................................... 27 3.2 Vida autêntica ................................................................................................... 28 3.3 A noção de inconsciente após Sartre ............................................................... 29 3.3.1 Consciência e liberdade .................................................................................. 29 3.3.2 Negação da existência de valores herdados ou preexistentes ....................... 30 3.3.3 Inexistência de fonte interna ou externa que gere posturas involuntárias ...... 30 3.3.4 Origem da angústia ........................................................................................ 31 3.4 O conceito de situação na perspectiva sartriana .............................................. 31 4 DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO DAS ANTIGUIDADES CLÁSSICA E HELENÍSTICA ..................................................................................... 32 4.1 Princípios fundamentais do transcendentalismo religioso no pensamento platônico .................................................................................................................... 32 4.2 Metafísica aristotélica ....................................................................................... 38 4.3 Teologia naturalista estoica .............................................................................. 44 2 5 DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO CONTEMPORÂNEOS: FILOSOFIAS RELIGIOSAS NOS SÉCULOS XIX E XX ............................................ 49 5.1 A religião como questão ético-antropológica .................................................... 49 5.2 A recuperação da metafísica e da ontologia aristotélico-tomista ...................... 55 5.3 Filosofia analítica da religião ............................................................................. 60 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 68 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 INTRODUÇÃO À METAFÍSICA Paul Gilbert, no livro A paciência de ser, afirma que a “metafísica se dedica ao ato de ser e ela medita sobre o ritmo de seu desenvolvimento” (2005, p. 213). Ora, o agir ético é um dos atos humanos por excelência. Através dele nos exprimimos no nosso ser mais próprio. Em consequência, refletir sobre o ato de ser supõe pensar a respeito das práxis e da sua finalidade. Andrônico de Hodes, meio século antes da era cristã, ao catalogar os escritos de Aristóteles criou o termo metafísica para designar os quatorze livros do corpus aristotélico que vinham depois dos oito livros da física. Embora não tivessem um título comum, o conjunto dos quatorze livros, classificados por Andrônico, gozavam de certa unidade de conteúdo. Em consequência, muitos estudiosos acreditam que a atribuição do nome metafísica a esses livros não é mero acaso, mas está diretamente relacionada com o próprio conteúdo dos textos, que tratam do princípio primeiro, de uma forma englobante ou, ainda, de um ente primeiro (cf. GILBERT, 2004, p. 10). Aristóteles Fonte de: universoracionalista.org 5 Contudo, a chegada tardia da palavra metafísica na tradição intelectual do ocidente e os seus diferentes usos ao longo da história tornaram complexa a compreensão de seu significado. O termo metafísica goza na atualidade de certa ambiguidade. Com o intuito de esclarecer o que entendemos aqui por metafísica indicaremos as cinco definições correntes apresentadas por Gilbert (1992, p. 18-25). As definições discutidas por ele correspondem aparentemente às quatro definições apresentadas por José Gomez Caffarena, na obra Metafísica Fundamental (1969, p. 39-52), publicada pela primeira vez em 1969. Após meditar a respeito das diversas definições apresentadas por esses autores, e juntamente com eles, procuraremos indicar o que entendemos por metafísica. A primeira definição de metafísica apresentada por Gilbert (1992, p. 18) nos remete a Aristóteles, para quem a metafísica “no sentido mais estrito” é “a ciência do ente enquanto ente” e dos “princípios essências do ente e do conhecer”. (IV 1, 1003a; IV 2, 1003b; cf. Caffarena, 1969, p. 44). Como todas as ciências, ela dispõe de um objeto material e de um objeto formal. O ente, isto é, a coisa conhecida, objeto material da metafísica, está em íntima relação com o objeto formal, isto é, com o modo de relacionar-se do espírito ou da inteligência com o ente. A metafísica depara-se, então, com o problema de saber quais são as condições da “unidade do ente conhecido e do modo de conhecê-lo” que podem “tornar-se objeto de um conhecimento adequado”. (GILBERT, 1992, p. 20). Caffarena (1969, pp. 45-46) defende que o pensamento cristão, ao assimilar e interpretar a filosofia aristotélica, conferiu definição diferente ao termo metafísica. Temos, então, o que Gilbert indica como sendo a segunda definição. A metafísica é entendida como “a parte da filosofia que busca a explicação racional do real movendo da experiência, mas superando-a e conferindo primazia a realidades que a transcendem. ” (GILBERT, 1992, p. 20). Ela é, pois, como explica Caffarena (1969, p. 45), a “ciência do mais plenamente imaterial”, ou ainda, a ciência que possui o maior graude abstração e que consiste num saber sobre Deus e sobre a alma. Nesse sentido, Gilbert (1992, p. 21) afirma que “o problema da segunda definição diz respeito, pois, à possibilidade racional dos entes mais elevados que o sensível. ” A metafísica também é correntemente definida como “parte da filosofia que determina as condições a priori do conhecimento” (GILBERT, 1992, p. 21). Típica a partir de Kant, essa definição, que entende a metafísica como “ciência dos princípios 6 da razão”. (CAFFARENA, 1969, p. 46), impõe-se a partir da filosofia moderna e, de modo especial, com o racionalismo dos séculos XVII e XVIII. Nesse contexto, tem lugar a distinção proposta por Francisco Suárez (1548-1617) entre a metafísica geral, posteriormente denominada ontologia, e a metafísica especial. Fonte de: abstracta.pro.br Outra definição corrente veio ao encontro das inquietações apresentadas pela filosofia existencialista nos últimos decênios. De acordo com ela, a metafísica deve ser compreendida como ciência que “busca o sentido do real e principalmente da vida humana, assumindo um ponto de vista antropológico”. (GILBERT, 1992, p. 23). Caffarena (1969, p. 48-49) a define como “ontoaxiologia”. Gilbert (1992, p. 23) esclarece que, a partir dessa definição, a metafísica não é vista apenas como uma ciência formal, mas é entendida como “uma meditação que pretende legitimar o valor primeiro na direção do qual a nossa existência está orientada”. Essa quarta definição, que recebeu acento a partir de Heidegger, coloca em evidência a preocupação do homem em relação ao destino e à história (cf. GILBERT, 1992, p. 24-25). A quinta e última definição, considerada por Gilbert (1992, p. 25) como sendo a mais fraca, afirma que “é metafísica cada conhecimento aprofundado sobre a natureza das coisas”. Ela é fraca porque vaga. As noções de “conhecimento 7 aprofundado” e “natureza das coisas” são gerais. Não nos ajudam a compreender adequadamente em que consiste a metafísica (GILBERT, 1992, p. 25). Ora, o que então é metafísica? Como podemos compreendê-la a partir dessas várias definições? A esse respeito, Caffarena (1969, p. 49-50) nos faz uma advertência importante. Não devemos pretender encontrar uma definição “muito solene e perfeita”, mas devemos nos contentar “com algo que descreva suficientemente a função da metafísica para o homem, e indique o seu conteúdo de um modo que não seja puramente exterior”. Ele defende, então, que a metafísica “é, antes de tudo, um deliberado colocar em questão; também um sistema de possíveis soluções para as questões últimas”. (CAFFARENA, 1969, p. 50). Ou ainda, que a metafísica “é um questionar radical [...] que vai até as próprias raízes de toda problemática, que não deixa nada sem ser questionado, não assume gratuitamente nenhum pressuposto, nem o toma emprestado de nenhum ‘saber’ anterior” (CAFFARENA, 1969, p. 51). Também atento à complexidade e à dificuldade de encontrar definição definitiva e exclusiva para a metafísica, Gilbert defende que ela “inscreve-se inevitavelmente em uma história na qual se exprime com tendências diversas” e que, portanto, é necessário reconhecer “que a expressão de tal interesse varia de acordo com as culturas, de acordo com o estado das ciências e de acordo com o próprio gênio de cada metafísico”. (GILBERT, 2003, p. 10). Contudo, apesar de reconhecer a diversidade entre os significados da palavra metafísica, Gilbert propõe articular todos eles mostrando que não se excluem, mas que cada um coloca o acento sobre um aspecto diferente já presente na definição aristotélica que apresenta o ente conhecido intimamente articulado com quem o conhece (Cf. GILBERT, 1992, p. 25). Nesse sentido ele afirma que Todos [os significados] são, entretanto, compreendidos no primeiro que articula o ente conhecido com quem o conhece. O segundo insiste sobre os entes que seriam os primeiros, o terceiro sobre as formas intelectuais daquele que conhece; o quarto apresenta a totalidade das atividades da pessoa implicada na afirmação do princípio. (GILBERT, 1992, p. 25). Ao adotar tal posição, Gilbert defende que a missão da metafísica consiste em “conhecer o real a partir do desejo e da admiração mais do que por meio das determinações que impõem a ele as nossas explicações conceituais” (1992, p. 9). Ao contrário dos manuais que “fornecem conceitos claros para resolver problemas bem 8 circunscritos”, a metafísica “medita sobre o que escapa a qualquer solução deste gênero, sobre o mistério que concerne ao homem no mais profundo de todo o seu ser.” (GILBERT, 1992, p. 5). Ela assume, pois, como tarefa desdobrar “o que está dobrado em nosso questionamento mais vasto e mais originário”. Ela “vai desde nossas pesquisas explicitas sobre a razão ou o sentido de nossas vidas até as condições que tornam possível essa pesquisa”. Ao entender a metafísica como “reflexão atenta ao todo sistemático e a cada um de seus elementos”. (GILBERT, 2003, p. IX), Gilbert afirma, então, que “a questão metafísica se volta agora sobre o sentido que confere a todos os atos humanos a sua orientação e a sua unidade” (2003, p. 17). Fonte de: www.opontodentrocirculo.com Adotando essa concepção de metafísica mais atenta ao mistério, aos atos e ao destino do homem defendemos, então, com Caffarena e com Gilbert, seguindo a tradição aristotélica, que a metafísica é a “ciência do ente enquanto ente” e dos princípios fundamentais do ente. Mas, o que isso significa? O que se entende como ente? O ente é aquilo que é. Ele se constitui a partir de uma dialética fundamental entre a forma que permite compreendê-lo inteligivelmente e a ação ou realidade ativa que o define. Gilbert esclarece que 9 O ente é aquilo (estado) que é (ação); a sua fórmula total reúne um aspecto formal e um aspecto ativo; aquilo indica a determinação que, entrando na definição, é por essência formal; é diz respeito à ação, ao ato de ser, ao indicativo presente. A expressão “aquilo que é” é carregada do vínculo da inteligibilidade formal do verbo “ser” (o seu estado substantivado [particípio] pronto por uma definição) com a sua realidade viva (o seu ato no gerúndio). Estes dois aspectos são unidos dialeticamente. (1992, p. 52). A inteligência acolhe o ente e o exprime através de uma forma lógica. O ente, por sua vez, possui uma estrutura inteligível que se revela e se doa ao espírito cognoscente1. Contudo, realidade ativa, o ente ultrapassa a lógica. Ele é dinâmico, em ato. A dinamicidade do ente faz com que reconheçamos os limites dos nossos discursos. A diferença entre o ser para nós e o ser em si, gera a admiração ou o assombro diante do real que se revela, mas que, ao mesmo tempo, se esconde para além da inteligência que o pretende dizer. Ao colocar em evidência tanto a dimensão lógica quanto a dimensão ontológica do ente, a metafísica deve ser capaz de articulá-las dialeticamente conferindo um justo valor a cada uma delas. A metafísica que se fecha em apenas uma dessas dimensões é limitada. Como dizer, então, de modo adequado o ente? Devemos pensá-lo a partir de uma dialética entre a essência e o existir. 2.1 A essência e o existir A essência é a categoria que exprime “a inteligibilidade intrínseca da substância”, ou seja, a “capacidade que tem a substância de estar presente à inteligência”. Gilbert a define ainda como “a categoria da presença do ente ao intelecto” (1992, p. 57-58). Ora, o “ente é aquilo que é”. Portanto, ao mesmo tempo, ele “é aquilo” e “é”. Logo, se por um lado, “o demonstrativo ‘aquilo’ designa a causa formal, as definições”, por outro lado, “o verbo ‘é’ significa a atividade efetivamente exercida no presente, o ser que se cumpre, que se tem em exercício, a sua causa final”. (GILBERT, 1992, p. 61). Compreendido nesse sentido, o verbo “é” corresponde ao “existir”. O verbo “existir” exprime,pois, o verbo indicativo “é” que atualiza o infinitivo “ser”. Ele pode ser compreendido “no sentido de ser concretamente, 1 Cognoscente: é um adjetivo que qualifica a pessoa que busca ou toma o conhecimento sobre algo, também utilizado para se referir ao indivíduo que tem a capacidade de conhecer e assimilar o saber. 10 atualmente, presente entre as coisas das quais fazemos experiência” (GILBERT, 1992, p.61). A inteligibilidade intrínseca da substância, expressa pela categoria de essência, é formal. Ela pode ser dita pela inteligência através de conceitos que universalizam e unificam a experiência. A substância individual, por sua vez, é singular. Ela existe. O existir tem como “tarefa” singularizar a essência, isto é, o “seu destino é fazer ser singularmente toda essência em si universal”. (GILBERT, 2004, p. 231). Como, então, pensar e articular esses dois princípios no discurso metafísico de modo a conferir um justo valor a cada um deles? Fonte de: www.br.guiainfantil.com A essência e o existir não podem ser compreendidos como dois princípios separados e independentes que compõem o real. Por um lado, “não há essência que possa ser realmente sem ato de ser”. Por outro, também não “há ato de ser que possa ser realmente sem essência”. (GILBERT, 2004, p. 232). Como, então, articular a dimensão lógica da essência e a dimensão ontologia do existir na compreensão do ente? As filosofias antigas, ao pretenderem pensar o ente, acabaram por conferir primazia à sua dimensão lógica. Como defende Lima Vaz (2002, p. 71), elas “obedecem sem exceção ao paradigma epistemológico que circunscreve necessariamente o domínio do inteligível ao âmbito da pergunta o que é? (ti esti; quid 11 est?)” (Cf. OLIVEIRA, 2013, p. 113-122). Devem, pois, ser compreendidas como filosofias da essência. Na atualidade, por outro lado, o existencialismo num movimento de recusa das filosofias da essência afirmou a precedência absoluta do existir. Pensar, no entanto, o ato de ser sem a essência acabou por conduzir à angustia, ou como em Sartre, à náusea. Como, então, conferir um justo valor à essência e à existência? Como atribuir um núcleo ontológico fundamental ao ente, capaz de conferir inteligibilidade ao ato de ser? Como pensar o ato de ser sem correr o risco de perder de vista a sua singularidade e unicidade? Para de Finance (1955, p. 33-39), é necessário encontrar um caminho que permita superar os extremos da “mortificação do existir” ou da “mortificação da essência”. No primeiro caso, o existir é pensado de maneira puramente formal. Ele se transforma em mero objeto da inteligência. A singularidade e riqueza do ato de existir deixam de ser consideradas. O ser é pensado como “coisa”. Por outro lado, no segundo caso, o existir é pensado na sua singularidade como puro movimento, sem nenhuma consistência ontológica. Em consequência, a atualidade do sujeito não pressupõe nenhum tipo de orientação. A inteligibilidade formal conferida pela essência é, então, negada. A pergunta que surge é, pois, a seguinte: de que maneira pode ser encontrado o justo equilíbrio entre esses dois modos de pensar? Como articular a essência e o existir? Como pensar e dizer o ato de ser? Lima Vaz defende que, apesar do esforço de pensadores tais como Aristóteles, Plotino e Avicena na direção de encontrar um modo adequado de pensar o existir, a relação entre essência e existência apenas foi adequadamente afirmada quando Tomás de Aquino a pensou, não como relação entre substância e acidente, mas sim a partir das ideias de ato e potência. Gilbert (2004, p. 230) reconhece como passo decisivo na história da metafísica o fato de Avicena (1037) ter afirmado distinção real dentre essência e existir. De acordo com ele, “dizer que a distinção entre a essência e a existência é real libera a substância da sua única necessidade inteligível e lhe reconhece a resistência aos saberes formais”. A essência, graças a sua unicidade, não se confunde com nenhuma outra coisa. Ela é “nela mesma, exclusivamente o que é”. O existir, por sua vez, é 12 pensado como um acidente extrínseco que se acrescenta à essência. Contudo, “se o existir é um acidente universal, ele o é, para Avicena, de maneira única”. Ele “não se acrescenta à essência como o riso a humanidade”. A sua missão é fazer com que “toda essência em si universal” seja singularmente. (GILBERT, 2004, p. 231). Fonte de: www.fronteiras.com Gilbert (2004, p. 231) defende ainda que a “reflexão de Santo Tomás segue inicialmente a mesma linha que Avicena, mas mantém mais viva sua intenção inicial”. Isso porque, como defende Lima Vaz, a síntese elaborada por Tomás de Aquino entre a participação platônica, o substancialismo aristotélico e o criacionismo bíblico-cristão, tornou possível afirmar a inteligibilidade do esse como ato de existir (cf. LIMA VAZ, 2002, p. 187; 1986, p. 16). De Finance (1955, p. 50) esclarece que “a originalidade do tomismo é ter visto na existência não um acidente extrínseco da essência, mas sim o seu ato íntimo e a fonte da sua positividade”. Gilson (1948, p. 77) também defende que o esforço de Tomás de Aquino consistiu em “colocar a essência como em potência em relação ao ato de existir”. Enquanto ato, o existir atualiza a essência conferindo a ela inteligibilidade. Ao interpretar Santo Tomás, Gilbert afirma que para ele “a essência não se dá a ela mesma o ser”. O ente “é composto de essência e de actus essendi ou existir.” (2004, p. 231). Por um lado, “graças a sua essência, o que existe pode ser 13 compreendido”. Por outro, “graças a sua existência, o que é compreendido se funda de um modo superior aos seus conceitos”. (GILBERT, 2005, p. 18). O ato de ser constitui-se, pois, como “o verdadeiro princípio de individuação” (GILBERT, 2005, p. 19). Ao afirmar a distinção real entre essência e existir e, ao mesmo tempo defender que o existir é “a perfeição mais interior do ente”. (GILBERT, 2004, p. 233), Santo Tomás aponta na direção de um “excedente gratuito de que não pode dar conta a inteligibilidade da essência” (GILBERT, 2004, p. 232). Sendo assim, A reflexão descobre no pensamento mais que sua exposição signate. Há nela um ato exercite que está na origem de sua essência. O pensamento reflexivo percebe-se então, ele mesmo, como o modelo de todo existente reflexivo, de tudo o que é pondo-se (stans) fora (ex) de si. (GILBERT, 2004, p. 233). Ora, “por-se (stans) fora (ex) de si” é, justamente, o que define o existir. A palavra existir vem do latim ex-sistere. O ex significa “fora de”. A palavra “sistere”, originada do grego “istème”, tem o sentido de “ser presente, em pé de maneira firme e disponível para todo tipo de ação possível”. (1992, p. 61-62). O verbo existir aponta, pois, na direção de “um ato de saída de si ou de êxtase”. Logo, “existir é ser em êxtase na sua expressão; é exercitar o próprio ato, colocar-se fora de si; é em certo sentido alterar-se, passar em um outro, sem, porém, alienar-se.” (2003, p. 18). Para Gilbert (2004, p. 234) “a prioridade do ato sobre a potência traduz a prioridade do existir sobre a essência, do único sobre suas apresentações universalmente acessíveis”. Ao conferir primazia ao existir, a metafísica coloca em evidência o dinamismo constitutivo do ente. O ente atualiza a sua essência apenas à medida que, através de seu ato de ser, num movimento dinâmico, sai de si mesmo em direção a algo diferente de si, que o atrai e o faz ser ele mesmo. Mas, por outro, ao sair de si, o ente não deixa de ser si mesmo. Ele mantém a sua identidade, ou ainda, a sua ipseidade2. O ente é, pois, um ser-em-si que se abre e se põe em movimento para fora de si. E ao colocar-se em movimento, o ente confere sentido ao que ele é de modo único e singular. Ora, o que caracteriza o ato de ser? Em direção aoque ele tende? Qual o seu fim? Como o ente se realiza no movimento de saída de si, a partir de si? 2 Ipseidade: carácter daquele que é ele próprio, do existente humano considerado como existência singular concreta; o próprio homem como existência 14 2.2 Ato de ser e liberdade Como defende Gilbert (2005, p. 29), o “ato de ser não pode ser pensado ao modo de um princípio estático que, unido a outro princípio estático, a essência, formaria a substância, nem tampouco como um ato altivo e inacessível aos conhecimentos de nossa história”. Ora, na tradição aristotélica, o ato significa “o movimento dinâmico que constitui o ente em sua realidade mais própria”. Portanto, o ente se distingue do “conceito formal bem fixado e universal”. Ele é “ativo” (GILBERT, 2005, p. 129). Contudo, entendido como princípio de individuação, ao mesmo tempo em que torna possível a distinção entre os entes, “o ato de ser une todos [eles] sob sua luz inteligível. ” (GILBERT, 2005, p. 134). A metafísica, portanto, deve pensar o ente numa dialética entre a essência e o existir. Fonte de: www.mundofrases.com.br Por um lado, a essência exprime a inteligibilidade própria do ente que pode e deve ser acolhido pela inteligência. Por outro, o ente não é uma forma lógica. Ele existe atualmente. O ato de existir singulariza a essência universal e unifica as manifestações múltiplas do ente que “é” e que, portanto, se exprime no seu dinamismo. Ora, ao meditar a respeito do ato de ser, a metafísica se vê, necessariamente, confrontada com a questão da liberdade. De Finance, ao comentar a respeito da metafísica de Tomás de Aquino, explica que “a metafísica do agir, no tomismo, resulta 15 da metafísica do ser”, isto acontece porque “a afirmação da existência exige a afirmação da atividade”. (1960, p. 1). Logo, para o tomismo o agir não é acidente em oposição ao ser (cf. DE FINANCE, 1960, p. 2). A necessidade de pensar a realidade ativa do ente não é extrínseca. Ela brota do interior do próprio exercício intelectual que pretende explicitar e meditar a respeito do ente. A inteligência ao interrogar a respeito dos entes reconhece o dinamismo do seu próprio ato. O ato da inteligência não é exercido apenas por potências intelectuais do espírito, mas engaja a totalidade do homem. A vontade exerce importante papel no ato da inteligência. Ela coloca em “relevo o êxtase do espírito conhecente”. Portanto, se, por um lado, “de maneira geral, o conhecimento tem um caráter nocional e seus instrumentos são imanentes ao intelecto”, por outro, “o dinamismo espiritual orientado para a transcendência, pertence antes à vontade”. (GILBERT, 2004, p. 199). Lima Vaz também se propõe explicitar esse duplo movimento da inteligência e da vontade. Ele defende que os princípios de limitação eidética, de ilimitação tética e de totalização devem orientar o caminhar do sujeito através do logos (1991, p. 151- 152). Pensar e refletir sobre a realidade supõe ser capaz de delimitá-la, ou melhor, pressupõe a capacidade da inteligência humana de dizer o real através de categorias. O princípio da limitação eidética sugere, pois, que o ser seja dito naquilo pelo qual ele é inteligível. Mas, as categorias elaboradas pela inteligência humana são sempre limitadas e formais. São, pois, incapazes de dizer o ser na sua singularidade e unicidade. O princípio de ilimitação tética corresponde ao movimento da inteligência que ao elaborar as categorias aponta, ao mesmo tempo, para a limitação de cada uma delas e exige que o sujeito se empenhe ainda mais na direção de encontrar o sentido de ser. O princípio de totalização, por sua vez, aponta na direção da identidade entre o ser dito pela categoria e o ser singular que ultrapassa e está para além da formalidade lógica do conceito. O movimento da inteligência que pretende ser capaz de dizer o ente - que é, ao mesmo tempo, inteligível e singular, supõe um empenho não apenas do sujeito inteligente, mas sim do sujeito na sua totalidade. Isso significa que também a vontade deve estar desde o início empenhada no pensar e meditar sobre o ato de existir. O espírito cognoscente caracteriza-se, pois, por uma dialética imanente entre inteligência e vontade. A inteligência orienta à vontade. A vontade move a inteligência. Ao descrever essa inter causalidade de razão e vontade, Lima Vaz afirma que “a 16 inteligência julga a retidão da vontade e a vontade impera o assentimento da inteligência” (2000, p. 35). Ele esclarece que essa dialética assegura “à inteligência o conhecimento intuitivo dos princípios e inclina a vontade à adesão espontânea ao bem. ” (LIMA VAZ, 2000, p. 37). Ora, o exercício dessas duas faculdades do espírito, unidas por um laço indissolúvel, permite que o espírito se realize na sua liberdade. Fonte de: www.profap.com.br A realização do espírito pressupõe, necessariamente, a saída de si, a abertura ao que ele não é, o encontro com o outro. Gilbert esclarece que “o ato como ato é um êxtase, uma expansão fora de si, uma intenção rumo à alteridade”. (2004, p. 215). Portanto, “todo ato realmente meu requer uma coação”. (GILBERT, 2004, p. 216). O dinamismo e a abertura do meu existir exige a presença do outro, da alteridade. Tal presença se mostra como resposta a meu apelo. Como afirma Gilbert, “o ato é realizado quando outro me recebe aceitando minha unicidade, e também me pedindo para recebê-lo em sua unicidade”. Logo, “ser, para mim, é pôr-me para, com e por ti. ” (GILBERT, 2004, p. 216-217). O meu ato de ser se realiza, portanto, na relação intersubjetiva, ou seja, na relação com uma pessoa que eu quero outra de mim, mas que, ao mesmo tempo, “se dirige ativamente a mim” (GILBERT, 2004, p. 216). Ao abrir-se pela inteligência e pela vontade ao outro, o sujeito se comunica e acolhe a comunicação do outro. Evento fundamentalmente “de natureza ética” (LIMA 17 VAZ, 2000, p. 74), o diálogo, ao supor ao mesmo tempo doação e acolhida, torna possível o reconhecimento e o consenso entre os sujeitos. Como mostra Gilbert, não há tradição viva sem a liberdade de falar, de escutar, de perguntar e de responder, de construir assim múltiplos projetos e de perseguir suas realizações. A novidade contínua da significação de nossas palavras resulta do engajamento mútuo de nossas liberdades em diálogo e da originalidade de seus projetos, da realidade sempre nova e única de cada encontro, do sentido em crescimento em cada evento livre. O encontro de liberdades que desde sempre desejam entender-se e podem fazê-lo, desperta para nós um sentido que vem. A partir dessa renovação contínua de nossos encontros livres, o entendimento do passado e a riqueza de sua tradição têm acesso a uma evidência para o conhecimento sem dúvida provisória, mas já real e disponível para nosso futuro. (2005, p. 197). Ora, ao comunicar-se no diálogo com o outro, o sujeito se abre a uma realidade que ele não é. A abertura dinâmica à alteridade não faz, no entanto, que o espírito se perca fora de si. O espírito não se aliena de si mesmo. Ao contrário. Ao sair de si, o espírito se afirma no seu ser mais próprio. O dinamismo de êxtase do espírito permite que ele se realize naquilo que ele possui de mais essencial: a sua liberdade. Podemos dizer, portanto, que é apenas no encontro com outra liberdade que a liberdade se realiza. Como esclarece Gilbert, O outro é essencial à posição do si. Diante de mim, faz-me descobrir minha realidade tanto que minha limitação. Sendo-me oposto, faz que eu seja eu, in me, e não ele. O outro não é alienante, mas personalizante. Opondo-se a minhas pretensões de ser livre de toda determinação, confirma-me em meu limite e na minha realidade. (2004, p. 226-227). No encontro com o outro eu me afirmo, portanto, como pessoa3. Enquanto pessoa sou ser-em-mim mesmo, incomunicável. Issosignificação que não posso atribuir aos outros a responsabilidade por meus atos, nem por minhas decisões. Mas, por outro, enquanto pessoa sou um ser de relações e, portanto, um ser em comunicação. A unidade em si que me define não permite que eu deixe de ser eu mesmo na relação com o outro. Contudo, é na relação com o outro que eu me afirmo e confiro sentido e dignidade ao meu próprio ser. Contudo, o encontro com o outro nas situações históricas concretas não é necessariamente caracterizado pela reciprocidade entre o eu e o outro. Diversos fatores tecem a complexa e ambígua situação na qual vivem os membros de uma 3 Sobre a noção de pessoa ver Oliveira (2013, p. 159-170) 18 comunidade. Em consequência, o reconhecimento e o consenso são continuamente ameaçados pela possibilidade do conflito e da violência. Entretanto, o dinamismo do espírito, no seu ato de ser, faz com que a intencionalidade da vontade permaneça aberta na direção da perfeita reciprocidade entre as liberdades. Mas, nenhum encontro concreto é capaz de saciar o dinamismo da vontade e da inteligência. O espírito “se engaja entre os entes, mas nenhum é verdadeiramente digno de uma adesão total que ele sabe reservada a um termo absoluto para o qual tende, mas que não pode encontrar porque é votado ao contingente.” (GILBERT, 2004, p. 207). Em consequência, a plena satisfação da vontade permanece, ao mesmo tempo, como necessária e impossível (GILBERT, 2004, p. 207). A superabundância das faculdades do espírito revela a transcendência da liberdade que toma sempre distância de suas realizações (GILBERT, 2004, p. 210). As realizações concretas são sempre finitas e limitadas. Portanto, incapazes de saciar plenamente a superabundância das faculdades do espírito. Ao pensar a pessoa humana como ser racional e livre, ou ainda, como ser de razão e de vontade, Lima Vaz também afirma a superabundância do espírito humano. Para ele, ao fazer a experiência da própria subjetividade, o sujeito se reconhece como abertura ilimitada ao horizonte da verdade e do bem. Fonte de: www.pxhere.com 19 Enquanto ser inteligente, ele faz a experiência de sua ilimitação que nunca se sacia com nenhum tipo de conhecimento particular, mas que se lança sempre além de todo saber adquirido. Enquanto ser de vontade, por outro lado, ele faz a experiência da insaciabilidade do desejo que não se realiza com nenhum bem particular. O dinamismo espiritual da liberdade a define, pois, como abertura intencional ao horizonte que, pensado a partir das noções transcendentais clássicas, pode ser afirmado como horizonte da verdade e do bem. Porém, nenhum bem particular realiza a totalidade do bem, ou seja, nenhum bem particular é capaz de saciar a infinitude intencional da vontade que lança o espírito para fora de si. Gilbert, seguindo Blondel, defende que “a vontade querente não se encerra nunca em alguma de suas realizações, mesmo na mais prestigiosa possível”. Em consequência, não é possível alcançar a satisfação plena da vontade. A sua realização é impossível (2004, p. 207). Ela implicaria o cessar do movimento da liberdade. Ao contrário, é necessário afirmar o exercício renovado da finalidade (2003, p. 42), no qual a liberdade assume a responsabilidade por seus engajamentos, mas, ao mesmo tempo, reconhece a sua transcendência em relação a cada um deles. Apenas tal exercício é capaz de manter ativo o dinamismo da liberdade. Ora, ao afirmar o ato de ser como exercício de liberdade é necessário reconhecer, como afirma Gilbert, que “a experiência em que todo conhecimento se enraíza é de ordem ética”. (2004, p. 209). Isso porque o ato de ser supõe necessariamente o dinamismo e a atualidade da liberdade que se afirma a si mesma ao sair de si e encontrar e acolher o outro. Logo, meditar sobre o ato de ser é afirmar a liberdade que reconhece a sua responsabilidade diante do outro e do mundo, isto é, que se realiza apenas ao assumir “efetivamente seus engajamentos no mundo”. (GILBERT, 2004, p. 207). A reflexão sobre o existir implica, pois, reconhecer que “realizar-me a mim mesmo é, ao mesmo tempo, construir uma sociedade na contingência dos encontros e das situações históricas”. (GILBERT, 2004, p. 218). A metafísica está, portanto, intimamente articulada com a ética. Além disso, a reflexão sobre o ato de existir supõe necessariamente um empenho do sujeito na sua totalidade, ou seja, supõe um engajamento do sujeito não apenas como ser racional, mas também como ser de vontade, isto é, como liberdade. Isso significa que meditar sobre o ato de ser tem necessariamente implicações éticas. 20 2.3 Ética e metafísica: uma relação necessária Ora, vimos que a metafísica é a ciência do “ente enquanto ente”. Ao definir o ente como sendo “aquilo” que “é”, a metafísica coloca em evidência uma dialética fundamental entre a forma que permite compreendê-lo inteligivelmente e a ação ou realidade ativa que o define. Todo esforço consiste, pois, em conferir o devido valor tanto à dimensão formal quanto à dimensão ativa do ente. Fonte de: www.ex-isto.com A essência e o existir, entendidos respectivamente como princípio formal e princípio final do ente, não compõem o real de modo separado e independente. Nenhum dos dois pode ser sem o outro: a essência não pode ser sem o ato de ser, nem o ato de ser pode ser sem a essência. Ao propor pensar a adequada articulação entre esses dois princípios, a metafísica deve ser capaz de dizer o ente, ao mesmo tempo, passivo e ativo, inerte e enérgico. Ela deve articular a dimensão lógica, ou ainda, a forma que permite que o ente seja compreendido inteligivelmente, e a dimensão ontológica que considera e confere prioridade a realidade ativa do ente. Isso significa que a metafísica deve se mover tanto no plano do saber universal quanto no plano do saber individual (GILBERT, 1991, p. 31). Ela deve ser capaz de conjugar e articular a epistemologia e a ética. 21 Contudo, ao afirmar a primazia do ato de existir, a metafísica defende a precedência da ordo essendi sobre a ordo cognoscendi, ou seja, da dimensão ontológica sobre a dimensão lógica (GILBERT, 2005, p. 67). Gilbert explica que A reflexão metafísica, por motivos de método e porque ela é uma disciplina eminentemente intelectual, enfrenta primeiramente questões de ordem dogmática (o discurso e o verdadeiro); ela aborda em seguida os problemas da liberdade (a fala e o bem). Mas o que é primeiro para nós não o é em si. O esforço especulativo, uma vez reconhecido o princípio, deve inverter-se para entender o princípio a partir de sua principialidade. A metafísica mais rigorosa faz, pois, o discurso e o verdadeiro passar após a fala e a bondade. A liberdade se apresenta em primeiro lugar. (2005, p. 209). Devemos, então, reconhecer que o ente para nós, ou seja, o ente que acolhemos e dizemos através de nossos conceitos não se identifica completamente com o ente em si. Enquanto ato de existir, o ente não é “primeiramente de ordem formal e sim de ordem existencial. ” (GILBERT, 2005, p. 219). Ele habita a linguagem. Mas, ao mesmo tempo, não se deixa aprisionar por ela. Ele apenas pode ser conhecido e acolhido de modo inteligível através da mediação de nossas palavras e de nossos discursos. Contudo, toda enunciação formal do ente é atravessada pelo dinamismo do espírito que aponta para a transcendência do ato de existir e, portanto, para a primazia da liberdade. Ora, se levarmos em consideração a dimensão pragmática da linguagem, devemos reconhecer que todo dizer e pensar supõe necessariamente um fazer movido pela vontade. Meditar e refletir sobre o ato de ser pressupõe, portanto, um empenho da liberdade, que ao dizer ou pensar o ente, se compromete e se engaja no movimento da inteligência conferindo a ela o seu lugar, não apenas formal, masreal. Com outras palavras: o espírito ao acolher pela inteligência o ente que se doa, o diz através de conceitos. Portanto, “o êxtase do espírito cognoscente não é uma errância fora de todos os limites e sim uma resposta a uma doação transcendente que irradia nos predicados do ente. ” (GILBERT, 2005, p. 312). Entretanto, tanto o espírito quanto o ente que se releva a ele, transcendem as construções nocionais da inteligência. Graças a essa transcendência, o ato espiritual “é capaz de renovar incansável e livremente suas representações mentais e de não se satisfazer com nenhum de seus conceitos”. (GILBERT, 2005, p. 84). Portanto, nas proposições reais resplandece “o engajamento necessário de um ‘eu’ que preside a sua formação”. (GILBERT, 2005, p. 161). Ele está presente 22 ativamente em toda enunciação e discurso. Ele ordena suas palavras, constrói seu próprio estilo discursivo, procura fazer-se compreender e convencer (GILBERT, 2005, p. 161). Mas, ao mesmo tempo, o eu engajado no enunciado, não permanece fechado em si mesmo. Ele se exprime através de uma língua que não é pessoal. O eu “não cria a seu bel-prazer as palavras e as regras que lhe permitem compor suas frases de modo inteligível.” (GILBERT, 2005, p. 162). Ao enunciar algo, ele está necessariamente aberto a uma cultura, a um mundo e a uma história que o ultrapassam. Além disso, ao dizer algo, o eu sai de si na direção de um interlocutor. O ato originário do eu, como afirma Gilbert, “não está livre de toda coação”. (GILBERT, 2005, p. 162). O ato humano tem lugar, necessariamente, “limitando-se diante de outrem e por outrem”. (GILBERT, 2005, p. 207). Justamente nesse movimento de saída de si em direção ao encontro dialógico com o outro, o eu se exprime na sua liberdade e, ao mesmo tempo, torna-se capaz de pressentir o princípio que está para além das liberdades finitas, mas que as funda (GILBERT, 2004, p. 209). Ao pretender dedicar-se ao ato de ser, a metafísica tematiza o ato humano, ao mesmo tempo, “reservado em seu existir e exposto em suas expressões” (GILBERT, 2005, p. 207), como liberdade. Ato humano, por excelência, como mostra Gilbert, a liberdade “coloca em ação todas as mediações que nossas tradições estabelecem para tornar possíveis nossa vida comum e nossos intercâmbios”. (2005, p. 207). A metafísica, portanto, não se contenta em meditar sobre o que seria o conceito mais geral, no topo da hierarquia mais completa. Se ela desconhece o ato e se ela pretende demonstrar suas proposições sem apresentar o movimento que constitui o ato em sua origem, ela jamais poderá assumir a unidade do universal singular. (GILBERT, 2005, p. 277). A metafísica se dedica, então, ao ato de ser (GILBERT, 2005, p. 213). Ela reflete sobre o existir que ao afirmar-se dinamicamente na relação recíproca das liberdades, reconhece a transcendência de seu fundamento. Ora, entendida como metafísica da liberdade, a “ciência do ente enquanto ente” está intimamente articulada com a ciência da práxis, ou seja, com a ética. Epistemologia e ética se entrecruzam, pois, no discurso metafísico. 23 3 O EXISTENCIALISMO O existencialismo representou uma mudança de rota na filosofia ocidental. Ele elegeu como objeto de estudo a existência do ser humano com toda a sua complexidade. O cotidiano e as relações interpessoais ganham espaço nas discussões empreendidas pelos teóricos dessa corrente filosófica. Diferentemente de outras compreensões filosóficas, na filosofia da existência não se percebe um pressuposto filosófico linear unificador que possa nos permitir apresentar uma síntese única que evolva todos os teóricos chamados de existencialistas. O elemento caracterizador desta tendência filosófica não reside nos mesmos pressupostos ou nas mesmas conclusões, mas, sim, no alvo analítico: a existência. Esta é um elemento significativo para se compreender o existencialismo em sua globalidade (OLIVEIRA, 2018). Fonte de: www.laparola.com.br 3.1 Jean-Paul Sartre e sua filosofia existencialista Para se compreender Sartre, faz-se necessário, em primeiro lugar, que você consiga identificar e ter noção clara do existencialismo. Este foi um movimento dentro da filosofia contemporânea que elegeu a existência como objeto de análise. Essa 24 escola inaugura um novo e decisivo momento na filosofia, que se interessa, em particular, pelas questões ligadas ao cotidiano da vida do ser humano, a existência e sua complexidade. Entretanto, devemos estar atentos de que o termo existencialismo designa um leque de concepções filosóficas. Ele abarca uma expressiva quantidade de pensadores, que, embora tenham várias divergências entre si, têm na existência do ser humano sua atenção maior. No existencialismo, diferentemente de algumas tendências filosóficas, a marca comum não reside nos mesmos pressupostos ou nas mesmas conclusões, mas sim no instrumento focal, a análise da existência. Por isso que, normalmente, nomeamos o existencialismo como filosofias da existência. Vale destacar que o termo “filosofia” está no plural por apontar o que já foi mencionado: esta é uma escola que abarca em seu interior concepções variadas e diferentes em si sobre a existência humana. 3.1.1 O que é existir? Nesta busca de entender a existência, a discussão existencialista se inicia na reflexão sobre o “que é existir”. Para o existencialismo, “[...] existir implica a relação do homem consigo mesmo, com outros seres humanos, com as coisas e a natureza” (COTRIM, 2005, p. 212). Com isso, podemos intuir que existir implica ter relações concretas, múltiplas e dinâmicas. Além disso, apesar das várias respostas encontradas, de modo geral, ao discutir o existir, os existencialistas esboçam uma visão dramática sobre o destino do ser humano, que, inevitavelmente, definhará, enfrentará cedo ou tarde o fim de sua existência, a morte. Para o existencialismo, a existência precede a essência, o que significa dizer que primeiro vivemos, experimentamos. A essência é formatada quando estamos agindo no mundo. São as ações no mundo que nos caracterizam, que dizem o que somos. Existir, não necessariamente, significa percorrer um caminho de progresso, de êxito e de crescimento contínuo (a dor, o sofrimento, a enfermidade e a morte tocarão todos). Existir é seguir adiante apesar de todos os elementos pesados e nebulosos que marcam a existência. 25 3.1.2 Concepções caraterizadoras do existencialismo Mesmo que, ao estudar o existencialismo, nos deparemos com compreensões distintas e às vezes divergentes sobre as mesmas questões, de um modo geral, podemos enumerar os seguintes pontos convergentes (OLIVEIRA, 2018): a) o homem é um ser imperfeito e inacabado, lançado no mundo cheio de riscos e ameaças; b) somos seres dotados de liberdade. Mesmo que ela não seja plena, somos responsáveis por todas as escolhas que fazemos. Não há a quem culpar pelos nossos fracassos. 3.1.3 O existencialismo de Jean-Paul Sartre Apesar de a escola existencialista abrigar em seu interior filósofos de grande expressão, como Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche e Husserl, um de seus maiores expoentes é Sartre (1905-1980). Nascido em Paris, no início do século XX, Jean-Paul Sartre tornou-se famoso, em um primeiro momento, não como filósofo, mas pelas suas peças de teatro. Influenciado pelas ideias filosóficas de Heidegger, destacou-se como o grande intérprete do existencialismo. Seu texto filosófico de maior destaque, publicado em 1939, foi o O Ser e o Nada. Nele, ferozmente, Sartre critica a concepção teórica de potência elaborada pelo célebre Aristóteles. Jean-Paul Sartre 26 3.1.4 Conceito de ser-em-si, de ser-para-si Para Sartre, o ser não está para se revelar em outro ser diferente de quando ele foi lançado neste mundo. O ser é que é, é o ser-em-si (objeto, corpo,matéria biológica, ser não consciente), ou seja, o homem (em uma primeira condição) não se transforma em outro ser além de si, mas se constitui por meio das relações estabelecidas na existência (em estado de consciência). Silva (2013, p. 122) destaca que: O ser-Em-si (o mundo das coisas) é apenas o que é, isto é, o ser-Em-si é apenas si mesmo e, por isso, pura positividade, de modo a desconhecer, logo, qualquer tipo de alteridade. Sendo incriado, aparece como algo que está aí, sem que saibamos o porquê, algo cujo existir só podemos entender como absoluta contingência. Ainda que esse conceito seja explícito em Sartre, devemos estar atentos de que, para ele, o homem é um ser de possiblidades e mudanças, pois não é estático; ele não é um ser pleno, acabado, cheio desde que foi lançado neste mundo, pois o homem, a partir das condições da vida, elabora seu próprio mundo. O ser-em-si em Sartre é maciço, não é ativo nem passivo, é que é, está aí. Já o ser-para-si, na linguagem sartriana, se opõe ao ser-em-si, pois é acessível, aberto às possibilidades. O ser-para-si (consciência), afirma Sartre, é uma ruptura com o ser-em-si (objeto-corpo). Ele possui consciência de si (não pronta), vive para si. É no ato de existir que a sua identidade se constrói. Ao fazer uso dessas duas categorias para explicar o ser humano (ser-em-si; ser-para-si), Sartre quer nos remeter a ideia de que o homem como ser-em-si é apenas um objeto, um ser, como os demais seres, um corpo. Enquanto ser-em-si não há o que o diferencie dos demais objetos que estão aí. Sartre insiste que só no processo de existência, por meio do uso de sua liberdade, das escolhas, que o homem vai se fazendo, construindo a sua essência. É na existência que sua consciência é formatada, e sua essência se constitui (ser-para-si). Dessa forma, Sartre salienta que a existência precede a essência. Isso significa que o homem é o que é a partir das escolhas livremente feitas, das experimentações, das vivências, do se colocar em relação, da tomada de consciência. 27 As escolhas que fazemos, iluminadas e dirigidas pela voz de nossa consciência, nos formatam, e pouco a pouco vão constituindo a nossa essência. 3.1.5 Liberdade no existencialismo de Sartre Outro acento especial no existencialismo de Sartre consiste na afirmação de que somos responsáveis por todos os nossos atos. Somos seres dotados de liberdade. Para Sartre, estamos condenados à liberdade. Isso significa afirmar que não podemos nos eximir de responder pelo que viermos a fazer. A existência nos obriga a fazer escolhas, a usar a liberdade de agir (OLIVEIRA, 2018). Ainda que, para Sartre, as condições de existência causem tensões à liberdade de escolha do homem, elas não nos obrigam a fazer o que não decidimos realizar. Em sua concepção, as circunstâncias, as condições às quais é submetido o homem, não podem absolvê-lo de suas escolhas. Ele é o único responsável por suas decisões. Para o existencialismo sartriano, o ser humano é a medida para si mesmo, pois não há valores anteriores para o guiar que não tenham sido criados por ele mesmo. Nunca perdemos a liberdade de fazer escolhas. Mesmo que, em algum momento da vida, estejamos submetidos a uma condição limitada, que não foi fruto de nossa decisão, mesmo assim ainda está sobre nós o poder para decidir o que fazer. Não há a possibilidade de viver sem fazer escolhas, sem usar da liberdade. A todo instante fazemos uso dessa capacidade. Mesmo quando postergamos tomar uma decisão, na compreensão sartriana, estamos fazendo uma escolha, pois o ato de adiar uma escolha já é uma escolha. Em outras palavras, não podemos nos furtar à liberdade. Podemos aludir que o homem, quer goste ou não, deve viver por sua própria conta, elaborar seus valores norteadores. São nossas decisões que determinam que tipo de pessoas seremos no futuro. Assim, a liberdade é sempre incondicional, não há a possibilidade de escolhermos não escolher, e é por meio dela que nós construímos enquanto seres humanos. Portanto, não há destino pronto, preestabelecido e determinado para os seres humanos. Somos frutos do que pensamos e escolhemos fazer em meio às contingências do mundo que criamos. É nesse ponto que Sartre afirma que somos uma espécie de Deus, mesmo que falido, pois, ao sermos lançados aqui, aí, construímos o nosso próprio mundo, os valores, a partir da liberdade que nos habita, 28 mas sem, entretanto, podermos nos livrar das circunstâncias dolorosas, da própria morte que finaliza a nossa existência, quer queiramos ou não. Mesmo que o ser humano, devido à sua possibilidade criadora e à liberdade absoluta, seja concebido como um ser que projeta Deus (capacidade de criar tudo que o cerca), o homem está para o fracasso, para o fim. Por ser falível e não perene, o ser humano está rumo à inexistência, pois o seu fim último é a morte. Ela, a morte, zomba de tudo, da existência, de nós, de nossa liberdade, e transforma tudo em nada. É uma espada que o tempo todo está sobre a cabeça do homem (OLIVEIRA, 2018). Disso, podemos deduzir que, em algum momento, a condição de liberdade que possuímos deságua em uma impossibilidade de escolha, em uma não escolha (a dor, a doença, o seu próprio fim). Após essa elucidação, Sartre conclui que a liberdade nos coloca na condição de Deus, mas a possibilidade incontestável de morte nos humilha e nos prova de que somos um Deus falido. Fonte de: www.the-philosophy.com 3.2 Vida autêntica Outro ponto fundamental na filosofia existencialista de Sartre é o conceito de vida autêntica. Para ele, toda vez que assumimos uma condição imposta que nos descaracteriza enquanto seres de decisão, vivemos uma vida inautêntica, falsa, ilusória. O uso da liberdade é o único caminho para termos uma vida autêntica. 29 Sartre acentua que devemos viver a partir dos valores que nós mesmos criamos, e deles tirar as soluções e pistas para vencer os obstáculos que surgirem na existência. A liberdade e a autenticidade são elementos essenciais que nos constituem. Abrir mão disso para assumir um papel pronto na sociedade é renunciar a liberdade, o fazer escolha (algo impossível, segundo o sartrianismo), é uma tentativa infrutífera para atenuar a angústia gerada por ela; é tornar-se objeto e não sujeito; é vive de má fé (OLIVEIRA, 2018). A vida autêntica é a existência assumida com todas as suas consequências, é viver pela consciência. Quando o homem arranja desculpas para as suas atitudes e escolhas, na percepção sartriana, ele está agindo de má-fé, está recusando-se assumir responsabilidades, propositadamente tentando ludibriar a si, mascarando a verdade, sendo inautêntico. 3.3 A noção de inconsciente após Sartre 3.3.1 Consciência e liberdade O conceito sartriano de subjetividade difere consideravelmente dos postulados freudianos. Em Sartre, não reside a ideia de um mundo interior que tem poder de determinar as ações do homem mesmo que ele não queira. Não há, em sua filosofia existencialista, qualquer possibilidade de existência de uma força externa ou interna que possa gerar sentimentos ou impulsos involuntários ao ser humano. O homem é um ser de livre arbítrio, que decide por sua consciência os caminhos e comportamentos que terá nas situações que ele construir. A partir do conceito de liberdade em Sartre, torna-se insustentável a noção de inconsciente. Reiteradamente, no existencialismo de Sartre, é afirmado que nada pode retirar do homem sua responsabilidade diante das situações que envolvem sua existência. O homem está condenado à liberdade. Se, para a psicanálise, as ações humanas são mais orientadas pelo inconsciente do que pelo consciente, em Sartre não há existência sem consciência. Logo, não há forças inconscientes ao homem. Antes da existência, propriamente dita, apenas estamos aí, somos um corpo, um objeto (ser-em-si).Para ele, o homem é lançado no mundo como uma tábua rasa, como algo que se estar por fazer, a partir das relações que estabelece com o mundo, que aliás, só existe um, aquele onde a existência se dá, o mundo das relações. 30 3.3.2 Negação da existência de valores herdados ou preexistentes Outro detalhe importante da filosofia de Sartre consiste na rejeição da construção da ideia de um ente pronto com valores herdados de seus antepassados, ou fecundados por um aparelho psíquico com seus mecanismos próprios de funcionamento, que escapa ao nosso gerenciamento. Tudo que nos acontece é fruto de decisão consciente que tomamos, das escolhas e situações que construímos. Os valores ou a própria moral do homem deriva dele mesmo, a partir da liberdade, da ação que ele exerce por meio de suas decisões. Os valores que tomamos para decidir por A ou por B são provenientes de nossa consciência, da livre decisão de cada um de nós, e viver fora desse parâmetro é não ser autêntico (OLIVEIRA, 2018). 3.3.3 Inexistência de fonte interna ou externa que gere posturas involuntárias A ideia da existência de forças coercitivas que imobilizam o querer humano e que lhe tragam pensamentos e posturas involuntárias, tão presentes no conceito de inconsciente freudiano, perde espaço após as considerações filosóficas de Sartre. Ele é incisivo em afirmar que não há desculpas ou natureza para descarregarmos a culpa resultante de nossos fracassos. A única fonte que o homem tem para referenciar suas escolhas é a si mesmo. Se ele desiste de fazer algo ou até de mesmo de viver, isso é fruto do uso intransferível de sua liberdade. Fonte de: www.dianeticabrasil.com.br 31 3.3.4 Origem da angústia Com isso, devemos estar atentos para a concepção de Sartre sobre a angústia, pois ela difere em profundidade daquela que está presente na psicanálise. Para Freud, a angústia tem como uma de suas fontes o mau funcionamento do aparelho psíquico, cuja existência parece fortalecer a ideia de que somos habitados por dois seres que estão em permanente conflito (Ego-Id). Para Sartre, a angústia é fruto da liberdade que nos abarca, da necessidade de fazer escolhas, que, às vezes, não podem mudar a realidade, mas apenas apontar uma possibilidade. A liberdade é a companheira e o fundamento da existência consciente que nos leva a perceber o quanto somos nada, finitos, e que estamos sozinhos neste mundo, tendo que decidir sobre tudo e ainda assumir as responsabilidades dos atos. Portanto, a angústia é resultado da liberdade de agir, da tensão que envolve as escolhas, e viver é angustiar-se sempre (OLIVEIRA, 2018). Em síntese, podemos aludir que, para Sartre, não existe um inconsciente, outro mundo além do espaço objetivo que nos determina, um espaço intrapsíquico além do ser-em-si e o ser-para-si (categoria usada por Sartre para falar de um único ser, que é o homem) que nos determine sem que tenhamos domínio. 3.4 O conceito de situação na perspectiva sartriana O conceito de situação, exposto pela primeira vez em sua obra O Ser e o Nada, tem acento especial na filosofia de Sartre. Para entendê-lo, devemos correlacioná-lo à ideia de liberdade, que perpassa o pensamento sartriano. Por alimentar a compreensão de que o homem é um ser de liberdade, dotado de plena capacidade para construir o que virá a ser, Sartre entende que, apesar das situações que envolvem a existência, a liberdade do homem é intocável. Para ele, as escolhas que fazemos não são determinadas pela situação em que nos encontramos. Podemos não ter o poder de escolher nascer no Chile ou no Brasil, ser pobre ou rico, viver com saúde ou enfermo, entretanto, o que fazemos, a profissão que exercemos, é fruto da liberdade que possuímos. Dessa forma, o que o homem faz a partir da situação que envolve a sua existência o determina. É ele que sempre escolhe o que virá a ser. 32 Na compreensão sartriana, o homem é um ser em situação, que, diferentemente do ser-em-si, é plenamente responsável pela forma como se expressa e de como se constitui. Ele se encontra nesta condição — de estar em situação, porque, antes, escolheu-se essa situação. Ainda que Sartre esteja ciente das possibilidades dos condicionamentos históricos, sociais, econômicos, e etc., para ele, esses elementos não podem tirar do homem a sua liberdade, o poder de decidir. A condição em que o homem se encontra é determinada pelas posturas que ele decidiu tomar. Se há algo que está além do poder de escolha do homem, é o fato de ele deixar de ser livre. O homem está condenado a ser livre, e isso independe da situação. Em sua liberdade, ele, além de decidir o que fazer, pode atribuir qual sentido e significado a sua vida terá. É o homem quem sempre decide o que será. Para finalizar, Sartre acentua: [...] o homem se define antes de tudo como um ser em situação: isso significa que constitui um todo sintético com sua situação biológica, econômica, política, cultural, etc. Não é possível distingui-lo dessa situação, pois ela o forma e decide de suas possibilidades, mas inversamente, é ele que lhe atribui o sentido escolhendo-se em e por ela (SARTRE apud SILVA, 2013, p. 120). 4 DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO DAS ANTIGUIDADES CLÁSSICA E HELENÍSTICA As filosofias da Antiguidade, dentre elas a platônica, a aristotélica e a helenista, eram sistemas que buscavam explicar o mundo em seus mais variados aspectos. A concepção daquilo que hoje se chama ontologia e metafísica fazia parte de uma explicação integral de mundo como um grande sistema filosófico. Essas diversas filosofias teorizaram também sobre as divindades, às quais era atribuído um papel maior ou menor dentro de seus complexos e intricados sistemas filosóficos. 4.1 Princípios fundamentais do transcendentalismo religioso no pensamento platônico Os filósofos naturalistas, ou os filósofos pré-socráticos, são considerados pela tradição os primeiros filósofos da filosofia ocidental propriamente dita. Esses filósofos buscaram explicar o que é a physis, o princípio único, originário e essencial que 33 compõe todas as coisas que existem. Assim, perguntaram-se qual seria o princípio único, o que faz as coisas existirem e serem como são, ao contrário das coisas que não são. A resposta a essa pergunta gira entorno da diferença entre ser e ente, sendo o primeiro, em linhas gerais, o conceito filosófico que define as coisas que são, enquanto o ente está condicionado pelo ser, participa dele e tem um caráter mais particular, sujeito a alterações, modificações, extinção, etc. Assim, perguntar pela origem e princípio de todas as coisas é basicamente o mesmo que buscar definir o ser. O filósofo Platão foi herdeiro desse debate, mas para compreender suas proposições metafísicas, em especial as relacionadas à teoria das ideias, é importante retomar o debate entre dois filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides. Para Heráclito, o princípio que constitui o ser é o devir, é alteração, a mudança. Assim, aquilo que é em um determinado momento não é mais em outro. Todas as coisas estão destinadas ao devir, à guerra originária, à passagem contínua de um estado ao seu contrário. Seus dois fragmentos mais conhecidos afirmam: “[...] nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos” (Frag. 49a) e “não é possível entrar duas vezes no mesmo rio” (Frag. 91) (HERÁCLITO apud BOCAYUVA, 2010, p. 409). Desse modo, olhando para a realidade das coisas, Heráclito observa a mudança e a transformação, mas sua preocupação não é de fato com os entes ou conjunto de entes, mas com o ser. O ser é definido pela guerra de opostos, mas que também relevam uma harmonia de contrários (REALE; ANTISERI, 1990). O mais importante, porém, não é a mudança dos entes, mas a compreensão do devir do ser, como destaca Bocayuva (2010, p. 409): “[...]o que realmente [...] é a afirmação da consistência-nenhuma que constitui fundamentalmente a originariedade da realidade, concomitantemente à noção do conflito ou guerra originária (pólemos)”. A partir desse 34 cenário, o fogo é identificado como o elemento capaz de representar o ser, em razão de sua capacidade de modificação, agitação e fluxo. Por sua vez, as teses principais de Parmênides são opostas ao devir do ser defendido por Heráclito. Parmênides entende que o ser não sofre mutações, que toda mudança dos entes é meramente ilusória, pois o ser é uno, imutável, eterno e não gerado. O ser sempre é, enquanto o nada, o que não existe, o que deixou de ser, não é. Assim, as mudanças que vemos por nossos sentidos nos entes são apenas ilusórias, de tal modo que “[...] só vemos todas as coisas em sua particularidade, podendo mudar de figura. Não temos olhos para a necessária imobilidade parmenídea do ser” (BOCAYUVA, 2010, p. 411). Por esse motivo, a razão é mais confiável que os sentidos, pois é nossa ferramenta capaz de pensar aquilo que é, o ser, ao contrário dos sentidos, que obscurecem nossa compreensão ao nos dar a impressão ou ilusão de movimento e de modificação do ser. Parmênides Fonte de: brasilescola.uol.com.br A partir desses dois pensamentos, é facilmente constatável a dificuldade de se definir a imutabilidade, a essência e o ser do que é, levando em conta a mutabilidade e o movimento próprio aos entes. No pensamento de Heráclito, seria possível realizar 35 a crítica de que a mudança do ser não permite abstrair sua essência, pois ela é o devir, apesar de ser capaz de explicar de modo satisfatório as mudanças dos entes que participam do ser. Já em relação a Parmênides, a crítica mais evidente seria a incapacidade da imutabilidade do ser preservar as mudanças que ocorrem nos entes, um pensamento que acaba por ignorar os dados sensíveis. Por meio de sua teoria das ideias, Platão busca resolver o impasse entre os sistemas filosóficos de Heráclito e Parmênides. A teoria das ideias pressupõe a separação de dois mundos: o mundo inteligível (das ideias) e o mundo sensível. As ideias para Platão são as essências das coisas e habitam o mundo das ideias, ou o hiperurânio, não sendo apenas o conteúdo de nossos pensamentos, mas substâncias, entidades com realidade e que existem “por si” e “em si” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 137). Nesse sentido, as ideias representam paradigmas de todas as coisas que existem, e possuem estabilidade, imutabilidade e um caráter absoluto. Como as ideias também são as causas de todas as coisas sensíveis, as ideias de belo, de verdadeiro, de justiça, de bondade, etc. são absolutas e imutáveis, a despeito das diferentes opiniões de cada indivíduo. O mundo das ideias não é propriamente um “mundo”, mas “indica um lugar que não é absolutamente um lugar. Na verdade, as ideias são descritas como dotadas de características tais que impossibilitam qualquer relação com um lugar físico” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 138). As ideias são acessíveis pela parte “mais elevada da alma” que é a inteligência. Assim, como são substâncias dotadas de conteúdo que servem de modelo para o mundo sensível, as ideias habitam o mundo suprassensível. O acesso às ideias se dá por meio da inteligência, com a aplicação do método dialético em um movimento “[...] sem recorrer ao auxílio de qualquer objeto sensível, mas partindo unicamente de ideias para passar a ideias e terminar em ideias” (PLATÃO, 2018, p. 238). O verdadeiro conhecimento é o conhecimento da ideia, pois o que há no mundo sensível é mera cópia imperfeita da ideia. A ideia tem um caráter absoluto e o método dialético é capaz de permitir ao filósofo o conhecimento dela. Assim, não há espaço para interpretações sobre o conteúdo das ideias, que se impõem de modo absoluto e universal. O mundo das ideias é um sistema hierarquicamente ordenado e organizado, sob o qual a ideia de bem é o fundamento cognoscível das ideias, além de se situar acima de todas as ideias e dela todas derivarem. A ideia de bem situa-se, desse modo, 36 acima da substância e da essência, pois “[...] trata-se de um princípio incondicionado e absoluto, situado além do ser e do qual derivam todas as ideias” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 140). As ideias são resultado da delimitação do ilimitado por meio da ideia de bem, que se mostra como: a) um princípio de ser (porquanto [...] a ideia nasce da delimitação do ilimitado); b) [...] o princípio de verdade e cognoscibilidade, porquanto só aquilo que é determinado é inteligível e cognoscível; c) [...] princípio de valor, porque a delimitação implica [...] ordem e perfeição, ou seja, positividade (REALE; ANTISERI, 1990, p. 140–141). É necessário destacar que o bem não é personificado em um Deus, mas tratado com uma ideia e princípio dos quais todas decorrem. A “geração” dessas ideias não se dá de modo temporal, mas atemporal, e a “[...] antecedência” apenas ilustra uma análise de estrutura ontológica e indica uma gradação hierárquica, e não uma ordem cronológica de surgimento (REALE; ANTISERI, 1990, p. 141). Com isso, Platão pretende sustentar que “[...] o sensível só se explica mediante o recurso ao suprassensível, o relativo mediante ao absoluto, o sujeito a movimento mediante o imutável, o corruptível mediante o eterno” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 138). O recurso aos dois planos ou “mundos” acaba por superar a querela entre Heráclito e Parmênides, pois a mutabilidade fica relegada ao mundo ou ao ser sensível, enquanto a imutabilidade e todos os conceitos correlatos são a marca do mundo inteligível. Platão e o mundo das ideias Fonte de: www.opiniaocentral.wordpress.com 37 A estrutura do mundo sensível é diversa da do mundo suprassensível. Para Platão, o mundo sensível foi criado por um demiurgo, um deus-artífice que gerou e criou o mundo sensível tendo como modelo o mundo suprassensível “[...] por bondade e amor ao bem” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 143). Desse modo, o mundo ideal e suprassensível serviu de modelo para a criação do mundo sensível por um artífice que realizou a sua obra buscando que todas as coisas fossem as mais belas possíveis. Nessa visão, a existência do mal e do negativo é resquício e característica da natureza da matéria sensível que foi criada e é cópia da matéria inteligível. A matéria sensível nunca poderá vir a ser matéria inteligível, tendo em vista a diferença essencial entre ambas: a primeira é gerada e material, enquanto a segunda é universal e eterna. Isso não significa que o mundo sensível não seja ordenado. Na realidade, “[...] o mundo sensível, assim, se torna ‘cosmos’, ordem perfeita, porque assinala o triunfo do inteligível sobre a necessidade cega da matéria, por obra da inteligência do demiurgo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 144). Reale e Antiseri (1990) apontam consequências importantes em relação a Deus e ao divino na obra platônica. A primeira é que, em certo sentido, Platão pode ser considerado o fundador da teologia ocidental ao pensar o suprassensível, possibilitando, com isso, interpretar o divino como suprassensível, o que se comprova pelo fato de que atualmente consideramos que crer no divino equivale a crer no suprassensível. Assim, o imaterial, o supra mundo sensível, diz respeito a características das quais os seres divinos são dotados. Trata-se de uma mudança relevante em relação à própria concepção mitológica grega. Na mitologia grega, os deuses não habitam um mundo suprassensível, mas no nosso mundo. Apesar de dotados de características sobre-humanas, habitam o mesmo mundo humano, ou seja, não estão em um além-mundo. A tese platônica acaba por curar uma ideia de transcendentalidade de um mundo que escapa e excede o mundo dos objetos sensíveis. Assim, o mundo das ideias e as próprias ideias transcendem o mundo sensível. Porém, para Platão o divinopermanece sendo estruturalmente múltiplo. O divino não é personificado em uma entidade-Deus, não é personificado em um ser Deus ou deuses. No plano hierárquico, o mundo das Ideias e seus múltiplos planos é que são os divinos; os Deuses pessoais precedem hierarquicamente as ideias. 38 Essa estrutura hierárquica se comprova com a figura do demiurgo como o deus- artífice. O demiurgo é um Deus personificado, mas não é ele quem cria do mundo das ideias, mas as cópias na criação do mundo sensível. Assim, o mundo das ideias antecede hierarquicamente o demiurgo no plano de criação do mundo sensível. A existência do mundo das ideias é condição de possibilidade prévia da criação do mundo sensível pelo demiurgo. Dela o demiurgo depende, tendo em vista que não há cópia (mundo sensível) sem o original (mundo inteligível). Nessa constelação, há deuses que também são criados pelo demiurgo como outros “[...] astros, concebidos como inteligentes e animados” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 145). A alma do mundo, as divindades, as almas das estrelas e as almas humanas também são divinas, o que revela um politeísmo estrutural dentro do sistema filosófico de Platão que é claramente influenciado pelas concepções teológicas tradicionais gregas. Fonte de: www.jornaldebrasilia.com.br 4.2 Metafísica aristotélica Aristóteles foi um dos primeiros pensadores a sistematizar as ciências ou campos de conhecimento, definindo três grandes ramos: as ciências teoréticas que estuam as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas; as ciências práticas ligadas às condutas dos homens, à ética e à política; e as ciências poiéticas 39 relacionadas a produção de objetos. Na ciência teorética, reside a filosofia primeira, campo de conhecimento em que é estudada a metafísica. Aristóteles deu à sua metafísica quatro definições que estão inter-relacionadas entre si, e indicam: 1. As causas e os princípios primeiros; 2. O ser enquanto ser; 3. A substância; 4. Deus e a substância suprassensível. Para Aristóteles, as causas devem necessariamente ser finitas em seu número e enumeradas de modo suficiente para explicar o mundo do devir. As causas primeiras aristotélicas são: A causa formal: diz respeito à forma da coisa/objeto; A causa material: define a matéria de que uma coisa é feita; A causa eficiente: o origem ou o que gerou a coisa; A causa final: a finalidade ou razão para algo existir. As duas primeiras explicam a realidade estaticamente, enquanto as duas últimas explicam o devir, a geração, a produção e corrupção da realidade. Por sua vez, estudar o ser enquanto ser significa estuar o ser de um modo amplo e unificado. Trata-se de chegar “[...] ao porquê que explica a realidade em sua totalidade” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 181). Aristóteles, para isso, afirma que existem múltiplos significados de ser sem que isso retire sua unidade, de modo que o ser é a substância, a alteração ou a atividade dessa substância que possui quatro 40 significados possíveis: o ser como categorias; o ser como ato e potência; o ser como acidente; e o ser como verdadeiro. As categorias dizem respeito à substância ou essência do ser como substâncias autônomas. Existem outras categorias, mas que estão sempre baseadas ou que existem em relação à substância ou essência. Em geral, a substância é constituída por uma matéria, sem a qual não seria possível a existência de qualquer coisa sensível. Por isso, aparenta, de início, que o ser seja a própria matéria. A matéria exige uma forma que a constitui e a define como aquilo que ela é. O composto entre forma e matéria é denominado sínolo4, que designa o conjunto da reunião entre matéria e forma (REALE; ANTISERI, 1990). Fonte de: www.educalingo.com O ser é definido como a substância que, por sua vez, será definida a partir do ponto de vista que é colocado. Do ponto de vista empírico, da experiência e da constatação, o sínolo é a substância, pois é assim que se apresenta como conjunto de matéria e forma. Do ponto de vista teorético e metafísico, a forma é o princípio ou a causa de ser, tendo em vista que o sínolo é causado e fundado na forma. Por isso, a forma é substância por excelência, na medida em que subjaz ao conjunto que forma o sínolo (REALE; ANTISERI, 1990). 4 A definição de sinol no dicionário é a filosofia aristotélica, o indivíduo, entendido como o fundamento da realidade, como uma união de matéria e de forma. 41 Em conclusão, “[...] a substância, em um sentido (impróprio), é a matéria, em um segundo sentido (mais próprio) é o ‘sínolo’ e em um terceiro sentido (e por excelência) é a forma” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 185). O sínolo não exaure a substância e, portanto, não dá a definição de substância por excelência, porque Deus, o imaterial e suprassensível, não é constituído de matéria, mas de forma. Seria, portanto, impossível pensar as suas existências a partir apenas do ponto de vista do sínolo ou mesmo da matéria. A substância deve ser considerada ainda a partir dos significados de ato e potência dadas ao ser. A matéria é considerada potência, isto é, possui a possibilidade ou a potencialidade de assumir ou receber uma determinada forma, enquanto a forma é o ato ou a concretização ou materialização da potência em ato. O sínolo (composto de matéria e forma) deve ser considerado predominantemente ato ou enteléquia (concretização em concretização ou concretizada), na medida em que a forma constituiu a matéria, fazendo a coisa ser o que ela é, mas se for considerada a materialidade da coisa, será um misto de potência e ato, na medida em que se trata da reunião da matéria (potência) e da forma (ato) (REALE; ANTISERI, 1990). Todas as coisas são dotadas de matérias possuidoras de maior ou menor potencialidade a partir do fato de já ter se realizado ou concretizado a sua forma de modo pleno. Os seres imateriais, porém, não são dotados de matéria; por isso, não são dotados de potencialidades, e não se poderá concretizar uma forma, pois já são formas e atos puros. Como já é possível intuir, o ato tem prioridade e superioridade em relação à potência, porque a potência somente se realiza e se pode conhecer a partir do ato de que é potência, além do ato ser a finalidade última da potência. A partir desses conceitos, Aristóteles consegue definir em linhas gerais a constituição das substâncias. A matéria e a forma deixam evidente a constituição das coisas materiais, mas ainda é necessário demonstrar a existência da substância suprassensível. As substâncias são consideradas realidades primeiras, das quais todas as outras categorias dependem. Aristóteles considera que o tempo e o movimento são incorruptíveis, pois não possuem um início e um fim. Além disso, afirma que o tempo é algo não gerado, já que falar em algo antes ou depois do tempo significa já falar em tempo. Por isso, não é possível outra conclusão senão a de que o tempo seja eterno e, portanto, incorruptível. Desse modo, o movimento e o tempo, que dele decorre, são 42 eternos e somente podem existir se houver um princípio primeiro que seja causa deles. Esse princípio deve ter determinadas características para que possa ser a causa do movimento (incorruptível) (REALE; ANTISERI, 1990). O princípio deve ser eterno: se o movimento é eterno a sua causa também deve ser. O princípio deve ser imóvel: somente uma causa imóvel pode ser causa do que é móvel. Os movimentos singulares somente podem ter origem em motores imóveis. Ao remontar a cadeia de corpos em movimento, Aristóteles chega à conclusão de que é preciso que haver uma causa imóvel e primeira que deu origem aos movimentos subsequentes. O princípio deve ser ato puro: o princípio não tem potencialidade, pois é isso que garante o movimento perpétuo dos céus. Se houvesse
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