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Apostila-Filosofia-Geral-Problemas-Metafísicos

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FILOSOFIA GERAL: PROBLEMAS 
METAFÍSICOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
 
1 
 
SUMÁRIO 
 
1  INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 
2  INTRODUÇÃO À METAFÍSICA .............................................................................. 4 
2.1  A essência e o existir .......................................................................................... 9 
2.2  Ato de ser e liberdade ....................................................................................... 14 
2.3  Ética e metafísica: uma relação necessária ...................................................... 20 
3  O EXISTENCIALISMO .......................................................................................... 23 
3.1  Jean-Paul Sartre e sua filosofia existencialista ................................................. 23 
3.1.1  O que é existir? ............................................................................................... 24 
3.1.2  Concepções caraterizadoras do existencialismo ............................................ 25 
3.1.3  O existencialismo de Jean-Paul Sartre ........................................................... 25 
3.1.4  Conceito de ser-em-si, de ser-para-si ............................................................. 26 
3.1.5  Liberdade no existencialismo de Sartre .......................................................... 27 
3.2  Vida autêntica ................................................................................................... 28 
3.3  A noção de inconsciente após Sartre ............................................................... 29 
3.3.1  Consciência e liberdade .................................................................................. 29 
3.3.2  Negação da existência de valores herdados ou preexistentes ....................... 30 
3.3.3  Inexistência de fonte interna ou externa que gere posturas involuntárias ...... 30 
3.3.4  Origem da angústia ........................................................................................ 31 
3.4  O conceito de situação na perspectiva sartriana .............................................. 31 
4  DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO DAS ANTIGUIDADES 
CLÁSSICA E HELENÍSTICA ..................................................................................... 32 
4.1  Princípios fundamentais do transcendentalismo religioso no pensamento 
platônico .................................................................................................................... 32 
4.2  Metafísica aristotélica ....................................................................................... 38 
4.3  Teologia naturalista estoica .............................................................................. 44 
 
2 
 
5  DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO CONTEMPORÂNEOS: 
FILOSOFIAS RELIGIOSAS NOS SÉCULOS XIX E XX ............................................ 49 
5.1  A religião como questão ético-antropológica .................................................... 49 
5.2  A recuperação da metafísica e da ontologia aristotélico-tomista ...................... 55 
5.3  Filosofia analítica da religião ............................................................................. 60 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 68 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante 
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um 
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em 
tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora 
que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
2 INTRODUÇÃO À METAFÍSICA 
 
Paul Gilbert, no livro A paciência de ser, afirma que a “metafísica se dedica ao 
ato de ser e ela medita sobre o ritmo de seu desenvolvimento” (2005, p. 213). Ora, o 
agir ético é um dos atos humanos por excelência. Através dele nos exprimimos no 
nosso ser mais próprio. Em consequência, refletir sobre o ato de ser supõe pensar a 
respeito das práxis e da sua finalidade. 
Andrônico de Hodes, meio século antes da era cristã, ao catalogar os escritos 
de Aristóteles criou o termo metafísica para designar os quatorze livros do corpus 
aristotélico que vinham depois dos oito livros da física. Embora não tivessem um título 
comum, o conjunto dos quatorze livros, classificados por Andrônico, gozavam de certa 
unidade de conteúdo. Em consequência, muitos estudiosos acreditam que a atribuição 
do nome metafísica a esses livros não é mero acaso, mas está diretamente 
relacionada com o próprio conteúdo dos textos, que tratam do princípio primeiro, de 
uma forma englobante ou, ainda, de um ente primeiro (cf. GILBERT, 2004, p. 10). 
Aristóteles 
Fonte de: universoracionalista.org 
 
 
5 
 
 Contudo, a chegada tardia da palavra metafísica na tradição intelectual do 
ocidente e os seus diferentes usos ao longo da história tornaram complexa a 
compreensão de seu significado. O termo metafísica goza na atualidade de certa 
ambiguidade. Com o intuito de esclarecer o que entendemos aqui por metafísica 
indicaremos as cinco definições correntes apresentadas por Gilbert (1992, p. 18-25). 
As definições discutidas por ele correspondem aparentemente às quatro definições 
apresentadas por José Gomez Caffarena, na obra Metafísica Fundamental (1969, p. 
39-52), publicada pela primeira vez em 1969. Após meditar a respeito das diversas 
definições apresentadas por esses autores, e juntamente com eles, procuraremos 
indicar o que entendemos por metafísica. 
A primeira definição de metafísica apresentada por Gilbert (1992, p. 18) nos 
remete a Aristóteles, para quem a metafísica “no sentido mais estrito” é “a ciência do 
ente enquanto ente” e dos “princípios essências do ente e do conhecer”. (IV 1, 1003a; 
IV 2, 1003b; cf. Caffarena, 1969, p. 44). Como todas as ciências, ela dispõe de um 
objeto material e de um objeto formal. O ente, isto é, a coisa conhecida, objeto material 
da metafísica, está em íntima relação com o objeto formal, isto é, com o modo de 
relacionar-se do espírito ou da inteligência com o ente. A metafísica depara-se, então, 
com o problema de saber quais são as condições da “unidade do ente conhecido e do 
modo de conhecê-lo” que podem “tornar-se objeto de um conhecimento adequado”. 
(GILBERT, 1992, p. 20). 
Caffarena (1969, pp. 45-46) defende que o pensamento cristão, ao assimilar e 
interpretar a filosofia aristotélica, conferiu definição diferente ao termo metafísica. 
Temos, então, o que Gilbert indica como sendo a segunda definição. A metafísica é 
entendida como “a parte da filosofia que busca a explicação racional do real movendo 
da experiência, mas superando-a e conferindo primazia a realidades que a 
transcendem. ” (GILBERT, 1992, p. 20). Ela é, pois, como explica Caffarena (1969, p. 
45), a “ciência do mais plenamente imaterial”, ou ainda, a ciência que possui o maior 
graude abstração e que consiste num saber sobre Deus e sobre a alma. Nesse 
sentido, Gilbert (1992, p. 21) afirma que “o problema da segunda definição diz 
respeito, pois, à possibilidade racional dos entes mais elevados que o sensível. ” 
A metafísica também é correntemente definida como “parte da filosofia que 
determina as condições a priori do conhecimento” (GILBERT, 1992, p. 21). Típica a 
partir de Kant, essa definição, que entende a metafísica como “ciência dos princípios 
 
6 
 
da razão”. (CAFFARENA, 1969, p. 46), impõe-se a partir da filosofia moderna e, de 
modo especial, com o racionalismo dos séculos XVII e XVIII. Nesse contexto, tem 
lugar a distinção proposta por Francisco Suárez (1548-1617) entre a metafísica geral, 
posteriormente denominada ontologia, e a metafísica especial. 
Fonte de: abstracta.pro.br 
Outra definição corrente veio ao encontro das inquietações apresentadas pela 
filosofia existencialista nos últimos decênios. De acordo com ela, a metafísica deve 
ser compreendida como ciência que “busca o sentido do real e principalmente da vida 
humana, assumindo um ponto de vista antropológico”. (GILBERT, 1992, p. 23). 
Caffarena (1969, p. 48-49) a define como “ontoaxiologia”. Gilbert (1992, p. 23) 
esclarece que, a partir dessa definição, a metafísica não é vista apenas como uma 
ciência formal, mas é entendida como “uma meditação que pretende legitimar o valor 
primeiro na direção do qual a nossa existência está orientada”. Essa quarta definição, 
que recebeu acento a partir de Heidegger, coloca em evidência a preocupação do 
homem em relação ao destino e à história (cf. GILBERT, 1992, p. 24-25). 
A quinta e última definição, considerada por Gilbert (1992, p. 25) como sendo 
a mais fraca, afirma que “é metafísica cada conhecimento aprofundado sobre a 
natureza das coisas”. Ela é fraca porque vaga. As noções de “conhecimento 
 
7 
 
aprofundado” e “natureza das coisas” são gerais. Não nos ajudam a compreender 
adequadamente em que consiste a metafísica (GILBERT, 1992, p. 25). 
Ora, o que então é metafísica? Como podemos compreendê-la a partir dessas 
várias definições? A esse respeito, Caffarena (1969, p. 49-50) nos faz uma 
advertência importante. Não devemos pretender encontrar uma definição “muito 
solene e perfeita”, mas devemos nos contentar “com algo que descreva 
suficientemente a função da metafísica para o homem, e indique o seu conteúdo de 
um modo que não seja puramente exterior”. Ele defende, então, que a metafísica “é, 
antes de tudo, um deliberado colocar em questão; também um sistema de possíveis 
soluções para as questões últimas”. (CAFFARENA, 1969, p. 50). Ou ainda, que a 
metafísica “é um questionar radical [...] que vai até as próprias raízes de toda 
problemática, que não deixa nada sem ser questionado, não assume gratuitamente 
nenhum pressuposto, nem o toma emprestado de nenhum ‘saber’ anterior” 
(CAFFARENA, 1969, p. 51). 
Também atento à complexidade e à dificuldade de encontrar definição definitiva 
e exclusiva para a metafísica, Gilbert defende que ela “inscreve-se inevitavelmente 
em uma história na qual se exprime com tendências diversas” e que, portanto, é 
necessário reconhecer “que a expressão de tal interesse varia de acordo com as 
culturas, de acordo com o estado das ciências e de acordo com o próprio gênio de 
cada metafísico”. (GILBERT, 2003, p. 10). 
Contudo, apesar de reconhecer a diversidade entre os significados da palavra 
metafísica, Gilbert propõe articular todos eles mostrando que não se excluem, mas 
que cada um coloca o acento sobre um aspecto diferente já presente na definição 
aristotélica que apresenta o ente conhecido intimamente articulado com quem o 
conhece (Cf. GILBERT, 1992, p. 25). Nesse sentido ele afirma que 
Todos [os significados] são, entretanto, compreendidos no primeiro que 
articula o ente conhecido com quem o conhece. O segundo insiste sobre os 
entes que seriam os primeiros, o terceiro sobre as formas intelectuais daquele 
que conhece; o quarto apresenta a totalidade das atividades da pessoa 
implicada na afirmação do princípio. (GILBERT, 1992, p. 25). 
Ao adotar tal posição, Gilbert defende que a missão da metafísica consiste em 
“conhecer o real a partir do desejo e da admiração mais do que por meio das 
determinações que impõem a ele as nossas explicações conceituais” (1992, p. 9). Ao 
contrário dos manuais que “fornecem conceitos claros para resolver problemas bem 
 
8 
 
circunscritos”, a metafísica “medita sobre o que escapa a qualquer solução deste 
gênero, sobre o mistério que concerne ao homem no mais profundo de todo o seu 
ser.” (GILBERT, 1992, p. 5). Ela assume, pois, como tarefa desdobrar “o que está 
dobrado em nosso questionamento mais vasto e mais originário”. Ela “vai desde 
nossas pesquisas explicitas sobre a razão ou o sentido de nossas vidas até as 
condições que tornam possível essa pesquisa”. Ao entender a metafísica como 
“reflexão atenta ao todo sistemático e a cada um de seus elementos”. (GILBERT, 
2003, p. IX), Gilbert afirma, então, que “a questão metafísica se volta agora sobre o 
sentido que confere a todos os atos humanos a sua orientação e a sua unidade” (2003, 
p. 17). 
Fonte de: www.opontodentrocirculo.com 
Adotando essa concepção de metafísica mais atenta ao mistério, aos atos e ao 
destino do homem defendemos, então, com Caffarena e com Gilbert, seguindo a 
tradição aristotélica, que a metafísica é a “ciência do ente enquanto ente” e dos 
princípios fundamentais do ente. Mas, o que isso significa? O que se entende como 
ente? 
O ente é aquilo que é. Ele se constitui a partir de uma dialética fundamental 
entre a forma que permite compreendê-lo inteligivelmente e a ação ou realidade ativa 
que o define. Gilbert esclarece que 
 
9 
 
O ente é aquilo (estado) que é (ação); a sua fórmula total reúne um aspecto 
formal e um aspecto ativo; aquilo indica a determinação que, entrando na 
definição, é por essência formal; é diz respeito à ação, ao ato de ser, ao 
indicativo presente. A expressão “aquilo que é” é carregada do vínculo da 
inteligibilidade formal do verbo “ser” (o seu estado substantivado [particípio] 
pronto por uma definição) com a sua realidade viva (o seu ato no gerúndio). 
Estes dois aspectos são unidos dialeticamente. (1992, p. 52). 
A inteligência acolhe o ente e o exprime através de uma forma lógica. O ente, 
por sua vez, possui uma estrutura inteligível que se revela e se doa ao espírito 
cognoscente1. Contudo, realidade ativa, o ente ultrapassa a lógica. Ele é dinâmico, 
em ato. A dinamicidade do ente faz com que reconheçamos os limites dos nossos 
discursos. A diferença entre o ser para nós e o ser em si, gera a admiração ou o 
assombro diante do real que se revela, mas que, ao mesmo tempo, se esconde para 
além da inteligência que o pretende dizer. 
Ao colocar em evidência tanto a dimensão lógica quanto a dimensão ontológica 
do ente, a metafísica deve ser capaz de articulá-las dialeticamente conferindo um justo 
valor a cada uma delas. A metafísica que se fecha em apenas uma dessas dimensões 
é limitada. Como dizer, então, de modo adequado o ente? Devemos pensá-lo a partir 
de uma dialética entre a essência e o existir. 
 
2.1 A essência e o existir 
 
A essência é a categoria que exprime “a inteligibilidade intrínseca da 
substância”, ou seja, a “capacidade que tem a substância de estar presente à 
inteligência”. Gilbert a define ainda como “a categoria da presença do ente ao 
intelecto” (1992, p. 57-58). Ora, o “ente é aquilo que é”. Portanto, ao mesmo tempo, 
ele “é aquilo” e “é”. Logo, se por um lado, “o demonstrativo ‘aquilo’ designa a causa 
formal, as definições”, por outro lado, “o verbo ‘é’ significa a atividade efetivamente 
exercida no presente, o ser que se cumpre, que se tem em exercício, a sua causa 
final”. (GILBERT, 1992, p. 61). Compreendido nesse sentido, o verbo “é” corresponde 
ao “existir”. O verbo “existir” exprime,pois, o verbo indicativo “é” que atualiza o 
infinitivo “ser”. Ele pode ser compreendido “no sentido de ser concretamente, 
 
1 Cognoscente: é um adjetivo que qualifica a pessoa que busca ou toma o conhecimento sobre algo, 
também utilizado para se referir ao indivíduo que tem a capacidade de conhecer e assimilar o saber. 
 
10 
 
atualmente, presente entre as coisas das quais fazemos experiência” (GILBERT, 
1992, p.61). 
A inteligibilidade intrínseca da substância, expressa pela categoria de essência, 
é formal. Ela pode ser dita pela inteligência através de conceitos que universalizam e 
unificam a experiência. A substância individual, por sua vez, é singular. Ela existe. O 
existir tem como “tarefa” singularizar a essência, isto é, o “seu destino é fazer ser 
singularmente toda essência em si universal”. (GILBERT, 2004, p. 231). Como, então, 
pensar e articular esses dois princípios no discurso metafísico de modo a conferir um 
justo valor a cada um deles? 
Fonte de: www.br.guiainfantil.com 
A essência e o existir não podem ser compreendidos como dois princípios 
separados e independentes que compõem o real. Por um lado, “não há essência que 
possa ser realmente sem ato de ser”. Por outro, também não “há ato de ser que possa 
ser realmente sem essência”. (GILBERT, 2004, p. 232). Como, então, articular a 
dimensão lógica da essência e a dimensão ontologia do existir na compreensão do 
ente? 
As filosofias antigas, ao pretenderem pensar o ente, acabaram por conferir 
primazia à sua dimensão lógica. Como defende Lima Vaz (2002, p. 71), elas 
“obedecem sem exceção ao paradigma epistemológico que circunscreve 
necessariamente o domínio do inteligível ao âmbito da pergunta o que é? (ti esti; quid 
 
11 
 
est?)” (Cf. OLIVEIRA, 2013, p. 113-122). Devem, pois, ser compreendidas como 
filosofias da essência. 
Na atualidade, por outro lado, o existencialismo num movimento de recusa das 
filosofias da essência afirmou a precedência absoluta do existir. Pensar, no entanto, 
o ato de ser sem a essência acabou por conduzir à angustia, ou como em Sartre, à 
náusea. 
Como, então, conferir um justo valor à essência e à existência? Como atribuir 
um núcleo ontológico fundamental ao ente, capaz de conferir inteligibilidade ao ato de 
ser? Como pensar o ato de ser sem correr o risco de perder de vista a sua 
singularidade e unicidade? 
Para de Finance (1955, p. 33-39), é necessário encontrar um caminho que 
permita superar os extremos da “mortificação do existir” ou da “mortificação da 
essência”. No primeiro caso, o existir é pensado de maneira puramente formal. Ele se 
transforma em mero objeto da inteligência. A singularidade e riqueza do ato de existir 
deixam de ser consideradas. O ser é pensado como “coisa”. Por outro lado, no 
segundo caso, o existir é pensado na sua singularidade como puro movimento, sem 
nenhuma consistência ontológica. Em consequência, a atualidade do sujeito não 
pressupõe nenhum tipo de orientação. A inteligibilidade formal conferida pela essência 
é, então, negada. 
A pergunta que surge é, pois, a seguinte: de que maneira pode ser encontrado 
o justo equilíbrio entre esses dois modos de pensar? Como articular a essência e o 
existir? Como pensar e dizer o ato de ser? 
Lima Vaz defende que, apesar do esforço de pensadores tais como Aristóteles, 
Plotino e Avicena na direção de encontrar um modo adequado de pensar o existir, a 
relação entre essência e existência apenas foi adequadamente afirmada quando 
Tomás de Aquino a pensou, não como relação entre substância e acidente, mas sim 
a partir das ideias de ato e potência. 
Gilbert (2004, p. 230) reconhece como passo decisivo na história da metafísica 
o fato de Avicena (1037) ter afirmado distinção real dentre essência e existir. De 
acordo com ele, “dizer que a distinção entre a essência e a existência é real libera a 
substância da sua única necessidade inteligível e lhe reconhece a resistência aos 
saberes formais”. A essência, graças a sua unicidade, não se confunde com nenhuma 
outra coisa. Ela é “nela mesma, exclusivamente o que é”. O existir, por sua vez, é 
 
12 
 
pensado como um acidente extrínseco que se acrescenta à essência. Contudo, “se o 
existir é um acidente universal, ele o é, para Avicena, de maneira única”. Ele “não se 
acrescenta à essência como o riso a humanidade”. A sua missão é fazer com que 
“toda essência em si universal” seja singularmente. (GILBERT, 2004, p. 231). 
Fonte de: www.fronteiras.com 
Gilbert (2004, p. 231) defende ainda que a “reflexão de Santo Tomás segue 
inicialmente a mesma linha que Avicena, mas mantém mais viva sua intenção inicial”. 
Isso porque, como defende Lima Vaz, a síntese elaborada por Tomás de Aquino entre 
a participação platônica, o substancialismo aristotélico e o criacionismo bíblico-cristão, 
tornou possível afirmar a inteligibilidade do esse como ato de existir (cf. LIMA VAZ, 
2002, p. 187; 1986, p. 16). De Finance (1955, p. 50) esclarece que “a originalidade do 
tomismo é ter visto na existência não um acidente extrínseco da essência, mas sim o 
seu ato íntimo e a fonte da sua positividade”. Gilson (1948, p. 77) também defende 
que o esforço de Tomás de Aquino consistiu em “colocar a essência como em potência 
em relação ao ato de existir”. Enquanto ato, o existir atualiza a essência conferindo a 
ela inteligibilidade. 
Ao interpretar Santo Tomás, Gilbert afirma que para ele “a essência não se dá 
a ela mesma o ser”. O ente “é composto de essência e de actus essendi ou existir.” 
(2004, p. 231). Por um lado, “graças a sua essência, o que existe pode ser 
 
13 
 
compreendido”. Por outro, “graças a sua existência, o que é compreendido se funda 
de um modo superior aos seus conceitos”. (GILBERT, 2005, p. 18). O ato de ser 
constitui-se, pois, como “o verdadeiro princípio de individuação” (GILBERT, 2005, p. 
19). 
Ao afirmar a distinção real entre essência e existir e, ao mesmo tempo defender 
que o existir é “a perfeição mais interior do ente”. (GILBERT, 2004, p. 233), Santo 
Tomás aponta na direção de um “excedente gratuito de que não pode dar conta a 
inteligibilidade da essência” (GILBERT, 2004, p. 232). Sendo assim, 
A reflexão descobre no pensamento mais que sua exposição signate. Há nela 
um ato exercite que está na origem de sua essência. O pensamento reflexivo 
percebe-se então, ele mesmo, como o modelo de todo existente reflexivo, de 
tudo o que é pondo-se (stans) fora (ex) de si. (GILBERT, 2004, p. 233). 
Ora, “por-se (stans) fora (ex) de si” é, justamente, o que define o existir. A 
palavra existir vem do latim ex-sistere. O ex significa “fora de”. A palavra “sistere”, 
originada do grego “istème”, tem o sentido de “ser presente, em pé de maneira firme 
e disponível para todo tipo de ação possível”. (1992, p. 61-62). O verbo existir aponta, 
pois, na direção de “um ato de saída de si ou de êxtase”. Logo, “existir é ser em êxtase 
na sua expressão; é exercitar o próprio ato, colocar-se fora de si; é em certo sentido 
alterar-se, passar em um outro, sem, porém, alienar-se.” (2003, p. 18). 
Para Gilbert (2004, p. 234) “a prioridade do ato sobre a potência traduz a 
prioridade do existir sobre a essência, do único sobre suas apresentações 
universalmente acessíveis”. Ao conferir primazia ao existir, a metafísica coloca em 
evidência o dinamismo constitutivo do ente. O ente atualiza a sua essência apenas à 
medida que, através de seu ato de ser, num movimento dinâmico, sai de si mesmo 
em direção a algo diferente de si, que o atrai e o faz ser ele mesmo. Mas, por outro, 
ao sair de si, o ente não deixa de ser si mesmo. Ele mantém a sua identidade, ou 
ainda, a sua ipseidade2. O ente é, pois, um ser-em-si que se abre e se põe em 
movimento para fora de si. E ao colocar-se em movimento, o ente confere sentido ao 
que ele é de modo único e singular. 
Ora, o que caracteriza o ato de ser? Em direção aoque ele tende? Qual o seu 
fim? Como o ente se realiza no movimento de saída de si, a partir de si? 
 
 
2 Ipseidade: carácter daquele que é ele próprio, do existente humano considerado como existência 
singular concreta; o próprio homem como existência 
 
14 
 
2.2 Ato de ser e liberdade 
 
Como defende Gilbert (2005, p. 29), o “ato de ser não pode ser pensado ao 
modo de um princípio estático que, unido a outro princípio estático, a essência, 
formaria a substância, nem tampouco como um ato altivo e inacessível aos 
conhecimentos de nossa história”. Ora, na tradição aristotélica, o ato significa “o 
movimento dinâmico que constitui o ente em sua realidade mais própria”. Portanto, o 
ente se distingue do “conceito formal bem fixado e universal”. Ele é “ativo” (GILBERT, 
2005, p. 129). Contudo, entendido como princípio de individuação, ao mesmo tempo 
em que torna possível a distinção entre os entes, “o ato de ser une todos [eles] sob 
sua luz inteligível. ” (GILBERT, 2005, p. 134). A metafísica, portanto, deve pensar o 
ente numa dialética entre a essência e o existir. 
Fonte de: www.mundofrases.com.br 
Por um lado, a essência exprime a inteligibilidade própria do ente que pode e 
deve ser acolhido pela inteligência. Por outro, o ente não é uma forma lógica. Ele 
existe atualmente. O ato de existir singulariza a essência universal e unifica as 
manifestações múltiplas do ente que “é” e que, portanto, se exprime no seu 
dinamismo. 
Ora, ao meditar a respeito do ato de ser, a metafísica se vê, necessariamente, 
confrontada com a questão da liberdade. De Finance, ao comentar a respeito da 
metafísica de Tomás de Aquino, explica que “a metafísica do agir, no tomismo, resulta 
 
15 
 
da metafísica do ser”, isto acontece porque “a afirmação da existência exige a 
afirmação da atividade”. (1960, p. 1). Logo, para o tomismo o agir não é acidente em 
oposição ao ser (cf. DE FINANCE, 1960, p. 2). A necessidade de pensar a realidade 
ativa do ente não é extrínseca. Ela brota do interior do próprio exercício intelectual que 
pretende explicitar e meditar a respeito do ente. 
A inteligência ao interrogar a respeito dos entes reconhece o dinamismo do seu 
próprio ato. O ato da inteligência não é exercido apenas por potências intelectuais do 
espírito, mas engaja a totalidade do homem. A vontade exerce importante papel no 
ato da inteligência. Ela coloca em “relevo o êxtase do espírito conhecente”. Portanto, 
se, por um lado, “de maneira geral, o conhecimento tem um caráter nocional e seus 
instrumentos são imanentes ao intelecto”, por outro, “o dinamismo espiritual orientado 
para a transcendência, pertence antes à vontade”. (GILBERT, 2004, p. 199). 
Lima Vaz também se propõe explicitar esse duplo movimento da inteligência e 
da vontade. Ele defende que os princípios de limitação eidética, de ilimitação tética e 
de totalização devem orientar o caminhar do sujeito através do logos (1991, p. 151-
152). Pensar e refletir sobre a realidade supõe ser capaz de delimitá-la, ou melhor, 
pressupõe a capacidade da inteligência humana de dizer o real através de categorias. 
O princípio da limitação eidética sugere, pois, que o ser seja dito naquilo pelo qual ele 
é inteligível. Mas, as categorias elaboradas pela inteligência humana são sempre 
limitadas e formais. São, pois, incapazes de dizer o ser na sua singularidade e 
unicidade. O princípio de ilimitação tética corresponde ao movimento da inteligência 
que ao elaborar as categorias aponta, ao mesmo tempo, para a limitação de cada uma 
delas e exige que o sujeito se empenhe ainda mais na direção de encontrar o sentido 
de ser. O princípio de totalização, por sua vez, aponta na direção da identidade entre 
o ser dito pela categoria e o ser singular que ultrapassa e está para além da 
formalidade lógica do conceito. 
O movimento da inteligência que pretende ser capaz de dizer o ente - que é, 
ao mesmo tempo, inteligível e singular, supõe um empenho não apenas do sujeito 
inteligente, mas sim do sujeito na sua totalidade. Isso significa que também a vontade 
deve estar desde o início empenhada no pensar e meditar sobre o ato de existir. O 
espírito cognoscente caracteriza-se, pois, por uma dialética imanente entre 
inteligência e vontade. A inteligência orienta à vontade. A vontade move a inteligência. 
Ao descrever essa inter causalidade de razão e vontade, Lima Vaz afirma que “a 
 
16 
 
inteligência julga a retidão da vontade e a vontade impera o assentimento da 
inteligência” (2000, p. 35). Ele esclarece que essa dialética assegura “à inteligência o 
conhecimento intuitivo dos princípios e inclina a vontade à adesão espontânea ao 
bem. ” (LIMA VAZ, 2000, p. 37). Ora, o exercício dessas duas faculdades do espírito, 
unidas por um laço indissolúvel, permite que o espírito se realize na sua liberdade. 
Fonte de: www.profap.com.br 
A realização do espírito pressupõe, necessariamente, a saída de si, a abertura 
ao que ele não é, o encontro com o outro. Gilbert esclarece que “o ato como ato é um 
êxtase, uma expansão fora de si, uma intenção rumo à alteridade”. (2004, p. 215). 
Portanto, “todo ato realmente meu requer uma coação”. (GILBERT, 2004, p. 216). O 
dinamismo e a abertura do meu existir exige a presença do outro, da alteridade. Tal 
presença se mostra como resposta a meu apelo. Como afirma Gilbert, “o ato é 
realizado quando outro me recebe aceitando minha unicidade, e também me pedindo 
para recebê-lo em sua unicidade”. Logo, “ser, para mim, é pôr-me para, com e por ti. 
” (GILBERT, 2004, p. 216-217). O meu ato de ser se realiza, portanto, na relação 
intersubjetiva, ou seja, na relação com uma pessoa que eu quero outra de mim, mas 
que, ao mesmo tempo, “se dirige ativamente a mim” (GILBERT, 2004, p. 216). 
Ao abrir-se pela inteligência e pela vontade ao outro, o sujeito se comunica e 
acolhe a comunicação do outro. Evento fundamentalmente “de natureza ética” (LIMA 
 
17 
 
VAZ, 2000, p. 74), o diálogo, ao supor ao mesmo tempo doação e acolhida, torna 
possível o reconhecimento e o consenso entre os sujeitos. 
Como mostra Gilbert, 
não há tradição viva sem a liberdade de falar, de escutar, de perguntar e de 
responder, de construir assim múltiplos projetos e de perseguir suas 
realizações. A novidade contínua da significação de nossas palavras resulta 
do engajamento mútuo de nossas liberdades em diálogo e da originalidade 
de seus projetos, da realidade sempre nova e única de cada encontro, do 
sentido em crescimento em cada evento livre. O encontro de liberdades que 
desde sempre desejam entender-se e podem fazê-lo, desperta para nós um 
sentido que vem. A partir dessa renovação contínua de nossos encontros 
livres, o entendimento do passado e a riqueza de sua tradição têm acesso a 
uma evidência para o conhecimento sem dúvida provisória, mas já real e 
disponível para nosso futuro. (2005, p. 197). 
Ora, ao comunicar-se no diálogo com o outro, o sujeito se abre a uma realidade 
que ele não é. A abertura dinâmica à alteridade não faz, no entanto, que o espírito se 
perca fora de si. O espírito não se aliena de si mesmo. Ao contrário. Ao sair de si, o 
espírito se afirma no seu ser mais próprio. O dinamismo de êxtase do espírito permite 
que ele se realize naquilo que ele possui de mais essencial: a sua liberdade. Podemos 
dizer, portanto, que é apenas no encontro com outra liberdade que a liberdade se 
realiza. Como esclarece Gilbert, 
O outro é essencial à posição do si. Diante de mim, faz-me descobrir minha 
realidade tanto que minha limitação. Sendo-me oposto, faz que eu seja eu, in 
me, e não ele. O outro não é alienante, mas personalizante. Opondo-se a 
minhas pretensões de ser livre de toda determinação, confirma-me em meu 
limite e na minha realidade. (2004, p. 226-227). 
No encontro com o outro eu me afirmo, portanto, como pessoa3. Enquanto 
pessoa sou ser-em-mim mesmo, incomunicável. Issosignificação que não posso 
atribuir aos outros a responsabilidade por meus atos, nem por minhas decisões. Mas, 
por outro, enquanto pessoa sou um ser de relações e, portanto, um ser em 
comunicação. A unidade em si que me define não permite que eu deixe de ser eu 
mesmo na relação com o outro. Contudo, é na relação com o outro que eu me afirmo 
e confiro sentido e dignidade ao meu próprio ser. 
Contudo, o encontro com o outro nas situações históricas concretas não é 
necessariamente caracterizado pela reciprocidade entre o eu e o outro. Diversos 
fatores tecem a complexa e ambígua situação na qual vivem os membros de uma 
 
3 Sobre a noção de pessoa ver Oliveira (2013, p. 159-170) 
 
18 
 
comunidade. Em consequência, o reconhecimento e o consenso são continuamente 
ameaçados pela possibilidade do conflito e da violência. 
Entretanto, o dinamismo do espírito, no seu ato de ser, faz com que a 
intencionalidade da vontade permaneça aberta na direção da perfeita reciprocidade 
entre as liberdades. Mas, nenhum encontro concreto é capaz de saciar o dinamismo 
da vontade e da inteligência. O espírito “se engaja entre os entes, mas nenhum é 
verdadeiramente digno de uma adesão total que ele sabe reservada a um termo 
absoluto para o qual tende, mas que não pode encontrar porque é votado ao 
contingente.” (GILBERT, 2004, p. 207). Em consequência, a plena satisfação da 
vontade permanece, ao mesmo tempo, como necessária e impossível (GILBERT, 
2004, p. 207). 
A superabundância das faculdades do espírito revela a transcendência da 
liberdade que toma sempre distância de suas realizações (GILBERT, 2004, p. 210). 
As realizações concretas são sempre finitas e limitadas. Portanto, incapazes de saciar 
plenamente a superabundância das faculdades do espírito. 
Ao pensar a pessoa humana como ser racional e livre, ou ainda, como ser de 
razão e de vontade, Lima Vaz também afirma a superabundância do espírito humano. 
Para ele, ao fazer a experiência da própria subjetividade, o sujeito se reconhece como 
abertura ilimitada ao horizonte da verdade e do bem. 
Fonte de: www.pxhere.com 
 
19 
 
Enquanto ser inteligente, ele faz a experiência de sua ilimitação que nunca se 
sacia com nenhum tipo de conhecimento particular, mas que se lança sempre além 
de todo saber adquirido. Enquanto ser de vontade, por outro lado, ele faz a experiência 
da insaciabilidade do desejo que não se realiza com nenhum bem particular. 
O dinamismo espiritual da liberdade a define, pois, como abertura intencional 
ao horizonte que, pensado a partir das noções transcendentais clássicas, pode ser 
afirmado como horizonte da verdade e do bem. Porém, nenhum bem particular realiza 
a totalidade do bem, ou seja, nenhum bem particular é capaz de saciar a infinitude 
intencional da vontade que lança o espírito para fora de si. Gilbert, seguindo Blondel, 
defende que “a vontade querente não se encerra nunca em alguma de suas 
realizações, mesmo na mais prestigiosa possível”. Em consequência, não é possível 
alcançar a satisfação plena da vontade. A sua realização é impossível (2004, p. 207). 
Ela implicaria o cessar do movimento da liberdade. Ao contrário, é necessário afirmar 
o exercício renovado da finalidade (2003, p. 42), no qual a liberdade assume a 
responsabilidade por seus engajamentos, mas, ao mesmo tempo, reconhece a sua 
transcendência em relação a cada um deles. Apenas tal exercício é capaz de manter 
ativo o dinamismo da liberdade. 
Ora, ao afirmar o ato de ser como exercício de liberdade é necessário 
reconhecer, como afirma Gilbert, que “a experiência em que todo conhecimento se 
enraíza é de ordem ética”. (2004, p. 209). Isso porque o ato de ser supõe 
necessariamente o dinamismo e a atualidade da liberdade que se afirma a si mesma 
ao sair de si e encontrar e acolher o outro. Logo, meditar sobre o ato de ser é afirmar 
a liberdade que reconhece a sua responsabilidade diante do outro e do mundo, isto é, 
que se realiza apenas ao assumir “efetivamente seus engajamentos no mundo”. 
(GILBERT, 2004, p. 207). A reflexão sobre o existir implica, pois, reconhecer que 
“realizar-me a mim mesmo é, ao mesmo tempo, construir uma sociedade na 
contingência dos encontros e das situações históricas”. (GILBERT, 2004, p. 218). A 
metafísica está, portanto, intimamente articulada com a ética. 
Além disso, a reflexão sobre o ato de existir supõe necessariamente um 
empenho do sujeito na sua totalidade, ou seja, supõe um engajamento do sujeito não 
apenas como ser racional, mas também como ser de vontade, isto é, como liberdade. 
Isso significa que meditar sobre o ato de ser tem necessariamente implicações éticas. 
 
 
20 
 
2.3 Ética e metafísica: uma relação necessária 
 
Ora, vimos que a metafísica é a ciência do “ente enquanto ente”. Ao definir o 
ente como sendo “aquilo” que “é”, a metafísica coloca em evidência uma dialética 
fundamental entre a forma que permite compreendê-lo inteligivelmente e a ação ou 
realidade ativa que o define. Todo esforço consiste, pois, em conferir o devido valor 
tanto à dimensão formal quanto à dimensão ativa do ente. 
Fonte de: www.ex-isto.com 
A essência e o existir, entendidos respectivamente como princípio formal e 
princípio final do ente, não compõem o real de modo separado e independente. 
Nenhum dos dois pode ser sem o outro: a essência não pode ser sem o ato de ser, 
nem o ato de ser pode ser sem a essência. Ao propor pensar a adequada articulação 
entre esses dois princípios, a metafísica deve ser capaz de dizer o ente, ao mesmo 
tempo, passivo e ativo, inerte e enérgico. Ela deve articular a dimensão lógica, ou 
ainda, a forma que permite que o ente seja compreendido inteligivelmente, e a 
dimensão ontológica que considera e confere prioridade a realidade ativa do ente. Isso 
significa que a metafísica deve se mover tanto no plano do saber universal quanto no 
plano do saber individual (GILBERT, 1991, p. 31). Ela deve ser capaz de conjugar e 
articular a epistemologia e a ética. 
 
21 
 
Contudo, ao afirmar a primazia do ato de existir, a metafísica defende a 
precedência da ordo essendi sobre a ordo cognoscendi, ou seja, da dimensão 
ontológica sobre a dimensão lógica (GILBERT, 2005, p. 67). Gilbert explica que 
A reflexão metafísica, por motivos de método e porque ela é uma disciplina 
eminentemente intelectual, enfrenta primeiramente questões de ordem 
dogmática (o discurso e o verdadeiro); ela aborda em seguida os problemas 
da liberdade (a fala e o bem). Mas o que é primeiro para nós não o é em si. 
O esforço especulativo, uma vez reconhecido o princípio, deve inverter-se 
para entender o princípio a partir de sua principialidade. A metafísica mais 
rigorosa faz, pois, o discurso e o verdadeiro passar após a fala e a bondade. 
A liberdade se apresenta em primeiro lugar. (2005, p. 209). 
Devemos, então, reconhecer que o ente para nós, ou seja, o ente que 
acolhemos e dizemos através de nossos conceitos não se identifica completamente 
com o ente em si. Enquanto ato de existir, o ente não é “primeiramente de ordem 
formal e sim de ordem existencial. ” (GILBERT, 2005, p. 219). Ele habita a linguagem. 
Mas, ao mesmo tempo, não se deixa aprisionar por ela. Ele apenas pode ser 
conhecido e acolhido de modo inteligível através da mediação de nossas palavras e 
de nossos discursos. Contudo, toda enunciação formal do ente é atravessada pelo 
dinamismo do espírito que aponta para a transcendência do ato de existir e, portanto, 
para a primazia da liberdade. 
Ora, se levarmos em consideração a dimensão pragmática da linguagem, 
devemos reconhecer que todo dizer e pensar supõe necessariamente um fazer 
movido pela vontade. Meditar e refletir sobre o ato de ser pressupõe, portanto, um 
empenho da liberdade, que ao dizer ou pensar o ente, se compromete e se engaja no 
movimento da inteligência conferindo a ela o seu lugar, não apenas formal, masreal. 
Com outras palavras: o espírito ao acolher pela inteligência o ente que se doa, 
o diz através de conceitos. Portanto, “o êxtase do espírito cognoscente não é uma 
errância fora de todos os limites e sim uma resposta a uma doação transcendente que 
irradia nos predicados do ente. ” (GILBERT, 2005, p. 312). Entretanto, tanto o espírito 
quanto o ente que se releva a ele, transcendem as construções nocionais da 
inteligência. Graças a essa transcendência, o ato espiritual “é capaz de renovar 
incansável e livremente suas representações mentais e de não se satisfazer com 
nenhum de seus conceitos”. (GILBERT, 2005, p. 84). 
Portanto, nas proposições reais resplandece “o engajamento necessário de um 
‘eu’ que preside a sua formação”. (GILBERT, 2005, p. 161). Ele está presente 
 
22 
 
ativamente em toda enunciação e discurso. Ele ordena suas palavras, constrói seu 
próprio estilo discursivo, procura fazer-se compreender e convencer (GILBERT, 2005, 
p. 161). Mas, ao mesmo tempo, o eu engajado no enunciado, não permanece fechado 
em si mesmo. Ele se exprime através de uma língua que não é pessoal. O eu “não 
cria a seu bel-prazer as palavras e as regras que lhe permitem compor suas frases de 
modo inteligível.” (GILBERT, 2005, p. 162). Ao enunciar algo, ele está 
necessariamente aberto a uma cultura, a um mundo e a uma história que o 
ultrapassam. Além disso, ao dizer algo, o eu sai de si na direção de um interlocutor. 
O ato originário do eu, como afirma Gilbert, “não está livre de toda coação”. (GILBERT, 
2005, p. 162). O ato humano tem lugar, necessariamente, “limitando-se diante de 
outrem e por outrem”. (GILBERT, 2005, p. 207). Justamente nesse movimento de 
saída de si em direção ao encontro dialógico com o outro, o eu se exprime na sua 
liberdade e, ao mesmo tempo, torna-se capaz de pressentir o princípio que está para 
além das liberdades finitas, mas que as funda (GILBERT, 2004, p. 209). 
Ao pretender dedicar-se ao ato de ser, a metafísica tematiza o ato humano, ao 
mesmo tempo, “reservado em seu existir e exposto em suas expressões” (GILBERT, 
2005, p. 207), como liberdade. Ato humano, por excelência, como mostra Gilbert, a 
liberdade “coloca em ação todas as mediações que nossas tradições estabelecem 
para tornar possíveis nossa vida comum e nossos intercâmbios”. (2005, p. 207). A 
metafísica, portanto, 
não se contenta em meditar sobre o que seria o conceito mais geral, no topo 
da hierarquia mais completa. Se ela desconhece o ato e se ela pretende 
demonstrar suas proposições sem apresentar o movimento que constitui o 
ato em sua origem, ela jamais poderá assumir a unidade do universal 
singular. (GILBERT, 2005, p. 277). 
A metafísica se dedica, então, ao ato de ser (GILBERT, 2005, p. 213). Ela 
reflete sobre o existir que ao afirmar-se dinamicamente na relação recíproca das 
liberdades, reconhece a transcendência de seu fundamento. Ora, entendida como 
metafísica da liberdade, a “ciência do ente enquanto ente” está intimamente articulada 
com a ciência da práxis, ou seja, com a ética. Epistemologia e ética se entrecruzam, 
pois, no discurso metafísico. 
 
 
 
 
23 
 
3 O EXISTENCIALISMO 
 
O existencialismo representou uma mudança de rota na filosofia ocidental. Ele 
elegeu como objeto de estudo a existência do ser humano com toda a sua 
complexidade. O cotidiano e as relações interpessoais ganham espaço nas 
discussões empreendidas pelos teóricos dessa corrente filosófica. Diferentemente de 
outras compreensões filosóficas, na filosofia da existência não se percebe um 
pressuposto filosófico linear unificador que possa nos permitir apresentar uma síntese 
única que evolva todos os teóricos chamados de existencialistas. O elemento 
caracterizador desta tendência filosófica não reside nos mesmos pressupostos ou nas 
mesmas conclusões, mas, sim, no alvo analítico: a existência. Esta é um elemento 
significativo para se compreender o existencialismo em sua globalidade (OLIVEIRA, 
2018). 
Fonte de: www.laparola.com.br 
3.1 Jean-Paul Sartre e sua filosofia existencialista 
 
Para se compreender Sartre, faz-se necessário, em primeiro lugar, que você 
consiga identificar e ter noção clara do existencialismo. Este foi um movimento dentro 
da filosofia contemporânea que elegeu a existência como objeto de análise. Essa 
 
24 
 
escola inaugura um novo e decisivo momento na filosofia, que se interessa, em 
particular, pelas questões ligadas ao cotidiano da vida do ser humano, a existência e 
sua complexidade. 
Entretanto, devemos estar atentos de que o termo existencialismo designa um 
leque de concepções filosóficas. Ele abarca uma expressiva quantidade de 
pensadores, que, embora tenham várias divergências entre si, têm na existência do 
ser humano sua atenção maior. 
No existencialismo, diferentemente de algumas tendências filosóficas, a marca 
comum não reside nos mesmos pressupostos ou nas mesmas conclusões, mas sim 
no instrumento focal, a análise da existência. Por isso que, normalmente, nomeamos 
o existencialismo como filosofias da existência. Vale destacar que o termo “filosofia” 
está no plural por apontar o que já foi mencionado: esta é uma escola que abarca em 
seu interior concepções variadas e diferentes em si sobre a existência humana. 
 
3.1.1 O que é existir? 
 
Nesta busca de entender a existência, a discussão existencialista se inicia na 
reflexão sobre o “que é existir”. Para o existencialismo, “[...] existir implica a relação 
do homem consigo mesmo, com outros seres humanos, com as coisas e a natureza” 
(COTRIM, 2005, p. 212). Com isso, podemos intuir que existir implica ter relações 
concretas, múltiplas e dinâmicas. 
Além disso, apesar das várias respostas encontradas, de modo geral, ao 
discutir o existir, os existencialistas esboçam uma visão dramática sobre o destino do 
ser humano, que, inevitavelmente, definhará, enfrentará cedo ou tarde o fim de sua 
existência, a morte. 
Para o existencialismo, a existência precede a essência, o que significa dizer 
que primeiro vivemos, experimentamos. A essência é formatada quando estamos 
agindo no mundo. São as ações no mundo que nos caracterizam, que dizem o que 
somos. 
Existir, não necessariamente, significa percorrer um caminho de progresso, de 
êxito e de crescimento contínuo (a dor, o sofrimento, a enfermidade e a morte tocarão 
todos). Existir é seguir adiante apesar de todos os elementos pesados e nebulosos 
que marcam a existência. 
 
 
25 
 
3.1.2 Concepções caraterizadoras do existencialismo 
 
Mesmo que, ao estudar o existencialismo, nos deparemos com compreensões 
distintas e às vezes divergentes sobre as mesmas questões, de um modo geral, 
podemos enumerar os seguintes pontos convergentes (OLIVEIRA, 2018): 
a) o homem é um ser imperfeito e inacabado, lançado no mundo cheio de riscos 
e ameaças; 
b) somos seres dotados de liberdade. Mesmo que ela não seja plena, somos 
responsáveis por todas as escolhas que fazemos. Não há a quem culpar pelos nossos 
fracassos. 
 
3.1.3 O existencialismo de Jean-Paul Sartre 
 
 Apesar de a escola existencialista abrigar em seu interior filósofos de grande 
expressão, como Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche e Husserl, um de seus 
maiores expoentes é Sartre (1905-1980). Nascido em Paris, no início do século XX, 
Jean-Paul Sartre tornou-se famoso, em um primeiro momento, não como filósofo, mas 
pelas suas peças de teatro. Influenciado pelas ideias filosóficas de Heidegger, 
destacou-se como o grande intérprete do existencialismo. Seu texto filosófico de maior 
destaque, publicado em 1939, foi o O Ser e o Nada. Nele, ferozmente, Sartre critica a 
concepção teórica de potência elaborada pelo célebre Aristóteles. 
Jean-Paul Sartre 
 
26 
 
3.1.4 Conceito de ser-em-si, de ser-para-si 
 
Para Sartre, o ser não está para se revelar em outro ser diferente de quando 
ele foi lançado neste mundo. O ser é que é, é o ser-em-si (objeto, corpo,matéria 
biológica, ser não consciente), ou seja, o homem (em uma primeira condição) não se 
transforma em outro ser além de si, mas se constitui por meio das relações 
estabelecidas na existência (em estado de consciência). Silva (2013, p. 122) destaca 
que: 
O ser-Em-si (o mundo das coisas) é apenas o que é, isto é, o ser-Em-si é 
apenas si mesmo e, por isso, pura positividade, de modo a desconhecer, logo, 
qualquer tipo de alteridade. Sendo incriado, aparece como algo que está aí, 
sem que saibamos o porquê, algo cujo existir só podemos entender como 
absoluta contingência. 
Ainda que esse conceito seja explícito em Sartre, devemos estar atentos de 
que, para ele, o homem é um ser de possiblidades e mudanças, pois não é estático; 
ele não é um ser pleno, acabado, cheio desde que foi lançado neste mundo, pois o 
homem, a partir das condições da vida, elabora seu próprio mundo. 
O ser-em-si em Sartre é maciço, não é ativo nem passivo, é que é, está aí. Já 
o ser-para-si, na linguagem sartriana, se opõe ao ser-em-si, pois é acessível, aberto 
às possibilidades. 
O ser-para-si (consciência), afirma Sartre, é uma ruptura com o ser-em-si 
(objeto-corpo). Ele possui consciência de si (não pronta), vive para si. É no ato de 
existir que a sua identidade se constrói. 
Ao fazer uso dessas duas categorias para explicar o ser humano (ser-em-si; 
ser-para-si), Sartre quer nos remeter a ideia de que o homem como ser-em-si é 
apenas um objeto, um ser, como os demais seres, um corpo. Enquanto ser-em-si não 
há o que o diferencie dos demais objetos que estão aí. Sartre insiste que só no 
processo de existência, por meio do uso de sua liberdade, das escolhas, que o homem 
vai se fazendo, construindo a sua essência. 
É na existência que sua consciência é formatada, e sua essência se constitui 
(ser-para-si). Dessa forma, Sartre salienta que a existência precede a essência. Isso 
significa que o homem é o que é a partir das escolhas livremente feitas, das 
experimentações, das vivências, do se colocar em relação, da tomada de consciência. 
 
27 
 
As escolhas que fazemos, iluminadas e dirigidas pela voz de nossa consciência, nos 
formatam, e pouco a pouco vão constituindo a nossa essência. 
 
3.1.5 Liberdade no existencialismo de Sartre 
 
Outro acento especial no existencialismo de Sartre consiste na afirmação de 
que somos responsáveis por todos os nossos atos. Somos seres dotados de 
liberdade. Para Sartre, estamos condenados à liberdade. Isso significa afirmar que 
não podemos nos eximir de responder pelo que viermos a fazer. A existência nos 
obriga a fazer escolhas, a usar a liberdade de agir (OLIVEIRA, 2018). 
Ainda que, para Sartre, as condições de existência causem tensões à liberdade 
de escolha do homem, elas não nos obrigam a fazer o que não decidimos realizar. Em 
sua concepção, as circunstâncias, as condições às quais é submetido o homem, não 
podem absolvê-lo de suas escolhas. Ele é o único responsável por suas decisões. 
Para o existencialismo sartriano, o ser humano é a medida para si mesmo, pois não 
há valores anteriores para o guiar que não tenham sido criados por ele mesmo. 
Nunca perdemos a liberdade de fazer escolhas. Mesmo que, em algum 
momento da vida, estejamos submetidos a uma condição limitada, que não foi fruto 
de nossa decisão, mesmo assim ainda está sobre nós o poder para decidir o que 
fazer. Não há a possibilidade de viver sem fazer escolhas, sem usar da liberdade. A 
todo instante fazemos uso dessa capacidade. Mesmo quando postergamos tomar 
uma decisão, na compreensão sartriana, estamos fazendo uma escolha, pois o ato de 
adiar uma escolha já é uma escolha. Em outras palavras, não podemos nos furtar à 
liberdade. Podemos aludir que o homem, quer goste ou não, deve viver por sua própria 
conta, elaborar seus valores norteadores. São nossas decisões que determinam que 
tipo de pessoas seremos no futuro. Assim, a liberdade é sempre incondicional, não há 
a possibilidade de escolhermos não escolher, e é por meio dela que nós construímos 
enquanto seres humanos. 
Portanto, não há destino pronto, preestabelecido e determinado para os seres 
humanos. Somos frutos do que pensamos e escolhemos fazer em meio às 
contingências do mundo que criamos. É nesse ponto que Sartre afirma que somos 
uma espécie de Deus, mesmo que falido, pois, ao sermos lançados aqui, aí, 
construímos o nosso próprio mundo, os valores, a partir da liberdade que nos habita, 
 
28 
 
mas sem, entretanto, podermos nos livrar das circunstâncias dolorosas, da própria 
morte que finaliza a nossa existência, quer queiramos ou não. 
Mesmo que o ser humano, devido à sua possibilidade criadora e à liberdade 
absoluta, seja concebido como um ser que projeta Deus (capacidade de criar tudo que 
o cerca), o homem está para o fracasso, para o fim. Por ser falível e não perene, o ser 
humano está rumo à inexistência, pois o seu fim último é a morte. Ela, a morte, zomba 
de tudo, da existência, de nós, de nossa liberdade, e transforma tudo em nada. É uma 
espada que o tempo todo está sobre a cabeça do homem (OLIVEIRA, 2018). 
Disso, podemos deduzir que, em algum momento, a condição de liberdade que 
possuímos deságua em uma impossibilidade de escolha, em uma não escolha (a dor, 
a doença, o seu próprio fim). Após essa elucidação, Sartre conclui que a liberdade 
nos coloca na condição de Deus, mas a possibilidade incontestável de morte nos 
humilha e nos prova de que somos um Deus falido. 
Fonte de: www.the-philosophy.com 
3.2 Vida autêntica 
 
Outro ponto fundamental na filosofia existencialista de Sartre é o conceito de 
vida autêntica. Para ele, toda vez que assumimos uma condição imposta que nos 
descaracteriza enquanto seres de decisão, vivemos uma vida inautêntica, falsa, 
ilusória. O uso da liberdade é o único caminho para termos uma vida autêntica. 
 
29 
 
Sartre acentua que devemos viver a partir dos valores que nós mesmos 
criamos, e deles tirar as soluções e pistas para vencer os obstáculos que surgirem na 
existência. A liberdade e a autenticidade são elementos essenciais que nos 
constituem. Abrir mão disso para assumir um papel pronto na sociedade é renunciar 
a liberdade, o fazer escolha (algo impossível, segundo o sartrianismo), é uma tentativa 
infrutífera para atenuar a angústia gerada por ela; é tornar-se objeto e não sujeito; é 
vive de má fé (OLIVEIRA, 2018). A vida autêntica é a existência assumida com todas 
as suas consequências, é viver pela consciência. Quando o homem arranja desculpas 
para as suas atitudes e escolhas, na percepção sartriana, ele está agindo de má-fé, 
está recusando-se assumir responsabilidades, propositadamente tentando ludibriar a 
si, mascarando a verdade, sendo inautêntico. 
 
3.3 A noção de inconsciente após Sartre 
 
3.3.1 Consciência e liberdade 
 
O conceito sartriano de subjetividade difere consideravelmente dos postulados 
freudianos. Em Sartre, não reside a ideia de um mundo interior que tem poder de 
determinar as ações do homem mesmo que ele não queira. Não há, em sua filosofia 
existencialista, qualquer possibilidade de existência de uma força externa ou interna 
que possa gerar sentimentos ou impulsos involuntários ao ser humano. 
O homem é um ser de livre arbítrio, que decide por sua consciência os 
caminhos e comportamentos que terá nas situações que ele construir. A partir do 
conceito de liberdade em Sartre, torna-se insustentável a noção de inconsciente. 
Reiteradamente, no existencialismo de Sartre, é afirmado que nada pode retirar do 
homem sua responsabilidade diante das situações que envolvem sua existência. O 
homem está condenado à liberdade. 
Se, para a psicanálise, as ações humanas são mais orientadas pelo 
inconsciente do que pelo consciente, em Sartre não há existência sem consciência. 
Logo, não há forças inconscientes ao homem. Antes da existência, propriamente dita, 
apenas estamos aí, somos um corpo, um objeto (ser-em-si).Para ele, o homem é 
lançado no mundo como uma tábua rasa, como algo que se estar por fazer, a partir 
das relações que estabelece com o mundo, que aliás, só existe um, aquele onde a 
existência se dá, o mundo das relações. 
 
30 
 
3.3.2 Negação da existência de valores herdados ou preexistentes 
 
Outro detalhe importante da filosofia de Sartre consiste na rejeição da 
construção da ideia de um ente pronto com valores herdados de seus antepassados, 
ou fecundados por um aparelho psíquico com seus mecanismos próprios de 
funcionamento, que escapa ao nosso gerenciamento. Tudo que nos acontece é fruto 
de decisão consciente que tomamos, das escolhas e situações que construímos. Os 
valores ou a própria moral do homem deriva dele mesmo, a partir da liberdade, da 
ação que ele exerce por meio de suas decisões. Os valores que tomamos para decidir 
por A ou por B são provenientes de nossa consciência, da livre decisão de cada um 
de nós, e viver fora desse parâmetro é não ser autêntico (OLIVEIRA, 2018). 
 
3.3.3 Inexistência de fonte interna ou externa que gere posturas involuntárias 
 
A ideia da existência de forças coercitivas que imobilizam o querer humano e 
que lhe tragam pensamentos e posturas involuntárias, tão presentes no conceito de 
inconsciente freudiano, perde espaço após as considerações filosóficas de Sartre. Ele 
é incisivo em afirmar que não há desculpas ou natureza para descarregarmos a culpa 
resultante de nossos fracassos. A única fonte que o homem tem para referenciar suas 
escolhas é a si mesmo. Se ele desiste de fazer algo ou até de mesmo de viver, isso é 
fruto do uso intransferível de sua liberdade. 
Fonte de: www.dianeticabrasil.com.br 
 
31 
 
3.3.4 Origem da angústia 
 
Com isso, devemos estar atentos para a concepção de Sartre sobre a angústia, 
pois ela difere em profundidade daquela que está presente na psicanálise. Para Freud, 
a angústia tem como uma de suas fontes o mau funcionamento do aparelho psíquico, 
cuja existência parece fortalecer a ideia de que somos habitados por dois seres que 
estão em permanente conflito (Ego-Id). 
Para Sartre, a angústia é fruto da liberdade que nos abarca, da necessidade de 
fazer escolhas, que, às vezes, não podem mudar a realidade, mas apenas apontar 
uma possibilidade. A liberdade é a companheira e o fundamento da existência 
consciente que nos leva a perceber o quanto somos nada, finitos, e que estamos 
sozinhos neste mundo, tendo que decidir sobre tudo e ainda assumir as 
responsabilidades dos atos. Portanto, a angústia é resultado da liberdade de agir, da 
tensão que envolve as escolhas, e viver é angustiar-se sempre (OLIVEIRA, 2018). 
Em síntese, podemos aludir que, para Sartre, não existe um inconsciente, outro 
mundo além do espaço objetivo que nos determina, um espaço intrapsíquico além do 
ser-em-si e o ser-para-si (categoria usada por Sartre para falar de um único ser, que 
é o homem) que nos determine sem que tenhamos domínio. 
 
3.4 O conceito de situação na perspectiva sartriana 
 
O conceito de situação, exposto pela primeira vez em sua obra O Ser e o Nada, 
tem acento especial na filosofia de Sartre. Para entendê-lo, devemos correlacioná-lo 
à ideia de liberdade, que perpassa o pensamento sartriano. 
Por alimentar a compreensão de que o homem é um ser de liberdade, dotado 
de plena capacidade para construir o que virá a ser, Sartre entende que, apesar das 
situações que envolvem a existência, a liberdade do homem é intocável. Para ele, as 
escolhas que fazemos não são determinadas pela situação em que nos encontramos. 
Podemos não ter o poder de escolher nascer no Chile ou no Brasil, ser pobre 
ou rico, viver com saúde ou enfermo, entretanto, o que fazemos, a profissão que 
exercemos, é fruto da liberdade que possuímos. Dessa forma, o que o homem faz a 
partir da situação que envolve a sua existência o determina. É ele que sempre escolhe 
o que virá a ser. 
 
32 
 
Na compreensão sartriana, o homem é um ser em situação, que, 
diferentemente do ser-em-si, é plenamente responsável pela forma como se expressa 
e de como se constitui. Ele se encontra nesta condição — de estar em situação, 
porque, antes, escolheu-se essa situação. 
Ainda que Sartre esteja ciente das possibilidades dos condicionamentos 
históricos, sociais, econômicos, e etc., para ele, esses elementos não podem tirar do 
homem a sua liberdade, o poder de decidir. A condição em que o homem se encontra 
é determinada pelas posturas que ele decidiu tomar. Se há algo que está além do 
poder de escolha do homem, é o fato de ele deixar de ser livre. O homem está 
condenado a ser livre, e isso independe da situação. Em sua liberdade, ele, além de 
decidir o que fazer, pode atribuir qual sentido e significado a sua vida terá. É o homem 
quem sempre decide o que será. Para finalizar, Sartre acentua: 
 [...] o homem se define antes de tudo como um ser em situação: isso significa 
que constitui um todo sintético com sua situação biológica, econômica, 
política, cultural, etc. Não é possível distingui-lo dessa situação, pois ela o 
forma e decide de suas possibilidades, mas inversamente, é ele que lhe 
atribui o sentido escolhendo-se em e por ela (SARTRE apud SILVA, 2013, p. 
120). 
 
4 DEUS E RELIGIÃO NOS SISTEMAS DE PENSAMENTO DAS ANTIGUIDADES 
CLÁSSICA E HELENÍSTICA 
 
As filosofias da Antiguidade, dentre elas a platônica, a aristotélica e a helenista, 
eram sistemas que buscavam explicar o mundo em seus mais variados aspectos. A 
concepção daquilo que hoje se chama ontologia e metafísica fazia parte de uma 
explicação integral de mundo como um grande sistema filosófico. Essas diversas 
filosofias teorizaram também sobre as divindades, às quais era atribuído um papel 
maior ou menor dentro de seus complexos e intricados sistemas filosóficos. 
 
4.1 Princípios fundamentais do transcendentalismo religioso no pensamento 
platônico 
 
Os filósofos naturalistas, ou os filósofos pré-socráticos, são considerados pela 
tradição os primeiros filósofos da filosofia ocidental propriamente dita. Esses filósofos 
buscaram explicar o que é a physis, o princípio único, originário e essencial que 
 
33 
 
compõe todas as coisas que existem. Assim, perguntaram-se qual seria o princípio 
único, o que faz as coisas existirem e serem como são, ao contrário das coisas que 
não são. A resposta a essa pergunta gira entorno da diferença entre ser e ente, sendo 
o primeiro, em linhas gerais, o conceito filosófico que define as coisas que são, 
enquanto o ente está condicionado pelo ser, participa dele e tem um caráter mais 
particular, sujeito a alterações, modificações, extinção, etc. Assim, perguntar pela 
origem e princípio de todas as coisas é basicamente o mesmo que buscar definir o 
ser. O filósofo Platão foi herdeiro desse debate, mas para compreender suas 
proposições metafísicas, em especial as relacionadas à teoria das ideias, é importante 
retomar o debate entre dois filósofos pré-socráticos: Heráclito e Parmênides. 
 
 
Para Heráclito, o princípio que constitui o ser é o devir, é alteração, a mudança. 
Assim, aquilo que é em um determinado momento não é mais em outro. Todas as 
coisas estão destinadas ao devir, à guerra originária, à passagem contínua de um 
estado ao seu contrário. Seus dois fragmentos mais conhecidos afirmam: “[...] nos 
mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos” (Frag. 49a) e “não é 
possível entrar duas vezes no mesmo rio” (Frag. 91) (HERÁCLITO apud BOCAYUVA, 
2010, p. 409). 
Desse modo, olhando para a realidade das coisas, Heráclito observa a 
mudança e a transformação, mas sua preocupação não é de fato com os entes ou 
conjunto de entes, mas com o ser. O ser é definido pela guerra de opostos, mas que 
também relevam uma harmonia de contrários (REALE; ANTISERI, 1990). O mais 
importante, porém, não é a mudança dos entes, mas a compreensão do devir do ser, 
como destaca Bocayuva (2010, p. 409): “[...]o que realmente [...] é a afirmação da 
consistência-nenhuma que constitui fundamentalmente a originariedade da realidade, 
concomitantemente à noção do conflito ou guerra originária (pólemos)”. A partir desse 
 
34 
 
cenário, o fogo é identificado como o elemento capaz de representar o ser, em razão 
de sua capacidade de modificação, agitação e fluxo. 
Por sua vez, as teses principais de Parmênides são opostas ao devir do ser 
defendido por Heráclito. Parmênides entende que o ser não sofre mutações, que toda 
mudança dos entes é meramente ilusória, pois o ser é uno, imutável, eterno e não 
gerado. O ser sempre é, enquanto o nada, o que não existe, o que deixou de ser, não 
é. Assim, as mudanças que vemos por nossos sentidos nos entes são apenas 
ilusórias, de tal modo que “[...] só vemos todas as coisas em sua particularidade, 
podendo mudar de figura. Não temos olhos para a necessária imobilidade parmenídea 
do ser” (BOCAYUVA, 2010, p. 411). Por esse motivo, a razão é mais confiável que os 
sentidos, pois é nossa ferramenta capaz de pensar aquilo que é, o ser, ao contrário 
dos sentidos, que obscurecem nossa compreensão ao nos dar a impressão ou ilusão 
de movimento e de modificação do ser. 
Parmênides 
Fonte de: brasilescola.uol.com.br 
 
A partir desses dois pensamentos, é facilmente constatável a dificuldade de se 
definir a imutabilidade, a essência e o ser do que é, levando em conta a mutabilidade 
e o movimento próprio aos entes. No pensamento de Heráclito, seria possível realizar 
 
35 
 
a crítica de que a mudança do ser não permite abstrair sua essência, pois ela é o 
devir, apesar de ser capaz de explicar de modo satisfatório as mudanças dos entes 
que participam do ser. Já em relação a Parmênides, a crítica mais evidente seria a 
incapacidade da imutabilidade do ser preservar as mudanças que ocorrem nos entes, 
um pensamento que acaba por ignorar os dados sensíveis. 
Por meio de sua teoria das ideias, Platão busca resolver o impasse entre os 
sistemas filosóficos de Heráclito e Parmênides. A teoria das ideias pressupõe a 
separação de dois mundos: o mundo inteligível (das ideias) e o mundo sensível. As 
ideias para Platão são as essências das coisas e habitam o mundo das ideias, ou o 
hiperurânio, não sendo apenas o conteúdo de nossos pensamentos, mas substâncias, 
entidades com realidade e que existem “por si” e “em si” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 
137). Nesse sentido, as ideias representam paradigmas de todas as coisas que 
existem, e possuem estabilidade, imutabilidade e um caráter absoluto. Como as ideias 
também são as causas de todas as coisas sensíveis, as ideias de belo, de verdadeiro, 
de justiça, de bondade, etc. são absolutas e imutáveis, a despeito das diferentes 
opiniões de cada indivíduo. 
O mundo das ideias não é propriamente um “mundo”, mas “indica um lugar que 
não é absolutamente um lugar. Na verdade, as ideias são descritas como dotadas de 
características tais que impossibilitam qualquer relação com um lugar físico” (REALE; 
ANTISERI, 1990, p. 138). As ideias são acessíveis pela parte “mais elevada da alma” 
que é a inteligência. Assim, como são substâncias dotadas de conteúdo que servem 
de modelo para o mundo sensível, as ideias habitam o mundo suprassensível. O 
acesso às ideias se dá por meio da inteligência, com a aplicação do método dialético 
em um movimento “[...] sem recorrer ao auxílio de qualquer objeto sensível, mas 
partindo unicamente de ideias para passar a ideias e terminar em ideias” (PLATÃO, 
2018, p. 238). O verdadeiro conhecimento é o conhecimento da ideia, pois o que há 
no mundo sensível é mera cópia imperfeita da ideia. A ideia tem um caráter absoluto 
e o método dialético é capaz de permitir ao filósofo o conhecimento dela. Assim, não 
há espaço para interpretações sobre o conteúdo das ideias, que se impõem de modo 
absoluto e universal. 
O mundo das ideias é um sistema hierarquicamente ordenado e organizado, 
sob o qual a ideia de bem é o fundamento cognoscível das ideias, além de se situar 
acima de todas as ideias e dela todas derivarem. A ideia de bem situa-se, desse modo, 
 
36 
 
acima da substância e da essência, pois “[...] trata-se de um princípio incondicionado 
e absoluto, situado além do ser e do qual derivam todas as ideias” (REALE; ANTISERI, 
1990, p. 140). As ideias são resultado da delimitação do ilimitado por meio da ideia de 
bem, que se mostra como: 
a) um princípio de ser (porquanto [...] a ideia nasce da delimitação do 
ilimitado); b) [...] o princípio de verdade e cognoscibilidade, porquanto só 
aquilo que é determinado é inteligível e cognoscível; c) [...] princípio de valor, 
porque a delimitação implica [...] ordem e perfeição, ou seja, positividade 
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 140–141). 
É necessário destacar que o bem não é personificado em um Deus, mas tratado 
com uma ideia e princípio dos quais todas decorrem. A “geração” dessas ideias não 
se dá de modo temporal, mas atemporal, e a “[...] antecedência” apenas ilustra uma 
análise de estrutura ontológica e indica uma gradação hierárquica, e não uma ordem 
cronológica de surgimento (REALE; ANTISERI, 1990, p. 141). 
Com isso, Platão pretende sustentar que “[...] o sensível só se explica mediante 
o recurso ao suprassensível, o relativo mediante ao absoluto, o sujeito a movimento 
mediante o imutável, o corruptível mediante o eterno” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 
138). O recurso aos dois planos ou “mundos” acaba por superar a querela entre 
Heráclito e Parmênides, pois a mutabilidade fica relegada ao mundo ou ao ser 
sensível, enquanto a imutabilidade e todos os conceitos correlatos são a marca do 
mundo inteligível. 
 Platão e o mundo das ideias 
Fonte de: www.opiniaocentral.wordpress.com 
 
37 
 
A estrutura do mundo sensível é diversa da do mundo suprassensível. Para 
Platão, o mundo sensível foi criado por um demiurgo, um deus-artífice que gerou e 
criou o mundo sensível tendo como modelo o mundo suprassensível “[...] por bondade 
e amor ao bem” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 143). Desse modo, o mundo ideal e 
suprassensível serviu de modelo para a criação do mundo sensível por um artífice que 
realizou a sua obra buscando que todas as coisas fossem as mais belas possíveis. 
Nessa visão, a existência do mal e do negativo é resquício e característica da natureza 
da matéria sensível que foi criada e é cópia da matéria inteligível. A matéria sensível 
nunca poderá vir a ser matéria inteligível, tendo em vista a diferença essencial entre 
ambas: a primeira é gerada e material, enquanto a segunda é universal e eterna. Isso 
não significa que o mundo sensível não seja ordenado. Na realidade, “[...] o mundo 
sensível, assim, se torna ‘cosmos’, ordem perfeita, porque assinala o triunfo do 
inteligível sobre a necessidade cega da matéria, por obra da inteligência do demiurgo” 
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 144). 
Reale e Antiseri (1990) apontam consequências importantes em relação a Deus 
e ao divino na obra platônica. A primeira é que, em certo sentido, Platão pode ser 
considerado o fundador da teologia ocidental ao pensar o suprassensível, 
possibilitando, com isso, interpretar o divino como suprassensível, o que se comprova 
pelo fato de que atualmente consideramos que crer no divino equivale a crer no 
suprassensível. Assim, o imaterial, o supra mundo sensível, diz respeito a 
características das quais os seres divinos são dotados. Trata-se de uma mudança 
relevante em relação à própria concepção mitológica grega. Na mitologia grega, os 
deuses não habitam um mundo suprassensível, mas no nosso mundo. Apesar de 
dotados de características sobre-humanas, habitam o mesmo mundo humano, ou 
seja, não estão em um além-mundo. A tese platônica acaba por curar uma ideia de 
transcendentalidade de um mundo que escapa e excede o mundo dos objetos 
sensíveis. Assim, o mundo das ideias e as próprias ideias transcendem o mundo 
sensível. 
Porém, para Platão o divinopermanece sendo estruturalmente múltiplo. O 
divino não é personificado em uma entidade-Deus, não é personificado em um ser 
Deus ou deuses. No plano hierárquico, o mundo das Ideias e seus múltiplos planos é 
que são os divinos; os Deuses pessoais precedem hierarquicamente as ideias. 
 
38 
 
Essa estrutura hierárquica se comprova com a figura do demiurgo como o deus-
artífice. O demiurgo é um Deus personificado, mas não é ele quem cria do mundo das 
ideias, mas as cópias na criação do mundo sensível. Assim, o mundo das ideias 
antecede hierarquicamente o demiurgo no plano de criação do mundo sensível. A 
existência do mundo das ideias é condição de possibilidade prévia da criação do 
mundo sensível pelo demiurgo. Dela o demiurgo depende, tendo em vista que não há 
cópia (mundo sensível) sem o original (mundo inteligível). 
Nessa constelação, há deuses que também são criados pelo demiurgo como 
outros “[...] astros, concebidos como inteligentes e animados” (REALE; ANTISERI, 
1990, p. 145). A alma do mundo, as divindades, as almas das estrelas e as almas 
humanas também são divinas, o que revela um politeísmo estrutural dentro do sistema 
filosófico de Platão que é claramente influenciado pelas concepções teológicas 
tradicionais gregas. 
Fonte de: www.jornaldebrasilia.com.br 
4.2 Metafísica aristotélica 
 
Aristóteles foi um dos primeiros pensadores a sistematizar as ciências ou 
campos de conhecimento, definindo três grandes ramos: as ciências teoréticas que 
estuam as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas; as ciências práticas 
ligadas às condutas dos homens, à ética e à política; e as ciências poiéticas 
 
39 
 
relacionadas a produção de objetos. Na ciência teorética, reside a filosofia primeira, 
campo de conhecimento em que é estudada a metafísica. Aristóteles deu à sua 
metafísica quatro definições que estão inter-relacionadas entre si, e indicam: 
 
1. As causas e os princípios primeiros; 
2. O ser enquanto ser; 
3. A substância; 
4. Deus e a substância suprassensível. 
 
 
 
Para Aristóteles, as causas devem necessariamente ser finitas em seu número 
e enumeradas de modo suficiente para explicar o mundo do devir. As causas primeiras 
aristotélicas são: 
 A causa formal: diz respeito à forma da coisa/objeto; 
 A causa material: define a matéria de que uma coisa é feita; 
 A causa eficiente: o origem ou o que gerou a coisa; 
 A causa final: a finalidade ou razão para algo existir. 
 
As duas primeiras explicam a realidade estaticamente, enquanto as duas 
últimas explicam o devir, a geração, a produção e corrupção da realidade. 
Por sua vez, estudar o ser enquanto ser significa estuar o ser de um modo 
amplo e unificado. Trata-se de chegar “[...] ao porquê que explica a realidade em sua 
totalidade” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 181). Aristóteles, para isso, afirma que 
existem múltiplos significados de ser sem que isso retire sua unidade, de modo que o 
ser é a substância, a alteração ou a atividade dessa substância que possui quatro 
 
40 
 
significados possíveis: o ser como categorias; o ser como ato e potência; o ser como 
acidente; e o ser como verdadeiro. 
As categorias dizem respeito à substância ou essência do ser como 
substâncias autônomas. Existem outras categorias, mas que estão sempre baseadas 
ou que existem em relação à substância ou essência. Em geral, a substância é 
constituída por uma matéria, sem a qual não seria possível a existência de qualquer 
coisa sensível. Por isso, aparenta, de início, que o ser seja a própria matéria. A matéria 
exige uma forma que a constitui e a define como aquilo que ela é. O composto entre 
forma e matéria é denominado sínolo4, que designa o conjunto da reunião entre 
matéria e forma (REALE; ANTISERI, 1990). 
Fonte de: www.educalingo.com 
O ser é definido como a substância que, por sua vez, será definida a partir do 
ponto de vista que é colocado. Do ponto de vista empírico, da experiência e da 
constatação, o sínolo é a substância, pois é assim que se apresenta como conjunto 
de matéria e forma. Do ponto de vista teorético e metafísico, a forma é o princípio ou 
a causa de ser, tendo em vista que o sínolo é causado e fundado na forma. Por isso, 
a forma é substância por excelência, na medida em que subjaz ao conjunto que forma 
o sínolo (REALE; ANTISERI, 1990). 
 
4 A definição de sinol no dicionário é a filosofia aristotélica, o indivíduo, entendido como o fundamento 
da realidade, como uma união de matéria e de forma. 
 
41 
 
Em conclusão, “[...] a substância, em um sentido (impróprio), é a matéria, em 
um segundo sentido (mais próprio) é o ‘sínolo’ e em um terceiro sentido (e por 
excelência) é a forma” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 185). O sínolo não exaure a 
substância e, portanto, não dá a definição de substância por excelência, porque Deus, 
o imaterial e suprassensível, não é constituído de matéria, mas de forma. Seria, 
portanto, impossível pensar as suas existências a partir apenas do ponto de vista do 
sínolo ou mesmo da matéria. 
A substância deve ser considerada ainda a partir dos significados de ato e 
potência dadas ao ser. A matéria é considerada potência, isto é, possui a possibilidade 
ou a potencialidade de assumir ou receber uma determinada forma, enquanto a forma 
é o ato ou a concretização ou materialização da potência em ato. O sínolo (composto 
de matéria e forma) deve ser considerado predominantemente ato ou enteléquia 
(concretização em concretização ou concretizada), na medida em que a forma 
constituiu a matéria, fazendo a coisa ser o que ela é, mas se for considerada a 
materialidade da coisa, será um misto de potência e ato, na medida em que se trata 
da reunião da matéria (potência) e da forma (ato) (REALE; ANTISERI, 1990). 
Todas as coisas são dotadas de matérias possuidoras de maior ou menor 
potencialidade a partir do fato de já ter se realizado ou concretizado a sua forma de 
modo pleno. Os seres imateriais, porém, não são dotados de matéria; por isso, não 
são dotados de potencialidades, e não se poderá concretizar uma forma, pois já são 
formas e atos puros. Como já é possível intuir, o ato tem prioridade e superioridade 
em relação à potência, porque a potência somente se realiza e se pode conhecer a 
partir do ato de que é potência, além do ato ser a finalidade última da potência. 
A partir desses conceitos, Aristóteles consegue definir em linhas gerais a 
constituição das substâncias. A matéria e a forma deixam evidente a constituição das 
coisas materiais, mas ainda é necessário demonstrar a existência da substância 
suprassensível. 
As substâncias são consideradas realidades primeiras, das quais todas as 
outras categorias dependem. Aristóteles considera que o tempo e o movimento são 
incorruptíveis, pois não possuem um início e um fim. Além disso, afirma que o tempo 
é algo não gerado, já que falar em algo antes ou depois do tempo significa já falar em 
tempo. Por isso, não é possível outra conclusão senão a de que o tempo seja eterno 
e, portanto, incorruptível. Desse modo, o movimento e o tempo, que dele decorre, são 
 
42 
 
eternos e somente podem existir se houver um princípio primeiro que seja causa 
deles. Esse princípio deve ter determinadas características para que possa ser a 
causa do movimento (incorruptível) (REALE; ANTISERI, 1990). 
 O princípio deve ser eterno: se o movimento é eterno a sua causa também 
deve ser. 
 O princípio deve ser imóvel: somente uma causa imóvel pode ser causa do 
que é móvel. Os movimentos singulares somente podem ter origem em 
motores imóveis. Ao remontar a cadeia de corpos em movimento, Aristóteles 
chega à conclusão de que é preciso que haver uma causa imóvel e primeira 
que deu origem aos movimentos subsequentes. 
 O princípio deve ser ato puro: o princípio não tem potencialidade, pois é isso 
que garante o movimento perpétuo dos céus. Se houvesse

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