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DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 1 DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 2 SUMÁRIO 1. LINDB. PESSOAS NATURAIS E JURÍDICAS ............................................................................... 04 2. DOMICÍLIO .............................................................................................................................. 57 3. BENS ........................................................................................................................................ 59 4. NEGÓCIO JURÍDICO................................................................................................................. 72 5. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA ................................................................................................ 101 6. OBRIGAÇÕES ......................................................................................................................... 116 7. ATOS UNILATERAIS .............................................................................................................. 153 8. RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................................... 155 9. CONTRATOS .......................................................................................................................... 172 10. DIREITO DA EMPRESA ........................................................................................................ 250 DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 3 DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 4 LINDB. PESSOAS NATURAIS E JURÍ- DICAS A Lei de Introdução ao Código Civil – LICC (Decreto-Lei 4.657/42) teve sua denominação alterada pela Lei 12.376/10 passando a ser chamada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB. A alteração é pertinente porque a Lei de Introdução não se reporta apenas à codificação civil, mas a todo o ordenamento jurídico nacional, definindo re- gras gerais de vigência, limites de incidência, métodos de integração e aplicação da norma jurídica. A primeira regra definida na Lei de Introdução diz res- peito ao momento em que a lei passa a operar efeitos. Lei em sentido estrito é ato normativo geral e abstrato emanado do Poder Legislativo. Lei em sentido amplo é, por exemplo, leis com- plementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos, regulamentos, por- tarias (atos normativos do Poder Executivo). Promulgada (ato de sancionar a lei) ele ingressa no universo jurídico. Publicada ela neutraliza o não conhecimento e pode ter sua observância exigida, pois ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º, LINDB). CARACTERÍSTICAS Generalidade: a lei dirige-se potencialmente a todas as pessoas ou categorias de pessoas; Abstração: não regula apenas uma situação individual, mas cria hipótese de inci- dência ampla; Obrigatoriedade: todos são obrigados a cumpri-la, sob pena de imposição de uma sanção. O Direito, quando quer uma conduta, impõe; quando não quer, proíbe. No Direito Civil a norma não se impõe de forma irresistível em todos os casos (normas dispositivas). A possibilidade de adoção de outra conduta não contradiz a obrigatori- edade, mas é um limite à extensão de sua aplicação; Persistência ou Permanência: não se exaure com apenas uma aplicação; Existência de Sanção: a sanção está presente na lei ou no ordenamento de modo indireto (Bobbio). Há, contudo, diversas normas sem sanção (aqueles que atribuem direitos, regulam a capacidade e a personalidade, normas de competência, normas programáticas, normas conceituais); Estatualidade: devem emanar de autoridade competente. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DURAÇÃO a) Temporárias: são aquelas que possuem vigência determinada (depois caducam). user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 5 b) Permanentes ou Perpétuas: são aquelas que estão aptas a produzirem seus efei- tos até que outra norma a revogue. QUANTO À AMPLITUDE DO CAMPO DE ATUAÇÃO OU ALCANCE a) Gerais (comuns): regulam em toda sua amplitude e de modo genérico, determina- das relações jurídicas. b) Especiais: trata com maior especificidade certas relações jurídicas (ex. CDC, Lei de Locações, Lei de Registros Públicos). c) Excepcionais: normas de exceção que contradizem as regras gerais. QUANTO À IMPERATIVIDADE a) Normas Cogentes: podem ser imperativas (determina uma conduta positiva – o que se deve fazer) ou proibitivas (determinam uma abstenção – conduta negativa sob pena de sanção). b) Normas Dispositivas: podem ser subsidiárias ou integrantes (suprem a vontade do indivíduo, pois certas situações não podem ficar sem regulação) ou hipotéticas ou au- torizantes (a vontade do indivíduo se declara no sentido da autorização legal). QUANTO À SANÇÃO a) Perfeitas: a violação importa nulidade do ato sem sanção pessoal. b) Mais que perfeitas: a violação importa nulidade do ato e imposição de uma pena de ordem pessoal. c) Imperfeitas: não decretam invalidade nem impõe sanção de ordem pessoal. d) Menos que perfeitas: não decretam nulidade do ato, mas impõe sanção. QUANTO À ORIGEM E CAMPO TERRITORIAL DE INCIDÊNCIA a) Federais/Nacionais: atingem todo território nacional e vinculam Estados e Muni- cípios b) Federais em sentido estrito: aplicam-se ao âmbito da União e podem atingir todo o território nacional c) Estaduais: aplicam-se no âmbito do Estado d) Municipais: aplicam-se no âmbito do Município A lei é a fonte formal direta ou imediata do direito e, salvo disposição contrária, começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada, sendo que nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada (art. 1º, LINDB). Conforme definido pelo art. 2o, LINDB, não se destinando à vigência temporária, a lei te- rá vigor até que outra a modifique ou revogue. A lei posterior revoga a anterior quando ex- pressamente o declare (revogação expressa), quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita). A lei nova, que user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 6 estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revoga- dora perdido a vigência. Em outras palavras, proíbe-se a repristinação automática. Se, contu- do, a lei revogadora for declarada inconstitucional, tem sido reconhecida pela jurisprudência a restauração da eficácia da lei revogada. O legislador ao realizar seu ofício tem os olhos voltados ao presente e ao futuro, mas a contingência e riqueza da vida evidenciam a impossibilidade de previsão de todos os fenôme- nos sociais. Assim, existirão fatos desprovidos de regulação jurídica. É o que Gastón Morin definiu como revolta dos fatos contra os códigos. Temos, então, o difícil problema das lacunas da lei - note-se que o ordenamento jurídico não tem lacunas lógicas, mas axiológicas, segundo o princípio ontológico do Direito. Havendo lacunas na lei, deve o aplicador do direito recorrer aos mecanismos de integração normativa que determinam ao juiz a observância, ao decidir, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito (art. 4º da LINDB). Parte da doutrina considera que deve ser preservada a ordem dos meios de integração. Contudo, consideramos que o juiz tem a liberdade de optarpelo método de integração que considere mais adequado à solução da controvérsia. Considere-se ainda que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, LINDB). ANALOGIA A analogia consiste num processo lógico pelo qual o aplicador do Direito estende o pre- ceito legal aos casos não diretamente compreendidos em seu dispositivo, mas que guardem identidade de razão (Caio Mário). O direito romano era sensível a este fenômeno e intuitiva- mente já anunciava que onde há a mesma razão há o mesmo direito. Não é propriamente fon- te do Direito, mas instrumento técnico de que se vale o juiz para suprir lacunas, em outras palavras, meio de integração normativa. A norma dele resultante é norma jurisprudencial pra- eter legem. REQUISITOS a) inexistência de dispositivo legal disciplinando a hipótese; b) semelhança fática entre a relação não contemplada e a outra regulada pela lei; c) identidade de fundamentos jurídicos. ESPÉCIES 1. Analogia legis: estende-se a aplicação do dispositivo legal a um caso não previsto. Regra isolada. 2. Analogia iuris: não há dispositivo específico que regule caso semelhante. O aplica- dor, então, extrai a norma buscando isolar a razão jurídica presente em um conjunto de normas afins, um instituto, ou em acervo de diplomas legislativos, para aplicá-la ao caso não regulado. COSTUME Comparado à lei trata-se o costume de fonte de menor objetividade, pois a produção normativa se dá através de um procedimento difuso que não se reduz a um ato básico (a pro- user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 7 mulgação). Promulgada, a lei passa a ter existência jurídica. O costume, todavia, não se pro- mulga; “ele se cria, se forma, se impõe sem que neste processo se localize um ato sanciona- dor”.1 Orlando Gomes define o costume como os usos de determinada comunidade juridica- mente obrigatórios. São práticas reiteradas, constantes, notórias, observada com apoio na convicção de corresponder a uma necessidade jurídica. Savigny, representante da Escola Histórica, considera o costume o elemento mais auto- rizado de criação do direito, por ser revelação espontânea da consciência jurídica da coletivi- dade. O costume possui elementos objetivo e subjetivo. O elemento objetivo ou externo con- siste no uso continuado (constância na repetição dos mesmos atos, observância uniforme de um mesmo comportamento). O elemento subjetivo ou interno é a convicção (geral) de obriga- toriedade (opinio necessitatis sive obligationis ou opinio juris et necessitatis). As normas consuetudinárias se fazem impositivas, pois são dotadas de validade e eficá- cia, como as normas legais. Sua validade, todavia, não deflui de normas de competência, mas da convicção de obrigatoriedade. Como inexiste um ato formal que atesta o ingresso da norma costumeira no sistema ju- rídico, surge a dúvida do momento em que se inicia sua vigência. A prova do costume não tem como foco o início da vigência da norma, mas se ela, de fato existe ou não, competindo àquele que alega provar-lhe a existência. Assim, não se prova a vigência, mas a existência. CLASSIFICAÇÃO 1. Secundum legem: se acha referido ou ratificado em lei. 2. Praeter Legem: complementa a lei preenchendo lacunas (regra de integração - art. 4º da Lei de Introdução) 3. Contra Legem: opõe-se ao preceito legal. Trata-se do costume ab-rogatório (con- suetudo ab-rogatória) e o desuso2 (esquecimento de certas prescrições legais). No caso de costume contra legem surge a dúvida sobre qual deve prevalecer: ele ou a lei? Entendem que prevalece a lei Orlando, Carlos Maximiliano e Caio Mário, com apoio no art. 2º da Lei de Introdução e na convicção da existência de hierarquia entre as fontes e de preponderância da lei. Consideram que deve prevalecer o costume Enneccerus, Machado Neto, Serpa Lopes. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Podem ser definidos como o substrato comum de diversas normas positivas (Caio Má- rio); como regras gerais induzidas do sistema jurídico dotada do caráter da universalidade (Or- lando Gomes); ou, ainda, como componentes que estruturam o sistema mantendo sua coesão (Tércio Sampaio Ferraz Jr.); 1 Tércio Sampaio Ferraz. 2 Desuetudo ou dissuetudo user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 8 Distribuem-se em 3 categorias: a) princípios que seriam a base para organização social e política; b) princípios decorrentes das instituições sociais formulados pela doutrina; c) brocardos, máximas, aforismos, em suma, os provérbios jurídicos; são representa- ções vivas de verdades jurídicas de grande valor expressivo e retórico. Os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas. Os princípios, então, situam-se no plano deontológico, prescrevendo a obrigatoriedade de observância de certos comportamentos necessários à promoção gradual de certo objetivo. O artigo 6º, caput, da Lei de Introdução define regra fundamental sobre aplicação da lei no tempo que consagra o princípio da irretroatividade das leis; e está em consonância com o artigo 5º do texto constitucional. Respectivamente: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfei- to, o direito adquirido e a coisa julgada. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan- tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa jul- gada; Assim, a regra é a seguinte: a lei nova não atinge os fatos anteriores ao início de sua vi- gência. Em consequência, os fatos anteriores à vigência da lei nova regulam-se pela lei do tempo em que foram praticados (tempus regit actum). Em seguida, enuncia-se a definição legal: - Ato Jurídico Perfeito: ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efe- tuou. - Direito Adquirido: aquele que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. - Coisa Julgada: decisão judicial de que já não caiba recurso. Sobre o tema da aplicação da lei no tempo, deve, ainda, ser observada a regra de transi- ção do art. 2.035, CC, segundo a qual: Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determi- nada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de or- dem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 9 Defende-se a incidência de normas de ordem pública destinadas a assegurar a função social da propriedade e dos contratos que poderão atingir os efeitos dos contratos constituí- dos sob a égide do Código anterior. Em seguida, aborda a Lei de Introdução a aplicação da lei no espaço. Define-se que a lei do país em que for domiciliada a pessoa (lex domicilii) determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. Na hipótese de casamento, sendo ele realizado no Brasil,será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio con- jugal. Possível também o casamento de estrangeiros perante autoridades diplomáticas e con- sulares do país de ambos os nubentes (§§ 1º, 2º e 3º do art. 7º, LINDB). O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nu- bentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro com a anuência do cônjuge pode adotar o regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente regis- tro. Em caso de divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasi- leiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo. A homologação da sentença estrangeira é feita pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i” da CF), mas a execução será do juiz fe- deral de 1ª instância, seja qual for a matéria (art. 109, X, CF). O artigo 216-N da Emenda Regi- mental n. 18, de 17 de Dezembro de 2014 estabelece que: A sentença estrangeira homologada será executada por carta de sentença no Juízo Federal competente. A homologação deve ser feita apenas após o trânsito em julgado da sentença estrangeira, segundo entendimento do STF: Súmula 420. Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado. Os bens e as relações a eles concernentes serão regulados pela lei do país em que esti- verem situados, exceção feita aos bens móveis destinados a transporte para outros lugares ou trazidos pelo proprietário quando deverá ser aplicada a lei do país de seu domicílio (art. 8º, LINDB)3. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem (locus regit actum). Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente (art. 9º, LINDB). Esta última regra vale para os contratos internacionais, pois para os contratos nacionais incide o art. 435, CC, que considera celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o de- funto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônju- ge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorá- 3 O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 10 vel a lei pessoal do de cujus. Assim, se a lei estrangeira for mais favorável ao cônjuge e filho brasileiro ela deverá ser aplicada. A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capaci- dade para suceder (art. 10º da Lei de Introdução). É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. Só à autoridade judiciária brasileira compete co- nhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. A autoridade judiciária brasileira cum- prirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências. A concessão de exequatur às cartas rogatórias é feita pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i” da CF), mas a execução de carta rogatória, após o exequatur, será do juiz federal de 1ª instância (art. 109, X, CF). A Emenda Regimental n. 18/14, assim prescreve: Art. 216-V. Após a concessão do exequatur, a carta rogatória será remetida ao Juí- zo Federal competente para cumprimento (...). 4 A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça (art. 13, LINDB). Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. Quando se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. (arts. 14 e 16, LINDB) Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz ou autoridade competente; b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revesti- da das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar tradu- zida por intérprete autorizado (tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil); e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. A Emenda Regimental n. 18/14 regulamen- ta este dispositivo da Lei de Introdução e acrescenta a necessidade de estar autenticada a sen- tença estrangeira pela autoridade consular. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art. 17, CC). A homologação requer a avaliação destes requisitos negativos: “HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. DIVÓRCIO, COM ACORDO HOMOLOGADO SOBRE GUARDA, VISITAÇÃO E PENSÃO DOS FILHOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Não se constitui em óbice à homologa- ção de sentença estrangeira o fato de o Requerido, regularmente citado em territó- rio estadunidense, não ter sido representado por advogado - mormente porque, se quisesse, poderia ter advogado público. Ademais, conforme bem anotado no pare- cer ministerial, calcado em jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, "não há como impor à Justiça norte-americana a observância de regras próprias do or- denamento processual brasileiro, no que tange à representação processual por in- termédio de advogado." Ausência de ofensa à ordem pública. 2. Restaram atendi- dos os requisitos regimentais com a constatação da regularidade da citação para processo julgado por juiz competente, cuja sentença, transitada em julgado, foi au- 4 Art. 216-V. Após a concessão do exequatur, a carta rogatória será remetida ao Juízo Federal competente para cumprimento. § 1º Das decisões proferidas pelo Juiz Federal competente no cumprimento da carta rogatória caberão embargos, que poderão ser opostos pela parte interessada ou pelo Ministério Público Federal no prazo de dez dias, julgando-os o Presidente deste Tribunal. § 2º Os embargos de que trata o parágrafo anterior poderão versar sobre qualquer ato referente ao cumprimento da carta rogató- ria, exceto sobre a própria concessão da medida ou o seu mérito. user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 11 tenticada pela autoridade consular brasileira e traduzida por profissional juramen- tado no Brasil, com o preenchimento das demais formalidades legais. 3. Pedido de homologação deferido. Custas ex lege. Condenação do Requerido ao pagamento dos honorários advocatícios.” (SEC 7.137/EX, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ES- PECIAL, julgado em 14/06/2012, DJe 29/06/2012) “SENTENÇA ESTRANGEIRA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. HOMOLOGAÇÃO. 1. Alegação de nulidade de citação não procede quando há certidão de oficial de justiça estrangei- ro que comprovao cumprimento da diligência citatória. 2. Sentença estrangeira que não viola a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública e que pre- enche as condições legais deve ser homologada. 3. A jurisprudência do STJ e do STF autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, conva- lida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens. 4. Sentença es- trangeira e acordo firmado entre as partes homologados.” (SEC 3.269/EX, Rel. Mi- nistro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2012, DJe 22/05/2012) Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os demais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o regis- tro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado (art. 18 da Lei de Introdução). Segundo o art. 11 da Lei de Introdução as organizações destinadas a fins de interesse co- letivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. Os Go- vernos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham consti- tuído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação. Os Governos estrangeiros podem adquirir a pro- priedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes con- sulares. LEI 13.655/18 - NORMAS SOBRE SEGURANÇA JURÍDICA E EFI- CIÊNCIA NA CRIAÇÃO E NA APLICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO A Lei nº 13.655/2018 incluiu na LINDB os arts. 20 a 30 prevendo regras sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. Vale ressaltar que o art. 25 foi vetado. A interpretação dos arts. 20 a 30, portanto, deve ser a de que eles se aplicam para te- mas de direito público, mais especificamente para matérias de Direito Administrativo, Finan- ceiro, Orçamentário e Tributário. Tais regras não se aplicam, portanto, para temas de direito privado. Segue uma análise artigo por artigo: DECISÃO COM BASE EM VALORES JURÍDICOS ABSTRATOS user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 12 Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com ba- se em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. O art. 20 da LINDB tem por finalidade reforçar a ideia de responsabilidade decisória es- tatal diante da incidência de normas jurídicas indeterminadas, as quais sabidamente admitem diversas hipóteses interpretativas e, portanto, mais de uma solução. O dispositivo proíbe motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de controle, as conse- quências práticas de sua decisão. Esfera administrativa: Consiste na instância que se passa dentro da própria Administra- ção Pública, normalmente em um processo administrativo. Esfera controladora: Aqui a Lei está se referindo precipuamente aos Tribunais de Con- tas, que são órgãos de controle externo. Esfera judicial: São os processos que tramitam no Poder Judiciário. Esse dispositivo não proíbe que se decida com base em valores jurídicos abstratos, mas prevê que toda vez que isso ocorrer, deverá ser feita uma análise prévia de quais serão as con- sequências práticas dessa decisão. Em outras palavras, a análise das consequências práticas da decisão passa a fazer parte das razões de decidir. É como se o legislador introduzisse uma condicionante para a força normativa dos princípios: eles somente podem ser utilizados para fundamentar uma decisão se o julgador considerar “as consequências práticas da decisão”. Trata-se, portanto, de uma reação retrógrada à força normativa dos princípios constitu- cionais. O parágrafo único do art. 20 diz que: Art. 20. (...) Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administra- tiva, inclusive em face das possíveis alternativas. O administrador, conselheiro ou magistrado quando for impor alguma medida ou invali- dar ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, deverá demonstrar que a decisão tomada é necessária e a mais adequada, explicando, inclusive, as razões pelas quais não são cabíveis outras possíveis alternativas. DECISÃO QUE ACARRETE INVALIDAÇÃO DE ATO, CONTRATO, AJUSTE, PROCESSO OU NORMA ADMINISTRATIVA A Lei nº 13.655/2018 demonstrou uma preocupação muito grande com decisões que acarretem invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. Por isso, inseriu na LINDB dois dispositivos para tratar sobre o tema: o parágrafo único do art. 20 e o art. 21. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 13 Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decre- tar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. O art. 21 exige o exercício responsável da função judicante do agente estatal. Invalidar atos, contratos, processos configura atividade altamente relevante, que importa em conse- quências imediatas a bens e direitos alheios. Decisões irresponsáveis que desconsiderem situ- ações juridicamente constituídas e possíveis consequências aos envolvidos são incompatíveis com o Direito. É justamente por isso que o projeto busca garantir que o julgador (nas esferas administrativa, controladora e judicial), ao invalidar atos, contratos, processos e demais ins- trumentos, indique, de modo expresso, as consequências jurídicas e administrativas decorren- tes de sua decisão. A invalidação de um ato, contrato, ajuste, processo ou norma pode acarretar graves pre- juízos para a parte envolvida, para a própria Administração e também para terceiros. Pensan- do nisso, o parágrafo único do art. 21 trata sobre o tema, assim como sobre a possibilidade de regularização da situação: Art. 21. (...) Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujei- tos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam a- normais ou excessivos. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS SOBRE GESTÃO PÚBLICA Primado da realidade Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajus- te, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. Uma das principais teses de defesa dos administradores públicos nos processos que tramitam nos Tribunais de Contas ou nas ações de improbidade administrativa é a de que não cumpriram determinada regra por conta das dificuldades práticas vivenciadas, em especial quando se trata de Municípios do interior do Estado. Em geral, tais argumentos não são acolhidos porque os Tribunais de Contas e o Poder Judiciário entendem que essas dificuldades são previamente conhecidas e que os administra- dores públicos já deveriam se preparar para elas. Assim, o objetivodo dispositivo foi o de tentar “abrandar” essa jurisprudência pugnando que o órgão julgador considere não apenas a literalidade das regras que o administrador tenha eventualmente violado, mas também as dificuldades práticas que ele enfrentou e que possam justificar esse descumprimento. Critérios para aplicação de sanções user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 14 § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infra- ção cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as cir- cunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. Critérios a serem considerados na aplicação das sanções: a) Natureza e gravidade da infração cometida; b) Danos causados à Administração Pública; c) Agravantes; d) Atenuantes; e) Antecedentes. Sanções de mesma natureza deverão ser consideradas § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das de- mais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO OU ORIENTAÇÃO E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DE- CISÃO Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpre- tação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interes- ses gerais. Se houver uma mudança na forma como tradicionalmente a Administração Pública, os Tribunais de Contas ou o Poder Judiciário interpretavam determinada norma, deverá ser pre- visto um regime de transição. Este regime de transição representa a concessão de um prazo para que os administrado- res públicos e demais pessoas afetadas pela nova orientação possam se adaptar à nova inter- pretação. É como se fosse uma modulação dos efeitos. Cabe ao órgão julgador a análise do preenchimento dos requisitos, sendo passível de re- curso caso o interessado entenda que deveria ter direito ao regime de transição. REVISÃO DEVERÁ LEVAR EM CONTA A ORIENTAÇÃO VIGENTE NA ÉPOCA DA PRÁTICA DO ATO Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à va- lidade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo ve- dado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem invá- lidas situações plenamente constituídas. Algumas vezes demoram anos para que a Administração Pública (controle interno), o Tribunal de Contas ou o Poder Judiciário examine a validade de um ato ou contrato adminis- trativo (em sentido amplo) que já tenha se completado. Nesse período, pode acontecer de o entendimento vigente ter se alterado. Caso isso aconteça, o ato deverá ser analisado conforme user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 15 as orientações gerais da época e as situações por elas regidas deverão ser declaradas válidas, mesmo que apresentem vícios. A norma fortalece a ideia de irretroatividade do direito em prejuízo de situações jurídi- cas perfeitas, constituídas de boa-fé, em coerência com o ordenamento à época vigente. Visa dar segurança no longo prazo para situações jurídicas plenamente constituídas à luz de um entendimento geral válido. Art. 24. (...) Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especifica- ções contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. O parágrafo único procura conceituar o que seriam “orientações gerais”. No entanto, a conceituação é por demais vaga e emprega expressões abstratas e genéricas. COMPROMISSO PARA ELIMINAR IRREGULARIDADE, INCERTEZA JURÍDICA OU SITUA- ÇÃO CONTENCIOSA NA APLICAÇÃO DO DIREITO PÚBLICO O art. 26 da LINDB prevê a possibilidade de a autoridade administrativa celebrar um a- cordo (compromisso) com os particulares com o objetivo de eliminar eventual irregularidade, incerteza jurídica ou um litígio (situação contenciosa). Para que esse compromisso seja realizado, é indispensável a prévia manifestação do ór- gão jurídico. Em alguns casos de maior repercussão, é necessária também a realização de au- diência pública. Confira a redação do caput do art. 26: Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autorida- de administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, ce- lebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. Requisitos do termo de compromisso Art. 26. (...) § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II - (VETADO); III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumpri- mento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. § 2º (VETADO). IMPOSIÇÃO DE COMPENSAÇÃO user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 16 Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou in- justos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. § 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. O dispositivo em questão visa evitar que partes, públicas ou privadas, em processo na esfera administrativa, controladora ou judicial aufiram benefícios indevidos ou sofram prejuí- zos anormais ou injustos resultantes do próprio processo ou da conduta de qualquer dos en- volvidos. O art. 27 tomou o cuidado de exigir que a decisão que impõe compensação seja mo- tivada e precedida da oitiva das partes. Há, também nesse caso, a possibilidade de celebração de compromisso processual entre os envolvidos. RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. O art. 28 quer dar a segurança necessária para que o agente público possa desempenhar suas funções. Por isso afirma que ele só responderá pessoalmente por suas decisões ou opini- ões em caso de dolo ou erro grosseiro (o que inclui situações de negligência grave, imprudên- cia grave ou imperícia grave). Apesar disso, o art. 28 da LINDB vai de encontro ao art. 37, § 6º da CF/88. Se um servidor público, no exercício de suas funções, pratica ato ilícito que causa prejuí- zo a alguém, ele poderá ser responsabilizado, no entanto essa responsabilidade é subjetiva (terá que ser provado o dolo ou a culpa do servidor) e regressiva (primeiro o Estado terá que ser condenado a indenizar a vítima e, em seguida, o Poder Público cobra do servidor a quantia paga). Esse regime de responsabilidade está previsto na parte final do § 6º do art. 37 da Consti- tuição: Art. 37. (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,nessa qualidade, cau- sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O art. 28 abranda o regime constitucional ao exigir erro grosseiro O art. 28 da LINDB afirma que o agente público responderá pessoalmente em caso de dolo ou erro grosseiro. Este dispositivo se afasta da regra constitucional em dois pontos: 1. Para que o agente público responda, o art. 28 exige que ele tenha agido com dolo ou erro grosseiro. Ocorre que a CF/88 se contenta com dolo ou culpa. O erro grosseiro é sinônimo de culpa grave. Assim, é como se o art. 28 dissesse: o agen- te público somente responde em caso de dolo ou culpa grave. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 17 2. O art. 37, § 6º da CF/88 exige que a responsabilidade civil do agente público ocorra de forma regressiva. O art. 28, por seu turno, não é explícito nesse sentido, devendo, no entanto, ser interpretada a responsabilidade como sendo regressiva por força da Consti- tuição e daquilo que a jurisprudência denomina de teoria da dupla garantia: “A vítima somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público). Se este for condenado, poderá acionar o servidor que causou o dano em caso de dolo ou culpa. O ofendido não poderá propor a demanda diretamente contra o agente público.” CONSULTA PÚBLICA Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de con- sulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio ele- trônico, a qual será considerada na decisão. § 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares es- pecíficas, se houver. §2º (VETADO). O art. 29, ao prever a consulta pública prévia à edição de atos normativos por autorida- de administrativa, procura trazer transparência e previsibilidade à atividade normativa do Exe- cutivo. Trata-se de medida consentânea com as melhores práticas. INSTRUMENTOS PARA AUMENTAR A SEGURANÇA JURÍDICA Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administra- tivas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vin- culante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. VIGÊNCIA A Lei 13.655/18 entrou em vigor na data de sua publicação (26/04/2018). Isso significa que os artigos por ela acrescentados já estão produzindo efeitos, com exceção do art. 29 da LINDB, que possui vacatio legis de 180 dias. DAS PESSOAS PESSOAS NATURAIS: PERSONALIDADE E CAPACIDADE Comecemos com alguns conceitos nucleares. Pessoa é todo ser, ente físico ou coletivo, susceptível de adquirir direitos e contrair obri- gações. A ideia de pessoa identifica-se com a noção de sujeito de direito. Personalidade é a aptidão genérica que tem a pessoa de adquirir direitos e contrair o- brigações. Toda pessoa tem personalidade jurídica. Capacidade é a aptidão que tem uma pessoa de exercer pessoalmente atos da vida civil, ou seja, de exigir, por si, a observância de seus direitos e de cumprir suas obrigações. A capacidade poderá ser de direito ou de gozo ou poderá ser nominada de capacidade de user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 18 fato ou de exercício. A primeira identifica-se com a noção de personalidade e consiste na capacidade para adquirir direitos e obrigações na ordem civil. Já a capacidade de fato ou de exercício consiste na medida da personalidade jurídica, ou seja, trata-se de uma restrição legal genérica imposta a determinadas pessoas, em função de situação pessoal que atinge em certa medida seu discernimento, que limita em maior ou menor grau a pratica de atos da vida civil. A incapacidade absoluta impede que o titular do direito o exerça direita ou pessoalmente, devendo ele ser representado. A incapacidade relativa permite que o titular do direito o exerce direta ou pessoalmente, desde que devidamen- te assistido. A incapacidade deriva da lei, sendo as normas a ela concernentes cogentes. Não consti- tui, pois, incapacidade a limitação decorrente de ato inter vivos ou mortis causa como a cláusu- la de inalienabilidade imposta pelo doador ou testador CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO Legitimação diz respeito a uma proibição legal de praticar certos atos da vida civil impos- ta a determinadas pessoas em razão da especial posição jurídica que ocupam, ou seja, trata-se de uma limitação circunstancial, episódica. Assim, o tutor ou curador não estão legitimados a adquirir bens do tutelado ou curatelado, bem como não estão legitimados, assim como os demais administradores de bens alheios, a dar em comodato tais bens, salvo em caso de espe- cial autorização; bem assim, o cônjuge não está legitimado a alienar bens imóveis sem anuên- cia do seu consorte (salvo no regime da separação absoluta); o indigno não está legitimado a suceder; o ascendente não pode vender bens ao descendente sem a anuência dos demais des- cendentes. INÍCIO DA PERSONALIDADE CIVIL Segundo o texto legal, adquire-se a personalidade jurídica pelo nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os interesses do nascituro desde a concepção. O nascituro é o ente con- cebido que está para nascer (infans conceptus). São basicamente 3 as teorias que tratam do início da personalidade: 1. Teoria Natalista: Os doutrinadores que se filiam a esta corrente defendem a tese de que nosso sistema legislativo adota esta teoria, pois prescreve que a aquisição da personalidade se dá com o nascimento com vida, possuindo o nascituro, portanto, expectativa de direito.5 A teoria tem sofrido duras críticas por não responder satisfa- toriamente questões relativas à condição jurídica do nascituro e sobre a titularidade de diretos da personalidade. 2. Teoria da Personalidade Condicional: Serpa Lopes, Arnoldo Wald, Oertmann de- fendem a teoria da personalidade condicional que apresenta a seguinte tese: o nasci- turo tem personalidade que está condicionada ou evento nascimento com vida, ten- do assim o nascituro direitos sob condição suspensiva. 3. Teoria Concepcionista: Clóvis Beviláqua, Teixeira de Freitas, Silmara Chinelato, dentre outros eminentes civilistas, defendem a teoria concepcionista, segundo a qual o nascituro desde a concepção tem personalidade jurídica, sendo, portanto, pessoa. 5 A Espanha, fiel à fonte romanística, exige a forma humana e a viabilidade para aquisição da personalidade user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 19 Trata-se de corrente que tem prevalecido no Direito Civil Contemporâneo6, sobretu- do, por apresentar respostas satisfatórias quanto à condição jurídica do nascituro e a titularidade de direitos da personalidade. Maria Helena Diniz desdobrando o tema defende a tese da personalidade jurídica formal e material, esclarecendo que tem o nascituro a titularidade dos direitos da personalidade desde a concepção (personali- dade jurídica formal), adquirindo os direitos patrimoniais com o nascimento com vida (personalidade jurídica material). O enunciado nº 1 do CJF revela tendência à adoção da teoria concepcionista e o enunci- ado nº 2 recomenda a adoção de um estatuto próprio para definição da situação jurídica do embrião7. Enunciado nº 1 do CJF 8 : Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcan- ça o natimorto no que concerneaos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura. Enunciado nº 2 do CJF: Art. 2º: sem prejuízo dos direitos da personalidade nele as- segurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergen- tes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem precedente importante sobre o te- ma, reconhecendo o direito do nascituro à indenização por dano moral, ipsis litteris: “DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉR- REA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLU- ÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂN- CIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Nos termos da orienta- ção da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decur- so de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III - Recomenda-se que o valor do dano moral se- ja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.” (REsp 399028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julga- do em 26/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 232) INCAPAZES Até 03 de janeiro de 2016, este era o rol de incapazes definido nos artigos 3º e 4º do Código Civil: Incapacidade absoluta. Rol dos absolutamente incapazes: a) menor de 16 anos; b) en- fermos ou deficientes mentais que em razão desta circunstância não tiverem necessário dis- cernimento para a prática de atos civis; c) aqueles que não puderem exprimir sua vontade, mesmo por causa transitória. 6 Constatação a que chega Flávio Tartuce in Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 70. 7 O tema foi tratado na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). 8 A referência aos enunciados far-se-á de forma concisa, indicando-se apenas o seu número e a remissão ao Conselho da Justiça Federal (CJF) órgão responsável pela realização das Jornadas de Direito Civil, evento que reúne vários especialistas que debatem sobre as propostas encaminhadas e, uma vez aprovadas, tornam-se enunciados. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 20 Incapacidade relativa. Rol dos relativamente incapazes: a) maiores de 16 e menores de 18 anos; b) ébrios habituais, toxicômanos e deficientes mentais com discernimento reduzido; c) excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; d) pródigos. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015, em 4 de janeiro de 2016, ocorreu uma mudança impactante na Parte Geral do Código Civil com repercussão em alguns ramos do Di- reito e, particularmente, no vasto campo do Direito Privado. O Estatuto da Pessoa com Deficiência provocou profundas modificações no regime das incapacidades. O portador de transtorno mental foi retirado da condição de incapaz, passando a ter um regime próprio de proteção. Assim, aqueles que não tiverem o necessário discerni- mento para a prática dos atos da vida civil, por deficiência ou enfermidade (i); os que, por defi- ciência mental, tenham o discernimento reduzido (ii); os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (iii), não serão automaticamente qualificados como incapazes. Mas isso não quer dizer que o portador de transtorno mental não sofrerá limitações no exercício de sua capacidade. Poderá, inclusive, ser submetido ao regime protetivo da curatela.9 Com o término da vacatio legis, assim ficou a redação dos arts. 3º e 4º, CC: Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. I - (Revogado); II - (Revogado); III - (Revogado). Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. A primeira conclusão decorrente da alteração legislativa é que só teremos uma hipótese de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos. A segunda conclusão é que aqueles que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, não constam do rol dos relativamente incapazes. Sendo possível expressarem a sua vontade, deverá ser a manifesta- ção reputada válida; não sendo possível exprimirem a vontade, incidirá a regra contida no inci- so III do art. 4º, CC. O Estatuto da Pessoa com Deficiência provocou uma mudança de paradigma na forma como se dá a proteção dos portadores de deficiência. Agora, a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 84, EPD). Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Mas a definição de curatela de pessoa com deficiência constitui me- dida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e 9 REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades. Publicado no site da Revista Con- sultor Jurídico em 20 de julho de 2015. <<http://www.conjur.com.br/2015-jul-20/estatuto-pessoa-deficiencia-altera-regime- incapacidades>>. In verbis: “A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz”) user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 21 durará o menor tempo possível (art. 84, §§ 1º e 3º, EPD). Além disso, a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. 85, caput e §§ 1º, EPD). Ainda na parte geral, no campo probatório, as mudanças repercutem, pois operou-se a revogação dos incisos II e III do art. 228, CC. A lei vedava a admissão como testemunha daque- les que, por enfermidade ou retardamento mental, não tivessem discernimento para a prática dos atos da vida civil e dos cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar depen- da dos sentidos que lhes faltam. A vedação expressa foi substituída pela possibilidade de a pessoa com deficiência testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sen- do-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva (recursos que permitem ampliar as habilidades funcionais dos portadores de deficiência). Ou seja, a condição pessoal por si só não é suficiente para subtrair do portador de necessidades especiais a capacidade para teste- munhar. No direito de família, foram alterados dispositivos concernentes à capacidade para casar e às invalidades do casamento. O curador não poderá mais revogar a autorização para o casa- mento (art. 1518, caput, CC). Foi revogado o inciso I do art. 1.548, CC, que dispunha ser nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atosda vida civil. Houve modificações quanto à disciplina do erro essencial sobre a pessoa do cônjuge. Foi revogado o dispositivo que considerava hipótese de erro essencial sobre a pessoa a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Foi também alterado o inciso III do art. 1.557, ficando com a seguinte redação: Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não ca- racterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por he- rança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; Sobre a teoria da prescrição, sabemos que tanto ela como a decadência não correm con- tra os absolutamente incapazes (arts. 198, I e 208, caput, CC). Considerando-se a literalidade da norma, esta regra, a partir dar entrada em vigor do EPD, apenas beneficiará o menor de 16 anos. O EPD neste ponto é menos protetivo que o CC. Jurisprudência e doutrina terão de cons- truir juntas uma solução que não prejudique aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos civis, bem como os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. O assunto ainda renderá grandes debates no campo da teoria do negócio jurídico, espe- cialmente, quanto aos temas da representação e a teoria das nulidades. As manifestações de vontade que emanem dos absolutamente incapazes não devem ser a priori desconsideradas. Há situações, sobretudo, reguladas pelo direito de família e que te- nham implicação direta sobre aspectos existenciais da criança ou adolescente, nas quais a von- tade do incapaz deve ser devidamente avaliada. Enunciado nº 138, CJF. Art. 3º. A vontade dos absolutamente incapazes, na hipóte- se do inc. I do art. 3o, é juridicamente relevante na concretização de situações exis- user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 22 tenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. Incapacidade Relativa. Consiste também em limitação genérica imposta pela lei à práti- ca de certos atos da vida civil. Porém a limitação é menos drástica que na incapacidade absolu- ta. O relativamente incapaz poderá realizar por si atos da vida civil (exceto aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade), desde que devidamente assistido. E, como exceção, poderá praticar atos sem a presença do assistente. A não interven- ção do assistente, como regra, acarreta a anulabilidade do ato, mas em certas situações pode- rá ele ser ratificado. Sobre a redução da idade para se alcançar a capacidade civil plena e sua repercussão em outros ramos do direito, especialmente o previdenciário, vale a leitura do enunciado abaixo transcrito: Enunciado nº 3, CJF. Art. 5º. A redução do limite etário para a definição da capaci- dade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que re- gula específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e ou- tras situações similares de proteção, previstas em legislação especial. Algumas regras importantes: a) o menor de 18 anos e maior de 16 não poderá invocar sua idade para eximir-se de obrigação se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte ou se espon- taneamente declarou-se maior; b) a incapacidade relativa de uma das partes não pode ser alegada pela outra em be- nefício próprio (o negócio anulável produz regularmente seus efeitos); c) a incapacidade relativa de uma das partes não aproveita os cointeressados capa- zes, exceto se o objeto de direito ou a obrigação comum for indivisível; d) ninguém poderá reclamar o que pagou a um incapaz por obrigação anulada, exce- to se provar que a importância paga reverteu-se em seu proveito; e) a incapacidade não é excludente absoluta de responsabilidade patrimonial; f) o incapaz responderá pelos prejuízos que causar se o seu responsável legal não puder ou não tiver a obrigação de fazê-lo (art. 928, CC). Atos que podem ser realizados por menores de 16 e maiores de 18 sem a presença do assistente: a) aceitar mandato (art. 666, CC); b) fazer testamento (art. 1.860, parágrafo único, CC); c) ser testemunha em atos jurídicos (art. 228, I, CC); d) exercer empregos públicos compatíveis com sua idade; e) realização de contrato de trabalho; f) ser eleitor. PROTEÇÃO DOS INCAPAZES Representação e assistência são os mecanismos de proteção dos incapazes, através dos quais se supre a incapacidade. user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 23 1. Representação: Substituição do incapaz por uma pessoa capaz para a prática de atos da vida civil. Os representantes podem ser os pais, tutores ou curadores; 2. Assistência: Os assistentes do relativamente incapaz praticam determinado ato ju- rídico conjuntamente com o assistido ou ratificam determinado ato por ele pratica- do. CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE Cessa a incapacidade pelo decurso do tempo ou quando desaparece sua causa. Aos 18 anos cessa a incapacidade em relação à menoridade. Com a emancipação também. SITUAÇÃO DOS ÍNDIOS A capacidade dos índios é regulada pela Lei 6.001/73. O Estatuto do Índio estabelece em seu art. 8º que “são nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar com- petente”. Excepciona-se a regra “no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos”. Existe, por- tanto, um regime tutelar especial que se assemelha, mas não se identifica com a tutela do direito comum, tomando-lhe de empréstimo, no que for compatível, seus princípios e regras. Ressalte-se que qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisi- tos seguintes: a) idade mínima de 21 anos; b) conhecimento da língua portuguesa; c) habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; d) razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional. (art. 9º, Lei 6.001/73). EMANCIPAÇÃO É a aquisição da plena capacidade de fato antes da idade legal. Modo de cessação da in- capacidade. São espécies de emancipação: 1. Voluntária. Por concessão dos pais ou de um deles na falta do outro, mediante ins- trumento público devidamente inscrito no Registro Civil competente, independente de homologação judicial, se o menor tiver 16 anos.10 2. Judicial. Concedida pelo juiz, ouvido o tutor, se tiver o menor 16 anos. Neste caso o juiz, de ofício, deve comunicar a emancipação ao oficial do Registro Civil, para que se efetive o registro. Sem ele a emancipação não produz efeitos. 3. Legal 10 Enunciado nº 397 do CJF. Art. 5º. A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 24 - Casamento. Podem casar o homem e a mulher a partir dos 16 anos com a auto- rização dos pais ou representantes legais. - Exercício de emprego público efetivo. Cargo em comissão, cargo de confiança, contrato temporário, não determinam a perda da incapacidade. - Colação de grau em curso superior. - Estabelecimento civil ou comercial ou relação de emprego que lhe garanta uma economia própria. Sobre o tema, merece destaque o enunciado530 da VI Jornada de Direito Civil do CJF: Enunciado nº 530, CJF. A emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente. DIREITOS DA PERSONALIDADE Os direitos da personalidade são atributos inerentes à pessoa que possuem natureza extrapatrimonial. Na An- tiguidade já existiam mecanismos de repressão a ações atentatórias aos direitos da personalidade, por exemplo, em Roma, aquele que fosse vítima de agressões físicas ou morais poderia intentar contra o causador do dano a actio injuriarum. Com o Cristianismo, as ideias de proteção à pessoa humana e de fraternidade universal contribuíram para um novo redimensionamento dos direitos da perso- nalidade. Na Modernidade, as guerras, sobretudo as do século XX, chamaram a atenção para uma maior tutela dos direitos da personalidade em razão dos abusos cometidos. Os direitos da personalidade são direitos subjetivos excludenti alios, dirigidos a exigir um comportamento negativo dos outros, reagindo em face de uma agressão injusta. CARACTERÍSTICAS São os direitos da personalidade: - Absolutos: Oponíveis erga omnes, criando um dever geral de abstenção. - Gerais: Outorgados a qualquer pessoa pelo fato de existirem. - Extrapatrimoniais: São insusceptíveis de aferição econômica, embora sua violação enseje reparação civil e sua utilização específica proporcione uma contraprestação em pecúnia. - Intransmissíveis: não podem migrar para a esfera jurídica de outrem. - Vitalícios: Nascem e extinguem-se com seu titular, sendo dele inseparáveis. - Indisponíveis: São insusceptíveis de disposição. Trata-se, no entanto, de regra que admite algumas exceções, por exemplo: determinada pessoa pode explorar sua ima- gem na divulgação de algum produto ou serviço; alguém pode ceder parte do corpo (órgão ou tecido) para fins terapêuticos. - Irrenunciáveis: Consequência natural da indisponibilidade, não podem os direitos de personalidade ultrapassarem a esfera jurídica de seu titular. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 25 - Imprescritíveis: Os direitos da personalidade não se extinguem pelo não uso ou pe- la inércia na pretensão de defendê-los. - Impenhoráveis: Como regra, não podem ser objeto de constrição judicial (direitos autorais e cessão de direito de imagem podem ser penhorados). - Ilimitados: Impossibilidade de estabelecer hipóteses taxativas dos referidos direi- tos. Importante destacar alguns enunciados do CJF pertinente às características dos direitos da personalidade: Enunciado nº 4, CJF. Art.11. O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral. Enunciado nº 139, CJF. Art. 11. Os direitos da personalidade podem sofrer limita- ções, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes. Enunciado nº 274, CJF. Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pes- soa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pes- soa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação. Limongi França apresenta sistematização dos direitos da personalidade, assim classifi- cando-os: DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA - Direito à vida - Direito a alimentos - Direito ao próprio corpo vivo ou morto e suas partes separadas. DIREITO À INTEGRIDADE INTELECTUAL - Direito à liberdade de pensamento. - Direito à autoria científica, artística e literária. DIREITO À INTEGRIDADE MORAL - Liberdade civil, política e religiosa. - Direito à honra. - Direito ao recato (privacidade e intimidade) - Direito ao segredo pessoal doméstico e profissional - Direito à imagem. - Direito à identidade pessoal (nome), familiar e social. Enunciado nº 531, CJF. A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 26 Enunciado nº 576, CJF. O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória. Os referidos direitos da personalidade podem ser alvo de ameaça ou violação. O titular do direito ou outro legitimado poderão exigir que cesse a ameaça ou que seja reparado o dano causado, sem prejuízo de outras sanções cabíveis11. Em se tratando de morto, o cônjuge so- brevivente, qualquer parente em linha reta ou colateral até o 4º grau poderão exigir as medi- das de proteção mencionadas. Esta regra estende-se ao companheiro, in verbis: Enunciado nº 275, CJF. – Arts. 12 e 20. O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro. Enunciado nº 398, CJF. Art. 12, parágrafo único. As medidas previstas no art. 12, parágrafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma das pesso- as ali mencionadas de forma concorrente e autônoma. É vedado, salvo exigência médica, o ato de disposição do próprio corpo que importe di- minuição permanente da integridade física ou contrarie os bons costumes. Contudo, permite- se que tal disposição ocorra em se tratando de transplante de órgãos duplos, ou de tecidos ou órgãos regeneráveis. A doutrina admite, inclusive, a realização de cirurgias de “transgenitaliza- ção” e a cessão gratuita de material biológico para fins de pesquisa científica: Enunciado nº 6, CJF. – Art. 13. A expressão “exigência médica” contida no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente. Enunciado nº 276, CJF. – Art.13. O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. Enunciado nº 401, CJF. Art. 13. Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de material biológico para fins de pesquisa científica, desde que a manifestação de vontade tenha sido livre e esclarecida e puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais. Enunciado nº 532. É permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objeti- vos exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código Civil. É permitida a disposição gratuita do próprio corpo para depois da morte com objetivo científico ou altruístico. Tais atos de disposição podem ser revogados a qualquer tempo (§ único, art. 14, CC). Enunciado nº 277, CJF. Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador. 11 Enunciado nº 140 do CJF. Art. 12. A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 27 Enunciadonº 402, CJF. Art. 14, parágrafo único. O art. 14, parágrafo único, do Có- digo Civil, fundado no consentimento informado, não dispensa o consentimento dos adolescentes para a doação de medula óssea prevista no art. 9º, § 6º, da Lei n. 9.434/1997 por aplicação analógica dos arts. 28, § 2º (alterado pela Lei n. 12.010/2009), e 45, § 2º, do ECA. A norma estabelece que ninguém poderá ser submetido a tratamento médico ou inter- venção cirúrgica que importe risco de vida (art. 15, CC). O tema é bastante controvertido quando envolve questões referentes à inviolabilidade de consciência e de crença, sobretudo, quanto a pessoas que não estão em condições plenas de emitir uma declaração de vontade livre e consciente, tais como: menores, pessoas acometidas por enfermidades mentais ou sem desenvolvimento mental completo, etc. Por isto a importância do enunciado, nº 403, abaixo transcrito: Enunciado nº 403, CJF. Art. 15. O Direito à inviolabilidade de consciência e de cren- ça, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguin- tes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante. Enunciado nº 533, CJF. O paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de proce- dimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos. O nome e o pseudônimo adotado em atividades lícitas não podem ser empregados em publicações ou representações que exponham a pessoa ao desprezo público, ainda que inexis- ta a intenção difamatória (Art. 17, CC). Não se pode utilizar o nome em propaganda comercial sem autorização. Enunciado nº 278, CJF. Art.18. A publicidade que venha a divulgar, sem autoriza- ção, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalida- de. Sobre o direito à imagem temos a imagem-retrato que é o conjunto de características fí- sicas que individualizam a pessoa e a imagem-atributo que é o conjunto de características morais que formam a reputação da pessoa. O direito à imagem traduz-se na ideia de que ninguém está obrigado a tolerar a exposi- ção de seu retrato em público ou comercializado sem o seu consentimento e de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando prejuízo à sua reputação. A ordem jurídica impede a publicação, divulgação de escritos, transmissão da palavra, exposição ou utilização da imagem que venham a atingir a honra, a boa-fama e a respeitabili- dade da pessoa ou a ser utilizadas para fins comerciais, podendo ser impedida sua divulgação e pleiteada indenização, salvo se autorizada, ou se necessária à administração da justiça ou à preservação da ordem pública.12 12 Sobre o tema há importante julgado do STF(ADI nº 4815): “É inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária a autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL 28 São partes legítimas para se tutelar a imagem de pessoa morta: o cônjuge, os ascenden- tes e descendentes. Esta regra, conforme já explicitado, estende-se ao companheiro(a). Registramos que as medidas gerais de proteção aos direitos da personalidade previstas no artigo 12 do CC estendem-se ao artigo 20 do mesmo Código, pois têm caráter geral, ressal- vada apenas a legitimidade para requerer a tutela. Enunciado nº 5, CJF. Arts. 12 e 20. 1) as disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se, inclusive, às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos ex- pressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2) as disposi- ções do art. 20 do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12. Sobre o tema, confira-se ainda: Enunciado nº 279, CJF. Art.20. A proteção à imagem deve ser ponderada com ou- tros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar- se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a ve- racidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informati- va, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de infor- mações. Enunciado nº 399, CJF. Arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único. Os pode- res conferidos aos legitimados para a tutela post mortem dos direitos da personali- dade, nos termos dos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do CC, não compreendem a faculdade de limitação voluntária. Enunciado nº 400, CJF. Arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único. Os pará- grafos únicos dos arts. 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos pa- ou de familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes. Essa a conclusão do Plenário, que julgou procedente pedido formula- do em ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do CC (“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Pará- grafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”), sem redução de texto, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, de produção científica, de liberdade de informação e de proibição de censura (CF, artigos 5º, IV, V, IX, X e XIV; e 220). O Colegiado asseverou que, desde as Ordenações Filipinas, haveria normas a proteger a guarda de segredos. A partir do advento do CC/1916, entretanto, o quadro sofrera mudan- ças. Ademais, atualmente, o nível de exposição pública das pessoas seria exacerbado, de modo a ser inviável reter informações, a não ser que não fossem produzidas. Nesse diapasão, haveria de se compatibilizar a inviolabilidade da vida privada e a liberdade de pensamento e de sua expressão. No caso, não se poderia admitir, nos termos da Constituição, que o direito de outrem de se expressar, de pensar, de criar obras biográficas — que dizem respeito não apenas ao biografado, mas a toda a coletividade, pelo seu valor histórico — fosse tolhido pelo desejo do biografado de não ter a obra publicada. Os preceitos constitucionais em aparen- te conflito conjugar-se-iam em perfeita harmonia, de modo que o direito de criação de obras biográficas
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