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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA FACULDADE DE DIREITO CAMILA AMIZADAI MOREIRA CAMPOS OS CONCEITOS DE IGUALDADE E LIBERDADE PARA CONTRATUALISTAS, LIBERAIS E SOCIALISTAS. JUIZ DE FORA 2019 A presente resenha busca abordar e correlacionar os conceitos de igualdade e liberdade à luz dos pensamentos dos filósofos Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rosseau, John Locke e Karl Marx. A partir de então, discutir-se-á as diferenciações no entendimento de tais conceitos entre a tradição liberal e a corrente socialista, bem como se analisará seus reflexos na era contemporânea, principalmente no que se refere a dicotomia política Direita X Esquerda. Thomas Hobbes (1588-1679), defende a idéia de que os homens originalmente viviam em estado de natureza caracterizado pelos direitos naturais – como a igualdade e a liberdade – livremente usufruídos por todos. Porém, dotados de impulsividade e sentimentos egoístas, os seres humanos jamais conseguiriam conviver pacificamente em seu Estado de Natureza. Por conseguinte, fez-se necessária a introdução de um governo central com autoridade suficientemente forte para “regular” o convívio social e em prol deste, seriam sacrificadas as liberdades individuais. Aliena-se a liberdade e o Estado, em nome dos indivíduos, cuida de assegurar e regular os comportamentos para manter a paz, a ordem e a segurança. Segundo a teoria Hobbesiana, apenas vivendo sob um Estado forte, garantidor da paz, estabelecido por meio de um Contrato Social, é possível que haja socialização e pleno desenvolvimento dos potenciais humanos. Considerado o “pai” do liberalismo, o filósofo inglês John Locke (1632-1704), retoma a ideia de contrato de Hobbes e a ela acrescenta a legitimação da ação revolucionária: se o governante responsável por salvaguardar os direitos naturais não o fizer, a sociedade tem o direito de substituí-lo inclusive mediante o uso da força, visto que a resistência a opressão é um direito do homem, ao passo em que ao resistir, o mesmo estaria protegendo sua liberdade individual. A liberdade é tida como a base do ideário político liberal, que a defende em relação a todas as esferas da vida humana: liberdade de expressão, liberdade religiosa, livre comércio e liberdade em relação a propriedade, sendo esta última a primeira de todos, uma vez que, para Locke, o direito a propriedade denota o princípio de todos os outros direitos. A igualdade, por sua vez, liga-se intimamente a esta, uma vez que o individuo pode realizar qualquer coisa, desde que não fira a liberdade de outro. A igualdade, por outro lado, toma sentido bastante particular: refere-se a igualdade dos homens perante a lei e aos direitos civis e políticos, a partir do princípio de isonomia. Não é tida em relação a propriedade, ou seja, não se trata de igualdade social. Todos são dotados de razão e tem direito à vida, à propriedade, à liberdade e à segurança, e, portanto, a jurisdição comum. Em Tocqueville (1805-1859), pode-se até mesmo, na democracia “imaginar um ponto extremo onde a liberdade e a igualdade se toquem e se confundam”, pois é na própria democracia se encontra a solução para os seus males. Apesar de conceber o ideário liberalista e um estado de natureza no qual todos os homens vivem em pleno gozo de seus direitos naturais, Jean-Jacques Rosseau (1712-1778) ao contrário do que se observa na teoria Hobbesiana, diz que "o homem nasce bom, mas a civilização o corrompe". A perversão gerada pela propriedade privada origina conflitos e cria a necessidade de regulação, fazendo nascer o contrato social, que delimita sua liberdade: “O que o indivíduo perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui” (ROUSSEAU, 1978, p. 36). Destarte, ao tratar de liberdade civil e igualdade de direitos, Rosseau está opondo-se ao estado de dominação que surge com a instituição da propriedade como riqueza e poder. Porém, o intuito não é eliminar a propriedade, uma vez que a mesma tem importância para o contrato social, mas resgatar sua função (que é suprir as necessidades humanas básicas), fazendo com que a propriedade não seja ditada mais por forças dos mais poderosos, mas pela vontade geral: “Rousseau não propõe uma sociedade socialista, todavia a vinculação que faz entre a propriedade, dominação e desigualdade social será o principal fundamento em que Marx, no século XIX, se apoiará para construir seu conceito de igualdade e, em decorrência, o sentido socialista de liberdade.” (CARDOSO, p. 9, 2006) No ideário socialista, liberdade e igualdade ligam-se ao conceito de emancipação do indivíduo na esfera social, política e econômica. Tal emancipação seria possível a partir da busca da superação de todas as estruturas opressivas, responsáveis por gerar a miséria e desigualdade. A estrutura trabalhista em que o burguês, detentor dos meios de produção, explora o trabalho do operariado que, alienado, vê-se preso às condições delimitadas por aquele é a base dos mecanismos de desigualdade e precisa ser suplantada. Ao contrário do que se vê no liberalismo, a liberdade, aqui, não é um direito natural e intrínseco ao homem ao qual deve-se apenas defender, mas precisa ser progressivamente conquistada. De acordo com os pensamentos de Marx, na teoria liberal, o homem não se liberta das instituições mas vê-se dentro delas: não se liberta da religião, mas defende a liberdade religiosa; não se liberta da propriedade, obtém a liberdade de propriedade; e assim por diante. Por sua vez, a igualdade não se refere apenas a isonomia jurídica, mas também aos fatores econômicos e sociais. A partir da destruição da estrutura social opressora tal como é conhecida, cria-se uma sociedade pautada em ideais de liberdade e igualdade baseados na verdadeira natureza do homem. Com a supressão das desigualdades, o amadurecimento moral do indivíduo, o fornecimento dos subsídios básicos para sobrevivência a todos e a abundância de recursos, bem como o livre acesso a eles, é que os homens colocar-se-iam em pé de igualdade, verdadeiramente livres para decidir suas próprias vidas e então, encontrariam a verdadeira natureza que os distingue de outros animais. Hodiernamente, de forma simplificada, o cenário político mundial pauta-se na dicotomia direita X esquerda, a qual apresenta, respectivamente, reflexos do Liberalismo e Socialismo. Economicamente, em geral, os de esquerda saem em defesa de uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda, como forma de alcançar a horizontalização que daria respaldo ao alcance da liberdade e igualdade reais; enquanto os de direita associam-se a procura da manutenção da livre iniciativa de mercado e dos direitos à propriedade particular, chegando, em algumas correntes a defender a total ausência de intervenção estatal na economia, como forma de preservar o conceito de liberdade individual que lhes é central. Direita e esquerda também têm a ver com questões morais: avanços na legislação em direitos civis e temas como aborto, casamento gay e legalização das drogas são vistas como bandeiras da esquerda, que busca garantir a igualdade de direitos para minorias socialmente excluídas. Os entendimentos dos pensamentos liberalistas e socialistas a respeito de igualdade e liberdade muito têm a ver com tais posicionamentos, uma vez que influenciam diretamente no modo como seus partidários enxergam as questões atuais e nelas se lançam, configurando e moldando o panorama político, econômico e social mundial. Destarte, é possível e imensamente provável que nunca se chegue a um consenso geral a respeito de qual a forma e a visão de igualdade e liberdade são real e eficazmente corretas, se é que o são: direitos naturais a serem mantidos ou ideais a serem conquistados?Valores contraditórios ou complementares? Princípios individuais ou coletivos? Aplicáveis apenas juridicamente ou também econômica e socialmente? Grandes pensadores como os aqui citados debruçaram-se sobre estas questões, cada qual à sua maneira, e inúmeros outros o farão. Todavia, a luta por igualdade e liberdade perpassa os séculos e desenha as conjunturas sociopolíticas e econômicas ao redor do mundo: são estes valores os princípios motores das transformações sociopolíticas da humanidade. Referências bibliográficas: CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. Liberdade e igualdade nos direitos humanos: fundamentos filosóficos e ideológicos. Disponível em: http://unesp.br/observatorio _ses/mostra_arq_multi.php?arquivo=648. Acesso em 24 de Maio de 2019. MANIN, Bernard. (1995) "As Metamorfoses do Governo Representativo". Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 10, n° 29, p. 534. MANIN, Berard. PRZEWORSKI, Adam. STOKES, S. C. Eleições e representação. Lua Nova, São Paulo, 67: 105-138, 2006. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Boitempo Editorial: São Paulo, 2005. Pp. 37-70. WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. Vol 1. Cap 3: “Hobbes: o medo e a esperança”; Cap 4: “John Locke e o individualismo liberal” Cap 5: Montesquieu a sociedade e poder; Cap 6: Rousseau: da servidão à liberdade. http://unesp.br/observatorio
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