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Autores: Profa. Paula de Sousa e Castro Prof. Ricardo Calasans Colaboradora: Profa. Claudia dos Santos Ruiz Figueiredo Medicina do Trabalho GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Professores conteudistas: Paula de Sousa e Castro / Ricardo Calasans Paula de Sousa e Castro Professora adjunta da Universidade Paulista no curso de graduação em Enfermagem. Coordenadora auxiliar do curso de Enfermagem no Campus Norte da Universidade Paulista. Possui graduação em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein (1996). É mestre em Ciências pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (2011), área de concentração Fundamentos e Práticas de Gerenciamento em Enfermagem e em Saúde. Possui Aprimoramento em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da Unesp – Botucatu, especialização em Gerenciamento de Serviços de Enfermagem, Saúde da Família e Autogestão em Saúde. É professora convidada da Faculdade Santa Bárbara, em conjunto com a empresa Nobre Soluções Participativas, na disciplina de Gestão de Custos, para o MBA de Gestão em Saúde. É autora do livro de Políticas de Humanização e Atendimento Hospitalar para o curso de Gestão Hospitalar da Universidade Paulista – UNIP Interativa. Atualmente, é enfermeira do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ricardo Calasans Doutorando na Faculdade de Saúde Pública da USP em Organização dos Processos Produtivos e Saúde do Trabalhador. Pós‑graduado em Engenharia de Segurança do Trabalho (1995) e em Tecnologia da Informação (1996) pela UNIP. É mestre em Engenharia de Produção pela UNIP (2000), engenheiro de Produção Mecânica pela Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep (1994), bacharel em Direito (2008) e Médico Veterinário pela UNIP (2014). É diretor da Associação Brasileira dos Profissionais de Medicina e Segurança do Trabalho e Meio Ambiente (Abraphiset) desde 1997, onde atua como consultor e perito em questões de insalubridade, periculosidade, doenças e acidentes do trabalho, e cursos e treinamentos em SST. Atua também como coordenador do Congresso Brasileiro de Segurança e Medicina no Trabalho (Cobrasemt) e do Congresso Brasileiro de Perícias (Cobrape). É coordenador do Simpósio de Criminalística e Atividades Periciais e do Simpósio de Meio Ambiente da UNIP. É professor‑adjunto dos cursos de graduação em Engenharia Mecânica, Mecatrônica, Produção, Elétrico‑eletrônica, Elétrico‑ eletrotécnica, Civil, Arquitetura e Urbanismo, Administração, Medicina Veterinária, Biomedicina, Gestão Ambiental, Agronegócios e Tecnólogo em Segurança do Trabalho da Universidade Paulista – UNIP. Ocupa também o cargo de coordenador‑geral do curso de Tecnologia de Segurança do Trabalho e coordenador do curso de pós‑graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho, ambos da UNIP – Anchieta e Campinas e coordenador‑geral do curso técnico de Segurança do Trabalho – Pronatec, da UNIP. É líder das disciplinas de Ergonomia nos cursos de Engenharia, Gestão Laboratorial e Controle de Qualidade do curso de Biomedicina. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C355m Castro, Paula de Sousa e. Medicina do trabalho. / Paula de Sousa e Castro, Ricardo Calasans. – São Paulo: Editora Sol, 2016. 148 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, n. 2‑039/16, ISSN 1517‑9230. 1. Medicina do trabalho. 2. Saúde ocupacional. 3. Direito Sanitário. I. Calasans, Ricardo. II. Título. CDU 341.617 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Rose Castilho Giovanna Oliveira GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Sumário Medicina do Trabalho APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 MEDICINA DO TRABALHO ...............................................................................................................................9 1.1 Evolução do trabalho na História ....................................................................................................9 1.2 Princípio da organização científica ............................................................................................... 10 1.3 Atenção integral à saúde do trabalhador ................................................................................... 13 1.4 Ergonomia ............................................................................................................................................... 15 1.5 Histórico da Medicina do Trabalho ............................................................................................... 21 1.5.1 Associação Brasileira de Medicina do Trabalho .......................................................................... 25 2 LEGISLAÇÃO ATUAL ........................................................................................................................................ 29 2.1 Conceitos ................................................................................................................................................. 29 2.2 O Direito na saúde do trabalhador ................................................................................................ 34 2.2.1 Direito Sanitário ...................................................................................................................................... 35 2.2.2 Direito Ambiental .................................................................................................................................... 35 2.2.3 Direito do Trabalho ................................................................................................................................. 36 2.2.4 Direito Penal .............................................................................................................................................. 37 2.3 Programa de Nutrição do Trabalhador ........................................................................................ 39 Unidade II 3 SAÚDE AMBIENTAL ......................................................................................................................................... 51 3.1 Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade ...................................................................52 3.2 O papel da saúde do trabalhador na questão ambiental ..................................................... 54 4 SAÚDE OCUPACIONAL .................................................................................................................................. 58 4.1 Vigilância ocupacional ....................................................................................................................... 58 4.2 Risco ocupacional ................................................................................................................................ 63 4.3 Acidentes de trabalho ....................................................................................................................... 66 4.3.1 Conceito de acidente do trabalho ................................................................................................... 66 4.3.2 Causas dos acidentes e doenças do trabalho .............................................................................. 70 4.3.3 Repercussão social dos acidentes .................................................................................................... 71 4.3.4 Repercussão econômica dos acidentes ......................................................................................... 73 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade III 5 REABILITAÇÃO PROFISSIONAL ................................................................................................................... 79 5.1 O trabalho em situações especiais ................................................................................................ 88 6 PCMSO E PPRA ................................................................................................................................................. 89 Unidade IV 7 DOENÇAS OCUPACIONAIS .........................................................................................................................102 7.1 Perda Auditiva Induzida por Ruído (Pair) .................................................................................102 7.1.1 Efeitos auditivos da exposição ao ruído ......................................................................................104 7.1.2 Efeitos não auditivos da exposição ao ruído .............................................................................105 7.2 Dermatoses ocupacionais ...............................................................................................................108 7.3 Câncer ocupacional ...........................................................................................................................113 7.3.1 Câncer de pele ........................................................................................................................................116 7.3.2 Câncer de pulmão ................................................................................................................................118 7.3.3 Mesotelioma de pleura e peritônio ............................................................................................... 119 7.3.4 Câncer de bexiga ...................................................................................................................................119 7.3.5 Câncer de cavidade nasal, sinonasal, nasofaringe, orofaringe e laringe ...................... 120 7.3.6 Câncer hematológico ..........................................................................................................................121 7.3.7 Câncer de estômago e esôfago ...................................................................................................... 123 7.3.8 Câncer de fígado .................................................................................................................................. 124 7.3.9 Câncer de pâncreas ............................................................................................................................. 124 7.3.10 Câncer de mama ................................................................................................................................ 125 7.3.11 Câncer de cérebro e do sistema nervoso central .................................................................. 125 8 PNEUMOCONIOSES ......................................................................................................................................126 8.1 Pneumoconioses não fibrogênicas ..............................................................................................129 8.2 Pneumoconioses fibrogênicas .......................................................................................................129 7 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 APRESENTAÇÃO A finalidade deste livro‑texto é expor os principais tópicos relacionados à Medicina do Trabalho e à maneira como a aplicação dos princípios relacionados a essa especialização da medicina pode auxiliar na melhoria das condições do trabalhador dentro das empresas. A Medicina do Trabalho é descrita na história desde 1700, pelo médico italiano Bernardino Ramazzini, que identificou as principais causas ambientais e de processos de trabalho, descrevendo essas causas – que são atuais até hoje –, bem como as atividades necessárias pelos profissionais que lidam diretamente com os trabalhadores, sejam eles profissionais médicos ou não. O estudo da Medicina do Trabalho é de extrema importância para outros trabalhadores não médicos, para quem o objetivo principal é a garantia da promoção de ambientes saudáveis de trabalho, a minimização da exposição a riscos ambientais e a adequada condição de acompanhamento e tratamento quando instalados os agravos e as doenças relacionadas às atividades ocupacionais. A partir da Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde foi assumindo progressivamente algumas ações da Saúde do Trabalhador. No entanto, ainda se faz necessária a integração de várias atividades dentro da própria empresa, bem como o conhecimento dos profissionais que trabalham com Segurança do Trabalho e Higiene Ocupacional sobre a rede de serviços que executam todas as ações no campo da Saúde do Trabalhador. Entre os objetivos centrais deste livro‑texto estão o de abordar a história da Medicina do Trabalho, os principais marcos históricos; as referências legais de acordo com a legislação nacional e internacional sobre a saúde do trabalhador; como os ambientes podem interferir no trabalho e como os processos de trabalho podem interferir no ambiente; os principais agentes físicos, químicos, biológicos e ambientais ao quais o trabalhador está exposto, bem como de que maneira a vigilância desses riscos deve ser acompanhada. Mais especificamente, serão abordadas as principais doenças ocupacionais, identificando aquelas que podem ser curadas, aquelas que precisam de acompanhamento e aquelas que podem levar ao óbito do trabalhador, inclusive com destaque ao câncer ocupacional e a como deve ser a reabilitação profissional para o trabalhador que, após a exposição a algum risco, sofra um dano permanente ou temporário. Com o estudo desta disciplina, ficará clara a importância da multidisciplinaridade para que o trabalhador possa ter uma equipe que tenha recebido conhecimentos para uma visão global do indivíduo que está dentro de uma organização para ser produtivo. Tenha um ótimo aproveitamento! Bons estudos! INTRODUÇÃO A gestão da saúde do trabalhador dentro das empresas ainda é um tema complexo e com muitos obstáculos a serem superados. A solução dos problemas que interferem na qualidade dos processos de 8 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 trabalho por interferênciadireta na saúde do trabalhador gera ainda muita contradição, porque, muitas vezes, apresenta uma necessidade de alteração na cadeia produtiva da empresa. Apesar de o trabalhador ser considerado capital para uma organização, ele deve ser capaz de gerar ações que melhorem, principalmente, a produtividade da instituição. Entretanto, a preocupação pela manutenção da integridade física e mental, buscando a promoção da saúde e a prevenção das doenças que possam estar relacionadas àquela atividade ocupacional, nem sempre faz parte dos objetivos centrais da instituição. Para o profissional da medicina do trabalho, seja ele médico ou não, deverá existir a preocupação de intervir, em muitos casos, nas condições que influenciam a gestão. Os fatores das condições dos ambientes de trabalho que impactam a saúde do trabalhador são de gestão das pessoas ou das tarefas? Qual a cultura da empresa no que diz respeito a dar autonomia para o trabalhador? Quais as condições de relacionamento entre os pares, subordinados e supervisores? Se há um profissional de saúde da medicina do trabalho, ele está comprometido com a avaliação funcional do trabalhador, avaliando todas as condições que podem interferir na sua saúde, bem como sua reabilitação, se for necessária? Em todo ambiente de trabalho deveria haver um espaço de organização dos trabalhadores com o objetivo de discutir, de maneira autônoma, como melhorar aquelas condições de trabalho que podem ser penosas, insalubres e perigosas e atuar em defesa da melhoria das condições de trabalho, da saúde e do ambiente em que estão inseridos. Nesses espaços é possível fazer uma construção de espaços educativos, articulando todos os setores interligados no processo de trabalho, representações sindicais, poder público e setores da sociedade, para que a divulgação sobre todos os riscos potenciais daquelas atividades seja de conhecimento de todos, buscando, principalmente, a prevenção da exposição desnecessária a esses riscos, bem como saber como devem ser as ações em caso de acidente ou de agravo. Com a atuação preventiva e educativa conseguimos emancipar o indivíduo para uma reflexão crítica sobre as situações de trabalho que podem gerar adoecimento e morte. Ao garantir esse conhecimento, o indivíduo poderá, de maneira autônoma, pensar e criar possibilidades de mudanças para um ambiente saudável e que se mantenha produtivo. Vamos dialogar com o tema central de medicina do trabalho, com vários outros saberes importantes e que serão essenciais para o objetivo principal, que é a garantia da execução de ações específicas para a saúde do trabalhador. 9 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Unidade I 1 MEDICINA DO TRABALHO 1.1 Evolução do trabalho na História No decorrer de sua existência, o ser humano precisou desenvolver meios de sobrevivência nas diversas condições ambientais e sociais. Para isso, observamos uma evolução na tecnologia e nos processos de produção para que as necessidades da humanidade pudessem ser supridas. [...] as inter‑relações produção/trabalho, ambiente e saúde, determinadas pelo modo de produção e consumo hegemônico em uma dada sociedade, são a principal referência para se entender as condições de vida, o perfil de adoecimento e morte das pessoas, a vulnerabilidade diferenciada de certos grupos sociais e a degradação ambiental e, assim, para construir alternativas de mudança capazes de garantir vida e saúde para o ambiente e a população (DIAS et al., 2009, p. 2.062). A primeira fase que identificamos como processo de trabalho na evolução humana foi para que este conseguisse suprir suas necessidades para sobrevivência e tinha como principais atividades a caça e a pesca. Posteriormente, encontramos registros de atividades agrícolas, de maneira que essa atividade era caracterizada por ser uma realização artesanal, com o aprendizado da humanidade em cultivar e armazenar seu cultivo, podendo comercializar aquilo que lhe era excedente. A mudança desse modelo trabalhista agrícola e de pastoreio para o modelo industrial acontece após a descoberta da energia hidráulica, da máquina a vapor e da eletricidade. Iniciaram‑se então as primeiras concentrações de pessoas em trabalhos industriais, que, por ser uma atividade nova, apresentava alto índice de acidentes. Henry Ford incorpora um novo modelo de processo de trabalho quando indica que cada funcionário faça uma determinada atividade, de maneira que todas as tarefas sejam executadas de maneira sistematizada, conseguindo melhorar a escala industrial de trabalho. Com o passar dos anos, a evolução industrial não teve mais períodos de estagnação, apenas de evolução, chegando finalmente à automação tecnológica com o uso de máquinas para a realização de tarefas que até então eram realizadas por mãos humanas, exigindo novas regras para que os processos de produção pudessem ser melhorados. 10 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I A partir desse breve histórico podemos concluir que o trabalho, junto com a matéria‑prima e a tecnologia, é essencial para a produção de bens e riquezas. E mesmo em condições de uso de tecnologias para o processo de trabalho sempre será necessária a presença do ser humano para a execução das tarefas. O que podemos perceber com a evolução do processo de trabalho ao longo da nossa história é que sempre houve a exploração da natureza e do trabalhador e, desta forma, paralelamente aconteceram as degradações ambientais. Assim, as doenças relacionadas aos processos de trabalho também se modificaram com a evolução do trabalho em cada época, pela mudança em cada período da carga biológica, psíquica, social e econômica exigida em cada processo. Algumas doenças foram controladas e outras praticamente extintas, outras emergiram de acordo com esse processo de evolução, mas o que ficou muito claro e necessário é o conjunto das ciências sobre a saúde do trabalhador e sobre o ambiente para que o desenvolvimento econômico e político não interfira nas condições adequadas de trabalho. 1.2 Princípio da organização científica Na saúde pública, a saúde do trabalhador é um campo de pesquisa que busca o entendimento das intervenções e das relações de produção e consumo, bem como das relações do processo entre saúde e doença das pessoas de acordo com as suas condições de trabalho. Esse entendimento é importante, pois, como o trabalho é entendido como um organizador da vida social, determinando diretamente as condições de vida das pessoas, a compreensão dessas relações que interferem diretamente na saúde de cada um vai determinar não só o impacto individual, mas também o contexto coletivo da sociedade, pois se acontece uma transformação nos processos produtivos que geram intervenções na ocorrência de adoecimentos e morte, isso exige um maior desafio dos gestores e pesquisadores. A força de trabalho, inserida em uma determinada sociedade, é “comprada” por aqueles que são detentores do poder financeiro, que podem ou não também estar associados a um poder político, sendo então organizadas as atividades produtivas. Essa organização da cadeia de produção nas diversas forças de trabalho é influenciada pela incorporação de tecnologias e pela forma da gestão do trabalho. Para o empregador, são avaliadas as condições que irão influenciar o pagamento para os trabalhadores (que pode ser o mínimo esperado) e, principalmente, qual o lucro a ser declarado. Segundo os autores Laurell e Noriega (1989 apud Mattos, 2012), essa condição dada pelo poder financeiro e político de uma organização é denominada “caixa preta”, pois essas condições não são transparentes, formando o que pode ser chamado de “segredoindustrial”. Além de lucro para a empresa, a cadeia produtiva também produz inclusão social e contribuição para a construção da subjetividade dos trabalhadores, que levam a condições favoráveis de saúde. Porém, por outro lado, quando essa cadeia não está alinhada adequadamente com as necessidades dos trabalhadores, pode levar ao adoecimento e morte, além de contribuir com a destruição ambiental. 11 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO De maneira favorável, essas condições poderão contribuir para a qualidade de vida dos trabalhadores, que levarão à maior efetividade da empresa. No entanto, quando essas condições são desfavoráveis, há o aumento dos efeitos negativos, como a ocorrência de acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais. A figura a seguir mostra resumidamente como acontecem essas relações dentro da cadeia produtiva, por meio da relação de bens e consumo que irão gerar lucro e renda (DIAS, 2012). Recursos Naturais Processos produtivos Subjetividade Inclusão social Saúde Capital Setor Secundário Morte Adoecimento Setor Primário Lucro Renda Força de Trabalho Setor Terciário Destruição Ambiental Figura 1 – Produção social da riqueza e suas consequências para a saúde e o bem‑estar dos trabalhadores A globalização da economia e do mercado produtivo do trabalho reestrutura o processo produtivo, viabilizado pela introdução de novas tecnologias e pelo desenvolvimento dos processos de comunicação. Isso levou a mudanças no mundo do trabalho, com repercussões sobre como acontece a natureza do trabalho, interferindo no perfil dos trabalhadores, em seus modos de vida e no processo saúde‑doença. As principais características dos processos produtivos no mundo do trabalho nos dias de hoje, são: • Diversidade. • Intensificação do trabalho. • Precarização das relações do trabalho. • Crescimento do trabalho informal e domiciliado. • Complementaridade das cadeias produtivas. • Vulnerabilidade e desproteção social. • Degradação ambiental. 12 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I Observação Segundo Druck e Borges (2002), a precarização do trabalho é um conceito desenvolvido, principalmente, para discutir a reestruturação produtiva, a gestão do trabalho e, em especial, a terceirização. A noção de precarização das relações de trabalho está associada, em especial, à desregulamentação e à perda de direitos trabalhistas e sociais; à fragilização das organizações sindicais; à subcontratação de força de trabalho – terceirização – com rebaixamento dos níveis salariais e descumprimento de regulamentos de proteção à saúde e à segurança; à intensificação do trabalho; ao aumento da jornada de trabalho; ao acúmulo de funções; à maior exposição dos riscos; à legalização dos trabalhos temporários; à informação do trabalho e ao aumento do número de trabalhadores autônomos. Tudo associado à exclusão social e à precarização da saúde. O processo de trabalho ainda pode ser organizado dentro da cadeia produtiva, sendo parcelado em etapas que são desenvolvidas por outras unidades produtivas, conhecidas como processo de terceirização e quarteirização. Em geral, as atividades mais desenvolvidas por esses processos são as que agregam menos valor ao produto final da empresa, como aquelas consideradas “sujas”, perigosas ou arriscadas. Quando essas relações de trabalho acabam de maneira precarizada, mesmo que isso signifique que o trabalho acontecerá no domicílio do prestador do serviço, é necessário entender que isso levará a condições que impedem a fiscalização adequada das regulações trabalhistas. Nesses casos, o trabalhador, por estar formalmente ligado à instituição, não terá direito aos benefícios da Previdência Social, e estes ficarão sujeitos aos cuidados das equipes da Atenção Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde. Lembrete Ao longo da evolução da sociedade, algumas doenças foram controladas e outras praticamente extintas, outras emergiram de acordo com esse processo de evolução, mas o que ficou muito claro e necessário é o conjunto das ciências sobre a saúde do trabalhador e sobre o ambiente para que o desenvolvimento econômico e político não interfira nas condições adequadas de trabalho. 13 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Saiba mais Para melhor entendimento sobre as relações de trabalho no Brasil, assista ao vídeo disponível no link a seguir. SÃO PAULO. História do emprego e relações de trabalho no Brasil. São Paulo: ViaRápida Empregos, [s.d.]. Disponível em: <http://www.viarapida. sp.gov.br/Cadernos.aspx?CadernoID=3&ApostilaID=22&cadernoIndex=0& apostilaIndex=2&mostra=video>. Acesso em: 12 fev. 2016. 1.3 Atenção integral à saúde do trabalhador Em 2011, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou o documento da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora para o SUS (PNST‑SUS), que orienta de que maneira deve ser executada a atenção integral do trabalhador no SUS. Essa política reforça o que está definido pelo SUS sobre a necessidade da interdisciplinaridade e intersetorialidade, de maneira que haja sintonia entre os serviços de saúde, os processos de trabalho e a garantia de participação dos trabalhadores como sujeitos ativos nas decisões. Para o fortalecimento da atenção integral à saúde do trabalhador, faz‑se necessária a construção de ambientes com foco na segurança e no monitoramento desses ambientes, de forma que façam a vigilância dos agravos relacionados ao trabalhador. A Constituição Federal de 1988 define que deve ser garantido atendimento integral a todas as pessoas, com prioridade para as ações de promoção da saúde e prevenção das doenças e agravos. Com a Lei Orgânica 8.080, de 1990, é dado o estabelecimento do princípio da integralidade da assistência, de maneira que todas as ações em todos os níveis de atenção devem ser garantidas de maneira que a assistência à saúde aconteça de maneira resolutiva. Com a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), o conceito de saúde integral do trabalhador fica muito mais explicitado, considerando que as ações de promoção e proteção da saúde e de prevenção de agravos e adoecimento devem estar alinhadas às ações assistenciais, devendo ser atendidas as ações de reabilitação nos aspectos biológicos, sociais e culturais. A Portaria nº 2.728/2009, do Ministério da Saúde, diz que: “As ações em Saúde do Trabalhador deverão ser desenvolvidas, de forma descentralizada e hierarquizada, em todos os níveis de atenção do SUS, incluindo as de promoção, preventivas, curativas e de reabilitação” (BRASIL, 2009a). As estratégias que devem ser executadas para a implantação da política da saúde do trabalhador, de acordo com o documento que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora (PNST‑SUS), definido pelo Conselho Nacional de Saúde, são (BRASIL, 2012d): 14 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I • Integração da vigilância em saúde do trabalhador com os demais componentes da vigilância em saúde. • Análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores. • Estruturação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast). • Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos. • Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas. • Estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do Controle Social. • Fortalecimento e ampliação da articulação intersetorial. •Garantia do financiamento das ações de saúde do trabalhador. A publicação da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) garante o cuidado integral à saúde do trabalhador, envolvendo os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência Social e Saúde. A Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho foi construída sobre os princípios já determinados pela Constituição Federal, universalidade, integralidade, prevenção, precedência de promoção, proteção e prevenção, e sobre os de assistência e reabilitação, que, com a garantia do diálogo social, têm como objetivos centrais a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e danos relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele. Após duas décadas de implantação do SUS, há uma necessidade de ajustes das políticas para a realidade de cada localidade. Desta maneira, em 2006, o Ministério da Saúde, em conjunto com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), redefinem as responsabilidades de gestão, por meio do Pacto pela Saúde, em seus três componentes: Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, trazendo então orientações específicas para as ações necessárias de fortalecimento da saúde do trabalhador e da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast). A Renast tem por eixo a atuação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) como responsáveis para a articulação das ações diretas de saúde em seu território de abrangência. Apesar do fortalecimento dessa rede de atenção específica para a saúde do trabalhador, ainda encontramos fragilidades que possam atender a todas as necessidades da relação entre trabalho, saúde, doença e ambiente. O Ministério da Saúde, em suas definições das responsabilidades nos diversos níveis de atenção, tem na descrição da Atenção Primária à Saúde a compreensão de que as ações devem ser de caráter individual e coletivo, entre elas a de vigilância em saúde. 15 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO A Vigilância à Saúde, segundo a portaria Ministerial nº 1.378, de 9 de julho de 2013, que revogou a portaria nº 3.252/2009, constitui : [...] um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise e disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde (BRASIL, 2013a). Ainda encontramos as seguintes atribuições: V – a vigilância de populações expostas a riscos ambientais em saúde; VI – a vigilância da saúde do trabalhador; VII – vigilância sanitária dos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos, serviços e tecnologias de interesse a saúde (BRASIL, 2013a). Tendo entre suas competências: I – [...] a vigilância de populações expostas a riscos ambientais em saúde, gestão de sistemas de informação de vigilância em saúde de âmbito nacional e que possibilitam análises de situação de saúde, as ações de vigilância da saúde do trabalhador e ações de promoção em saúde (BRASIL, 2013a). Portanto, as áreas de saúde do trabalhador e saúde ambiental se complementam e interligam entre si, gerando, dessa maneira, novos desafios para o Sistema Único de Saúde, constituindo a necessidade de execução de ações intra e intersetoriais, através de uma equipe necessariamente multidisciplinar, e que devem ser guiadas pelos princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade, aliados sempre ao controle social. Observação É importante lembrar que o artigo 200 da Constituição Federal de 1988 já determinava, em seu inciso II, que compete ao Sistema Único de Saúde “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador” (BRASIL, 1988). 1.4 Ergonomia A expressão “análise ergonômica do trabalho” apenas começou a ser utilizada após a publicação de uma nova versão de uma das normas que disciplinam as matérias de segurança e saúde do 16 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I trabalhador no Brasil, a qual dizia textualmente: “cabe aos empregadores realizar a análise ergonômica do trabalho” (BRASIL, 1990b). Trata‑se da Norma Regulamentadora 17, que aborda a ergonomia e que, em sua nova versão, amplia o campo normativo da ergonomia. Essa ampliação normativa da ergonomia muda a responsabilidade, que era restrita a conselhos, sobre como levantar e carregar pesos, e passa a incluir mais quatro itens: o mobiliário de trabalho; algumas condições dos ambientes de trabalho, os equipamentos (todos) de trabalho; e a organização do trabalho, que inclui as regras e tempos de trabalho. [...] visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. 17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho. 17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora (BRASIL, 1990b). A análise ergonômica do trabalho (AET) deve ser uma análise do trabalho feita em campo, com base nas atividades realizadas pelos trabalhadores no exercício da função. A AET tem como característica avaliar as situações de trabalho, privilegiando a relação entre as condições de execução do trabalho e as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores (GUÉRIN et al., 2001 apud SIMONELLI et al., 2010). Por ser considerada uma atividade humana, vinculada às condições social, econômica e pessoal, a análise deve levar em consideração o trabalho como indissociável na sua condição física e cognitiva. Assim, essa análise deve contemplar três aspectos (SIMONELLI et al., 2010, p. 69): [...] a tarefa que define o trabalho a ser realizado, antecipando os resultados e determinando as condições para a sua execução, a atividade para a realização das tarefas com a utilização do corpo e da inteligência do homem e os resultados efetivos dessa atividade. Realizando a AET de maneira adequada é possível observar o trabalho real, compreendendo como o trabalhador utiliza suas habilidades intelectuais e cognitivas para compreender o ambiente do processo de trabalho e, assim, realizar as ações para completar a tarefa. 17 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Entretanto, essa prática de observação acaba sendo muito peculiar de cada observador, pois acaba sendo subjetiva a determinação “do que” e “como” observar. Para que não aconteça nenhum, ou o menor número possível, de viés de observação, a definição de uma sistematização determinando quais serão os objetivos dessa análise poderá auxiliar na conclusão da AET. Segundo Guérin et al. (2001 apud SIMONELLI et al., 2010), essa análise deve observar as seguintes categorias: • As posturas físicas para a realização das atividades. • As ações e as tomadas de informações durante a realização da atividade. • Os deslocamentos dos funcionários. • O arranjo físico do ambiente. • As dimensões dos postos de trabalho. • As habilidadessensoriais (visual e auditiva), motoras e cognitivas necessárias. De acordo com Zurimendi (1994 apud SIMONELLI et al., 2010, p. 70): A ergonomia, na abordagem da AET, não estabelece diferença quanto ao trabalhador apresentar incapacidade ou não, pois seu pressuposto é de que a dinâmica das condições reais de execução do trabalho é a que define a forma específica da realização da atividade. Desta forma, a ergonomia situada pode contribuir para a compreensão e a avaliação das situações de inclusão no trabalho, apontando soluções específicas para certos problemas, sejam estes de caráter fisiológico, patológico, transitório ou de diferentes dificuldades. A importância da AET garante a melhora das condições de trabalho dos trabalhadores através de seu objetivo principal, que é garantir o aumento da produtividade ou a qualidade dos produtos. Com as modificações das condições de trabalho, o seu objetivo acaba se justificando em si mesmo, promovendo, finalmente, uma mudança real e duradoura dos comportamentos dos trabalhadores. Os conceitos de ergonomia no Brasil começaram tardiamente em relação a outros países mais industrializados (apenas em 1960), sendo inicialmente utilizados nas empresas de engenharia de produtos. Na década de 1970, com um grande número de acidentes em decorrência das condições de trabalho, ela passa a ser utilizada em todos os ramos industriais. Em 1975 aconteceu o 1º Seminário Brasileiro de Ergonomia, sendo discutido o enfrentamento aos acidentes e às duras condições de trabalho na mineração do carvão e na siderurgia na Europa, e de que maneira essa experiência poderia contribuir para os problemas dos acidentes do trabalho presentes naquela época, já buscando uma nova abordagem da análise do trabalho e de suas condições. Foi a partir da década de 1980 que houve o desenvolvimento real da AET, contribuindo adequadamente para os conceitos de saúde associados ao trabalho. Nessa época estava 18 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I acontecendo uma epidemia de tenossinovites entre digitadores e a metodologia da AET surgiu como uma estratégia adequada para avaliar as condições de trabalho, buscando alternativas de melhoria daquele ambiente. Com essa ação, houve um efeito muito positivo: a publicação de nova versão da Norma Regulamentadora 17, no início de 1990, fundamentada nos princípios da AET e que, pela primeira vez, incorporava a questão da Organização do Trabalho na legislação brasileira (BRASIL, 2002). Apenas a publicação da NR 17 não foi suficiente para a melhoria dos ambientes de trabalho, mas serviu como instrumento para a apropriação da AET, principalmente em diversas instituições públicas – na saúde, no trabalho ou na Justiça –, na Academia e até em algumas empresas particulares. Com a prática de uma análise ergonômica que atendesse aos requisitos qualitativos da norma, avançou a compreensão da ergonomia da atividade em vez da simples melhora da condição para evitar punições por órgãos de fiscalização. A ergonomia da atividade, quando aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho, apresenta como fundamentos teóricos e metodológicos os programas de QVT que operacionalizam práticas assistencialistas que buscam compensar os desgastes vivenciados pelos trabalhadores nos ambientes corporativos. A ergonomia, que tem por objetivo adaptar o trabalho ao ser humano, tem uma condição contraditória da abordagem da QVT, que revela como importantes limites: ser de natureza paliativa, já que as causas mais profundas do mal‑estar no trabalho permanecem intocáveis; ser de caráter compensatório, pois suas atividades visam minimizar os efeitos dos desgastes; e se apoiar no paradigma do trabalhador como a variável de ajuste. Sob a ótica das organizações, a QVT é um preceito de gestão organizacional que se expressa por um conjunto de normas, diretrizes e práticas, no âmbito das condições, da organização e das relações socioprofissionais de trabalho, que visa à promoção do bem‑estar individual e coletivo, ao desenvolvimento pessoal dos trabalhadores e ao exercício da cidadania organizacional nos ambientes de trabalho. Já sob a ótica dos trabalhadores, ela se expressa por meio das representações globais (contexto organizacional) e específicas (situações de trabalho) que eles constroem, indicando o predomínio de experiências de bem‑estar no trabalho, de reconhecimento institucional e coletivo, de possibilidade de crescimento profissional e de respeito às características individuais (FERREIRA, 2012). Na figura a seguir, é descrito o modelo de Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho (EEA_QVT), identificando a necessidade de níveis analíticos, fatores estruturadores e métodos voltados para a avaliação da qualidade de vida, sendo caracterizado por uma necessidade de conhecimentos que explicam os mecanismos e os fatores que influenciam as condutas dos indivíduos em situação de risco ou não no trabalho. 19 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Contínuo de representações dos trabalhadores Nível microergonômico Custo humano do trabalho Estratégias operatórias de mediação individual/coletiva Físico / cognitivo / afetivo Cultura organizacional Risco de adoecimento Qualidade de vida no Trabalho (QVT) Mal‑estar no trabalho (representações negativas) Bem‑estar no trabalho (representações positivas)Coexistência Eficaz método: AET Condições do trabalho Reconhecimento e Crescimento Profissional Elo Trabalho e Vida Social Organização do trabalho Relações Socioprofissionais do Trabalho Ineficaz Figura 2 – Modelo descritivo teórico‑metodológico da Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho (EAA‑QVT) No quadro a seguir são apresentados os fatores que representam o bem‑estar e o mal‑estar no trabalho, que podem levar o trabalhador a vivenciar sentimentos positivos, que serão fatores de promoção da saúde nas situações de trabalho e que indicam a presença de qualidade de vida, e os sentimentos negativos, que poderão ser um fator de risco para a saúde e sua segurança no ambiente de trabalho, indicando a falta de qualidade de vida. Quadro 1 – Fatores estruturantes das representações de bem-estar e mal-estar no trabalho Condições do trabalho Equipamentos arquitetônicos (piso, paredes, teto, portas, janelas, decoração, arranjos físicos, layouts); ambiente físico (espaços de trabalho, iluminação, temperatura, ventilação, acústica); instrumental (ferramentas, máquinas, aparelhos, dispositivos informacionais, documentação, postos de trabalho, mobiliário complementar); matéria‑prima (materiais, bases informacionais); suporte organizacional (informações, suprimentos, tecnologias, políticas de remuneração, de capacidade e de benefícios). Organização do trabalho Missão, objetivos e metas organizacionais (qualidade e quantidade, parametragens); divisão do trabalho (hierárquica, técnica, social); processo de trabalho (ciclo, etapas, ritmos, tipos de pressão); padrão de conduta (conhecimento, atitudes, habilidades previstas, higiene, trajes/vestimenta); trabalho prescrito (planejamento, tarefas, natureza e conteúdo das tarefas, regras formais e informais, procedimentos técnicos, prazos); tempo de trabalho (jornada, duração, turnos, pausas, férias, flexibilidade); gestão do trabalho (controles, supervisão, fiscalização, disciplina). Relações socioprofissionais do trabalho Relações hierárquicas (chefia imediata, chefia superior); relações com os pares (colegas de trabalho, membros de equipes); relações externas (cidadãos‑usuários dos serviços públicos, clientes e fornecedoresde produtos e serviços privados, prestadores de serviços, auditores, fiscais). 20 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I Reconhecimento e crescimento profissional Reconhecimento (do trabalho realizado, do empenho, da dedicação, da hierarquia – chefia imediata e superiores –, da instituição, dos cidadãos‑usuários / clientes / consumidores, da sociedade); crescimento profissional (uso da criatividade, desenvolvimento de competências, capacitações, oportunidades, incentivos, equidade, carreira). Elo trabalho e vida social Sentido do trabalho (prazer, bem‑estar, valorização do tempo vivenciado na organização, sentimento de utilidade social, produtividade saudável); importância da instituição empregadora (significado pessoal, significado profissional, significado familiar, significado social); vida social (relação trabalho‑casa, relação trabalho‑família, relação trabalho‑amigos, relação trabalho‑lazer, relação trabalho‑sociedade). Fonte: Ferreira (2012, p. 184). Já na figura a seguir é abordado um modelo de investigação da qualidade de vida, que tem como ponto de partida a demanda que levou àquela investigação. Tem destaque, nesse tipo de avalição, a compreensão da causa dos indicadores positivos e negativos e de que maneira influenciam a qualidade de vida no ambiente de trabalho. Demanda: Como promover a QVT? Etapa 1 – Diagnóstico da QVT ‑ Pactuação ética: contrato psicológico ‑ Alinhamento cognitivo de gestores e equipe ‑ Plano de ação e cronograma Etapa 3 – Formulação do programa de QVT Passo 5: Formulação de Programa de Qualidade de Vida Passo 2: Diagnóstico macroergonômico Passo 3: Diagnóstico microergonômico Etapa 2 – Formulação de política de QVT Definição: QVT, princípio, diretrizes Pré‑validação: gestores e equipe Validação com o público‑alvo Divulgação do programa Formalização do programa Passo 4: Redação política de QVT Definição: projetos, ações, indicadores Pré‑validação: gestores e equipe Validação com o público‑alvo Divulgação do programa Formalização do programa Definição do público‑alvo Recorte da situação‑problema com base nos resultados do diagnóstico macroergonômico Planejamento da coleta de dados Tratamento dos dados Sensibilização dos participantes Sensibilização do público‑alvo Levantamento do perfil dos participantes e adaptação do IA‑QVT Aplicação do “Inventário de Avaliação de Qualidade de Vida no Trabalho – IA‑QVT” Tratamento dos dados quantitativos e qualitativos Tratamento dos resultados Coleta de dados Tratamento dos resultados Elaboração de relatório Análise documental Grupo focal Entrevistas Observações Medidas ambientais Elaboração de relatório Validação Divulgação Validação Divulgação Passo 1 Figura 3 – Modelo metodológico em ergonomia aplicada à qualidade de vida no trabalho 21 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Observação Dar uma definição para Qualidade de Vida no Trabalho sempre será um desafio, por se tratar de um conceito que é muito individual e particular. O conceito de qualidade de vida pode passar por várias áreas e de maneira diferente entre uma mesma classe de trabalhadores. Essa definição pode permear condições relacionadas a como os processos de trabalho são executados e também à maneira como o trabalhador recebe pelo trabalho executado. O importante é determinar quais são os fatores positivos e que causam bem‑estar ao trabalhador e fazer a manutenção desses, e identificar aqueles negativos para que possam ser corrigidos. 1.5 Histórico da Medicina do Trabalho Bernardo Ramazzini, médico italiano, foi o primeiro profissional de saúde, em 1700, a classificar e sistematizar como as ações relacionadas às doenças do trabalho deveriam ter um aspecto de integralidade. Sua obra De morbis Artificum Diatriba, que pode ser traduzido como “Doenças do Trabalho”, é considerada por muitos médicos da saúde do trabalhador como um marco da especialidade, pois, ao ser avaliada, sua obra ainda é considerada atualizada sobre a compreensão das doenças. Figura 4 – Capa do Livro escrito por Bernardo Ramazzini “De morbis Artificum Diatriba” 22 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I Na metade do século XIX, um proprietário de uma fábrica têxtil, preocupado por seus funcionários não terem acesso a uma assistência médica adequada, procurou seu médico particular e perguntou de que maneira ele poderia melhorar essa condição. Seu médico então propôs que ele colocasse, dentro da própria fábrica, a presença de um médico que tivesse a responsabilidade de avaliar as condições do ambiente de trabalho e, dessa forma, identificar quais medidas preventivas poderiam ser aplicadas de maneira a garantir proteção física daqueles operários. O proprietário da indústria entendeu que era uma ideia que poderia melhorar as condições para todos e contratou o próprio médico para abrir o primeiro serviço médico da empresa, que deveria apresentar as seguintes características: • As pessoas que trabalhassem no setor de saúde deveriam ser de inteira confiança do proprietário para que ele pudesse defendê‑lo. • Os serviços no setor deveriam ser centrados na figura do médico. • As ações de prevenção de dados em decorrência dos riscos no ambiente de trabalho deveriam ser tarefa do médico. • A reponsabilidade pela ocorrência dos problemas de saúde era transferida ao médico. Esse modelo logo foi expandido, a princípio, para os países mais industrializados e, posteriormente, para os demais. Como havia uma fragilidade muito grande, e até mesmo a inexistência, dos serviços de saúde geridos pelo Estado, esse modelo conseguiu centralizar a dependência do trabalhador aos serviços médicos da empresa, inclusive com uma característica de controle direto da força de trabalho. Ao longo das décadas esse serviço foi se adaptando às necessidades das empresas. Em 1953, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), identificando os serviços médicos no ambiente de trabalho como uma necessidade importante que devia ser fortalecida, através da Recomendação 97, inicia uma discussão sobre a necessidade de formação e qualificação de médicos de trabalho, além de propor um estudo sobre a organização dos Serviços Médicos do Trabalho. Em 1954, a OIT convoca então especialistas para discutirem e determinarem quais seriam as diretrizes desse modelo de Serviços Médicos do Trabalho, que teve sua definição mudada em 1958 para Serviços de Medicina do Trabalho. Com a experiência exitosa até então, em 1959, a OIT aprova a Recomendação 112 sobre Serviços de Medicina do Trabalho, que passou a ser o instrumento normativo para referência e modelo para o estabelecimento de diplomas legais. Segundo a Recomendação 112, o Serviço de Medicina do Trabalho é conceituado como um serviço organizado nos locais de trabalho ou em suas imediações, destinado a: ‑ assegurar a proteção dos trabalhadores contra todo o risco que prejudique a sua saúde e que possa resultar de seu trabalho ou das condições em que se efetue; 23 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO ‑ contribuir com a adaptação física e mental dos trabalhadores, em particular pela adequação do trabalho e pela sua colocação em lugares de trabalho correspondentes às suas aptidões; ‑ contribuir com o estabelecimento e manutenção do nível mais elevado possível dobem‑estar físico e mental dos trabalhadores (MENDES; DIAS, 1991, p. 342). Especificamente no Brasil, em 1931, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), através do Decreto 19.443/1931. O MTIC teve como uma de suas atribuições regulamentar as condições de trabalho de forma geral e, por meio de seu poder normativo, estabelecer regras referentes à higiene, medicina e segurança do trabalho. De acordo com Almeida (2008), em 1932, com a organização do Departamento Nacional do Trabalho (DNT), foi criada uma seção que tinha atribuições diretas sobre a organização, higiene e segurança do trabalho e que resultaria na criação da Inspetoria do Trabalho, que começou a atuar a partir de 1934 como órgão de fiscalização. Em 1938, junto à Inspetoria, foi criado o Serviço de Higiene Industrial e, em 1942, a Divisão de Higiene e Segurança do Trabalho, que substituiu o serviço anterior, mostrando que havia uma preocupação com a ampliação das ações relacionadas à medicina do trabalho. Segundo Mendes e Dias (1991), todos os conceitos podem, além de determinar as características do próprio serviço, levantar alguns questionamentos e quais são as limitações do serviço de medicina do trabalho, como: • Ser uma atividade tipicamente médica, e que deve ser exercida in loco, dentro do ambiente de trabalho. • O médico deve supostamente identificar qual o melhor local para cada trabalhador dentro daquele ambiente, após a análise de aptidões físicas e mentais. Outra limitação possível de ser identificada se refere a como o médico faz a adequação do trabalhador ao trabalho, se restringindo na seleção de candidatos, adaptando‑os às condições de trabalho a que serão expostos através de atividades educativas. • Com a característica do serviço de garantir ao trabalhador o estabelecimento e a manutenção do bem‑estar físico e mental, acaba gerando uma condição de que o serviço tem apenas uma prática positivista médica. Com a expectativa de que o serviço poderia melhorar tanto a adaptação do trabalhador como também a manutenção de sua saúde, esses conceitos acabam também refletindo a influência dos princípios da administração científica do trabalho, que encontrava na medicina do trabalho uma aliada para a garantia do aumento da produtividade. 24 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I A explicação para esse elo entre a medicina do trabalho e os fundamentos das teorias administrativas sobre a produtividade é explicada por Oliveira e Teixeira (1986 apud MENDES; DIAS, 1991, p. 343): Em primeiro lugar, a seleção de pessoal, possibilitando a escolha de uma mão de obra provavelmente menos geradora de problemas futuros, como o absentismo e suas consequências (interrupção da produção, gastos com obrigações sociais, etc.). Em segundo lugar, o controle deste absentismo na força de trabalho já empregada, analisando os casos de doenças, faltas, licenças, obviamente com mais cuidado e maior controle por parte da empresa do que quando esta função é desempenhada por serviços médicos externos a ela, por exemplo, a Previdência Social. Outro aspecto é a possibilidade de obter um retorno mais rápido da força de trabalho à produção, na medida em que um serviço próprio tem a possibilidade de um funcionamento mais eficaz nesse sentido, do que habitualmente “morosas” e “deficientes” redes previdenciárias e estatuais, ou mesmo a prática liberal sem articulação com a empresa. A necessidade de uma atuação multiprofissional e estratégica na intervenção direta no ambiente de trabalho com o objetivo de identificar e minimizar os riscos ambientais traz à tona a necessidade de intensificação de pesquisas na área de saúde pública. Assim, a saúde ocupacional passa a ser considerada um ramo da saúde ambiental. Porém uma das limitações foi a de que não havia um enfoque adequado da epidemiologia da relação trabalho‑saúde. No Brasil, as instituições que se destacaram no início desse processo de desenvolvimento da saúde ocupacional foram, na vertente acadêmica, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e, na vertente instituição, a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Paralela à necessidade de instituições, acadêmicas ou não, de desenvolverem novos modelos da medicina do trabalho, outra exigência apresentada é a necessidade da participação dos trabalhadores na discussão das ações que estavam relacionadas à saúde e à segurança no trabalho. Com isso em todo o mundo e com o movimento de entidades de classe dos trabalhadores, houve uma necessidade de novas diretrizes legais para a vigilância da saúde, a validação da saúde dos trabalhadores e o acompanhamento de visitas de fiscalização. As diretrizes norteadoras para o exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores, segundo Mendes e Dias (1991), eram: • Direito à informação: sobre a natureza dos riscos e quais as medidas de controle adotadas pelos empregados para sua minimização. • Direito a resultados de seus exames médicos e de avaliações ambientais. • Direito à recusa do trabalho quando em condição de risco grave para a saúde ou vida. 25 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO • Direito à consulta prévia aos trabalhadores, antes de mudanças tecnológicas, métodos, processos e formas de organização. • Estabelecimento de mecanismos de participação, desde a escolha de tecnologias até a escolha dos profissionais que irão atuar nos serviços de saúde do trabalhador. Essas mudanças durante todo o processo da construção da Medicina do Trabalho fizeram desta nova prática um novo campo na saúde pública, com a discussão de que o objeto da saúde do trabalhador faça uma mudança dos paradigmas do processo de saúde‑doença em relação às condições de trabalho. Assim, é possível começar a conceber definitivamente que as condições no ambiente de trabalho, bem como a maneira como são realizadas as tarefas, são fatores determinantes na manutenção da saúde e que geram impacto direto não só na produtividade da empresa, mas também no âmbito social. Essa determinação da condição de nexo entre o adoecer e o ambiente e as condições de trabalho, entretanto, geram ainda muita contradição, pois é necessário que se faça uma avaliação integral não só de como o trabalhador está inserido nesse ambiente, mas em que ambiente externo esse indivíduo está inserido, familiar, social e economicamente. Assim, essa nova prática da medicina deve levar em consideração, para o entendimento da saúde do trabalhador, a integração das dimensões individual versus coletivo, biológico versus social, técnico versus político, particular versus geral. No Brasil, como no mundo, a partir da década de 1980, com o fortalecimento dessa especialidade, aliada às instituições de representação da classe trabalhadora (sindicatos) e à legislação nacional e internacional, podemos perceber que a Medicina do Trabalho ganhou as seguintes características: • Um modo diferenciado de avaliar e determinar o processo saúde‑doença, e como o trabalho pode determinar esse processo. • A caracterização de verdadeiras epidemias profissionais clássicas: intoxicação por metais pesados e lesões por esforço repetitivo (LER). • Percepção da a incapacidade do Estado em garantir que o sistema pudesse atender a todas as necessidades dos trabalhadores. • Surgimento de novas práticas com a reivindicação de melhoria das condições de trabalho, conseguindo, por exemplo, a implantação e reformulação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipa). 1.5.1 Associação Brasileira de Medicina do Trabalho Em 1944 é criada a Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (ABMT)pelos primeiros especialistas em medicina do trabalho que trabalhavam no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Esse grupo foi, depois, constituído por 35 médicos e 5 engenheiros que trabalhavam na Divisão de Higiene e Segurança 26 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I do Trabalho (DHST), que tinha como objetivo estudar, discutir e divulgar os assuntos relacionados à medicina do trabalho. Já em 1945, a ABMT integrava a Bureau Internacional de Segurança do Trabalho, com Sede em Montreal, no Canadá, e a Bureau Internacional do Trabalho da OIT. No mesmo ano, a ABMT também criou a Revista Médica do Trabalho, que possuía seções para a publicação de artigos relacionados com patologias do trabalho, em especial a doenças profissionais; Higiene do Trabalho e Segurança do Trabalho; além de seções de variedades e de divulgação de novas legislações. Almeida (2008) apresenta a distribuição dos artigos publicados na revista no período entre 1945 e 1951. Nas figuras a seguir, o autor apresenta a um apanhado dos temas abordados na publicação e a capa da Revista Médica do Trabalho, respectivamente. Revista médica do trabalho (1945-1951) 37% ‑ medicina do trabalho 26% ‑ acidentes de trabalho 14% ‑ doenças do trabalho 10% ‑ condições de trabalho 8% ‑ higiene do trabalho 5% orientação profissional Figura 5 – Distribuição dos temas de trabalhos publicados na Revista Médica do Trabalho entre 1945 e 1951 Figura 6 – Capa da Revista Médica do Trabalho, ano 1, nº 2, dezembro de 1946 (Acervo da Biblioteca do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IESC/UFRJ) 27 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Como podemos observar, os temas “medicina do trabalho” e “acidentes de trabalho” eram destaques, pois se apresentavam direta e indiretamente nos artigos publicados. A revista também publicou o resultado de diversas palestras que foram realizadas na época, como resultado de uma Campanha de Irradicação Nacional, organizada pela DHST, com o objetivo de prevenir acidentes de trabalho e discutir a importância da medicina do trabalho. Com a publicação dos artigos e a divulgação do trabalho da revista, apesar de não ser, na época, uma visão dos empresários, algumas categorias já se mobilizavam para melhoria dos ambientes de trabalho, por identificarem que as doenças resultantes desse ambiente insalubre interferiam negativamente no próprio negócio. Em 1949, com o patrocínio da Confederação Nacional das Indústrias, é realizado, no Rio de Janeiro, no período entre 28 de novembro e 3 de dezembro, o Primeiro Congresso Brasileiro de Higiene e Segurança no Trabalho, através da iniciativa da AMBT em divulgar assuntos relevantes, destacando‑se os seguintes temas: Assistência Social, Alimentação do Trabalhador, Trabalho de Menores, Segurança do Trabalho e Higiene do Trabalho. Nesse congresso foi proposta a criação de uma disciplina específica nos currículos das faculdades de medicina. Apenas em 1962 foi reconhecida a necessidade do ensino da Medicina do Trabalho nos currículos acadêmicos, através do Parecer 216, do Conselho Federal de Educação. Infelizmente, na prática não é vista a execução de matérias sobre a saúde do trabalhador ou, quando é executada, acontece em cargas horárias insuficientes. De acordo com Lucca e Kitamura (2012), o objetivo das disciplinas específicas sobre medicina do trabalho é garantir que o futuro médico, mesmo sem a especialização, tenha a visão do atendimento ao paciente trabalhador, de que o ambiente de trabalho ou as suas condições de trabalho podem ser desencadeadoras ou agravantes das condições de saúde e do aparecimento de doenças e agravos. Durante a avaliação de um paciente, é necessário que o médico faça a indagação de qual é a ocupação laboral daquele indivíduo. Mesmo que a suspeita da doença não possa estar relacionada ao trabalho, é importante a avaliação de que sua atividade pode eventualmente agravar aquele quadro. Lucca e Kitamura (2012) destacam que Ramazzini, já em 1700, destacava que o médico deveria fazer minimamente as seguintes perguntas ao paciente, para uma adequada anamnese ocupacional, perguntas que se mantém atuais: • O que você faz, e como? • Com quais produtos e instrumentos trabalha? • Há quanto tempo? • Como executa suas atividades? • Como se sente e o que pensa sobre seu trabalho? 28 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I • Conhece outros colegas com problemas semelhantes ao seu? • Onde você trabalha? • Desde quando? • Quais foram suas atividades anteriores? Diante desse contexto, é importante que as faculdades de Medicina consigam graduar seus profissionais com o objetivo de entender e compreender integralmente quais são as necessidades biológicas e sociais dos indivíduos, dentro do processo de saúde‑doença, interligando as interferências do trabalho nesse processo. Em sua formação básica, o médico deve ter competências mínimas, independentemente de sua especialidade. Essas competências são destacadas por Dias et al. (apud LUCCA; KITAMURA, 2012, p. 47) como: [...] entender e valorizar a influência do meio ambiente e do ambiente de trabalho sobre a saúde humana; obter a história de exposição ambiental e história ocupacional de todos os pacientes; reconhecer sinais, sintomas doenças e fontes de exposição relacionadas com os agentes ambientais e ocupacionais comuns, compreender e exercer as responsabilidades éticas e legais intrínsecas ao atendimento de pacientes com problemas e preocupações ocupacionais e ambientais. Segundo Dias, Gontijo e Oliveira (2003) como já foi dito anteriormente, a Medicina do Trabalho está interligada com a Saúde Pública além da própria clínica da medicina tradicional, podendo ser compartilhada com outras áreas do conhecimento, como Ergonomia, Toxicologia, Higiene Ocupacional, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Engenharia de Segurança do Trabalho e Saúde Ambiental, e deve ter como responsabilidades: A mediação de uma interação positiva entre os trabalhadores e o seu trabalho; a articulação entre as necessidades individuais e coletivas dos trabalhadores e as necessidades sociais, econômicas e administrativas da produção; a promoção da saúde e a prevenção da doença, a assistência aos acidentados ou vítimas de agravos relacionados ao trabalho, incluindo os cuidados de emergência e a reabilitação física e profissional (DIAS; GONTIJO; OLIVEIRA, 2003, p. 3). Na figura a seguir, Dias, Gontijo e Oliveira (2003), descrevem como a Medicina do Trabalho tem importância na agregação de valor tanto no âmbito econômico como no social. No social, pode garantir uma melhor qualidade de vida no trabalho de maneira individual, o que irá contribuir para que o coletivo acabe também sendo valorizado e recebendo benefícios. No contexto econômico, por garantir melhores condições de saúde e do ambiente de trabalho, acaba influenciando o aumento da produtividade da organização, que melhora todo o seu sistema produtivo. Por 29 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO outro lado, é importante que a Medicina do Trabalho, inserida numa sociedade, acaba gerando melhores competências de todos, através da incorporação de novos conhecimentos, melhorando as habilidades e mudando as atitudes de todos que estão inseridos nesse contexto. Sociedade Agrega valor Medicina do trabalho Indivíduo Indivíduo Indivíduo Indivíduo IndivíduoColetivo Trabalhadores Organização Organização Organização Organização Organização Sistema produtivo Conhecimentos Habilidades Atitude Saúde Qualidade de vida Social Eco nôm ico Produtividade Figura 7 – Modelo da Medicina do Trabalho dentro da Sociedade 2 LEGISLAÇÃO ATUAL 2.1 Conceitos A Lei n° 8.080, de 1990, determina que a execução de ações de saúde do trabalhador compreende um conjunto de atividades que inclui as vigilâncias sanitária, epidemiológica e ambiental, visando à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho (BRASIL, 1990a). As principais ações de saúde do trabalhador enumeradas pela Lei 8.080/1990 estão relacionadas a seguir: I – assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; II – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; III – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de 30 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; IV – avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; V – informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; VI – participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; VII – revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e VIII – a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. O artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece as disposições complementares às normas de segurança e medicina do trabalho, de acordo com o que é determinado no Capítulo V, do título II, da CLT, que foi alterado pela Lei nº 6.514/77, conforme descrito a seguir, na seção I: Art. 1º – O capítulo V do Título II da Consolidação das leis do Trabalho, aprovado pelo Decreto‑lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: “Capítulo V DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 154 – A observância, em todos os locais de trabalho, do disposto neste Capitulo, não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho. 31 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Art. 155 – Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho: I – estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200; II – coordenar, orientar, controlar e supervisionar a fiscalização e as demais atividades relacionadas com a segurança e a medicina do trabalho em todo o território nacional, inclusive a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho; III – conhecer, em última instância, dos recursos, voluntários ou de ofício, das decisões proferidas pelos Delegados Regionais do Trabalho, em matéria de segurança e medicina do trabalho. Art. 156 – Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes deste Capítulo, nos termos do art. 201. Art. 157 – Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. Art. 158 – Cabe aos empregados: I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. 32 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 Unidade I Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa. Art. 159 – Mediante convênio autorizado pelo Ministro do Trabalho, poderão ser delegadas a outros órgãos federais, estaduais ou municipais atribuições de fiscalização ou orientação às empresas quanto ao cumprimento das disposições constantes deste Capítulo. Fonte: Brasil (1977). Saiba mais Para o conhecimento na íntegra de toda a Lei nº 6.514/77, que altera o Capítulo V do Título II da CLT, acesse: BRASIL. Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Altera o Capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo a segurança e medicina do trabalho e dá outras providências. Brasília, 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6514.htm>. Acesso em: 3 fev. 2016. A Portaria 3.120/98, no âmbito do SUS, vem ser disciplinadora das ações de vigilância em saúde do trabalhador e tem como princípios (BRASIL, 1998): • Universalidade. • Integralidade das ações. • Pluri‑institucionalidade. • Controle social. • Hierarquização e descentralização. • Interdisciplinaridade. • Caráter transformador. • Pesquisa‑intervenção. 33 GS T - Re vi sã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 7/ 02 /2 01 5 MEDICINA DO TRABALHO Desses princípios, podemos destacar as seguintes definições: 3.1. – Universalidade: todos os trabalhadores, independentemente de sua localização, urbana ou rural, de sua forma de inserção no mercado de trabalho, formal ou informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado, autônomo, doméstico, aposentado ou demitido são objeto e sujeitos da Vigilância em Saúde do Trabalhador. [...] 3.5. – Hierarquização e descentralização: consolidação do papel do município e dos distritos sanitários como instância efetiva de desenvolvimento das ações de vigilância em saúde do trabalhador, integrando os níveis estadual e nacional do Sistema Único de Saúde, no espectro da ação, em função de sua complexidade. [...] 3.7. – Pesquisa‑intervenção:
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