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Dissertação - Fabiana Ferreira Novaes - 2018 (1)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS 
FACULDADE DE DIREITO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO 
FABIANA FERREIRA NOVAES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO AGROALIMENTAR EM CONSTRUÇÃO: 
DO NASCIMENTO NO CAMPO AOS DEBATES REGIONAL E GLOBAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GOIÂNIA 
2018 
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FABIANA FERREIRA NOVAES 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO AGROALIMENTAR EM CONSTRUÇÃO: 
DO NASCIMENTO NO CAMPO AOS DEBATES REGIONAL E GLOBAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GOIÂNIA 
2018 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação em Direito Agrário da Universidade 
Federal de Goiás, como requisito parcial para a 
obtenção do grau de Mestre em Direito, área de 
concentração em Direito Agrário, sob a orientação 
do Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho 
Dantas. 
 
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TERMO DE AVALIAÇÃO 
 Fabiana Ferreira Novaes 
 
 
 
O Direito Agroalimentar em construção: 
Do nascimento no campo aos debates regional e global 
 
 
 
Dissertação apresentada no dia_________04_________ de__________abril____________ de 
2018, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-
Graduação em Direito Agrário, da Universidade Federal de Goiás, perante banca examinadora 
formada pelos seguintes professores: 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas (UFG) 
Presidente da Banca 
 
 
 Prof. Dr. Eduardo Gonçalves Rocha 
Examinador 
 
 
Prof. Dr. Carlos Frederico Marés de Sousa Filho 
Examinador 
 
 
Prof. Dr. Gabriel da Silva Medina 
Examinador 
 
Goiânia, abril de 2018. 
 
 
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Aos povos da América Latina. 
 
Aos personagens que permanecem à margem da “história no mundo”, 
mas têm terra do mundo em suas unhas. 
 
Aos autores que trouxeram novo fôlego ao Direito Agrário brasileiro e 
aos que ainda hão de trazer. 
 
 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
 
 
Gratidão a todas as conspirações que me trouxeram até aqui. Aos meus pais, Robison 
Couto Novaes e Neilza Ferreira Couto Novaes, por todo o apoio. Por gastarem o precioso 
tempo de suas férias no sofá de casa, só para desfrutar da minha companhia ainda que eu 
precisasse seguir escrevendo. Por terem a paciência de escutar minhas divagações em voz 
alta, que integravam um processo de construção do pensamento; sobretudo por aguentarem 
meus “por que(s)?” desde sempre e apoiarem uma jornada de aprendizados que não 
encontrará fim. 
À minha irmã Fernanda, que aguentou firmemente alguns momentos de tensão e 
muito livro espalhado em todo canto. 
Ao orientador e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da 
Universidade Federal de Goiás, Prof. Dr. Fernando Antônio de Carvalho Dantas, pelo zelo na 
orientação da pesquisa realizada; por iluminar pontos importantes de reflexão incentivando a 
formação de um pensamento coerente e não superficial. 
Aos integrantes da banca de qualificação – Prof. Dr. Rabah Belaidi e Prof. Dr. Carlos 
Frederico Marés de Souza Filho, pela disposição em realizar contribuições e ponderações 
essenciais ao trabalho aqui desenvolvido. 
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário, pelo diálogo em 
classe e extraclasse com indicações valiosas de leitura, desenvolvimento de grupos de estudo, 
seminários e outras atividades que permitiram vivenciar a graduação de Mestre de modo 
intenso e pertencente ao Programa. Em especial à Prof. Drª Maria Cristina Vidotte Blanco 
Tarrega, que através da pesquisa de Iniciação Científica - ainda na graduação, revelou os 
caminhos da vida acadêmica e da realização de debates profundos que universidade não 
permitia; também ao Prof. Dr. Eduardo Rocha, por conduzir de forma tão simples e ao mesmo 
tempo impactante a expansão das nossas mentes e construções do pensamento, logo nos 
primeiros meses de curso. 
Aos servidores da Universidade Federal de Goiás por toda presteza e auxílio. 
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), 
financiadora desta pesquisa. 
Aos colegas discentes, pela proximidade e amizade, por compartilharem agonias e 
noites de sono perdidas. Pelas várias divagações em voz alta (desta vez em conjunto) e por 
todas as vezes que permanecemos horas a fio debatendo todos os assuntos possíveis em frente 
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o portão da Faculdade de Direito, até que não restasse mais um aluno sequer no prédio. 
Agradeço as risadas compartilhadas, as viagens com apresentações de artigos e tantas 
histórias que guardarei. Em especial, à colega “conterrânea de região”, Renata Benevides, que 
me deu a alegria de relembrar raízes do meu Norte aqui no Cerrado, partilhando comigo 
muitos lanches, cafés, produção de textos e amizade. 
A quem está distante e mesmo assim dentro do peito. 
Aos amigos que nunca deixaram de se fazer presentes, mas que entenderam minha 
ausência necessária. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“15 de julho de 1955. Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu 
pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos 
gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. 
Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de 
sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.” 
 
Carolina Maria de Jesus (1960, p. 9). 
 
 
 
 
“Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles 
praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com 
esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se 
tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só 
quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e 
também como uma imposição a outros Estados.” 
 
Ha-Joon Chang (2018, em entrevista ao periódico El País). 
 
 
 
10 
 
RESUMO 
 
 
 
 
Este trabalho busca compreender a formação do Direito Agroalimentar e contribuir para a 
construção de um entendimento da matéria em seu aspecto fundacional e conceitual, levando 
em conta nesse processo a existência de realidades diversas àquelas sob as quais tal direito 
vem se erguendo e se estruturando. O Direito Agroalimentar que se coloca atualmente como 
parâmetro mundial corresponde em verdade a um direito regional, construído a partir de 
localidades europeias, com seus interesses econômicos, políticos e sociais específicos. A 
centralidade da sistemática agroalimentar na qual se insere está no aspecto da produtividade 
agrícola de modo industrial. Nessa lógica, o estabelecimento agrícola logo pode ser entendido 
como uma empresa agrária. Porém este modelo industrializado de produção não corresponde 
à totalidade das realidades produtivas do mundo e, na homogeneização clássica inerente ao 
pensamento moderno, as práticas destoantes restam marginais e invisíveis. Diante disso 
propõe-se pensar a partir de novas bases epistemológicas, fazendo um contraponto ao 
pensamento moderno/industrial voltado à alta produtividade, para vislumbrar a diversidade de 
produções existentes no globo. As Epistemologias do Sul surgem para este trabalho como 
essa nova base possível para repensar a Ciência do Direito que se volta à disciplina 
agroalimentar. Corroboram com esta intenção as diretrizes da linha crítico-metodológica, 
argumentativa, com a realização de pesquisa bibliográfica. Assim o primeiro capítulo objetiva 
apresentar o Direito Agroalimentar que se constrói a partir da realidade eurocêntrica. O 
segundo identifica que a uniformização segundo este parâmetro é incompatível com a 
diversidade de agriculturas do mundo; na sequência, o terceiro capítulo tenta demonstrar 
como a eleiçãode um modelo agrícola universal padrão encobre as demais práticas 
produtivas. O último busca contribuir para um entendimento de Direito Agroalimentar como 
espaço de convergência de diferentes sistemáticas agroalimentares. 
 
Palavras-chave: Direito Agroalimentar; Direito Agrário; Eurocentrismo; Decolonialidade; 
Epistemologias do Sul; 
 
 
 
 
11 
 
ABSTRACT 
 
 
 
This research seeks to understand the formation of Agrifood Law and contribute to the 
construction of an understanding of matter in its foundational and conceptual aspect, taking 
into account in this process the existence of different realities to those under which this right 
is rising and structuring. The Agrifood Law that currently stands as a global parameter 
corresponds in truth to a regional right, built from European localities, with its specific 
economic, political and social interests. The centrality of the agri-food system in which it is 
inserted is in the aspect of agricultural productivity in an industrial way. In this logic, the 
agricultural establishment can soon be understood as an agrarian enterprise. But this 
industrialized model of production does not correspond to the totality of the productive 
realities of the world, and in the classical homogenization inherent in modern thought, the 
practices of development are marginal and invisible. In view of this, it is proposed to think 
from new epistemological bases, counteracting modern / industrial thinking focused on high 
productivity, in order to glimpse the diversity of productions existing in the globe. The 
Epistemologies of the South appear for this work as this new possible basis for rethinking the 
Science of Law that turns to the agrifood discipline. They corroborate with this intention the 
guidelines of the critical-methodological, argumentative line, with the accomplishment of 
bibliographical research. Thus the first chapter aims to present the Agrifood Right that is built 
from Eurocentric reality. The second identifies that standardization according to this 
parameter is incompatible with the diversity of the world's agriculture; the third chapter 
attempts to demonstrate how the election of a standard universal agricultural model masks 
other productive practices. The latter seeks to contribute to an understanding of Agro-Food 
Law as a space for convergence of different agri-food systems. 
 
Keywords: Agro-food Law; Agrarian Law; Eurocentrism; Decoloniality; Epistemologies of 
the South; 
 
 
 
 
 
 
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
AAA Agricultural Adjustment Act 
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento 
CCC Commodity Credit Corporation 
CE Comunidade Europeia 
CE Constituição Espanhola 
CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço 
CEE Comunidade Econômica Europeia 
CIAT Centro Latino-Americano para Agricultura Tropical 
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
CONSAD Consórcios de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local 
Euroatom Comunidade de Energia Atômica 
FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura 
FMI Fundo Monetário Internacional 
GATT Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio 
Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais 
IITA Instituto Internacional de Agricultura Tropical 
Losan Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 6.047) 
OCDE Cooperação e Desenvolvimento Econômico 
OECE Organização Europeia de Cooperação econômica 
ONU Organização das Nações Unidas 
PAA Programa de Aquisição de Alimentos 
PAC Política Agrícola Comum 
PFZ Projeto Fome Zero 
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar 
Pnuma Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente 
PRONAF Plano Safra da Agricultura Familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento 
da Agricultura Familiar 
SAN Segurança Alimentar e Nutricional 
Sinsan Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 
EU União Europeia 
Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância 
13 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15 
 
CAPÍTULO 1 
APRESENTAÇÃO DO DIREITO AGROALIMENTAR CONSTRUÍDO A PARTIR 
DA COMUNIDADE EUROPEIA.........................................................................................26 
1.1 Definição e origem do Direito Agroalimentar..............................................................28 
1.1.2 A formação de um Direito Alimentário na Europa e sua contribuição para o Direito 
Agroalimentar ...............................................................................................................30 
1.2 Contexto normativo e fontes do Direito Agroalimentar................................................33 
1.3 Da formação do Direito Comum Europeu ao Direito Agrário e 
Agroalimentar................................................................................................................36 
1.4 Do estado das coisas no Direito Agrário: panorama de visões e conceitos do Brasil e 
da América Latina.........................................................................................................44 
1.5 Antes do Agroalimentar, o que é Direito? ....................................................................57 
 
CAPÍTULO 2 
DA DIVERSIDADE DE SISTEMAS AGROALIMENTARES NO MUNDO À 
UNIFORMIZAÇÃO CONCEITUAL EUROCÊNTRICA.................................................65 
2.1 Do Neolítico às formas de agricultura industrial contemporânea: surgimento e 
transformação dos sistemas agroalimentares diversos..................................................67 
2.2 Revoluções Agrícolas nos Tempos Modernos e seus impactos sobre as agriculturas do 
mundo............................................................................................................................71 
2.3 A questão da modernidade e o estabelecimento de um modelo produtivo industrial 
uniforme........................................................................................................................77 
 
CAPÍTULO 3 
A UNIVERSALIZAÇÃO DO SISTEMA AGROALIMENTAR EUROPEU E O 
ENCONBRIMENTO DAS AGRICULTURAS DIVERSAS DO MUNDO.......................84 
3.1 Um paralelo entre os conceitos de território, rede, localidade e espaço global em 
relação à agricultura......................................................................................................86 
3.1.2 Territórios de produção local em face de um modelo produtivo universal...................91 
14 
 
3.2 O movimento colonizador e o legado colonial para a sistemática global.....................97 
3.3 A racionalidade moderna ocidental no bojo do movimento colonizador....................101 
3.4 A produtividade agrícola como fim da sistemática agroalimentar universal..............106 
3.5 O programa político neoliberal e seus desdobramentos socioambientais...................113 
3.5.1 A questão alimentar.....................................................................................................117 
 
CAPÍTULO 4 
O DIREITO AGROALIMENTAR ENQUANTO ESPAÇO DE CONVERGÊNCIA DE 
MODOS E PRODUÇÕES....................................................................................................122 
4.1 A questão agrária e alimentar hoje: evolução legislativa............................................125 
4.2 Para outra racionalidade, contribuições das Epistemologias do Sul...........................132 
4.3 Pensando um diálogo agroalimentar global com colaborações locais e regionais......134 
4.4 Sobre novas bases: o pensamento decolonial na construção de um Direito 
Agroalimentar alinhando com as complexas realidades do mundo............................138 
 
CONCLUSÃO.......................................................................................................................141REFERÊNCIAS....................................................................................................................145 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
INTRODUÇÃO 
 
Este trabalho surge do interesse em compreender a formação do Direito 
Agroalimentar e contribuir para a construção de um entendimento da matéria em seu aspecto 
fundacional e conceitual, trazendo para a reflexão as epistemologias do Sul, ou: levando em 
conta, nesse processo construtivo, realidades diversas àquelas sob as quais tal direito vem se 
erguendo e se estruturando. 
A inserção do caráter alimentar da agricultura nas concepções mais recentes de 
Direito Agrário reflete o novo momento que adentra enquanto “ramo jurídico”, decorrente 
das mudanças na própria atividade da agricultura que foi de tradicional à empresarial, até a 
considerada profissional e científica. Segundo entendimento daquele que primeiro (ou que 
dentre os primeiros) trata do assunto, o jurista espanhol Alberto Ballarin Marcial, a estas 
mudanças tecnológicas soma-se um conjunto de grandes preocupações do mundo atual. É 
nesse sentido que concebe o Direito Agroalimentar como a nova fase do direito agrário 
enquanto sistema de normas que regula a atividade pública e privada no que toca a 
agricultura, porém não se restringindo a ela: faz referência também à alimentação, à 
conservação da natureza e os estímulos voltados ao meio rural (MARCIAL, 2010). 
Segundo Ballarin Marcial (2010), essas novas preocupações e a própria renovação 
tecnológica que alcança a agricultura sugere uma alteração no foco do Direito Agrário 
clássico, motivo pelo qual ele propõe a atualização por meio do novo Direito, Agroalimentar, 
em que a agrariedade ou questões relacionadas à terra (como a propriedade) deixam a 
centralidade da matéria, vez que a produção de alimentos não esteja unicamente vinculada e 
dependente da terra. Dada a modernidade, a produção alimentícia pode resultar de formas de 
cultivo como a hidroponia
1
 e outras vinculadas ao desenvolvimento da ciência e da 
tecnologia. Portanto, em tese tais questões estariam em segundo plano nesse novo momento, 
enquanto a produção de alimentos em si passa a ser passa a ser a nova tensão central do 
âmbito agrário. Trata-se de produção que se realiza justamente com o aparato tecnológico e 
científico, que tem por fim obter grandes volumes de produtos agrícolas de maneira 
uniformizada e especializada – caraterística presente no agronegócio. 
 
1
 O cultivo hidropônico se refere à um sistema de produção sem o uso do solo, em ambiente fechado, com o uso 
de soluções nutritivas para obter as condições necessárias às plantas cultivadas. Tais condições variam conforme 
os potenciais produtivos e exigências de cada planta, além de aspectos como luminosidade, temperatura, época e 
ambiente de plantio, e qualidade da água. (MELO; SANTOS, 2006 apud. MENEGAES; FILIPETO; 
RODRIGUES; SANTOS, 2015) 
16 
 
Ainda que se considerasse apenas a produtividade, como a nova tensão entre 
produtores rurais e consumidores, permanecem outras inquietações como a relação entre 
produtores e o modelo produtivo fundado na uniformização e nos altos níveis de produção; o 
acesso aos meios de produção; a participação em políticas públicas e mesmo os diferentes 
incentivos destinados à exploração de vastas extensões com monocultura e aquelas voltadas à 
produção de pequenos agricultores, entre outras temáticas. Ademais, a atividade jurídica 
cotidiana, seja em debates de querela judicial ou em entendimentos doutrinários, parece longe 
de deixar de lado questões persistentes relacionadas à terra. Basta observar as pesquisas, 
textos acadêmicos e debates que têm por objeto polêmicas envolvendo a propriedade como 
direito fundamental inviolável, a reforma agrária, demarcação de terras, expropriação ou 
formas de aquisição e uso de terras, para citar alguns. 
Enfocar no aspecto produtivo como eixo do Direito Agroalimentar significa reforçar 
a identificação errônea do Direito Agrário como direito do agronegócio, que tem por objetivo 
final regular àquela atividade agrícola que alcance altas taxas de produção e produtos a preços 
baixos, por meio do uso intensivo do capital e de suas máquinas. Nesse sentido, a mudança na 
centralidade do debate agrário, sugerida no entendimento europeu do Direito Agroalimentar, 
não representa alteração conceitual, nem muda ou renova a interpretação do Direito Agrário 
clássico: os conceitos se revelam mais amplos (para incluir o caráter alimentar na estrutura 
normativa), porém assentados exatamente sobre as mesmas bases e pressupostos. Tanto o 
direito de propriedade - âmago da concepção agrarista clássica quanto o direito de produção - 
que almeja a centralidade da concepção mais recente, se referem de fato a duas formas de 
manifestar a mesma prerrogativa: o ter, o possuir, como liberdade individual que deve ser 
garantida. Implica dizer que provavelmente perdurarão os mesmos debates decorrentes (e 
próprios) dessa forma de conceber o direito. Modo de pensar que, por sua vez, decorre da 
forma de pensar própria da modernidade, baseada no rigor científico (ciência matemática), na 
linearidade (ciência física) e em teorias não questionadas de causalidade e efeito, que 
desembocam no positivismo: a defesa de uma lei natural pela lei, que não pode ser alterada e 
tem assim sua validade. Contudo, esse modo de pensar vem sendo questionado pela própria 
modernidade, vez que ela mesma fornece instrumentos que permite aprofundar os 
conhecimentos adquiridos e, logo, questioná-los. 
De acordo com Boaventura de Sousa Santos (2002) isto é precisamente o que 
acontece no momento atual, teorias inovadoras nas diversas áreas do conhecimento, desde as 
ciências da natureza até as sociais, apresentam novas condições teóricas (principalmente a 
partir de 1980 e 1990) que colocam em crise aquilo que se estabelecia como paradigma 
17 
 
fundamental da modernidade. As novas teorias denunciam as fragilidades do paradigma 
dominante e sua vulnerabilidade, evidenciando sua crise
2
. Ao mesmo tempo, é um movimento 
científico que propicia “profunda reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico, 
uma reflexão de tal modo rica e diversificada, que [...] caracteriza exemplarmente a situação 
intelectual do tempo presente” (SANTOS, 2002, p. 71). 
Para esta reflexão, dois aspectos que devem inevitavelmente ser observados: 
primeiro, o fato de se reconhecer que o conhecimento científico não é fixo, invariável e 
imutável, a exemplo das próprias leis fundamentais física. Ele é válido em determinada escala 
de análise e sofre interferências de seu observador; O segundo diz respeito ao conteúdo: esse 
conhecimento não é o único, mas um mínimo de conhecimento, que tem as portas fechadas a 
outros saberes sobre o mundo (SANTOS, 2002, pg. 73). 
 Definidos estes dois pontos para refletir epistemologicamente o conhecimento 
científico, Santos (2002) ressalta então que o novo paradigma, emergente, não pode mais ser 
somente científico, deve também ser social vez que o momento atual é de revolução científica 
dentro de uma sociedade revolucionada pela ciência ela mesma. Portanto, uma revolução de 
natureza estruturalmente diversa àquela ocorrida no século XVI (pg. 74). Nesse sentido o 
autor demonstra que o desenvolvimento teórico que privilegie o aspecto científico em si 
mesmo, ignorando o social, refletirá em uma sistemática normativa de prevalência 
regulamentadora sobre uma emancipatória (SANTOS, 2002, p. 80). Em termos de ciência 
jurídica, a consequência dessa dominância se mostra na abstração excessiva da ideia de 
sujeito de direito, de modo que o sujeito codificado não se aproxima do sujeito real 
(MEIRELES, in: FACHIN, 1998, p. 91). A noção da pessoa gente se torna excessivamente 
abstrata no direito privado, conceito que “desaguou diretamente no CódigoCivil brasileiro” 
(FACHIN, 2000, p. 85) nos elementos da relação jurídica. Assim, é pessoa quem o Direito 
assim estabelece. 
É preciso então conhecer como Direito Agrário é entendido e definido dentro do 
paradigma dominante, pois a proposta de renovação desse direito nasce nesse mesmo 
paradigma. Por sua vez, esse entendimento também auxilia no entendimento da importância 
que o aspecto produtivo toma - surgindo como fator central do Direito Agroalimentar, 
conforme se desenvolvem a ciência e a tecnologia voltadas à alta produtividade. Desse modo 
 
2
 Importante notar que este movimento científico é posterior à euforia que transbordava nos campos da ciência 
no século XIX, culminando em conhecimento das coisas em si mesmas, negligenciando a reflexão de questões 
sociais, culturais ou os padrões de investigação científica. Houve certa aversão à reflexão filosófica, “bem 
simbolizada pelo positivismo” (SANTOS, 2002, p. 71). Contudo, uma reflexão epistemológica deve considerar 
estes aspectos. 
18 
 
se evidenciam as influências economicistas desta visão, que vão se relevando nas próprias 
definições jurídicas d matéria agrária. Segundo este viés, “a agricultura deveria ser tratada nos 
mesmos termos do comércio e da indústria, uma orientação política que nega a inspiração 
social própria do nascimento da disciplina” (ZELEDÓN ZELEDÓN, 2004, p. 20). Quase 
todas as críticas coincidem em indicar a onda neoliberal como responsável da negação do 
social e nessa sistemática a agricultura regional vai empobrecendo e perdendo seu 
protagonismo de modo que todos os cidadãos - inclusive os pobres do campo – passam a ser 
classificados como consumidores (ZELEDÓN ZELEDÓN, 2004, p. 21). 
Por isto, a fim de primeiro investigar, avaliar e formar um parecer mais conclusivo 
sobre o Direito Agroalimentar que vem sendo construído, deve-se antes compreender as bases 
sobre as quais ele se ergue, bem como examinar aquilo que se coloca como seu objeto central 
e por que. Para depois pensar qualquer contribuição ao seu momento construtivo. Não 
realizada essa ponderação se trata de simples reprodução da uma forma predominante de 
conceber o Direito Agrário, sustentando-o, sem ao menos saber justificar por qual motivo 
deve permanecer assim ou não. Além do mais, o momento parece propício à reflexão de 
concepções alternativas, pelo apontamento de alguns autores do retorno - ou reencontro - do 
direito com o humanismo (uma retomada da visão do homem (ser) enquanto fim do direito e 
não meramente meio). As novas dimensões do Direito Agrário devem acompanhar a tomada 
de consciência dos caminhos pelos quais avança o direito como um todo, já que diante dos 
processos desumanizantes recorrentes abre-se espaço para o retorno de debates voltados aos 
Direitos Humanos relacionados a temáticas diversas pertinentes ao Direito (ZELEDÓN 
ZELEDÓN, 2004, p. 16). 
Dito isso e, considerando que o Direito Agroalimentar surge como proposta de 
renovação do direito agrário ou nova “ramificação”
3
 do direito revela-se o pressuposto de que 
ele se levanta dentro da racionalidade do positivismo jurídico, que deixa de lado reflexões 
filosóficas sobre moral e justiça para a predominância do “direito” (código)
4
. O pensamento 
 
3
 O termo faz referência às divisões tradicionalmente feitas do Direito a fim de designar um segmento específico 
de normas positivadas à determinada área por ele tutelada. Assim o Direito Privado, por exemplo, se volta às 
relações do âmbito privado da vida em sociedade; o Direito Penal àquelas situações de natureza criminal com 
previsão no respectivo código e assim por diante. Estrutura pertinente ao positivismo jurídico e seu processo de 
sistematização do direito na forma de códigos, sob a ideia de que a norma deve ser organizada e completa, 
cristalizando o direito na forma de lei. O movimento de codificação é o princípio da “forma moderna de se 
construir o direito” (COSTA, 2008, n.p.). Disponível em <http://www.arcos.org.br/livros/hermeneutica-
juridica>. Acesso em: outubro 2017. 
4
 Segundo a percepção de Norberto Bobbio em Teoría General del derecho, a teoria completa do positivismo 
jurídico se encontra em Thomas Hobbes (pg. 31) que afirma que valores como justiça e moral são convenções, 
não necessárias ou pré-existentes (como defendiam os jusnaturalistas). Portanto, justo e injusto é aquilo que cada 
um define conforme seus interesses e desejos. Os indivíduos transferem para o soberano o seu direito natural de 
http://www.arcos.org.br/livros/hermeneutica-juridica/capitulo-i-o-legalismo-positivista
http://www.arcos.org.br/livros/hermeneutica-juridica/capitulo-i-o-legalismo-positivista
19 
 
moderno incentiva os aspectos tanto científicos quanto técnicos do conhecimento, e o direito 
enquanto integrante desse grupo, assim se constrói. Ambos os aspectos não são independentes 
ou desvinculados de uma estrutura econômica e política. Nessa lógica é possível perceber o 
sentido da ampliação do Direito Agrário clássico, a alteração de seu eixo central para a 
produção, ou mesmo da sugestão de um novo „ramo‟ do Direito, e porque ele se confunde 
facilmente com um direito do agronegócio – atividade que reúne exatamente as caraterísticas 
de produtividade, tecnologia e ciência, estando relacionada tanto à economia quanto à 
política. 
Tal confusão não é sem nexo, pois os alinhamentos com a postura econômica liberal 
e uma política protecionista se fazem presentes desde o surgimento do Direito Agrário e 
Agroalimentar
5
 na Europa. Já em sua origem, esta nova concepção de direito agrário concerne 
de fato a uma localidade específica e consequentemente decorre de sua lógica econômica, 
social e política própria. Ao mesmo tempo, tal formato vai se estabelecendo como diretriz 
global para o desenvolvimento das concepções e grupos de normas de outras localidades
6
 ao 
redor do mundo, circunstancia que também corresponde ao estabelecimento de um modelo 
produtivo padrão. Nesse sentido, a pergunta que se faz é como repensar e conceber um direito 
agrário que está vinculado a uma estrutura e organização produtiva baseada num modelo de 
agricultura, que fundado na ideia econômica de mercado e produtividade, tolhe outros 
modelos produtivos, no momento em que ressurgem reflexões mais humanizadas para o 
Direito? 
Quando se fala em “renovação” do Direito Agrário imagina-se uma revisão ou 
análise da matéria percebendo os debates que emergem no momento presente, qual sejam 
 
decidir o que é justo ou injusto na passagem do estado da natureza para o estado civil. Nesse sentido, justiça e 
injustiça nascem junto com o Estado e com o direito positivo (BOBBIO, 1987, p. 30 ss.). 
5
 Essa menção conjunta de Agrário e Agroalimentar faz referência ao modo como Balarin Marcial entende o 
segundo como parte ampliada ou evolução do primeiro, contudo sem abandoná-lo. Quando se fala em Direito 
Agrário e/ou Agroalimentar da Europa, refere-se ao Direito Comum Europeu. 
6
 Termo utilizado em indicação à relação que se estabelece entre determinado espaço geográfico e a significação 
que este espaço recebe de acordo com a geografia humanista. Segundo este entendimento, o conceito de lugar 
compreende fortes elementos subjetivos que permeiam a interação do homem com a natureza. O „lugar‟ não se 
restringe aos dados estritos das escalas geográficas como distância, relevo etc. Nesse sentido seria um sítio. 
Contudo, a ideia de lugar supõe um espaço onde o homem se move, em que se estabelecem relações e trocas. As 
coordenadas apenas procuram de algum modo fixar ou identificar o espaço onde se dá essa existência 
(DARDEL, 1990, p. 19). Com Berta Becker compreendemos estas localidades também implicam emrelações 
políticas, de modo que determinados locais se estabelecem de modo privilegiado em relação a outros, 
explicitando a dimensão política do espaço (BECKER, 2012). Já o entendimento de Milton Santos (permite 
compreender o que seja local em perspectiva com o global (posto que um conceito se entenda a partir do outro e 
vice-versa). Nesse sentido, sua explicação sobre as redes globais – produtivas, de comércio, informação, 
transportes etc. – identifica atuação em três âmbitos que ele chama de totalidades: a totalidade mundo; a 
totalidade território de um Estado e a totalidade que chama de lugar, “onde fragmentos da rede ganham uma 
dimensão única e socialmente concreta, graças a ocorrência, na contiguidade, de fenômenos sociais agregados” 
(SANTOS, 2006, p. 182). 
20 
 
reflexões sobre os direitos da pessoa humana no seu aspecto de ser. Quer dizer perceber o 
sujeito de direitos, em sua diversidade, naquilo que o compõe e a realidade que integra. Esse 
olhar que retoma o sujeito de direito de forma não abstrata, acaba por direcionar a reflexão 
jurídica percebendo aspectos de localidades e regionalidades
7
, em diálogo entre si e com o 
mundo. 
A proposta de contribuir na construção conceitual do Direito aqui colocada leva em 
conta a concepção metodológica de Pablo González Casanova (2006) para a formação de 
conceitos nas Ciências Sociais, segundo a qual tanto nestas quanto nas ciências exatas não se 
deve aspirar ao sonho de uma linguagem e conhecimento unificados. Muito menos a uma só 
teoria e um só método (CASANOVA, 2006, p. 199). Nesse sentido a presente pesquisa sugere 
ponderar a influência do pensamento europeu, que estabelece o que é científico, moderno, 
evoluído e a racionalidade que se coloca como válida; bem como define o que seja o 
desenvolvimento, a ser perseguido em escala global. Tal influência se faz presente em toda a 
construção do pensamento ocidental, não seria diferente na elaboração jurídica e resta 
evidente no caso do Direito Agroalimentar, considerando que ele nasce na Europa. 
O mundo é ambiente de diversidade epistemológica, ainda que abafada na relação 
global hierarquizada em que se estabelecem os conceitos, métodos, modos válidos de se 
pensar, fazer, produzir etc. Tal natureza hierárquica traz em si uma correspondência Norte-
Sul, decorrente da correlação imperial que reverbera na racionalidade moderna. Em outras 
palavras, aquilo que é diverso do padrão imperativo que deve ser seguido (estabelecido pelo 
Norte global) é tido como não existente. Há uma hierarquização de saberes, juntamente com a 
hierarquia de sistemas econômicos e políticos, assim como com a predominância de culturas 
de raiz eurocêntrica, que vem sendo chamada de „colonialidade do poder‟ (SANTOS; 
MENESES, 2009). 
Portanto, a ideia da colonialidade presente na perspectiva pós-colonial (ou 
decolonial) latino-americana se dará em todo este trabalho, a fim de pensar as dimensões do 
poder, saber e do ser, existentes nas estruturas e instituições sociais. Esta concepção vem 
propor ao estudo das ciências sociais um novo lugar de fala, partindo do paradigma 
 
7
 Conforme entendimento citado anteriormente, em Milton Santos (2006) há tanto um movimento dialético como 
uma confrontação entre o Mundo e o lugar, quando este se coloca em oposição à primeira totalidade (mundo). 
No intervalo entre um e outro está a formação socioespacial delimitada por fronteiras (Estados) que se refere à 
segunda totalidade (SANTOS, 2006). A impressão das características das redes sobre um ou mais territórios 
desemboca no que o autor chama de regiões. Em Santos (2006), a mundialização das redes enfraquece as 
fronteiras, no mesmo sentido Becker (2010) afirma que a globalização impacta os fluxos transforenteiras de 
modo que o território (nacional) perde a rigidez quanto aos seus limites. 
 
21 
 
colonialidade-modernidade para desconstruir o mito do eurocentrismo. Encontra em autores 
como Enrique Dussel (2005), Aníbal Quilano (2005) e Walter Mignolo (1993) a sua 
argumentação. 
Reflexão relevante aos processos de construção do pensamento jurídico, vez que é 
este o sistema normativo que permeia os intervalos entre o espaço - onde se realizam essas 
três dimensões - e as instituições estabelecidas, os arrematando. O direito normatizado acaba 
por ser um dos mecanismos que ratificam aqueles conhecimentos, concepções e práticas 
eleitas como válidas e que, portanto, serão as permitidas, defendidas e garantias. Aquilo que 
não está em conformidade com o que essa racionalidade moderna define, desaparece ou se 
subalterniza. Logo, as experiências, práticas e interpretações do mundo vinculadas aos saberes 
não validados são tidos como formas não compreensíveis ou irrelevantes de ser e estar no 
mundo (SANTOS; MENESES, 2009). 
Se há necessidade de rever os conceitos hegemonicamente estabelecidos, entendidos 
como paradigmas da modernidade, deve-se levar em conta o movimento colonial como aquele 
que permite a constituição de um Sul global
8
, que recebe um lugar específico no modelo 
estabelecido como padrão mundial. Visto que esse lugar na hierarquia global tem seus 
correspondentes no âmbito econômico/produtivo, social e político; e nele se reproduz uma 
subalternização histórica a despeito da diversidade dos macrocosmos que se relacionam e dos 
microcosmos infinitamente distintos entre si existentes no mundo (SANTOS; MENESES, 
2009). 
A partir do momento colonial, uma estrutura de hierarquia global se impõe sobre as 
regiões “descobertas” e nelas passa a se reproduzir. Por sua vez, a exploração da terra e a 
geração de riqueza decorrente dessa atividade estão no centro do processo de colonização, que 
não é descolado, mas intrínseco a um modo de produção e exploração que se firmava. O 
estabelecimento desse sistema de “cima para baixo” trouxe consigo regras que ordenassem 
seu funcionamento, exercendo ao mesmo tempo influência substancial nas elaborações 
normativas e jurídicas das regiões do Sul. Nesse raciocínio, a concepção presente no Direito 
Agrário clássico evolui daquela concepção colonial estabelecida aos “novos espaços”. De 
semelhante modo o seu alargamento atual (Direito Agroalimentar), é construído com base nas 
 
8
 Boaventura de Sousa Santos utiliza o termo para indicar um pensamento não derivativo da forma ocidental 
moderna, como se do outro lado da linha do imperial estivesse o que é impensável ou aquele incapaz de pensar 
(de acordo com a perspectiva do pensamento moderno ocidental). Nesse sentido, ele chama de Sul global a 
perspectiva epistemológica que nasce nesse outro lado, não imperial. A experiência social que vivida no Sul do 
globo gera uma maneira própria de pensar que confronta a produção uniformizada de saber da ciência moderna 
(SANTOS, 2009. P. 44) . 
 
22 
 
características próprias do pensamento europeu e para o mercado europeu ou do “Norte” ao 
mesmo tempo em que se estabelecendo como parâmetro mundial. 
Enquanto teoria social de perspectiva crítica à epistemologia moderna, as 
epistemologias do Sul procuram contribuir para a decolonização desse saber resultando em 
mudança nos sentidos e explicações dominantes. Trata-se de rever as fundações das relações 
epistêmicas imperiais (SANTOS; MENESES, 2009), postura favorável àquela intenção de 
“construção de conceitos novos” e de novos entendimentos que seja verdadeira. Útil, portanto, 
para o objetivo geral desse trabalho, qual seja contribuir com o momento construtivo do 
Direito Agroalimentar vislumbrando debates locais em diálogo com o regional e o global na 
perspectiva decolonial, especialmente sob o aspecto da produção, que favorece a recognição 
incorreta desse direito como um direito de empresa. 
A opção metodológica para a pesquisa aqui proposta segue as diretrizes da linha 
crítico-metodológica, pois tem intençãode repensar a Ciência do Direito que se volta à 
disciplina agroalimentar, seus fundamentos e objeto. Nesta linha, elege-se dentro da teoria 
argumentativa
9
 a vertente jurídico-sociológica, para a compreensão do Direito como 
fenômeno complexo relacionado a um ambiente social amplo. Esta perspectiva permite 
levantar preocupações a toda ordem de política pública ou social, não restrita ao que se 
apresenta nas leis. Nela o Direito pode questionar a si mesmo em face de outros campos do 
conhecimento (antropológico, sociocultural e político (GUSTIN, 2010)). O raciocínio 
desenvolvido será do tipo dedutivo, no sentido que tenta explicitar o conteúdo das premissas 
existentes no Direito Agroalimentar referenciados nas normas, leis e princípios relacionados; 
e analético, segundo Enrique Dussel (2000). Trata-se de uma tentativa, dentro do 
materialismo histórico, de pensar a construção jurídica do agroalimentar para o Brasil e 
América Latina através de um novo pensar – que considere o outro exterior ao sistema posto 
(DUSSEL, 2000)
10
. 
Quanto ao tipo investigativo genérico das Ciências Sociais adota-se o jurídico-
comparativo (GUSTIN, 2010, p. 25), vez que a consideração de um Direito Agroalimentar 
 
9
 Tese dentro da linha crítico-metodolócica da pesquisa social e jurídica que entende o Direito como composição 
complexa permeada de significados e linguagem. Dela decorre a teoria metodológica chamada de vertente 
jurídico-sociológica, que se propõe a “compreender o fenômeno jurídico no ambiente social mais amplo. Analisa 
o direito como variável dependente da sociedade e trabalha com as noções de eficiência, eficácia e de efetividade 
das relações direito/sociedade” (GUSTIN, 2010, p. 22). 
10
 O fim dessa escolha teórico-metodológica não é negar a dialética, própria da Teoria Crítica e presentes no 
materialismo histórico, mas para torna-la mais completa e acrescida em valor. Pois, para a dialética verdadeira é 
preciso afirmar o outro, saber ouvi-lo e acolher o seu questionamento. Nesse sentido a negação própria do 
sistema deve ser negada e ao mesmo tempo deve-se afirmar a exterioridade do outro para de fato concretizar o 
seu reconhecimento (SALES, 2007). 
 
23 
 
posto em face da construção de um outro entendimento, pode encontrar tanto diferenças 
como similitudes em normas e instituições presentes no direito comum europeu e no 
entendimento brasileiro e latino-americano. Ademais, a pesquisa se realizará de modo 
bibliográfico e documental. 
No que toca à estrutura, o trabalho apresenta quatro capítulos assim colocados: o 
primeiro busca compreender a origem do direito chamado Agroalimentar, nas produções do 
espanhol Alberto Ballarin Marcial (2010), de onde é possível apreender o entendimento não 
de novo „ramo‟ jurídico, mas de ampliação do Direito Agrário clássico. No seu ponto de vista 
esse direito não deve ser abandonado e sim atualizado (MARCIAL, 2010). Se evidencia o 
entendimento de que tanto o viés do Direito Agrário clássico como sua nova proposta estão 
constantemente identificados como um direito de empresa agrícola, que agora precisa 
incorporar os aspectos modernos da atividade a fim de acompanha-la e não se tornar obsoleto. 
A atividade agrícola em perspectiva empresarial se atualiza conforme se desenvolvem o 
mercado e novas tecnologias produtivas, de modo que o Direito correspondente deve estar 
igualmente atualizado no sentido de organizar, regular, proteger e incentivar a empresa 
agrária especialmente em seu caráter produtivo. Através das obras de Laranjeira (2002) e 
outros autores que integram diferentes gerações de especialistas jurídicos
11
, permitem ver um 
panorama do estado das coisas no Direito Agrário e Agroalimentar atual, ao discorrerem 
sobre as definições, conceitos, objetos e problemáticas de estudo. 
No segundo capítulo o texto se destina a observar como a concepção identificada no 
capítulo anterior não é suficiente em vista das diversidades e especificidades de agriculturas 
existentes no mundo. Tais ponderações consideram a obra de Mazoyer e Roudart (2009), por 
sua abordagem integrada de conhecimentos históricos, geográficos, antropológicos, 
agronômicos, sociológicos e econômicos sobre as agriculturas do mundo e seus processos 
evolutivos. Estes dados são trazidos em diálogo com o pensamento de Milton Santos (2006), a 
produção de Berta Ribeiro (2008) e Eduardo Góes Neves (2006), a fim de evidenciar o caráter 
diverso que a agricultura mostra ao longo do tempo nas diversas regiões do planeta. 
 
11
 É possível identificar pelo menos três pontos de vista diferentes quando se observa autores que tratam de 
temáticas pertinentes ao Direito Agrário no Brasil: o primeiro grupo a tratar da matéria, com o posicionamento 
tradicionalmente vinculado ao direito de propriedade e sua inviolabilidade – Benedito Ferreira Marques (1998), 
Paulo Tormin Borges (1974) Fernando Sodero (1968); um segundo grupo que traz à reflexão o caráter mais 
humanizado do Direito (FACHIN, 2000), questiona a propriedade nos termos até então interpretados e à luz da 
própria Constituição de 1988 (SOUZA FILHO, 2003) e outras problemáticas como questão fundiária e a relação 
propriedade-meio ambiente (BENATTI, 2008); Em terceiro, um grupo bastante presente no ensino jurídico 
nacional e internacional, também militante na advocacia, que entende o Direito Agrário como o direito da 
empresa de atividade agrária (TRENTINI, 2014 e SCAFF, 2001). 
24 
 
O terceiro capítulo segue trabalhando os autores citados e procura explorar, em 
contraposição a essa diversidade, o estabelecimento da produção de alimentos relacionada à 
ciência e ao mercado. Tal correlação feita por Derani (2005) esclarece o papel da tecnologia 
enquanto facilitadora da produtividade por um lado e que por outro se desenvolve segundo as 
demandas daqueles que a incentivam. A ciência é o locus do desenvolvimento tecnológico. 
Ela “vai conquistando espaço [...] tornando-se aliada do poder político e econômico, que a 
reconhece como eficiente componente de sua conservação” (DERANI, 2005, p. 62). Na seara 
da produção alimentícia o esforço da ciência em prover instrumentos de desenvolvimento da 
produção econômica se faz presente desde o iluminismo. Tal afinco técnico e científico é 
instrumento da criação dos novos alimentos, bem como o político e jurídico (DERANI, 2005). 
Objetiva-se ainda explicitar como a configuração ocidental moderna impacta as diversidades 
existentes. Configuração esta que se introduz no desenvolvimento de sociedades que projetam 
territórios e por sua vez passam a colonizar o território que não seja seu. 
Nessa integração a diferença entre as tecnologias usadas nos espaços, bem como as 
diferentes intenções dos indivíduos sobre cada espaço, resultou numa estrutura hierarquizada 
de produção e reprodução tanto sobre a terra quanto de conhecimento. Nesse sentido procura-
se pensar o surgimento destas tendências uniformizadoras e mecanismos importantes nessa 
dinâmica como a comunicação global dos mercados e a lógica de mercado interdependente no 
mundo. Desse modo parte-se do pensamento de Boaventura de Souza Santos que questiona a 
ideia de universalismo (presente na teoria que pensa os Direitos Humanos), levantando o 
debate sobre a compatibilidade entre este conceito e a pluralidade cultural existente no mundo 
(2003). O estabelecimento de um paradigma jurídico construído a partir do Norte global 
(SANTOS; MENESES, 2009), que se pretende paradigma universal, poderia corresponder a 
realidades correspondentes a outros lugares de fala, diversos? 
Essa perspectiva multicultural pretende desenvolver um pensamento de baixo para 
cima no que toca ao entendimento dos Direitos Humanos, vez que a universalização pode 
gerar um localismo globalizado (hipótese aqui trabalhada como a forma que se constrói o 
DireitoAgroalimentar atual). Desse modo questiona-se a influência imperialista nas 
tendências uniformizadoras de direitos, valores etc. em concordância com a demonstração de 
Santilli (2005; 2009) de que a existência de territórios diversos também pressupõe a existência 
de uma diversidade agrícola são variados os ecossistemas; as práticas e saberes agrícolas; 
variadas as espécies cultivadas e os hábitos alimentares. 
Partindo desse questionamento o quarto e ultimo capítulo se destina pensar a 
construção de um entendimento jurídico de Direito Agroalimentar que não se reduza a 
25 
 
sistematizar normas organizadoras do modo produtivo monocultural de alto rendimento e 
acumulo de capital que tem fim em si mesmo. Tal tarefa implica em enxergar no direito um 
papel além de instrumentalizador da sistemática agroalimentar globalmente estabelecida na 
lógica de mercados, e percebê-lo enquanto espaço de convergência de modos: onde atores 
diversos, com experiências, propostas e métodos diferentes entre si encontram oportunidade 
de lidar com a terra, de produzir e consumir. Nesse sentido, o Direito Agrário e Agroalimentar 
deve sim passar por uma atualização de entendimentos para que não se confunda com o 
direito do agronegócio. Aquele é bem mais amplo que este. Portanto, se agora há um 
momento de renovação, torna-se propícia a reflexão desde as origens, que talvez seja a 
principal reflexão a ser feita e aqui. Ela se realizará com base na teoria decolonial
12
, para que 
depois seja possível falar em diálogos locais, regionais e globais. 
Dentro desse viés é pertinente rever o paradigma epistemológico que embasa a 
modernidade, pois sobre este pensamento estão lançados tanto os fundamentos e sustentação 
tanto do modelo produtivo vigente como das normas que visam a sua manutenção. É 
exatamente neste ponto que a redução do direito à técnica se torna conveniente. Além do 
mais, a tendência deste paradigma (moderno) é ser universalizante e homogeneizador, logo, 
não admite o que seja diferente do padrão que ele mesmo estabelece. Assim posto, quando se 
pretende diálogos entre localidades e regiões contemplando suas particularidades, é preciso 
ponderar antes de tudo que estes lugares não são uniformes, mas amplamente diversos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12
 A teoria decolonial ou descolonial se refere ao pensamento epistemológico que surge na América Latina, 
dentro do que se chama Epistemologias do Sul, contrapondo o pensamento hegemônico que é eurocentrado e 
colonial (SANTOS, 2009). Opta-se no texto por utilizar a nomenclatura „decolonial‟ ao invés de „descolonial‟ 
apenas por entendimento conceitual de que não é possível descolonizar, ou seja, voltar ao estado de coisas 
anterior à colonização. É possível, contudo, fazer uma releitura e ressignificação após a colonização e a 
colonialidade. 
26 
 
CAPÍTULO 1 
APRESENTAÇÃO DO DIREITO AGROALIMENTAR CONSTRUIDO A PARTIR 
DA COMUNIDADE EUROPEIA 
 
O direito agroalimentar ainda não detém a consistência doutrinária ou dogmática de 
outros “ramos” ditos plenos do direito
13
, ou seja, o conjunto de disciplinas jurídicas 
segmentadas que formam o direito positivo de acordo com o entendimento tradicional. Nesse 
entendimento, o Direito Agroalimentar não se encontra no mesmo estado daqueles ramos 
considerados “prontos e acabados” ou estabelecidos de forma “mais sólida” no entendimento 
jurídico. Em parte esta inconsistência revela a dificuldade do sistema de normas positivas em 
trabalhar com a amplitude e o caráter interdisciplinar da matéria agrária, vez que inviabiliza 
uma segmentação tão rígida. O reconhecimento da amplitude temática e da necessidade de 
conhecimentos interdisciplinares pressupõe diálogo com estes outros conhecimentos, o que 
pode provocar a elaboração de normas mais amplas para incluir novos direitos ou mesmo 
questionar aquelas estabelecidas. 
Essa possibilidade vai de encontro à vertente positivista do direito clássico, vez que 
nela não há espaço para questionamento da norma estabelecida bastando saber que ela deve 
ser cumprida por que é Direito (norma determinada pelo soberano) e porque é determinada é 
válida, deve ser seguida; e porque é válida, é justa, por ser Direito (BOBBIO, 1987, p. 30). Ou 
seja, a ideia de justiça está restrita ou reduzida à força (da lei). Portanto, numa estrutura 
jurídica assim estabelecida, uma ampliação dos entendimentos ou recepção de conhecimentos 
interdisciplinares facilmente revela quão frágil é seu argumento de validade, o que coloca em 
risco precisamente a ideia de segurança jurídica – santo graal do positivismo jurídico. Quanto 
mais inflexível (logo, mais positivo e delimitado em lei) é um sistema, maior a segurança 
jurídica; quanto mais flexível menor segurança jurídica (KELSEN, 2009). 
Significa dizer que, para o Direito, o agroalimentar é uma percepção que está sendo 
construída, instável e meio indefinida, mesmo nos sistemas normativos em que alguns 
pensadores já têm refletido a esse respeito buscando suas definições. Ele sugere como uma 
ampliação do Direito Agrário clássico, contudo, com o cuidado de que este entendimento 
alargado esteja na direção correta, daí o enfoque na produção agrícola. Nesse sentido é 
 
13 O termo „ramos‟ do Direito se refere à subdivisão clássica que este sofre enquanto ciência jurídica, primeiro 
em duas grandes áreas classificadas em Direito público e Direito Privado, em referência à relação entre norma 
positivada e interesse. Tal classificação se subdivide em muitos outros segmentos: o Direito Público se bifurca 
em constitucional e Administrativo; o Privado em Direito Civil e Direito Comercial, chamadas de disciplina. “O 
Direito é, pois, um conjunto de estudos discriminados; abrange um tronco com vários ramos” (REALE, 2001, p. 
4). 
27 
 
relevante identificar as definições que acompanham esse direito e compreender o processo de 
elaboração do seu contexto normativo, suas fontes e o pensamento sobre o qual vem se 
assenta. Portanto, preferível proceder a este estudo levando em conta o raciocínio tradicional 
sobre o direito como um todo e as concepções de Direito Agrário de forma mais específica. 
Destas provavelmente evoluem ou estendem ideias para definir Direito Agroalimentar. 
O direito nasce para a sociedade como um sistema que rege o comportamento 
humano e impõe um conjunto de princípios e regras que balizam não só a conduta do homem 
como se refere às atividades que exercem, de forma individual, coletiva ou aquelas pertinentes 
ao próprio Estado. Uma variedade de normas do mesmo gênero correlacionadas constitui um 
campo de interesse, do qual decorre um grupo de normas correspondentes. Contudo as 
disciplinas jurídicas não devem ser observadas de forma isolada, mas na sua unicidade 
(REALE, 2001, p. 6). Entretanto deve-se considerar que a concepção de fenômeno jurídico 
não se restringe aos comportamentos do homem, ele se realiza num espaço social e político 
dos quais recebe impacto. A vida em si, se reproduz e se desenvolve em comunidade e a 
compreensão de fenômeno jurídico deve partir da postura filosófica de descobrir o encoberto 
nestas relações: percebendo a voz dos que não-são, dos não-sujeitos (DUSSEL, 2000, p. 15). 
Entende-se que o Direito não deve se restringir à percepção algumas realidades e de 
alguns sujeitos, em detrimento de outros. Nesse sentido se há no sistema normativo um papel 
regulamentador e organizativo do convívio social, há por outro lado a função de considerar a 
existência de realidades diversas. Se de uma mão o conjunto de normas jurídicas representam 
direitos (e obrigações) reconhecidos pela sociedade, de outra sempre existirão mais direitos a 
serem legitimados, emergindo da realidade social. Trata-se de uma construção que é 
permanente, em que as experiências individuais ou coletivas convertidasem movimento 
político provocam transformações socioestruturais nas sociedades ampliando seu corpo de 
normas (HONNETH, 2003)
14
. Essa ideia condiz perfeitamente com o entendimento do Direito 
imbuído de perspectiva humanista que brota nas “sociabilidades reinventadas” (SOUSA 
JÚNIOR, 2008)
15
, não restrito a um papel regulador, mas que permite uma direção 
 
14
 Em Axel Honneth as relações que se desenvolvem no espaço social ou público (enquanto espaço em que se 
realiza a vida política) se dão numa luta por reconhecimento. É desse embate ou conflito social que emerge a 
reivindicação para se admitam novos direitos, até então não reconhecidos ou negligenciados (HONNETH, 
2003). Nesse sentido as relações que o Direito procura ordenar não são tão simples quanto a delimitação de que 
se destine a regular a conduta do homem. Vários homens exercendo cada um suas condutas implica em inúmeras 
formas de relação e conflito, que acontecendo sobre determinado espaço cultural, social e político implica o 
exercício de poder. Nesse ambiente, extremamente complexo, se dá o fenômeno jurídico. 
15
 Refere-se à ideia defendida por José Geraldo de Sousa Júnior (2008) do Direito como liberdade. Segundo este 
entendimento o Direito emerge do espaço público nas experiências populares que nele se desenvolvem. Tais 
experiências são emancipatórias, criando direitos antes não reconhecidos. 
28 
 
emancipatória. Nesses termos é possível perceber a elaboração jurídica como um processo 
construtivo permanente, jamais acabado. 
 
1.1 Definição e origem do Direito Agroalimentar 
 
Para Ballarín Marcial (2010) “o Direito agroalimentário
16
 é o sistema de princípios e 
normas que regulam as atividades das Administrações Públicas relacionadas com a agricultura 
e a alimentação, assim como, a atividade dos empresários agrários, dirigida à produção, 
fundamentalmente de alimentos, e a cumprir as demais funções da Agricultura” (MARCIAL, 
2010, p. 170). A citação refere-se ao jurista espanhol Alberto Ballarín Marcial, a quem se 
atribui a concepção primeira de direito agroalimentar em sentido doutrinário. Nesse sentido 
daqui em diante o termo usado será „agroalimentar‟, adotando-se o uso do termo 
„agroalimentário‟ em itálico. 
Segundo seu entendimento, teorias relativas ao Direito Agroalimentar decorrem de 
uma das ampliações ocorridas no Direito Agrário, à medida que se destacam as ideias de 
multifuncionalidade e diversificação deste. O primeiro passo dado nesse sentido é quando o 
estudo do conceito jurídico do agrário compreende uma mudança na rígida equação 
agricultura-propriedade rural. Do enfoque inicial na propriedade rural, como caráter 
imprescindível para caraterização da atividade econômica primária, o entendimento passa a se 
construir enfocando produtos (MARCIAL, 2010, p. 173). Tal mudança, que Ballarín chama 
de primeira ampliação do Direito Agrário recebe a influência do Direito Comunitário europeu 
para considerar a relevância dos produtos independentemente do modo de sua obtenção
17
. A 
partir do momento que os países europeus tornam-se membros do Mercado Comum, a 
normativa comunitária passa a vigorar flexibilizando as legislações agrárias locais, a fim de 
cumprir uma Política Agrícola Comum para a Europa. 
Se a primeira ampliação foi o romper do direito agrário com a equação rígida, na 
segunda se deu a percepção das diversidades e multifuncionalidades enormes na produção 
 
16
 Aqui o termo foi transcrito na literalidade da obra de Alberto Ballarín Macial (2010) que identifica o Direito 
Agroalimentar conforme sua designação espanhola. Apesar de o tradutor ter optado por manter o uso, no Brasil 
refere-se à matéria como Agroalimentar, indicando que se refere à agricultura e alimentação (passando pelo 
armazenamento e transformação de produtos alimentares advindos da agricultura). Nesse sentido daqui em 
diante o termo usado será „agroalimentar‟, adotando-se o uso do termo „agroalimentário‟ em itálico. 
17
 Na ótica jurídica a noção de “agricultura” vai se ampliando além da relação estrita inicial delimitada em 
propriedade ou posse de terra versus produção sobre a terra, a fim de caracterizar atividade agrária, percebendo 
agora elementos que diversificam estas atividades como a utilização de estufas, por exemplo. Ou ainda levando 
em conta que a produção agrária pode obter frutos no sentido alimentício tradicional, mas também sementes, 
flores, mudas, etc. Ver nota 14, Capítulo IV em Marcial, 2010. 
29 
 
agrária e a terceira se percebe no desenvolvimento do próprio direito agroalimentar quando 
toma por objeto o produto da atividade, independente de quem o produziu: 
 
“independentemente de que o sujeito produtor seja um agricultor ou um 
comerciante, por exemplo, uma grande empresa de avicultura ou de suinocultura, 
por mais que se trate de uma sociedade mercantil ou que seu modelo seja industrial 
– “De fábrica” de carne fala-se com frequência, mas seus produtos caem na órbita do 
Direito Agroalimentário e terão que cumprir sua normativa, gozando de uma certa 
proteção fiscal com aquele objetivo de conseguir uma alimentação variada, sadia e 
acessível” (MARCIAL, 2010, p. 174). 
 
 
Marcial destaca para as definições de Direito Agroalimentar o destino alimentício da 
atividade agrária e nesse sentido ressalta que tanto a produção quanto a venda pelo produtor 
são atividades agroalimentárias (MARCIAL, 2010, p. 175), de modo que pode haver 
confluências de normas mercantis aplicáveis (por exemplo, se produtores/vendedores 
configuram sociedade anônima ou limitada) que devem, contudo, obedecer às condições de 
obtenção de salubridade e qualidade (que seriam obrigações inerentes às atividades 
agroalimentares). Nessa percepção, também estão abrangidas no Direito Agroalimentar as 
construções agrárias ainda que usem de instalações e procedimentos industriais, se ela tem o 
abastecimento como um fim. 
 Afirma ainda que as modernizações e revisões pelas quais passa o direito 
possibilitam a progressividade das interpretações normativas e nesse contexto o Direito 
Agroalimentar atual também se estende 
 
à conservação e desenvolvimento constante do meio rural, valorizando o meio 
ambiente e espaço natural, sustentando a gestão do território e a melhoria da 
qualidade de vida nas zonas rurais e promovendo a diversificação das atividades 
econômicas sobre a base de comunidades populacionais vivas e acolhedoras das 
novas gerações de agricultores e dos visitantes ou turistas em geral ou, inclusive, 
daqueles que preferem habitar em um ambiente desse tipo, a viver na cidade. 
(MARCIAL, 2010, p. 173) 
 
 
Assim evidencia-se por um lado a expansão do Direito Agrário para um 
Agroalimentar, incorporando atividades econômicas diversificadas conforme entende Marcial. 
Por outro, o fim alimentar nem sempre fica claro posto que o autor também se refira à 
importância do destino alimentício no caso da produção de animais, por exemplo, para que se 
caracterize como atividade agrária; Enquanto que quanto às plantas não importa o destino: 
“todo vegetal cultivado é fruto de uma atividade agrária” (MARCIAL, 2010, p. 175). 
Portanto, apesar de o próprio autor dizer que em sua „teoria alimentaria‟ a atividade agrária 
tem fim comestível (p. 175), isso aparece de forma nítida quanto aos animais e não tão clara 
30 
 
quando fala de plantas e da paisagem rural para fins turísticos. Aparenta que a questão central 
então é que a atividade agrária deve ter o consumo humano como fim, para que seja objeto do 
Direito Agroalimentar. A restrição deste consumo à forma alimentícia por vezes se mostra 
confusa. 
Dito isso, talvez se torne mais compreensível a definição ultima proposta por Marcial 
(2010, p. 183) para o Direito Agroalimentar espanhol: 
 
É o conjunto de princípios e normas internacionais, comunitárias,estatais, e 
autonômicas que regulam as atividades das Administrações públicas em relação com 
a agricultura e o meio rural, assim como a dos empresários agroalimentários, a 
produção e a venda pelo produtor de todas classe de plantas, e dos animais de 
abastecimento, o alimento como tal, além disso, da prestação de bens ou serviços a 
terceiros com seu conjunto de máquinas e meios em geral, as atividades turísticas de 
acordo com a lei, a conservação e melhoria do meio rural e do meio ambiente, 
atendendo em tudo isso ao interesse geral e, de modo concreto, à proteção as rendas 
agrárias, harmonizada com o interesse dos consumidores (MARCIAL, 2010, p. 183) 
 
 
Do modo acima demonstrado, o Direito Agroalimentar parece estar mais próximo de 
uma ampliação do Direito Agrário no sentido de incluir o alimento como um dos produtos 
principais das atividades agrárias no texto da norma positivada do que um novo segmento do 
direito, que trata de uma nova especificidade das relações humanas em sociedade. 
 
1.1.2 A formação de um Direito Alimentário na Europa e sua contribuição para o Direito 
Agroalimentar 
 
De acordo com o pensamento de Marcial (2010), a inclusão caráter alimentar da 
atividade agrária na norma estabelece um elo fortalecido entre produtos agrícolas (logo, 
produção) e consumo de qualidade. A proteção ao consumidor passa a participar de uma 
perspectiva sistêmica de produção e também do entendimento jurídico. Com esse enfoque, se 
promove a instituição de princípios e normas de caráter alimentar que formam um direito 
alimentário na Comunidade Europeia. 
A necessidade de aumento na produção de alimentos e reestruturação da agricultura 
nos anos iniciais da integração europeia esteve no surgimento da Política Agrícola Comum 
(PAC). Esta, por sua vez, foi quando da sua elaboração e permanece ponto central no estudo 
do Direito Agrário e Alimentar europeu. Assim, para compreender o ambiente normativo de 
formação do direito agroalimentar, é preciso considerar o peso e a influência da PAC e do 
Direito Comunitário na formação de um conjunto de normas alimentares. 
31 
 
Nesse sentido o Direito Agroalimentar, bem como o agrário que se desenvolve na 
Europa tem base jurídica nas constituições de cada Estado membro e no Tratado de Roma, 
não só autorizando a geração de produtos agrícolas como pontuando a necessária proteção à 
saúde do consumidor, com o estabelecimento de normas de controle de qualidade (como as 
fitossanitárias, de tratamento animal e outras) com um sistema fiscalizador. De acordo com o 
entendimento de Marcial, as “normas de proteção ao consumidor estão adquirindo os 
caracteres de princípios gerais suficientes para justificar a natureza que lhes correspondem em 
fundamentos de um direito alimentário” (2010, p. 176). 
A chave interpretativa para a normativa alimentar vigente e futura na Europa está nos 
princípios contidos no Regulamento 1.782/02 (da Comunidade Europeia, CE)
18
. “Os artigos 
5º ao 10 [...] constituem o fundamento de um Direito alimentário europeu em fase de 
construção, e que tais normas vinculam também os Direitos nacionais, já que devem adequar-
se aos princípios enunciados” (MARCIAL, 2010, p. 177). 
O propósito desta regulamentação é reafirmar requisitos de segurança dos 
alimentos
19
 (que inclui a obrigação para qualquer empresa alimentícia pertencente a um dos 
estados membros): proíbe a colocação no mercado de quaisquer gêneros alimentícios que não 
sejam seguros, ou seja, prejudiciais para a saúde ou impróprias para o consumo humano
20
. 
Inicialmente as intervenções comunitárias se caracterizavam pelo enfoque no setor 
agrícola, que tem por característica a geração de produtos alimentares ou de matérias primas 
para a produção de alimentos, em grande parte (MARCIAL, 2010, p. 178)
21
. Assim, questões 
vinculadas a alimentação humana aparece no Tratado de Roma ainda que não de forma 
específica mas no que toca à defesa dos consumidores ou do meio ambiente, pontos que 
 
18
 Trata-se do Regulamento (CE) Nº. 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 2002 
que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a 
Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos gêneros alimentícios. Banco 
de dados. Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/Lex>. Acesso em: jun. 2017. 
19
A expressão „segurança de alimentos‟ decorre do termo em inglês „food safety’ que se refere a adoção e 
execução de procedimentos técnicos padronizados que permitem o controle dos agentes que, em contato com o 
alimento, podem gerar risco à saúde do consumidor ou colocar em risco a sua integridade física. A intenção é 
garantir a qualidade do produto desde o campo até o consumo. Em geral a classificação e o controle dos produtos 
ditos seguros ou não seguros para o consumo está relacionada ao cumprimento de normativas de higiene e 
sanitárias. No Brasil a Resolução RDC nº 275/2002 publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
(Anvisa) dispõe sobre os procedimentos padrões a serem aplicados pelos estabelecimentos 
produtores/industrializadores de alimentos. O termo segurança de alimentos não se confunde com o significado 
de Segurança Alimentar, que se refere a políticas de acesso ao alimento em níveis nacional ou internacional, em 
qualidade e quantidade suficientes à vida saudável. Disponível em <http://foodsafetybrazil.org/seguranca-
alimentar>. Acesso em julho 2017. 
20
 Ver artigo 14 do Regulamento (CE) Nº. 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28 de Janeiro de 
2002. Disponível em <http://eur-lex.europa.eu>. Acesso em: julho 2017. 
21
 Para o Tratado de Roma são agrários os produtos da terra ou de primeira transformação que tenham como 
destino a alimentação humana e talvez de a de animais (MARCIAL, 2010, p. 178). 
http://foodsafetybrazil.org/seguranca-alimentar-x-seguranca-de-alimentos-duvidas/?doing_wp_cron=1510236968.6732189655303955078125
http://foodsafetybrazil.org/seguranca-alimentar-x-seguranca-de-alimentos-duvidas/?doing_wp_cron=1510236968.6732189655303955078125
32 
 
chegaram a ser considerados indispensáveis para a criação do Mercado Comum e do Mercado 
Único (1993). 
O procedimento agrário regulado no artigo 37 do Tratado da União Europeia é base 
para todas as intervenções normativas e não faltaram normas posteriores para a realização da 
política comercial comum com intervenções sanitárias sobre animais e plantas. “Pode 
deduzir-se que o alimentário é matéria de caráter transversal, que interessa horizontalmente a 
setores diversos da competência comunitária” (MARCIAL, 2010, p. 179). 
Além do objetivo de eliminar obstáculos de ordem técnica que derivam da 
disparidade entre normativas nacionais, no intercâmbio de mercadorias alimentares, a União 
Europeia volta a atenção para a legislação alimentar comum a fim de melhorar o mercado 
interno, também com a elaboração de medidas especificamente para este fim (criação do 
chamado Livro Branco Bis
22
, dedicado unicamente às medidas do setor alimentar europeu). 
Marcial conclui que, apesar de faltarem bases específicas de caráter jurídico para uma política 
alimentar comunitária, os próprios instrumentos do Tratado da União Europeia servem de 
base, na ausência daquelas que seriam elaboradas especificamente para atender o direito 
alimentar (MARCIAL, 2010, p. 179). Portanto, não há obstáculo para a individualização de 
um Direito Alimentar Comunitário, com princípios próprios. 
Dito isso, ressaltada a presença que questões alimentares passam a ter no Direito 
Agrário, Marcial destaca como princípio geral deste Direito, agora agroalimentar, a proteção 
ao consumidor. Para ele, isso é “o mais importante, pois é o que determinou a formação de 
um Direito agroalimentário” (MARCIAL, 2010, p. 180). Outros princípios gerais por ele 
consideradossão o mútuo reconhecimento, o da precaução, o de não introdução no mercado 
produto insalubre e o da inter-relação. 
No princípio do mútuo reconhecimento se um produto satisfaz as regras de validade 
de um Estado membro, deve ser admitido nos demais; O da precaução, que se refere à tomada 
de decisão em favor da saúde do consumidor uma vez que haja incerteza ou riscos 
relacionados à qualidade dos produtos agroalimentares; o de não introdução no mercado 
produto insalubre se refere a uma proibição necessária, que deve ter base científica e 
proporcionada, visando o consumo adequado. O princípio da inter-relação se refere à relação 
alimentar/agrário que Ballarim Marcial (2010) identifica entre Direito agroalimentar e o 
 
22
 O Livro Branco é uma publicação que reflete a prioridade da Comissão da União Europeia (UE) em 
estabelecer padrões elevados de segurança dos alimentos. Garantir a segurança doa alimentos implica tarefas 
fundamentais desde a elaboração de parecer científico até a gestão de sistemas de alerta, o diálogo com o 
consumidor e a formação de redes entre agências nacionais e órgãos científicos. Nesse sentido, o Livro Branco 
elenca mais de 80 ações diferentes voltadas à segurança dos alimentos. Com o apoio do Parlamento Europeu e 
do Conselho as proposições podem gerar revisões e alteração legislativa, a fim de atualizar o sistema de normas. 
33 
 
Direito agrário tradicional (p. 180). Trata-se de uma conexão tal, que se torna descabido 
distinguir os dois Direitos. 
 
O que equivale dizer que temos um único sistema jurídico que é o do Direito que, há 
anos, eu venho chamando de Direito agroalimentário, e que não foi reconhecido 
como tal pelos juristas italianos até o ano de 2002, em que, à vista do Regulamento 
1.782 tão citado, construíram o moderno Direito agroalimentário, por mais que 
alguns deles não deem o braço a torcer e sigam falando de Direito alimentário, o que 
não deve nos preocupar demasiado. (MARCIAL, 2010, p. 181). 
 
 
Segundo esta inter-relação Ballarín se permite caracterizar o Direito agrário e busca 
compreender novas instituições que vão se ligando a ele. Em sua concepção, o Regulamento 
1.782/2002 (Regulamento (CE) Nº. 178/2002) citado, é o criador de fato do Direito 
agroalimentar: pois é instrumento que com fim e aplicação a toda a cadeia alimentar desde a 
produção ao consumo, passando também pela transformação e distribuição ou venda. O 
enfoque no consumidor, nessa relação de produção, transformação e venda de produtos 
agrícolas e alimentícios exige nas três fases a mesma reponsabilidade quanto aos alimentos. 
Nesse entendimento, Marcial afirma que a rastreabilidade une os três momentos de forma 
encadeada e indissolúvel (2010, p. 181). Logo, agricultura e sua atividade econômica 
secundária (indústria e comércio de alimentos) apesar de constituírem dois setores distintos, 
não estão totalmente separadas já que existem entre elas interações evidentes, que acabam 
compondo um setor comum (talvez mais amplo). 
A especialidade do Direito Agroalimentar, ou ainda sua autonomia, como denomina 
Marcial (2010, p. 185), se justifica na característica de ajuda às agriculturas, que são típicas 
no Direito comunitário europeu. Ele defende que estas ajudas são legítimas e que a 
Agricultura não tem viabilidade sem as mesmas. O entendimento de princípios econômicos 
somados às normas constitucionais (Espanha e Estados membros da UE) e ao Tratado de 
Roma deixa claro o caráter protetivo em face da agricultura (MARCIAL, 2010, p. 186). 
 
1.2 Contexto normativo e fontes do Direito Agroalimentar 
 
As raízes do Direito Agroalimentar que está em desenvolvimento estão 
fundamentadas no direito europeu comunitário, notadamente no Regulamento (CE) Nº. 
178/2002 quando se evidencia a relevância de um controle uniforme e sistematizado da 
produção no campo ao consumo. Para Marcial (2010) o artigo 33 do Tratado de Roma
23
 é um 
 
23
 As medidas tomadas pela UE se assentam em tratados aprovados de forma democrática e voluntária pelos 
países integrantes. Estes documentos autorizam a intervenção ou não em determinado domínio, vinculando as 
34 
 
ponto principal no alicerce desse direito, pois demonstra o que ele chama de “relação 
agroalimentária fundamental entre o produtor e o consumidor” base sobre a qual “se edifica o 
sistema do Direito agrário e do Direito agroalimentário” (MARCIAL, 2010, p. 163). O texto 
traz diretrizes de produção, liberação de mercados, importação, abertura comercial e 
porcentagens aplicáveis aos mercados. No artigo 36 o texto esclarece que estas disposições 
não prejudicarão restrições por razões de moral pública, ordem e segurança pública, proteção 
da saúde e da vida de seres humanos, animais; de preservação do patrimônio artístico, 
arqueológico ou histórico e de proteção da propriedade comercial e industrial
24
. Esta é a razão 
e proporção que Ballarín identifica quando afirma que o artigo 33 e seguintes embasam a 
sistemática do Direito Agrolimentar, pois traz previsões de incentivo produtivo, 
mercadológicas e inclui saúde, vida, alimentação e preservação do meio rural. 
 Por sua vez os objetivos da Política Agrícola Comum (PAC), dispostos no título II do 
Tratado de Roma (artigo 39) têm grande importância para o direito Agroalimentar posto que 
referenciem diretamente as atividades agrícolas. Trata da produtividade com uso de 
tecnologia, desenvolvimento agrícola, renda dos trabalhadores, de assegurar abastecimento, 
preços e promoção de mercados estáveis, conforme se lê: 
 
a) Incrementar a produtividade agrícola, incentivando o progresso técnico, 
assegurando o desenvolvimento racional da produção agrícola, assim como o 
emprego otimizado dos fatores de produção, em particular da mão-de-obra; 
b) garantir, assim, um nível de vida equitativo à população agrícola, em especial 
mediante o aumento da renda individual dos que trabalham na agricultura; 
c) estabilizar os mercados; 
d) garantir a segurança dos abastecimentos; 
e) assegurar ao consumidor produtos a preços razoáveis (MARCIAL, 2010, p. 163) 
 
 
A jurisprudência também tem seu papel fundamental para que o Direito comunitário 
possa reger grande parte da agricultura dos Estados Membros da União Europeia, por meio 
das sentenças e decisões dos respectivos tribunais constitucionais. No caso do Tribunal de 
Justiça Constitucional da Espanha, estas decisões permitiram a ampliação e melhoria 
 
proposições legislativas da Comissão da UE, vez só se pode propor legislação nos domínios mencionados nos 
tratados. Nesse sentido, oito tratados são considerados principais, dentre eles o Tratado de Roma (1957) que 
institui a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (Euratom). 
Para Marcial (2010) na temática aqui trabalhada a importância deste documento se refere à criação da CEE vez 
que aprofunda a integração europeia abrangendo a cooperação econômica, criando o mercado comum (livre 
circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais). A intenção era transformar a condição econômica da 
produção e das trocas comerciais entre os membros, bem como promover uma unificação política da Europa. O 
documento passou por várias alterações e atualmente se identifica como Tratado sobre o Funcionamento da 
União Europeia. Disponível em <https://europa.eu/european-union/law/treaties_pt>. Acesso em julho 2017. 
24
 Tratado que institui a Comunidade Econômica Europeia. Artigos 30 a 36, p. 35. Disponível em <http://eur-
lex.europa.eu>. Acesso em julho 2017. 
https://europa.eu/european-union/law/treaties_pt
35 
 
permanente dos objetivos elencados no artigo 33 do Tratado de Roma. Por sua vez o artigo 39 
do

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