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67 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Unidade II 5 ENFERMAGEM E BIOÉTICA 5.1 Conceito e história O compromisso ético dos profissionais de enfermagem, especialmente o cuidado humano, deve pautar-se na bioética, como prática de ações permeadas por uma postura crítica e reflexiva, em que pese principalmente a dignidade humana. A Encyclopedia of Bioethics designa o estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais, de acordo com Reich (1978). Bioética (ou ética da vida) no campo filosófico, corresponde ao “[...] estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar” (CALLAHAN, 1995, p. 1). Na interface das práticas de saúde, surge, nos Estados Unidos, na década de 1970, a bioética, que se ocupa de disciplinar as práticas assistenciais no campo da saúde estabelecendo quatro princípios: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Todos esses princípios primam pelo respeito ao indivíduo, entendendo que a ética nas atividades em saúde não deve ser pontual, mas uma postura adotada pelos profissionais que devem assumir a responsabilidade social e respeitar o direito à cidadania. Warren T. Reich’s Biography Warren T. Reich, fundador e diretor do Projeto para a História da Cuidado, é Professor de Pesquisa de Religião e Ética no Departamento de Teologia da Universidade de Georgetown e Professor Emérito de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de Georgetown. Como membro fundador do Instituto Kennedy de Ética da Universidade, ele criou a premiada Enciclopédia de bioética, entre 1971 e 1978, e uma totalmente revista edição de cinco volumes entre 1990 e 1995 – um trabalho interdisciplinar que desempenhou um papel importante no estabelecimento do campo da bioética e que continua a moldar e apoiar o campo. Ele estabeleceu e por 20 anos dirigiu o Programa de Bioética e Humanidades Médicas no Centro Médico da Universidade de Georgetown, entre 1977 e 1997. 68 Unidade II Nos últimos anos, o Dr. Reich foi professor visitante, pesquisador sênior ou professor sênior nas universidades de Bonn (Centro de Estudos de Integração Europeia), Tuebingen (von Humboldt Professor, Faculdades de Teologia e Medicina), Nova Gales do Sul (Centro de Investigação em Ciências Humanas), Melbourne (Programa de Pós-graduação em Direito, Ética e Medicina da Faculdade de Direito), Viena (Instituto de Ética e Direitos em Medicina, Faculdade de Medicina), Leuven (Faculdade de Filosofia e Programa em Ética Médica), Messina (Faculdade de Filosofia), Universidade Católica australiana (Plunkett Centro de Ética nos Cuidados de Saúde) e Universidade da Pensilvânia (Departamento de Filosofia). Ele também tem sido um sócio do Centro de Humanidades Nacional em Research Triangle Park, Carolina do Norte. Dr. Reich viaja muito para palestras nos EUA, Europa, América Latina, Austrália e Ásia. Fonte: Georgetown University (2007, tradução nossa). A bioética envolve todas as questões éticas sobre as ciências da vida e a atenção à saúde e situa-se na interface entre várias disciplinas, incluindo a universalidade de seu enfoque, que deverá ser enriquecido por um debate público envolvendo todos os membros da sociedade, e a diversidade de contextos econômicos, sociais e culturais, nos quais se enraíza o pensamento ético ao redor do mundo. Isso porque a reflexão de cada indivíduo se desenvolve conforme sua própria natureza, plasmada por sua história e suas tradições, sendo elas legais, políticas, filosóficas, religiosas, científicas, dentre outras (UNESCO, 1997). Após duas décadas de debates, a bioética, nos anos 1990, é reconhecida mundialmente como campo interdisciplinar consolidado da filosofia, com relevância pública, compartilhada por usuários, comitês hospitalares e conselhos de saúde. Desde então, ocorreram vários encontros nacionais e internacionais promovidos por associações profissionais, leigas e religiosas, para discussões de temas polêmicos sob a ótica da bioética. Podemos exemplificar mencionando dois particularmente muito relevantes: • Conferência do Cairo (1994), tratando do tema população e desenvolvimento. • Conferência de Pequim (1995), que abordou os direitos das mulheres e a saúde reprodutiva. As questões de ordem ética suscitadas pelo progresso e pelo avanço da ciência e da tecnologia, enraizados em todas as áreas do conhecimento humano, juntamente a todo o progresso e seu avanço devem, sempre, respeitar a dignidade, a liberdade e a autonomia do ser humano. Sabendo disso, é importante considerar que novos dilemas éticos induzidos pela tecnociência biológica suscitam preocupações crescentes com relação a biotecnologias de segunda geração capazes de reprogramar sistemas vivos: organismos geneticamente modificados introduzidos no meio ambiente. Podemos citar dois eventos que trataram dessas questões no universo da bioética: a Convenção de Astúrias dos Direitos Humanos e da Biomedicina e a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (UNESCO, 1997). 69 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO O primeiro, a Convenção de Astúrias dos Direitos Humanos e da Biomedicina, foi adotada e aberta à assinatura em Oviedo, em 4 de abril de 1997, e entrou em vigor como diretriz internacional em 1999. Denominada oficialmente Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Face às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, foi pactuada pelos Estados-membros do Conselho da Europa, outros Estados e Comunidade Europeia. O segundo evento, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da Unesco, em 1997, trouxe à baila questões polêmicas, como a manipulação do genoma humano, a clonagem humana e os transgênicos e afirmou – ou reafirmou – princípios e valores intangíveis, a universalidade de seu enfoque e a diversidade de contextos econômicos, sociais e culturais nos quais se enraíza o pensamento ético ao redor do mundo. Diante das novas questões éticas levantadas pela velocidade do progresso da tecnologia e da ciência, essas declarações deverão ser estudadas e avaliadas com base em sua aplicação, visto que, no campo da bioética, a abrangência e o alcance potencial desses documentos poderão ser complicados e dificultosos. Explorar conhecimentos recém-adquiridos sem ter frequentemente a mais vaga ideia acerca das consequências em longo prazo das nossas tecnologias, pode ser desastroso. Ou seja, uma nova descoberta científica que possa atingir o ser humano direta ou indiretamente terá que ser avaliada sob a luz de diversas áreas: sejam políticas, ecológicas, sociais, religiosas evitando a fragmentação dos sistemas naturais. As consequências positivas e negativas devem ser vistas de forma ampla e não restrita apenas a uma parte do todo. Observação Técnicas que controlam partes enfocam apenas determinado objetivo, sem considerar o todo, tendo apenas um determinado ponto de vista para se amparar, conseguem efeitos vantajosos sobre certos setores da natureza em curto prazo, mas podem afetar o todo de maneira imprevisível. São, assim, prejudiciais, em longo prazo, para outros setores da natureza ou como um todo, levando a efeitos futuros não previstos (CHAUÍ, 2000). A bioética pode demonstrar situações denominadas persistentes e emergentes. As situações persistentes são aquelas que perduram com o tempo e que provavelmente continuarão sempre existindo. Como exemplo, podemos citar o aborto, presente na história do homem há milênios, a discriminação étnica-social e a violência de gênero (mulheres, crianças e idosos). As situações emergentes são aquelas que surgiram recentemente – ou, mais precisamente, nos últimos50 anos – e que continuarão surgindo de acordo com os avanços tecnológicos e científicos. Como exemplo, podemos citar a clonagem terapêutica e reprodutiva, a descoberta do gene humano e suas implicações e os transplantes de órgãos. 70 Unidade II 5.2 Princípios da bioética O modelo de análise bioética comumente utilizado e de grande aplicação na bioética na maioria dos países é o modelo principialista (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 1989), que propõe quatro princípios bioéticos fundamentais: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, inserida na teoria principialista. É importante constatar que os quatro princípios não estão sujeitos a qualquer disposição hierárquica. Se houver conflito entre eles, no tocante à questão de aplicá-los corretamente, deve-se estabelecer como, quando e o que determinará o predomínio de um sobre o outro. A teoria principialista, como não poderia deixar de ser, é objeto de muitas críticas, dentre as quais as dificuldades de sua aplicação na realidade. Os princípios da bioética não esgotam a disciplina, que se revela cada vez mais plural e complexa. É pressupondo a educação como base para a formação de valores e formação de pessoas capazes de intervir como cidadãos que o ensino da bioética pode contribuir para promover mudanças desde o nível individual até o coletivo. Saiba mais Leia mais sobre os princípios da bioética consultando: BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Principles of biomedical ethics. Oxford: Oxford University Press, 2001. A partir deste ponto, vamos comentar um pouco a respeito de cada princípio da bioética de que falamos anteriormente. 5.2.1 Justiça O princípio da justiça estabelece como condição fundamental a equidade, obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, ou seja, de dar a cada um o que lhe é devido. O enfermeiro deve atuar com imparcialidade, evitando ao máximo que aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação entre enfermeiro e paciente. Os recursos devem ser equilibradamente distribuídos, com o objetivo de alcançar, com melhor eficácia, o maior número de pessoas assistidas. 71 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Observação O princípio da justiça requer que todos os pacientes sejam tratados com igual consideração, independentemente de sua situação cultural ou socioeconômica. Figura 6 5.2.2 Autonomia A palavra autonomia origina-se dos termos gregos autós, que significa próprio e nómos, que quer dizer regra, autoridade. Pode-se dizer, então, que o princípio da autonomia é a capacidade de uma pessoa de decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma. Desse princípio derivam procedimentos práticos: [...] a capacidade de agir intencionalmente, por vontade própria, o que pressupõe compreensão, razão e deliberação para decidir coerentemente entre as alternativas que lhe são apresentadas e portanto para exigência do consentimento informado; liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para esta tomada de posição (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 1989). Uma aplicação prática, no caso desse princípio, na relação enfermagem-paciente, seria a informação adequada das possibilidades de sucesso ou não do resultado esperado de um curativo para tratamento de úlcera de pressão. O paciente deve ser orientado sobre a duração aproximada do tratamento, as possibilidades de que ele não seja efetivo e que possa evoluir para uma alternativa, e ainda sobre as possíveis cicatrizes. Dessa forma, ele terá capacidade de decidir fazer ou buscar aquilo que julga ser o melhor para si mesmo. 72 Unidade II Outro exemplo seria a orientação de como o paciente deve tomar uma determinada medicação. O enfermeiro, muitas vezes, pode fazer a inferência de que o paciente conhece os demais cuidados com a utilização da droga, e, por isso, informar apenas os horários em que o remédio deve ser tomado, não fazendo, assim, a orientação completa. Nesse caso, a autonomia do paciente não foi respeitada. Vamos considerar uma orientação sobre um antibiótico que a mãe precisa administrar ao filho. Será que a mãe sabe que antes de administrá-lo há a necessidade de diluí-lo? Ou que o antibiótico poderá causar efeitos colaterais, como inapetência e diarreia? Mais ainda, será que ela se sentirá capaz e segura para fazê-lo? Será que o enfermeiro, nas tarefas do dia a dia, pode subestimar a capacidade de compreensão dessa mãe e não respeitar sua autonomia? Cabe salientar que a tomada de decisão do enfermeiro deve ter autonomia, ou melhor, ser substancialmente autônoma e não completamente autônomas. Para que um ato seja considerado autônomo, é necessário apenas um grau substancial de compreensão e liberdade de constrangimentos e não um completo entendimento e uma completa ausência de influências (OGUISSO; ZOBOLI, 2006, p. 125). É necessário respeitar as normas e o conhecimento, pois a autonomia e a liberdade caminham lado a lado com a responsabilidade. É importante ressaltar que o princípio da autonomia requer “que o profissional de saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta, em certa medida, seus valores morais e crenças religiosas” (DINIZ, 2008, p. 16). Figura 7 73 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO 5.2.3 Beneficência O princípio da beneficência é o que estabelece que devemos fazer o bem aos outros, independentemente de desejá-lo ou não. Fazer o bem pode ser traduzido para as atividades do enfermeiro como cuidar da saúde, da qualidade de vida, da evolução científica, do aprimoramento técnico e científico, da ajuda ativa, mesmo quando se tratar apenas de minimizar os danos. Observação O princípio da beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências conflitantes, o que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior porção possível de bem em relação ao mal. Pensemos num exemplo prático do que vimos dizendo. Para realizar um procedimento cirúrgico na região encefálica, o enfermeiro deverá tricotomizar uma determinada área do couro cabeludo do paciente, o que causará um malefício, do ponto de vista da estética. Contudo, o benefício será maior, pois a ação do enfermeiro pretende propiciar resultados cirúrgicos positivos. Outro exemplo seria a necessidade de amputação de um membro do paciente. O malefício será que o paciente ficará sem um dos membros, dificultando sua locomoção, interferindo nas suas atividades diárias habituais e até mesmo afetando-o psicologicamente. Porém, o benefício será maior, visto que, graças a esse procedimento, poderá sobreviver. Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação com os princípios da bioética, pois ele evidencia o caráter de manipulação da indústria farmacêutica, corrompendo a beneficência e a autonomia de uma população pobre: O JARDINEIRO fiel. Dir. Fernando Meirelles. Reino Unido; Alemanha; EUA; China: Focus Features, 2005. 129 minutos. 5.2.4 Não maleficência O princípio da não maleficência versa sobre a obrigação de não causar danos aos outros. Os danos devem ser entendidos não somente como físicos, como a dor, as lesões, a morte, mas também como aspecto ético, moral e psicológico. 74 Unidade II Figura 8 Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação com os princípios da bioética: UMA CHANCE para viver. Dir. Dan Ireland. EUA: Lifetime, 2008. 125 minutos. Lembrete Os quatro princípios da bioética são: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Embora cada um tenha seu próprio conceito, devem caminhar sempre juntos, e com o mesmo propósito 6 PRINCIPAIS DILEMAS ÉTICOS E AS INTERFACES COM A ENFERMAGEM Um dilema ético pode ser definido como uma situação que envolve um conflito entre duas escolhas morais. Por exemplo, você é um enfermeiro que trabalha em um serviço de atendimento pré-hospitalar e ao chegar ao local do atendimentodevido a um grave acidente automobilístico, depara com um adolescente de 14 anos em parada cardiorrespiratória e uma criança de 7 anos na mesma situação. Quem você atende primeiro? Isso é um dilema ético porque você sabe que não terá tempo hábil para o atendimento dos dois e, portanto, um deles não irá sobreviver. Mas a escolha terá que ser feita, levando a um dilema ético com necessidade de tomada de decisão. Diante de diversos dilemas éticos que estarão presentes no cotidiano do enfermeiro, é importante que ele tenha o conhecimento das diretrizes norteadoras da profissão, tanto científicas e técnicas como as éticas, além da legislação vigente. A tomada de decisão deve ser respaldada pela ética, e, se houver tempo, discutida entre a equipe multidisciplinar. 75 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Alguns temas de bioética persistentes e emergentes são de relevante significado, pois estarão causando embaraços na tomada de decisão por estarem predispostos aos dilemas éticos. Falaremos sobre eles a seguir. 6.1 Aborto 6.1.1 Conceitos Aborto é a interrupção ou expulsão do produto da concepção antes do feto viável, compreendida na gravidez até 22 semanas ou, se a idade gestacional for desconhecida, realizada no produto da concepção pesando menos de 500 gramas ou medindo menos de 16 cm (BRASIL, 2001). O aborto inseguro é o procedimento utilizado para interromper uma gravidez realizado por pessoas não habilitadas ou em ambiente inadequado. Abortos inseguros ocorrem em países onde as leis são restritivas ao procedimento ou naqueles onde ele é legal, porém, o acesso das mulheres aos serviços de saúde é dificultado. As posições quanto ao fundamento ético são inconciliáveis. O tema aborto sempre instiga a polêmica e envolve aspectos da mais alta indagação, já que a discussão engloba campos distintos, tais como: a ética, a moral, a medicina, o direito, a religião, os costumes e a filosofia. Atualmente, com influências da sociedade judaico-cristã, o aborto é condenado por alguns, que acreditam no direito à vida, outros são favoráveis, defendendo a decisão e o direito da mulher sobre o seu próprio corpo e há, ainda, os que estão convencidos de que a malformação grave ou qualquer outro problema previsto durante a gestação devem ser motivos para se realizar o aborto, uma vez que a sociedade tem o direito de ser constituída por indivíduos capazes. Nunca será possível encontrar um ponto de equilíbrio ético que possa contemplar integralmente esse dilema sob os diversos posicionamentos: religioso, científico, de saúde pública, cultural, social, científico, familiar, da mulher, econômico, político. 6.1.2 História do aborto Podemos encontrar menções ao aborto em documentos históricos antigos: • Na legislação babilônica, onde encontram-se menções ao aborto descritas no Código de Hamurabi. • A legislação hebraica, escrita no século XVI a. C. trata do aborto. A lei requeria uma multa para qualquer um cujo comportamento violento causasse um aborto. Se a mãe viesse a morrer, isto era visto como um homicídio doloso. • No mundo greco-romano, a punição em relação ao aborto assumia um caráter privado, já que o poder era familiar, ou seja o pai, como o chefe da família tinha poder absoluto sobre os filhos, inclusive aqueles que ainda estavam por nascer. Se a esposa realizasse um abortamento, poderia ser severamente castigada, até mesmo com a morte, caso assim determinasse seu marido. Entretanto, filósofos como Aristóteles e Platão pregavam a utilidade do aborto como meio para conter o aumento populacional. 76 Unidade II • No Egito antigo, o Código de Manu (COSTA; RIBEIRO; BRASIL, 2014), aplicado também na Índia, cogitou a prática do aborto como sendo um ato ilícito. • Os assírios puniam severamente a prática do aborto, aplicando pena de morte a quem fizesse o procedimento em mulher que ainda não tivesse filhos e punindo as mulheres que se submetessem ao aborto. • Na Pérsia, existia o Código de Conduta, que dizia que se uma jovem, por vergonha do mundo, destrói seu gérmen, pai e mãe são culpados; ambos partilharam do delito e serão punidos com morte infamante. Ou seja, em caso de aborto, pai, mãe e filha seriam submetidos à execração pública e, por fim, executados. Essa diretriz difere das demais citadas, pois a punição cabia também aos familiares e não apenas à mulher. • No período da república romana, a Lei Cornélia punia a mulher que consentisse na prática abortiva e também aquele que praticasse o ato em outra pessoa com a pena de morte, mas com a possibilidade de abrandamento caso a gestante não falecesse em decorrência das manobras abortivas nela praticadas. O cristianismo modificou vertiginosamente a visão que existia até então a respeito do aborto. Isso porque, juntamente com o nascimento do cristianismo, vieram à tona diversos prismas na conceituação do aborto e a crença de que o homem possuía uma alma, e que esta era imortal. Portanto, sob o ponto de vista do cristianismo, surge o questionamento: quando o homem ganha a alma? Ao nascer ou na concepção? Quando é considerado aceito por Deus? Somente depois do batismo? Esses questionamentos levantaram dilemas até hoje polêmicos sobre o aborto. Lembrete O Código de Manu foi criado na Índia em torno do ano 1500 a. C., promulgado aproximadamente entre os anos de 1300 a 800 a.C. criado com a incumbência de estabelecer leis norteadoras da convivência social (COSTA; RIBEIRO; BRASIL, 2014). 6.1.3 A legalização do aborto no mundo e no Brasil A legislação mundial difere sobre a permissão para realizar o aborto ou proibição de fazê-lo, havendo discrepâncias entre os países sobre a legalização plena, parcial ou a ilegalidade. Cada país apresenta diferenças legislativas, de acordo com a tradição jurídica e comportamental. No caso dos Estados Unidos, México e Austrália, por exemplo, a legislação nacional dá ampla liberdade para o aborto, mas os estados da federação podem limitá-lo ou até mesmo proibi-lo. 77 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Legalizado sem restrições Legalizado por razões socioeconômicas Legalizado em caso de risco para a mãe, de saúde física ou mental, ou estupro Ilegal em qualquer caso Ilegal exceto se há risco para a mãe Ilegal exceto se há risco para a mãe e em caso de estupro Ilegal exceto se há risco para a mãe de saúde física e caso de estupro Figura 9 – Demonstração da legalização do aborto no mundo. Fonte: Center for Reproductive Rights (EUA), dados de 2009 Existem países onde o aborto é totalmente proibido, independentemente de casos em que a vida da mãe esteja em risco, ou até mesmo em caso de má-formação fetal. Dentre esses países, podemos citar: Andorra, Angola, Chile, Congo, Egito, Haiti, Somália, Honduras, Micronésia, Nicarágua, Omã, Palau, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, El Salvador, República Dominicana, Filipinas, San Marino, Gabão, São Tomé e Príncipe, Senegal, Guiné-Bissau, Iraque, Suriname, Síria, Laos, Lesoto, Tonga, Madagascar, Malta, Ilhas Marshall, Mauritânia e Maurício. Já em outros países, o aborto é permitido nos casos em que a saúde física ou mental da mãe estejam comprometidas e por critérios econômicos, como: Austrália, Barbados, Belize, Chipre, Fiji, Finlândia, Índia, Japão, Luxemburgo, Taiwan, Grã-Bretanha e São Vicente e Granadinas. No Brasil, em 1830, a legislação não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante, criminalizava apenas aquele que o realizasse na mulher grávida. Em 1890, o Código Penal passou a prever a figura do aborto provocado, no qual a gestante assume a responsabilidade do procedimento. O Código Penal (BRASIL, 1940) brasileiro vigente data de 1940 e, no artigo 128, incisos I e II, embora determine que a realização do aborto é proibida, abre três exceções, asseverando que ele não é crime (ou é crime, mas isento de punição): • Quando o aborto é feito para salvar a vida da mãe. • Quando a gravidez é decorrente de estupro. • Quando se dá em decorrência demá-formação congênita do feto (anencefalia). 78 Unidade II O Código determina também que o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento é cabível de pena: Art. 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 a 3 anos (BRASIL, 1940). E ainda que o aborto provocado por terceiros é pertinente à pena nos casos de: Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de três a dez anos. Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (BRASIL, 1940). 6.1.4 Aborto: prevalência no mundo, dilemas éticos e políticos Mundialmente, a prevalência de aborto inseguro é estimada em 19 a 20 milhões, dos quais 97% pertencem a países em desenvolvimento. Em 2000, ocorreram 14 abortos induzidos por 1.000 mulheres entre 15 e 44 anos. A maior prevalência é da América Latina, com 20 abortos por 1.000 mulheres de 15 a 44 anos. As estimativas brasileiras para o início dos anos 1990 eram de uma taxa de abortamento induzido de 36.5 para 1.000 mulheres (GRIMES, 2006). 79 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Em 2013, foram 205.855 internações decorrentes de abortos no País, sendo que 154.391 ocorreram por interrupção induzida. Calcula-se que para cada internação por abortamento na rede pública, cerca de quatro abortos clandestinos são realizados. Com isso, é possível calcular que o total de abortos induzidos em 2013 tenha variado de 685.334 a 856.668. No entanto, segundo dados do Ministério da Saúde, foram documentados 1.523 casos de abortos no período (CASTRO; TINOCO; ARAÚJO, 2014). Observação Sabe-se que o tabu que cerca o tema leva à imprecisão dos números e à sensibilização da sociedade, fazendo com que as políticas de saúde e a própria legislação fiquem comprometidas. Uma a cada cinco mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Atualmente, no Brasil, existem 37 milhões de mulheres nessa faixa etária (IBGE, 2015). Esses dados evidenciam que a proibição de interromper a gravidez voluntariamente não evita que as mulheres recorram ao abortamento clandestino e inseguro. O aborto ilegal é um problema de saúde pública que tem custos e complicações imensuráveis. Essas mulheres podem ter consequências graves clinicamente, como infecções, contrair doenças infectocontagiosas, hemorragias, mutilações e até mesmo chegar ao óbito. A mortalidade materna no Brasil decorrente do abortamento representa algo em torno de 12,5% do total de óbitos, embora muitos deles não sejam notificados (BRASIL, 2009). A Primeira Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres foi realizada em Brasília, em 2004, e propiciou o engajamento do Governo Federal em criar uma Comissão Tripartite, composta por representantes dos poderes Executivo e Legislativo, e da sociedade civil. Participaram dessa comissão as esferas da saúde, jurídicas e do movimento feminista, que puderam revisar o conjunto de leis que regem as punições para a interrupção voluntária da gravidez, o que resultou no Projeto de Lei n. 1.135/91, que prevê a descriminalização e a legalização do abortamento. E quanto à mulher que realiza a interrupção voluntária da gravidez? Considera-se facultado à mulher o direito de verbalizar seus anseios sobre o aborto, sendo que ela muitas vezes vivencia o processo do aborto de forma solitária, oprimida e com medo de morte. No momento da assistência pelos profissionais da enfermagem, contudo, ela é preterida, o que aumenta o risco de agravamento do quadro, podendo levá-la a estresse pós-traumático, situação frequente nos casos de abortamento (GESTEIRA; DINIZ; OLIVEIRA, 2008). 80 Unidade II Exemplo de aplicação Como futuro enfermeiro e profissional da saúde e sabendo que para cada internação por abortamento na rede pública, cerca de quatro são clandestinos, e que existe um elevado número estimado de abortos por interrupção induzida em nosso País, reflita: a legislação vigente, assim como as políticas de saúde, atendem à realidade da demanda apresentada? Você sugere alguma alternativa? Como a mulher que realiza um aborto é vista pela sociedade? Saiba mais Leia o texto a seguir: GESTEIRA, S. M. A.; DINIZ, N. M. F.; OLIVEIRA, M. O. Assistência à mulher em processo de abortamento provocado: discurso das profissionais de enfermagem. Acta Paulista de Enfermagem, v. 21, n. 3, p. 449-453, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n3/pt_11.pdf. Acesso em: 23 jun. 2020. Conheça mais sobre o papel ético do enfermeiro na atenção humanizada ao abortamento lendo: BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção humanizada ao abortamento. Norma técnica. Brasília, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed. pdf. Acesso em: 23 jun. 2020.. 6.1.5 O aborto, o enfermeiro e a ética profissional A atenção humanizada às mulheres em abortamento merece abordagem ética e reflexão sobre os aspectos jurídicos, tendo como princípios norteadores a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana, não se admitindo qualquer discriminação ou restrição ao acesso à assistência à saúde. Esses princípios incorporam o direito à assistência ao abortamento no marco ético e jurídico dos direitos sexuais e reprodutivos afirmados nos planos internacional e nacional de direitos humanos (BRASIL, 2011). Embora as normativas éticas proíbam o profissional de enfermagem de realizar ou participar de abortos não previstos pela lei, o profissional de enfermagem deve assegurar às mulheres que praticaram o aborto o acesso à informação e orientação humana e solidária, ao abortamento previsto em lei, à atenção de qualidade em complicações derivadas de abortos e ao planejamento reprodutivo pós-aborto para, inclusive, evitar abortos repetidos. 81 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Em todo caso de abortamento, principalmente nos induzidos, a atenção à saúde da mulher deve ser garantida prioritariamente, provendo-se a atuação multiprofissional e, acima de tudo, respeitando a mulher na sua liberdade, dignidade, autonomia e autoridade moral e ética para decidir, afastando preconceitos, estereótipos e discriminações de quaisquer naturezas que possam negar e desumanizar esse atendimento (BRASIL, 2011). Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação sobre esse dilema ético, o aborto: 4 MESES, 3 semanas e 2 dias. Dir. Cristian Mungiu. Romênia; Bélgica: Mobra Films, 2007. 113 minutos. De acordo com o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, sabe-se que: Capítulo III – das Proibições Art. 70 – Utilizar dos conhecimentos de enfermagem para praticar atos tipificados como crime ou contravenção penal, tanto em ambientes onde exerça a profissão quanto naqueles em que não a exerça, ou qualquer ato que infrinja os postulados éticos e legais. [...] Art. 72 – Praticar ou ser conivente com crime, contravenção penal ou qualquer outro ato que infrinja postulados éticos e legais, no exercício profissional. Art. 73 – Provocar aborto, ou cooperar em prática destinada a interromper a gestação, exceto nos casos permitidos pela legislação vigente. Parágrafo único –Nos casos permitidos pela legislação, o profissional deverá decidir de acordo com a sua consciência sobre sua participação, desde que seja garantida a continuidade da assistência (COFEN, 2017). A legislação é clara quanto à proibição expressa da realização de abortamento ilegal por profissional de enfermagem. Assim, nos casos de abortamento previsto na legislação brasileira, este deve ser realizado por profissional médico, e o profissional de enfermagem, por questões de foro íntimo e pessoal contrário a sua participação no ato, deverá previamente comunicar por escrito à sua chefia a recusa em participar 82 Unidade II do momento em que o ato do abortamento acontecerá, entretanto, jamais deverá recusar o cuidado e a assistência de enfermagem prestada à mulher antes ou depois do ato respeitando sua dignidade. De outra forma, a própria chefia de enfermagem em vista da situação de recusa prévia do profissional, mediante o planejamento do cuidado, deverá manter um profissional devidamente capacitado e que consinta na prestação do cuidado sem discriminação, em respeito à mulher assistida. Exemplo de aplicação Sabendo-se que o aborto ilegal é considerado um problema de saúde pública e suas complicações à saúde da mulher são imensuráveis, reflita: como a assistência de enfermagem prestada a mulheres que realizam a interrupção voluntária da gravidez vem sendo realizada? Essas mulheres recebem atendimento humanizado no âmbito hospitalar pelo enfermeiro e/ou pela equipe de saúde? Lembrete A prevenção da gravidez não desejada, do abortamento e de suas consequências são de alta prioridade para profissionais de saúde. Às mulheres deve ser garantindo o acesso: à informação e orientação humana e solidária; ao abortamento previsto em lei; à atenção de qualidade em complicações derivadas de abortos e ao planejamento reprodutivo pós-aborto para, inclusive, evitar abortos repetidos (BRASIL, 2011). Figura 10 6.2 Violência, discriminação étnica e social A sociedade contemporânea está atravessada por contradições e paradoxos, dentre os quais vale destacar a relação entre a alta tecnologia e a pior situação humana, a miséria. 83 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Além da miséria, que restringe o acesso a essas tecnologias, mesmo com todos os esforços que os Estados tentam fazer para remediar essa questão, existem outros paradoxos em nossa sociedade. Embora a notável evolução exponencial do ser humano e a capacidade de adquirir novos avanços tecnológicos responsáveis por inúmeros benefícios e pelas transformações sociais demonstrem nossa incrível capacidade de evoluir, ainda estamos longe de nos superar quando falamos de violência, discriminação étnica e social, que perduram desde os primórdios. Sobre o problema da violência, podemos exemplificá-lo com o tema da mulher, que continua, nos dias de hoje, sendo vítima de violência sexual. Além de ser um problema histórico, social e mundial, esse tipo de violência ainda por cima tem aumentado de maneira assustadora, tornando-se motivo de preocupação mundial de autoridades, de organizações não governamentais e de vários campos do conhecimento. A mulher, por ser alvo preferencial desse tipo de violência, tem merecido atenção por parte de profissionais, principalmente os de enfermagem, que, na sua trajetória prática e em qualquer ambiente de trabalho, podem defrontar-se com essa situação, o que lhes exigirá conhecimento específico e habilidade para realizar esse cuidado como expressão humanizadora da enfermagem, com poder transformador, que deve ser sentido e vivido por parte de quem cuida e de quem é cuidado (MORAIS; MONTEIRO; ROCHA, 2010). Dentro do tema violência, podemos citar a violência praticada contra os idosos, crianças e também a violência recebida pelos profissionais de saúde em seus ambientes de trabalho. A discriminação é outro ponto importante discutido na bioética, e que merece destaque. O termo indica segregação, colocar à parte, deixar de lado e podemos citar discriminações em inúmeras circunstâncias, relacionadas à etnia, à homossexualidade, à xenofobia, ao radicalismo religioso, aos estereótipos físicos fora dos padrões exigidos pela sociedade, como os portadores de deficiência física, obesos, dentre tantos outros. Figura 11 – Índios protestam por demarcação e contra discriminação 84 Unidade II Para entender melhor, qualquer exclusão, distinção, restrição ou preferência baseada em raça, cor ou nacionalidade que tenha intenção de anular o reconhecimento de exercícios é considerada discriminação racial. Todas as pessoas, independentemente de raça, têm direitos econômicos, sociais e culturais iguais. A discriminação racial pode influenciar o funcionamento dos serviços de saúde e as relações entre profissionais e usuários e pode ser reproduzida, imperceptivelmente, através do modo como as pessoas do entorno são tratadas. A discriminação racial voltada para a população afrodescendente pode ser identificada através de alguns aspectos, tais como: diferenças no acesso aos serviços de saúde; atendimento diferenciado aos usuários de cor negra; consultas em que os profissionais examinam inadequadamente as mulheres negras; utilização de expressões depreciativas em relação aos negros etc. (DOMINGUES, 2013). O Brasil é um país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a isso há as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração econômica do proletariado, os 350 anos de escravidão negra e da abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para que eles subsistissem. O acesso à educação – e, consequentemente, ao mercado de trabalho – é escasso entre negros e pardos, mesmo 51,1% da população brasileira sendo negros ou pardos. Diversas estatísticas alertam para a disparidade, por exemplo, do número de negros e brancos que não sabem ler, apontando para o analfabetismo funcional presente em 16,4% dos brancos, 27,2% dos negros e 28,6% dos pardos (IBGE, 2015). Deve-se tomar cuidado, no entanto, para diferenciar o que é fruto do racismo e o que é proveniente do resultado da falta de oportunidades decorrentes de uma série de fatores históricos e atuais, como o contexto socioeconômico, por exemplo. Além das desigualdades e discriminação relativas às etnias, existe a discriminação às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil. Nos últimos anos, a melhoria dos rendimentos e a redução do desemprego entre as mulheres indicam os avanços alcançados pela sociedade brasileira. Entretanto, ainda enfrentam-se enormes desafios para atingir os objetivos sociais desejados. No que se refere às mulheres, persiste uma desigualdade em termos de inclusão no mercado de trabalho com relação aos homens – a participação das mulheres é de 42%, e sua remuneração é inferior à dos homens em aproximadamente 30%. O Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, desenvolvido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2014, procurou promover relações de trabalho não discriminatórias em razão de sexo, raça e etnia, orientação sexual, geração ou deficiência com equidade salarial e no acesso a cargos de direção. O programa teve como finalidade desenvolver novas concepções de relações de trabalho para alcançar a igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho e seu objetivo era contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação no acesso, remuneração, ascensão e permanência no emprego. A Lei federal n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989). O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem prevê no CapítuloI – Dos Direitos, logo no primeiro artigo: “Exercer a enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, 85 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princípios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos”; e Capítulo II – Dos Deveres, no artigo 41: “Prestar assistência de Enfermagem sem discriminação de qualquer natureza” (COFEN, 2017). Outro ponto sobre o qual precisamos refletir é o direito ao progresso, levando em conta a situação econômica do País e de sua população. É claro que a população carente não pode ser excluída da roda viva evolutiva, sendo privada de seus direitos à educação, alimentação e moradia. Ao falarmos da dignidade do ser humano, torna-se imperioso que sejam pensadas formas de garantir e efetivar a distribuição dos avanços biotecnológicos também no que se refere à saúde. Portanto, fazem-se necessárias muitas reflexões a respeito da justiça distributiva no campo da saúde pública. Existem perguntas que são cruciais: Como assegurar a vida digna livre de violências, discriminações ou exclusões?, Como garantir a inclusão?, Como realizar a distribuição de renda de modo mais equilibrado, de acordo com a dignidade humana?, Como o enfermeiro pode participar dessas ações?. Saiba mais Leia os textos a seguir: SARMENTO H. B. M. Bioética, violência e desigualdade: as biociências e a constituição do biopoder. Katálysis, v. 11, n. 2, 2008, p. 248-256. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2925236. Acesso em: 23 jun. 2020. MORAIS S. C. R. V.; MONTEIRO, C. F. S.; ROCHA, S. S. O cuidar em enfermagem à mulher vítima de violência sexual. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 155-60, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v19n1/ v19n1a18.pdf. Acesso em: 23 jun. 2020. O filme a seguir também pode propiciar uma inter-relação com o conteúdo trabalhado, pois aborda questões éticas ligadas ao preconceito racial e étnico, à adequação a uma sociedade e à estereotipação: CRASH, no limite. Dir. Paul Haggis. Alemanha; EUA: Bob Yari Productions, 2004. 112 minutos. 6.3 Transfusão sanguínea e as filosofias religiosas O sangue tem uma importância enorme na vida humana, tanto que pesquisas relativas a ele e seus componentes podem salvar vidas ou, pelo menos, melhorar a qualidade de vida de quem sofre com certas doenças. Atualmente, já se pode usufruir de hemoterapias (tratamento com sangue ou derivados) eficazes, por meio das quais muitos pacientes se beneficiam com uma única doação de sangue, a partir 86 Unidade II do uso seletivo dos seus componentes. A transfusão sanguínea constitui-se num tratamento médico que não é isento de complicações, entretanto, por mais que apresente perigo, é tão importante quanto um transplante de órgãos, e, assim como ele, embora tenha seus benefícios, traz consigo alguns riscos. Interpretações de algumas passagens bíblicas por algumas religiões fazem com que algumas comunidades religiosas neguem a transfusão de sangue, a exemplo do que ocorre com os adeptos da filosofia Testemunhas de Jeová. O jornal Folha de S. Paulo, na edição de 27 de abril de 2010, publicou notícia de um caso sobre recusa de transfusão de sangue por motivos religiosos. No caso em questão, o estado do Rio de Janeiro concordou com a recusa de receber transfusão sanguínea da praticante da igreja Testemunhas de Jeová com o fundamento de que negar-se a participar desse procedimento médico é um direito dos fiéis da igreja, devido à crença religiosa. A mulher era portadora de doença pulmonar grave e, durante sua internação, negou o recebimento de sangue. Saiba mais Leia a notícia completa: LEITÃO, M. Estado do Rio dá a religiosos direito de recusar transfusão. Folha de S. Paulo, 27 abr. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com. br/fsp/saude/sd2704201001.htm. Acesso em: 23 jun. 2020. A decisão mencionada do estado do Rio de Janeiro está embasada na própria Constituição Federal, no artigo 5º, VI, quando prevê a liberdade de consciência e de crença: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias (BRASIL, 1988). Se, por um lado, temos uma filosofia religiosa que tem seus princípios e que encontra respaldo na Constituição Federal, por outro, existe a conduta médica, fortalecida pela legislação: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002) 87 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO De acordo com o que o Conselho Federal de Medicina (CFM) determina, sob iminente risco de morte, o médico deve realizar a transfusão sanguínea, não obstante a recusa do portador do mal ou de seus responsáveis. Embora o Código de Ética Médica determine a exigência do consentimento do paciente, salvo na hipótese de risco iminente de morte (CFM, 2019), se o médico não prescrever o sangue, enquadra-se no crime de perigo para a vida ou saúde de outrem (BRASIL, 2002) e, ocorrendo morte, o médico poderá responder pelo resultado a título de dolo, desde que conscientes da situação de risco à vida do paciente. Exemplo de aplicação Ao considerar que a doutrina das Testemunhas de Jeová interfere na tomada de decisão ética na área da saúde no que se refere à hemotransfusão, conclui-se que estamos diante de um dilema ético muito difícil de resolver. Reflita: qual seria a melhor conduta a ser tomada? Deixar o paciente morrer por suas convicções religiosas ou simplesmente ignorá-las e administrar o sangue, seguindo os preceitos legais e éticos da profissão? Trata-se de um conflito entre a autonomia do médico e a do paciente. Como resolver, então? É importante lembrar que o enfermeiro também poderá estar envolvido nesse dilema ético, visto que pode ser o responsável por administrar o sangue a pacientes praticantes dessa religião em muitos estabelecimentos de saúde, e nas mais diversas idades: adultos, crianças e idosos. A hemotransfusão é um tratamento clínico cuja execução terapêutica, em princípio, compete aos médicos e aos profissionais de laboratório. Entretanto, o enfermeiro, como integrante da equipe de saúde, pode ter que participar deste procedimento, pois o Conselho Federal de Enfermagem aprovou normas técnicas dos procedimentos a serem realizados pelos profissionais de Enfermagem na Hemoterapia e no Transplante de Medula Óssea (FRANCA; BAPTISTA; BRITO, 2008) Da mesma forma como mencionado, o artigo 186 do Código Civil (BRASIL, 2002) e o artigo 132 do Código Penal (BRASIL, 1940) podem ser aplicados igualmente ao enfermeiro. Além disso, o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem estabelece: O profissional de enfermagem atua com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais, técnico-científico e teórico-filosófico; exerce suas atividades com competência para promoção do ser humano na sua integralidade, de acordo com os princípios da ética e da bioética, e participa como integrante da equipe de enfermagem e de saúde na defesa das Políticas Públicas (COFEN, 2017). 88 Unidade II E são direitos dos profissionais enfermeiros: Art. 6º – Aprimorar seus conhecimentos técnico-científicos, ético-políticos, socioeducativos, históricos e culturais que dão sustentação à prática profissional. Art. 7º – Ter acesso às informações relacionadas à pessoa, família e coletividade, necessárias ao exercício profissional. [...] Art. 10 – Ter acesso, pelos meios de informação disponíveis, às diretrizes políticas,normativas e protocolos institucionais, bem como participar de sua elaboração (COFEN, 2017). Além disso, o código estabelece como dever do enfermeiro: Art. 41 – Prestar assistência de enfermagem sem discriminação de qualquer natureza. Art. 45 – Prestar assistência de enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência (COFEN, 2017). Poderíamos amenizar a situação, apenas nos casos previsíveis para a necessidade das transfusões sanguíneas, por exemplo, no caso das cirurgias eletivas, realizando um planejamento: estocagem do próprio sangue para a autotransfusão, estímulos da medula óssea para aumento da produção de sangue com a finalidade de intensificar o nível de hematócrito e hemoglobina ou até mesmo sugestão da transferência da responsabilidade médica para outro que compreenda a filosofia religiosa. Porém, essas ações, em caráter emergencial, não se aplicam, pois somente a hemoterapia será eficiente. [...] remanesce o problema, especialmente nos casos em que há uma grande perda de sangue, e o tratamento, chamado alternativo, não é suficiente, para se manter a vida do paciente. Assim sendo, salienta-se que, apesar da evolução da ciência, a terapia transfusional continua sendo imprescindível nos casos de hemorragias agudas [...] (SORIANO, 2001, p. 1). 89 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Saiba mais Leia os textos a seguir: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 jun. 2020. FRANCA, I., S. X. de; BAPTISTA, R. S.; BRITO, V. R. S. Ethical dilemmas in blood transfusion in Jehovah’s Witnesses: a legal-bioethical analysis. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 498-503, 2008. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002008000300019&lng =en&nrm=isso. Acesso em: 23 jun. 2020. Os seguidores dessa religião estão bem-organizados para auxiliarem as equipes de saúde no processo de tomada de decisão. Existem comissões de ligação com hospitais, que são constituídas por pessoas que se dispõem a ir ao hospital prestar assessoria aos casos de necessidade de transfusão. As Testemunhas de Jeová sustentam não terem o objetivo de renunciar à vida quando recusam o tratamento com sangue, mas desejarem, unicamente, serem submetidas a um tratamento alternativo, uma vez que existem, cada vez mais, opções sem a utilização de sangue. Os seguidores dessa religião, assim, acreditam no direito a uma vida digna, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, recebendo sangue de outrem, as testemunhas de Jeová seriam consideradas impuras em seu meio social. 6.4 Doação e transplante de órgãos A criação, em 1997, do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e das Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) possibilitaram a implementação de passos importantes para beneficiar a procura e a captação de órgãos para transplantes no Brasil. Porém, a escassez de doadores efetivos, e, consequentemente, de órgãos, continua sendo o estrito gargalo que se recusa a abrir-se para o aumento do número de transplantes (ABBUD FILHO, 2006). 82% das causas de não efetivação das doações pelo Brasil são devidas à recusa familiar (34%) e contraindicação médica (48%). Análise evolutiva do registro mostra tendência de redução na primeira e surpreendentemente, de aumento da segunda (ABBUD FILHO, 2006, p. 467). Mesmo assim, o número de transplantes de órgãos sólidos e tecidos no primeiro trimestre de 2016 chega a aproximadamente 10 mil procedimentos. 90 Unidade II Saiba mais Leia o texto de Abbud Filho na íntegra: ABBUD FILHO, M. Desvendando as causas de não efetivação dos potenciais doadores de órgãos: educar para não punir... quem? Jornal Brasileiro de Transplantes, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 461-508, 2006. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/JBT/2006/1.pdf. Acesso em: 23 jun. 2020. Um dos motivos para a escassez de doadores efetivos pode estar nas questões de ordem cultural-religiosa que precisam ser superadas pela família do doardor, tais como o medo da morte e a não compreensão do conceito de morte encefálica, uma vez que o coração ainda pulsa. Podemos citar ainda questionamentos administrativos sobre os custos de se manter um potencial doador internado, a falta de preparo médico para o diagnóstico de morte encefálica, falta de suporte técnico necessário para a realização de exames complementares e preocupação com a responsabilidade legal que recai sobre essa conduta. Mesmo assim, o Brasil é um dos países que mais realizam transplantes no mundo, e tudo totalmente custeado pelo Sistema Público de Saúde, o SUS. Um dos países que mais realizam transplantes no mundo Atividade social doação espontânea Brasil 5,4 doadores/milhão de habitantes Totalmente custeado pelo SUS Figura 12 – Informações sobre o transplante de órgãos no Brasil Morte encefálica é a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro, e traduz a definição legal de morte. É resultado de severa agressão ou ferimento grave no cérebro, levando o paciente a uma condição final, irreversível, definitiva de cessação das atividades do tronco cerebral. O diagnóstico de morte encefálica é fundamental para iniciar o processo de doação. Os critérios para o diagnóstico de morte encefálica (ME) foram definidos na Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 2.173/2017, e atende o que determina a lei n. 9.434/97 e o decreto n. 9.175/2017, que regulamentam o transplante de órgãos no Brasil. A Lei federal n. 10.211/2001 fala sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Existem algumas partes desse texto que valem a pena serem ressaltadas, tais como: 91 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Art. 4º A retirada de tecidos, órgão e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecendo à linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. [...] Art. 9º É permitido à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea (BRASIL, 2001). O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem determina que o enfermeiro não deve colaborar direta ou indiretamente com outros profissionais de saúde no descumprimento da legislação referente aos transplantes de órgãos e tecidos. Capítulo III – Das Proibições Art. 82 – Colaborar, direta ou indiretamente, com outros profissionais de saúde ou áreas vinculadas, no descumprimento da legislação referente aos transplantes de órgãos, tecidos, esterilização humana, reprodução assistida ou manipulação genética (COFEN, 2017). As leis e normas regulamentadoras da profissão deixam claro que a compra e a venda de órgãos humanos para transplantes provenientes de doadores vivos são proibidas. Contudo, a crescente e longa lista de pessoas na espera para os transplantes, sensíveis às variações na demanda e à oferta de um órgão compatível, estimulou, na informalidade, a corrupção na compra e venda ilegal de órgãos e tecidos. É sabido que atualmente, no Brasil, há uma espera de aproximadamente seis anos para uma pessoa que aguarda um transplante de coração, por exemplo. A comercialização de órgãos de seres humanos vem sendo pauta de discussão mundial no debate bioético, pois a compra e a venda desses órgãos transformaram o corpo, ou parte dele, em mercadoria e, consequentemente, em um problema social e de saúdepública. O fato é que transplantes em clínicas clandestinas ocorrem, inclusive com a busca pelo tratamento feito internacionalmente, uma vez que pessoas necessitadas de transplante acabam buscando ajuda em outros países para realizar uma cirurgia, o que frequentemente gera clandestinidade dos procedimentos envolvidos (KENNEDY et al., 2005). Provavelmente, no futuro, os transplantes não dependerão mais de órgãos ou tecidos humanos. A tecnologia avança e hoje, com o auxílio da nanotecnologia e da genética, cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, desenvolveram uma impressora 3D que cria tecido sintético 92 Unidade II a partir de óleo e água. Até aí, aparentemente, não há nada de muito extraordinário, contudo, trata-se de um grande feito. Isso porque as células do corpo humano, por exemplo, um neurônio ou uma célula muscular, são basicamente bolas de líquido envoltas por uma membrana, que, por sua vez, é feita de gordura, com moléculas chamadas de lipídios, que se alinham uma ao lado da outra para criarem duas camadas. E isso é exatamente o que a impressora 3D do pesquisador Gabriel Villar, que coordena o estudo, faz: bolas de líquido envoltas por uma dupla camada de lipídios. Contudo, o ponto alto dessa invenção é o fato de as gotículas de água que constituem esse tecido reproduzirem algumas propriedades das células nos tecidos biológicos e transmitirem sinais elétricos. Essa tecnologia, no futuro, possivelmente poderá ser usada em transplantes, com peças sintéticas ou parcialmente sintéticas. 6.5 Bioética diante das questões da morte e do processo de morrer Nos primórdios, se um indivíduo adoecesse, contava com poucos recursos, muitas vezes apenas com sua própria imunidade para se recuperar e, caso ela não vencesse a doença que o atacava, acabava morrendo. Com o desenvolvimento das tecnologias e da ciência, permitiu-se a cura de várias doenças, um prolongamento da vida ou até mesmo do processo de morrer, melhorando a qualidade de vida e a longevidade do ser humano. Diante destas possibilidades, chegou-se a um impasse: a dignidade no processo de morrer, envolvendo questões como o apressamento da morte e o prolongamento do processo de morrer. Esse processo de morte, quando prolongado, pode levar, muitas vezes, a intensos sofrimentos decorrentes do uso excessivo da tecnologia disponível na busca por retardar a morte. Vamos entender um pouco mais sobre esses processos, identificando os conceitos de eutanásia, distanásia e ortotanásia, o que a legislação brasileira prevê sobre essas circunstâncias e como o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem normatiza esse tema. 6.5.1 Eutanásia Termo de origem grega (eu, boa; thanatos, morte), significa literalmente morte boa, isto é, morte sem dor ou sofrimento. O termo refere-se ao ato de pôr fim à vida de uma pessoa enferma e é considerada uma prática inadequada, imoral e ilegal no país. Segundo o dicionário Aurélio (DICIONÁRIO DO AURÉLIO ONLINE, 2016), eutanásia significa morte serena, sem sofrimento; prática, sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um enfermo incurável e terminal. Existem muitos casos na mídia nacional e internacional envolvendo a enfermagem, entre outros profissionais da saúde, na prática da eutanásia, mesmo sem a existência do amparo legal, questão que discutiremos logo mais adiante. 93 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Observação Veja esse depoimento de um cirurgião sobre ter realizado eutanásia em um paciente com icterícia, que não conseguia se alimentar e recebia alimentação artificialmente, com dores generalizadas e contínuas, dependente de morfina: “Era um absurdo mantê-lo vivo naquelas condições” (GOLDIM JÚNIOR apud BARBOSA; FERNANDES; RIGITANO, 2004). Muitas religiões definem a eutanásia como um crime contra a vida e um atentado contra a humanidade, pois referem-se à vida como um dom de Deus. A eutanásia não possui nenhuma menção no Código Penal Brasileiro, nem na Constituição Federal. Desse modo, é fácil entender porque no Brasil não se tem nenhum caso de eutanásia, afinal, quando algo semelhante acontece, é tratado como homicídio, com relação ao profissional que a aplica no doente, ou como suicídio, no caso em que o paciente tenha solicitado a sua realização. A enfermagem tem trabalhado com valores e crenças relacionadas a esse aspecto no dia a dia e suas experiências, cuidando de pessoas no processo de morrer dentro das instituições de saúde, por meio de cuidados paliativos. Porém, a legislação profissional de enfermagem proíbe a eutanásia e práticas a destinar a antecipação da morte do paciente. O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem vigente traz claramente, no Capítulo III das proibições, em seu artigo 74, a proibição de promover ou participar de prática destinada a antecipar a morte da pessoa (COFEN, 2017). Saiba mais Obtenha mais informações lendo: BARBOSA, E.; FERNANDES, A.; RIGITANO, C. O dilema da Eutanásia. Vidas em Revista, v. 2, n. 13, p. 20-5, 2004. 6.5.2 Distanásia A distanásia é termo pouco conhecido, mas muitas vezes praticada no campo da saúde. Tem como definição de morte difícil ou penosa, usada para indicar o prolongamento do processo da morte, através de tratamento que apenas prolonga a vida biológica do paciente. Também pode ser chamada de obstinação terapêutica (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2000). Segundo Menezes, Selli e Alves (2009), distanásia significa a conduta que visa manter a vida do paciente terminal mesmo com muito sofrimento. Essa conduta não se estende à vida, mas ao processo de morrer. O avanço da ciência e sua aplicação, por vezes, comprometem a qualidade de vida das pessoas 94 Unidade II em sofrimento, afetando a sua dignidade. Os cuidados paliativos e o respeito ao direito do paciente são meios eficazes para prevenir a prática da distanásia. Exemplo de aplicação Os nascimentos de crianças com malformações congênitas ou com doenças raras representam um desafio para os sistemas de saúde no que tange à alocação de recursos, gestão do cuidado e desdobramentos sociais. O transcurso entre a gestação e o nascimento de um feto com malformação conecta, paradoxalmente, duas polêmicas modalidades da terminalidade da vida: o aborto e a eutanásia/ ortotanásia de recém-nascidos (RODRIGUES; SÁ, 2016). A infecção causada pelo Zica vírus pode ocasionar fatores detectáveis durante a gestação ou após o nascimento. Essas descobertas recentes levam a questionamentos sobre a bioética, como temos vivenciado diariamente na mídia. Você, como enfermeiro, acredita que a mãe ou a família poderiam decidir realizar a eutanásia nesses casos? Será que a legislação brasileira ampara a sua decisão? Como auxiliar e orientar uma família que passe por esse dilema ético? 6.5.3 Ortotanásia Ortotanásia refere-se à morte que ocorre de forma natural. Em alguns casos, ela está relacionada à suspensão de procedimentos em casos de pacientes terminais, permitindo, por exemplo, que voltem para casa. Ortotanásia, ou eutanásia passiva, é a omissão de uma indicação terapêutica para determinado caso. É a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial, ou, ainda, é a atuação correta frente à morte, a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo, sem configurar qualquer tipo de crime. No campo jurídico, a definição de ortotanásia tem imensa relevância na configuração do fato como criminoso ou não. Ao definir ortotanásia, deve ficar claro que o sujeito não possui dolo de atingir o bem jurídico vida e, ainda, evidenciar a existência de circunstâncias que excluam qualquer delito. De preferência, para não restarem dúvidas sobre a legitimidade da ortotanásia, mais eficiente é demonstrar a atipicidade da conduta (MARTINELLI, 2016). A ortotanásia tem como objetivo reduzir o sofrimento, por exemplo, retirando medicamentos ineficazes para a cura que estão sendo administrados ao paciente, tratando apenas de manter o conforto,procedimento chamado de cuidados paliativos. Esses cuidados ao paciente podem ser: • Manter o paciente com administração de sedativos contínuos, que mantenham o paciente com rebaixamento da consciência (prescritos pelo médico). • Administrar analgésicos para alívio das dores (o que pode se dar de forma contínua ou intermitente), prescritos pelo médico. 95 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO • Favorecer conforto por meio do ambiente: iluminação relaxante, promover a tranquilidade e o silêncio, música ambiente. • Favorecer a presença de pessoas de vínculo próximas ao paciente. Essas ações favorecerão conforto, mas não têm como intuito acelerar a morte nem prolongar o sofrimento do paciente. Trata-se de condutas que favorecerão a morte do paciente com dignidade, amenizando o seu sofrimento. Observação O direito de um termina quando nasce o direito do outro, diz o velho ditado. Nesse sentido, é possível considerar que apenas quem sofre com uma doença grave e incurável sabe o melhor desfecho para sua vida. A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n. 1.805/2006 informa que: Art. 1º é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal (CFM, 2006). O Código de Ética Médica, vigente desde abril de 2019, refere-se da seguinte forma à ortotanásia: Art. 41 – Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único - Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (CFM, 2019). Dessa forma, o Código de Ética Médica determina que, nos casos de doenças incuráveis ou terminais, o médico deve utilizar os cuidados paliativos para evitar o sofrimento do doente terminal, sem investimentos terapêuticos e tecnológicos desnecessários e, dessa maneira, preservar a dignidade humana de quem está sofrendo. A ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família (CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA apud MARTINELLI, 2016). 96 Unidade II Em dezembro de 2010, o próprio Ministério Público Federal reconheceu que a permissão para a interrupção do tratamento a pedido do doente em estado terminal não fere a Constituição Federal, pois observa o direito ao exercício da autonomia do paciente em estado de morte iminente. Saiba mais Leia o texto a seguir: MARTINELLI, J. P. O. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2016. Disponível em: https://www.ibccrim.org. br/artigo/10507-A-ortotanasia-e-o-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 jun. 2020. 7 GENÉTICA E DILEMAS ÉTICOS 7.1 Células-tronco de embriões Usar embriões congelados excedentes de tratamentos de fertilização ou obter células-tronco a partir de clonagem terapêutica são duas soluções que a Biologia e a Medicina estão propondo para tentar chegar mais perto da cura de várias doenças. Ao mesmo tempo, o que gera esperança provoca também importantes questionamentos bioéticos, tais como: é moralmente válido produzir e utilizar embriões humanos para separar as suas células-tronco? A esperança das pessoas, traduzida na criação constante de novas terapêuticas, está acima da vida dos embriões que terão que ser produzidos para gerar as células-tronco? Nos países onde é permitida a clonagem terapêutica, haverá a comercialização do tecido produzido em laboratório através do envio deste material para países onde a técnica é proibida? Todos terão acesso a essa tecnologia? É importante salientar que, além da questão da tecnologia, existem também questionamentos éticos acerca dos pais desses embriões, que podem estabelecer uma relação com seu embrião, o que pode levar a pensamentos de culpa e de abandono. O que fazer com os embriões se não planejamos ter mais filhos? Será que o casal reconhece a possibilidade de doar os embriões para a pesquisa, sabendo que eles serão viáveis apenas por cinco anos em questão de fertilização? Será que o casal tem informação suficiente para decidir o destino daquele material? No Brasil, a Lei da Biossegurança, Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, trata da questão do uso de células-tronco para finalidade de pesquisa: Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou 97 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (BRASIL, 2005). 7.2 Alimentos transgênicos É sabido que a produção agrícola de transgênicos favorece o aumento da produção de alimentos, o que acompanha o crescimento da população mundial, que precisa de uma oferta cada vez maior de alimentos no mercado. Além disso, essa produção tem propiciado a melhoria do conteúdo nutricional do que é produzido, bem como o desenvolvimento de alimentos terapêuticos e mais resistentes e duráveis na estocagem e armazenamento. Observação Um lado negativo dos transgênicos é que são mais propensos a causar aumento das reações alérgicas entre seus consumidores. Uma questão relevante é que as plantas que não sofreram modificação genética podem ser eliminadas pelo processo de seleção natural, pois as transgênicas possuem maior resistência às pragas e pesticidas (o que pode, numa chave negativa, aumentar o consumo desse tipo de produto). Assim, apesar de eliminar pragas prejudiciais à plantação, o cultivo de plantas transgênicas pode, também, matar populações benéficas, como abelhas, minhocas e outros animais e espécies de plantas, e pode também afetar as condições socioeconômicas de diversos pequenos agricultores que, até a ascensão dos transgênicos, comercializavam seus produtos naturais e sobreviviam da sua roça. 8 DESCOBERTA DO MAPEAMENTO GENÉTICO HUMANO E AS IMPLICAÇÕES ÉTICAS Depois de 13 anos de estudos, por meio do Projeto Genoma Humano, que envolveu inúmeros centros de estudos, inclusive brasileiros, em 2003, descobriu-se o sequenciamento genético de todos os genes humanos, identificando, assim, todas as bases (moléculas químicas que formam o DNA). Essa descoberta deu início a uma revolução no campo da genética, que iniciou uma nova época, denominada Era Genômica. 98 Unidade II Atualmente, um fator que tem despertado interesse na sociedade científica e nos profissionais da saúde é que através do mapeamento genético do genoma humano será possível, muito em breve, encontrar as causas específicas e, consequentemente, os tratamentos para diversas doenças. Muitos medicamentos e vacinas poderão ser elaborados pensando na ação específica para determinado gene, a partir de informações obtidas por esse tipo de pesquisa. E assim, descobrindo o motivo de várias doenças, o serhumano poderá adotar medidas e comportamentos de prevenção. Atualmente, por exemplo, já é sabido que existem testes que, após analisarem seus genes, poderão demonstrar a susceptibilidade genética para determinada doença e, assim, adotar medidas para prevenção. Utilizando as pesquisas genéticas e exames especializados, já é possível detectar se um embrião herdou doenças graves, o que possibilita um tratamento adequado desde os primeiros dias de vida. Esse procedimento reduz o impacto da doença sobre o organismo, assim como suas sequelas. Portanto, é sabido que a genética poderá trazer inúmeros benefícios, contudo, pensando por outro lado, quando se descobrir para que cada sequência do gene se traduz, o homem poderá ficar suscetível a alguns problemas sérios. Chauí (2000) menciona algumas questões éticas sobre esse tema, alertando para as aplicações das tecnologias gênicas quanto à hereditariedade dispostas nesses genes. Ela fala da sondagem gênica, ou seja, de uma possibilidade de se verificar geneticamente as possibilidades de um indivíduo ter algum gene indesejável, por exemplo, relacionado à violência, à criminalidade, à desorganização, entre outros. Você deve estar se perguntando para que isso importa, ou onde está a garantia de que, numa seleção para uma vaga de emprego, não exista esse tipo de verificação, mesmo que clandestinamente. O fato é que o domínio desse tipo de informação poderia acarretar a profetização do futuro de uma pessoa. Será que ter um gene para uma determinada doença ou para a criminalidade fará o indivíduo doente ou criminoso? Será que não estaremos contribuindo ainda mais com a discriminação entre humanos? Será que não estaremos indo ao encontro da tão temida eugenia? 8.1 Nanotecnologia Outra tecnologia que merece destaque no campo da bioética é a nanotecnologia. A nanotecnologia trabalha em escala nanométrica, atômica e molecular. A escala de medida usada é o nanômetro, ou seja, a bilionésima parte do metro, uma medida subatômica. A nanotecnologia pode ser empregada no desenvolvimento de materiais e componentes para diversas áreas: eletrônica, ciências da saúde, ciência da computação, engenharia dos materiais, engenharia química, entre outras. Um dos princípios básicos da nanotecnologia é a construção de estruturas e novos materiais a partir dos átomos. O objetivo é elaborar estruturas estáveis e melhores do que se estivessem em sua forma normal. Como exemplo, citamos os smartphones (celulares inteligentes), com tecnologias avançadas, 99 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO o que inclui programas executados num sistema operacional equivalente aos computadores, resultado de nanotecnologia. As aplicabilidades da nanotecnologia nos dias atuais são infinitas: • A manufatura dos cabos de fibras de carbono, que possuem estruturas mais resistentes que a do aço e são usadas para cabeamentos submarítimos. • Os nanobots, que são resultantes da nanorrobótica, uma tecnologia que cria máquinas ou robôs à escala de um nanômetro. O Centro de Câncer Devis, da Universidade da Califórnia (UCDCC), publicou um estudo sobre a criação de nanopartículas capazes de combater células cancerígenas. Sob o nome de nanoporphyrin, a nanotecnologia pode caçar e destruir tumores com câncer pelo corpo. O desenvolvimento desse promissor processo de identificação e combate à doença foi possível graças à instalação de um módulo de reconhecimento de tumores em nanorrobôs. • A confecção de roupas com tecidos isotérmicos, impermeáveis a líquidos, antichamas e leves, adequados aos unifirmes de soldados e militares. • Produtos dermatológicos nanoencapsulados, que potencializam o efeito do produto na pele. Sobre esses avanços tecnológicos, não sabemos e desconhecemos suas consequências futuras. A velocidade dessas descobertas e criações mostra que, para o homem, não existem limites para desenvolver sua capacidade intelectual e científica. Porém, como falar das consequências da nanotecnologia positiva e negativa se as pessoas, no cotidiano, desconhecem que já consomem produtos com nanotecnologia e nem sabem o que o termo significa? Precisamos começar a falar sobre o assunto e promover discussões para que esses questionamentos sejam feitos e cobrados das esferas científicas e políticas. Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter-relação com o tema da manipulação genética e seus aspectos sociais, pois fala sobre o desenvolvimento das técnicas de manipulação genética decorrentes do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e da redução das barreiras naturais. GATTACA. Dir. Andrew Niccol. EUA: Columbia Pictures Corporation, 1997. 106 minutos. 100 Unidade II Observação Você sabia que um grupo de pesquisadores estão chegando mais perto de trazer o extinto mamute de volta à vida? O laboratório do geneticista George Church, da Universidade de Harvard, copiou com sucesso genes de mamutes lanosos congelados e os colou no genoma de um elefante asiático. Usando uma ferramenta de edição de DNA chamada CRISPR, os cientistas inseriram no DNA de células da pele de elefante os genes dos mamutes para orelhas pequenas, gordura subcutânea, comprimento e cor do pelo. As culturas de tecidos representam a primeira vez que os genes do mamute lanoso foram funcionais desde que a espécie foi extinta, há cerca de 4.000 anos. Se eles forem capazes de conseguir criaturas híbridas que sobrevivam, o primeiro gol do projeto será a criação de um elefante que poderá sobreviver em temperaturas frias. A equipe acredita que a expansão do alcance do elefante em climas mais frios poderia ajudar a manter a espécie longe dos seres humanos e dos conflitos que ameaçam tornar elefantes asiáticos e africanos extintos. Resumo A bioética envolve todas as questões éticas sobre as ciências da vida e atenção à saúde, e situa-se na interface entre várias disciplinas, na pluralidade, como a política, a religião, o direito, a sociedade, a tecnologia. A diversidade de contextos econômicos, sociais e culturais nos quais se enraíza o pensamento ético ao redor do mundo deve ser considerada, porque a reflexão de cada indivíduo se desenvolve conforme sua própria natureza, plasmada por sua história e suas tradições, sendo elas legais, políticas, filosóficas, religiosas, científicas, entre outras, conforme o que se lê na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (UNESCO, 1997). O compromisso ético dos profissionais de enfermagem, especialmente quanto ao cuidado humano, deve pautar-se na bioética como prática de ações permeadas por uma postura crítica e reflexiva. Para tanto, o enfermeiro deve ser conhecedor das novas tecnologias, questionador e defensor, na medida do possível, da preservação da autonomia, da justiça, da beneficência e da não maleficência com relação ao paciente, a si mesmo e à sociedade. 101 ÉTICA EM ENFERMAGEM E EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Exercícios Questão 1. (FUNRIO 2014) A doação de órgãos e os transplantes são procedimentos importantes que vêm crescendo no País. Muitas vezes, as questões técnicas e de urgência nesses processos podem gerar dúvidas. Por isso, é importante que o profissional de enfermagem conheça bem o seu papel, responsabilidades e limites éticos perante os indivíduos e famílias de doadores e receptores, quando do planejamento e realização dessas atividades. Indique a alternativa que está em desacordo com os ditames e princípios profissionais nessas situações. A) Planejar, executar, coordenar, supervisionar e avaliar os procedimentos de enfermagem prestados aos doadores de órgãos e tecidos. B) Promover a eutanásia ou participar em prática destinada a antecipar a morte do cliente. C) Desenvolver e participar de pesquisas relacionadas com o processo de doação e transplante. D) Prescrever intervenções de enfermagem para os diagnósticos reais, potenciais e de bem-estar. E) Entrevistar o responsável legal do doador, solicitando o consentimento livre e esclarecido por meio
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