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CONCURSO DE PESSOAS Direito Penal Esquematizado – Parte Geral (Cléber Masson, Volume 01, 2015). TRATAMENTO LEGISLATIVO As regras inerentes ao concurso de pessoas encontram-se disciplinadas pelos artigos 29 a 31 do CP. DENOMINAÇÃO Anteriormente à entrada em vigor da Lei 7.209/1984, o instituto era denominado simplesmente de “coautoria”, de forma pouco abrangente e imprecisa, por desprezar a figura da participação. Atualmente, o Código Penal fala em “Concurso de pessoas”. Outras nomenclaturas encontradas na doutrina: concurso de agentes, codelinquência, concurso de delinquentes, cumplicidade, bem como coautoria e participação, ambas em sentido lato. CONCEITO É a colaboração empreendida por duas ou mais pessoas para a realização de um crime ou de uma contravenção penal. REQUISITOS O concurso de pessoas depende de cinco requisitos, assim esquematizados: a) Pluralidade de agentes culpáveis O concurso de pessoas depende de pelo menos duas pessoas, e, consequentemente, de ao menos duas condutas penalmente relevantes. Essas condutas podem ser principais, no caso da coautoria, ou então uma principal e outra acessória, praticadas pelo autor e pelo partícipe, respectivamente. Os coautores e partícipes, entretanto, devem ser culpáveis, ou seja, dotados de culpabilidade. Todavia, é necessária a diferenciação de autor do mero partícipe, até pelo primado maior da culpabilidade, ou seja, da responsabilização das pessoas "na medida de sua culpabilidade", como dispõe o caput do art. 29 do Código Penal. Por autor entende-se aquele que executa com suas próprias mãos todos os elementos do tipo penal, em que poderá ainda utilizar de outra pessoa como instrumento ou aquele que realiza a parte necessária de decisão criminosa para prática criminosa. Este é o principal requisito para que se caracterize o concurso de pessoas. b) Relevância causal das condutas para a produção do resultado Concorrer para a infração penal importa em dizer que cada uma das pessoas deve fazer algo para que a empreitada tenha vida no âmbito da realidade. Em outras palavras, a conduta deve ser relevante, pois sem ela a infração penal não teria ocorrido como e quando ocorreu. O art. 29, caput, do Código Penal fala em “de qualquer modo”, expressão que precisa ser compreendida como uma contribuição pessoal, física ou moral, direta ou indireta, comissiva ou omissiva, anterior ou simultânea à execução. Deve a conduta individual influir efetivamente no resultado. A) PLURALIDADE DE AGENTES CULPÁVEIS; B) RELEVÂNCIA CAUSAL DAS CONDUTAS PARA PRODUÇÃO DO RESULTADO; C) VÍNCULO SUBJETIVO; D) UNIDADE DE INFRAÇÃO PENAL PARA TODOS OS AGENTES; E) EXISTÊNCIA DE FATO PUNÍVEL. REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS Destarte, não pode ser considerado coautor ou partícipe quem assume em relação à infração penal uma atitude meramente negativa, quem não dá causa ao crime, quem não realiza qualquer conduta sem a qual o resultado não teria se verificado. De fato, a participação inócua, que em nada concorre para a realização do crime, é irrelevante para o Direito Penal. Anote-se que esse requisito (relevância causal) depende de uma contribuição prévia ou concomitante à execução, isto é, anterior à consumação. A concorrência posterior à consumação configura crime autônomo (receptação, favorecimento real ou pessoal, por exemplo), mas não concurso de pessoas. c) Vínculo subjetivo Esse requisito, também chamado de concurso de vontades, impõe estejam todos os agentes ligados entre si por um vínculo de ordem subjetiva, um nexo psicológico, pois caso contrário não haverá um crime praticado em concurso, mas vários crimes simultâneos. De fato, na ausência desta condição estará caracterizada a autoria colateral. Os agentes devem revelar vontade homogênea, visando a produção do mesmo resultado. É o que se convencionou chamar de princípio da convergência. Logo, não é possível a contribuição dolosa para um crime culposo, nem a concorrência culposa para um delito doloso. Fica claro que para a caracterização do vínculo subjetivo é suficiente a atuação consciente do partícipe no sentido de contribuir para a conduta do autor, ainda que esta desconheça a colaboração. Não se reclama o prévio ajuste, muito menos estabilidade na união, o que acarretaria a caracterização da associação criminosa (CP, art. 288), se presentes pelo menos três pessoas e o fim específico de cometer crimes. d) Unidade de infração penal para todos os agentes Estabelece o art. 29, caput, do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Para a caracterização do concurso de pessoas, adotou-se, como regra, a teoria unitária, monística ou monista: quem concorre para um crime, por ele responde. Todos os coautores e partícipes se sujeitam a um único tipo penal: há um único crime com diversos agentes. Assim, se 10 (dez) pessoas, com unidade de desígnios, esfaqueiam alguém, tem-se um crime de homicídio, nada obstante existam 10 (dez) coautores. A propósito, consta do item 25 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal: O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monística do Código italiano como corolário da teoria da equivalência das causas. Excepcionalmente, contudo, o Código Penal abre espaço para a teoria pluralista, pluralística, da cumplicidade do crime distinto ou autonomia da cumplicidade, pela qual se separam as condutas, com a criação de tipos penais diversos para os agentes que buscam um mesmo resultado. É o que se dá, por exemplo, nos seguintes crimes: 1. Aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante: ao terceiro executor imputa-se o crime tipificado no art. 126, enquanto para a gestante incide o crime previsto no art. 124, in fine; 2. Bigamia: quem já é casado pratica a conduta narrada no art. 235, caput, ao passo que aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, incide na figura típica prevista no § 1.º do citado dispositivo legal. e) Existência de fato punível O concurso de pessoas depende da punibilidade de um crime, a qual requer, em seu limite mínimo, o início da execução. Tal circunstância constitui o princípio da exterioridade. Nessa linha de raciocínio, dispõe o art. 31 do Código Penal: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. OBS: Participação inócua é aquela que em nada contribuiu para o resultado. AUTORIA - Teorias Existem diversas teorias que buscam fornecer o conceito de autor. a) Teoria subjetiva ou unitária: não diferencia o autor do partícipe. Autor é aquele que de qualquer modo contribuir para a produção de um resultado penalmente relevante. Seu fundamento repousa na teoria da equivalência dos antecedentes ou conditio sine qua non, pois qualquer colaboração para o resultado, independente do seu grau, a ele deu causa. Essa teoria foi adotada pelo Código Penal, em sua redação primitiva datada de 1940. b) Teoria extensiva: também se fundamenta na teoria da equivalência dos antecedentes, não distinguindo o autor do partícipe. É, todavia, mais suave, porque admite causas de diminuição da pena para estabelecer diversos graus de autoria. Aparece nesse âmbito a figura do cúmplice: autor que concorre de modo menos importante para o resultado. c) Teoria objetiva ou dualista: opera nítida distinção entre autor e partícipe. Foi adotada pela Lei 7.209/1984 – Reforma da Parte Geral do Código Penal, como se extrai do item 25 da Exposição de Motivos: Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos desta teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoriada participação. Distinção, aliás, reclamada com eloquência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas. Essa teoria subdivide-se em outras três: c.1) Teoria objetivo-formal: autor é quem realiza o núcleo (“verbo”) do tipo penal, ou seja, a conduta criminosa descrita pelo preceito primário da norma incriminadora. Por sua vez, partícipe é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem praticar o núcleo do tipo. Exemplo: quem efetua disparos de revólver em alguém, matando-o, é autor do crime de homicídio. Por sua vez, aquele que empresta a arma de fogo para essa finalidade é partícipe de tal crime. Destarte, a atuação do partícipe seria impune (no exemplo fornecido, a conduta de auxiliar a matar não encontra correspondência imediata no crime de homicídio) se não existisse a norma de extensão pessoal prevista no art. 29, caput, do Código Penal. A adequação típica, na participação, é de subordinação mediata. Nesse contexto, o autor intelectual, é dizer, aquele que planeja mentalmente a conduta criminosa, é partícipe, e não autor, eis que não executa o núcleo do tipo penal. Essa teoria é a preferida pela doutrina nacional e tem o mérito de diferenciar precisamente a autoria da participação. Falha, todavia, ao deixar em aberto o instituto da autoria mediata. • Autoria mediata é a modalidade de autoria em que o autor realiza indiretamente o núcleo do tipo, valendo-se de pessoa sem culpabilidade ou que age sem dolo ou culpa. c.2) Teoria objetivo-material: autor é quem presta a contribuição objetiva mais importante para a produção do resultado, e não necessariamente aquele que realiza no núcleo do tipo penal. De seu turno, partícipe é quem concorre de forma menos relevante, ainda que mediante a realização do núcleo do tipo. c.3) Teoria do domínio do fato: criada em 1939, por Hans Welzel, com o propósito de ocupar posição intermediária entre as teorias objetiva e subjetiva. Para essa concepção, autor é quem possui controle sobre o domínio final do fato, domina finalisticamente o trâmite do crime e decide acerca da sua prática, suspensão, interrupção e condições. De fato, autor é aquele que tem a capacidade de fazer continuar e de impedir a conduta penalmente ilícita. A teoria do domínio do fato amplia o conceito de autor, definindo-o como aquele que tem o controle final do fato, ainda que não realize o núcleo do tipo penal. Por corolário, o conceito de autor compreende: 1. O autor propriamente dito: é aquele que pratica o núcleo do tipo penal; 2. O autor intelectual: é aquele que planeja mentalmente a empreitada criminosa. É autor, e não partícipe, pois tem poderes para controlar a prática do fato punível. Exemplo: o líder de uma organização criminosa pode, do interior de um presídio, determinar a prática de um crime por seus seguidores. Se, e quando quiser, pode interromper a execução do delito, e retomá-la quando melhor lhe aprouver; 3. O autor mediato: é aquele que se vale de um inculpável ou de pessoa que atua sem dolo ou culpa para cometer a conduta criminosa; e 4. Os coautores: a coautoria ocorre nas hipóteses em que o núcleo do tipo penal é realizado por dois ou mais agentes. Coautor, portanto, é aquele que age em colaboração recíproca e voluntária com o outro (ou os outros) para a realização da conduta principal (o verbo do tipo penal). Essa teoria também admite a figura do partícipe. Partícipe, no campo da teoria do domínio do fato, é quem de qualquer modo concorre para o crime, desde que não realize o núcleo do tipo penal nem possua o controle final do fato. Dentro de uma repartição estratificada de tarefas, o partícipe seria um simples concorrente acessório. Em suma, o partícipe só possui o domínio da vontade da própria conduta, tratando-se de um “colaborador”, uma figura lateral, não tendo o domínio finalista do crime. O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio. Em face de sua finalidade, a teoria do domínio do fato somente tem aplicação nos crimes dolosos. Essa teoria não se encaixa no perfil dos crimes culposos, pois não se pode conceber o controle final de um fato não desejado pelo autor da conduta. Padece da mesma deficiência da teoria finalista da conduta, criticada por não se encaixar nesses delitos. Por este motivo, Welzel se viu obrigado a desdobrar o conceito de autor. Nos delitos imprudentes é autor todo aquele que contribui para a produção do resultado com uma conduta que não responde ao cuidado objetivamente devido. Nos delitos dolosos é autor quem tem o domínio finalístico do fato. Teoria adotada pelo Código Penal O art. 29, caput, do Código Penal, acolheu a teoria restritiva, no prisma objetivo-formal. Em verdade, diferencia autor e partícipe. Aquele é quem realiza o núcleo do tipo penal; este é quem de qualquer modo concorre para o crime, sem executar a conduta criminosa. A teoria deve, todavia, ser complementada pela teoria da autoria mediata. PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS O art. 29, caput, do Código Penal filiou-se à teoria unitária ou monista. Todos os que concorrem para um crime, por ele respondem. Há pluralidade de agentes e unidade de crime. Assim sendo, todos os envolvidos em uma infração penal por ela são responsáveis. Exemplo: quatro indivíduos cometeram, em concurso, um crime de homicídio simples (CP, art. 121, caput). Sujeitar-se-ão às penas de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão. A identidade de crime, contudo, não importa automaticamente em identidade de penas. O art. 29, caput, do Código Penal curvou-se ao princípio da culpabilidade, ao empregar em sua parte final a expressão “na medida de sua culpabilidade”. Nesses termos, as penas devem ser individualizadas no caso concreto, levando-se em conta o sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal. Exemplificativamente, um reincidente e portador de péssimos antecedentes deve suportar uma reprimenda mais elevada do que a imposta a um réu primário e sem antecedentes criminais. COAUTORIA PARTICIPAÇÃO COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA DISPOSITIVO LEGAL: TÍTULO IV DO CONCURSO DE PESSOAS Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Circunstâncias incomunicáveis Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Casos de impunibilidade Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
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