Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

2017
Linguística apLicada à 
Língua portuguesa
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
Copyright © UNIASSELVI 2017
Elaboração:
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
469.81
S237l Santos, Abraão Júnior Cabral e 
 Linguística aplicada à lingua portuguesa / Abrão Júnior Cabral e 
Santos. Indaial: UNIASSELVI, 2017.
 
 167 p. : il.
 
 ISBN 978-85-515-0108-5
 
 1.Linguística Aplicada. 
 I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. 
Impresso por:
III
apresentação
Prezado acadêmico, através da disciplina Linguística Aplicada à 
Língua Portuguesa você poderá observar que as relações que estabelecemos 
com a linguagem não são tão simples e aparentes como geralmente 
imaginamos. Há diversas abordagens acadêmicas – filosóficas, linguísticas, 
históricas etc. – que comprovam ser a linguagem muito mais do que uma 
ferramenta para expressão e comunicação; ela é, antes de tudo, o meio por 
excelência que caracteriza o ser humano, distinguindo-o dos outros animais 
e perpetuando relações hierárquicas não só entre espécies, mas também entre 
os próprios homens.
A partir de uma perspectiva linguística, por exemplo, pensar a relação 
entre homem e linguagem implica considerar o quanto cada indivíduo se 
aproxima ou se afasta das normas socialmente estabelecidas em sua língua. O 
fato é que sempre que alguém diz algo, o diz de um determinado modo, sem 
ter plena consciência do como se dá esse dizer. Nesse sentido, a liberdade e 
a obediência a regras de uma determinada língua são dois aspectos de uma 
mesma moeda, que ainda que se deem inconscientemente, fazem parte do 
dia a dia das pessoas.
Assim, nos discursos inconscientes que realizamos em nossas 
falas cotidianas, muitos fenômenos de linguagem estão implícitos, alguns 
deles constituindo-se temas centrais para se pensar o processo de ensino e 
aprendizagem de língua materna – como é o caso das hierarquias sociais 
vinculadas às normas gramaticais e o preconceito linguístico. Nessa linha de 
raciocínio, o profissional de letras cumpre aí um papel fundamental: abrir 
os olhos, fazer refletir, revelar, na infinidade de linguajares vigentes em um 
mesmo código linguístico, o jogo social ali presente.
Convidamos você, prezado acadêmico, a desligar-se da maneira 
habitual de pensar a linguagem, característica do senso comum, que entende 
a língua quase exclusivamente como objeto de transmissão de informações, 
para juntos adotarmos outras perspectivas nas quais importantes estudos 
filosóficos e linguísticos podem contribuir para revelar, especialmente em 
sala de aula, diferenças e relações de poder que encerram muitos dos conflitos 
humanos, seus desejos e anseios. 
Bons estudos. 
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
IV
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto 
para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há 
novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é 
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um 
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova 
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também 
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
 
Bons estudos!
NOTA
V
VI
VII
sumário
UNIDADE 1 – ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM ............................................................. 1
TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA ............................................................... 3
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3
2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE ............................................................................ 5
3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA DO REI? ................................... 13
3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA ......................................................................... 16
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 20
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 24
TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM ................................................ 27
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 27
2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM DESCRITIVA ............................... 28
3 LINGUAGEM E APRENDIZAGEM .............................................................................................. 34
3.1 PONTO DE PARTIDA ENTRE A NORMATIVA E A DESCRITIVA: A 
GRAMÁTICA INTERNALIZADA..................................................................................... 36
3.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ..................................................................................... 38
3.2.1 Linguagem como expressão do pensamento ................................................................... 38
3.2.2 Linguagem como meio de comunicação .......................................................................... 39
3.2.3 Linguagem como forma de interação ............................................................................... 41
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 42
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 43
TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE .................................. 45
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 45
2 SAUSSURE E A LINGUÍSTICA MODERNA: CARACTERÍSTICAS GERAIS .................... 45
2.1 BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA MODERNA ............................................... 46
2.2 A LINGUÍSTICA MODERNA ............................................................................................. 49
2.2.1 Língua e fala ......................................................................................................................... 49
2.2.2 Significante e significado ....................................................................................................50
2.2.3 Sincronia e diacronia ........................................................................................................... 52
2.2.4 Sintagma e paradigma ........................................................................................................ 54
3 DA TEORIA À PRÁXIS LINGUÍSTICA: SAUSSURE, VYGOTSKY, BAKHTIN ................ 55
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 59
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 60
UNIDADE 2 – LINGUÍSTICA EM AÇÃO ....................................................................................... 61
TÓPICO 1 – LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA ........................................................ 63
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 63
2 A LINGUÍSTICA VARIACIONISTA ............................................................................................. 64
2.1 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO .................................................................................... 67
2.2 AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ....................................................................................... 70
VIII
3 LINGUÍSTICA APLICADA: O QUE VEM A SER ...................................................................... 75
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 78
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 81
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 82
TÓPICO 2 – BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS .......................................................... 85
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 85
2 FUNDAMENTOS DA TEORIA EM BAKHTIN .......................................................................... 86
2.1 O DIALOGISMO ...................................................................................................................... 87
2.2 A ENUNCIAÇÃO ..................................................................................................................... 91
3 A TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS .............................................................................. 93
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 98
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 99
TÓPICO 3 – GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA ....................................................... 101
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 101
2 AULA COMO GÊNERO DISCURSIVO ....................................................................................... 102
3 O TEXTO COMO EIXO DE INTERAÇÃO SOCIAL .................................................................. 107
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 112
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 113
UNIDADE 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA ................................. 115
TÓPICO 1 – LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA .......................................... 117
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 117
2 LETRAMENTO, ALFABETIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ..................................................... 118
3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA.......................................................................................... 123
3.1 A AULA DE LÍNGUA MATERNA E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO ........... 125
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 129
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 132
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 133
TÓPICO 2 – A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR ............................................................ 135
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 135
2 CONCEPÇÕES E ETAPAS DE LEITURA ..................................................................................... 136
2.1 ETAPAS DA LEITURA ........................................................................................................... 140
3 PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE AULA .......................................................................... 142
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 147
TÓPICO 3 – A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO ................................................. 149
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 149
2 CONCEPÇÕES DE ESCRITA .......................................................................................................... 150
2.1 ANÁLISE LINGUÍSTICA E REVISÃO DE TEXTOS ................................................... 153
3 DA REDAÇÃO À PRODUÇÃO TEXTUAL ................................................................................. 157
3.1 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL .......................................................................... 158
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 162
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 165
1
UNIDADE 1
ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:
• compreender os conceitos de língua e gramática a partir da noção filosófi-
ca de regularidade linguística, relacionando-a aos usos social e político da 
linguagem;
• entender a necessidade dos estudos de linguagem como ferramenta de 
transformação social;
• observar, para além do olhar normativo tradicional, a importância das 
abordagens descritivas da língua a serem estudadas em sala de aula.
Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três 
tópicos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões 
e dicas que visam potencializar os temas abordados, e ao final de cada um 
deles estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas 
estudados.
TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
LINGUAGEM, LÍNGUAE GRAMÁTICA
1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, nesse tópico discutiremos alguns aspectos gerais da 
linguagem, especialmente aqueles que envolvem os conceitos de língua, norma 
e gramática, a partir de perspectivas filosófica, linguística e sociopolítica, que 
poderão ajudá-lo a melhor fundamentar os seus questionamentos ao longo desta 
e das outras unidades de estudo.
Assim, para começar a nossa conversa, lembremos dois casos possíveis e 
correntes de uso da língua materna no Brasil. Para enunciarem uma mensagem 
de conteúdo semelhante, dois usuários, de classes sociais distintas, assim se 
expressam – enquanto o primeiro diz: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, 
tem menas cadeira na sala do que nós pensava”; o segundo usuário se posiciona 
da seguinte maneira: “Pode deixar conosco, nós o faremos rapidamente, há menos 
cadeiras na sala do que imaginávamos”.
Para melhor refletirmos sobre os enunciados apresentados, precisamos 
distinguir duas atitudes possíveis que podemos assumir diante deles. Podemos 
adotar, por um lado, a atitude do senso comum, e reagir de modo rápido e 
impensado aos fatos apresentados (atitude que os gregos chamavam de doxa); ou 
podemos adotar, por outro lado, uma atitude acadêmica, portanto fora da tradição 
e da opinião corriqueira, que busca ir além da primeira impressão dos fatos para 
neles encontrar a verdade que os sustenta (atitude denominada, também pelos 
gregos, de episteme).
Os conceitos de Doxa e Episteme estão presentes, de forma dialética, nos 
Diálogos de Platão, modificando-se ao correr de suas obras. Pode-se compreender o termo 
grego Doxa como simples opinião, “que encerra a significação de uma certa noção de 
julgamento e sentimento, no sentido de resolução e decisão parcial, baseada unicamente 
nos dados presentes. Isso implica que doxa é compreendida como um certo valor subjetivo 
que tem valor apenas momentâneo, um juízo que não poderá ser referência ética, pois 
tem presente a possibilidade da falsidade das crenças que suportam a ação. Sob a mesma 
perspectiva [...] episteme é vista como uma techné, uma habilidade para fazer algo, um 
tipo de saber que tem seu suporte no conhecimento especializado e preciso da coisa” 
(FRANKLIN, 2004, p. 374).
NOTA
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
4
Assim, uma atitude seria reagir aos fatos com as nossas opiniões já 
formadas, vindas não se sabe ao certo de onde (de variadas fontes, quase sempre 
indeterminadas: conversas espontâneas, programas de televisão, redes sociais, 
mídias diversas etc.); outra atitude, completamente diversa, seria pensar, isto 
é, construir e fundamentar um ponto de vista próprio, apoiado sobre leituras e 
experiências consistentes, em meio a outros pontos de vista possíveis. 
autoativida
de
Que impressão se poderia ter de um usuário da língua portuguesa que falasse 
daquele modo: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, tem menas cadeira na sala do 
que nós pensava”. Saberia ele utilizar a gramática da sua língua? Em que nível social e qual 
grau de escolaridade tenderíamos a lhe atribuir?
Embora ainda não tenhamos nos debruçado sobre os falares que podem 
coexistir em uma mesma língua, isto é, sobre as diversas variações e variedades 
linguísticas inerentes a qualquer língua em situações de uso, podemos antecipar-
lhe, caro acadêmico, dois fatos linguísticos importantes para abordar tal questão.
O primeiro é atentar para o fato de que se os falantes de uma determinada 
língua comunicam-se e são compreendidos nessa mesma língua, isso implica em 
reconhecer que eles sabem a gramática dessa língua. Trata-se, entretanto, de um 
saber espontâneo, internalizado, um conjunto de regras – um tipo de gramática, 
portanto – que aprendemos na convivência com os outros falantes e que não é 
melhor nem pior que o modelo de língua idealizado das gramáticas tradicionais. 
Um segundo fator, não menos importante, é reconhecer que as línguas são 
fenômenos vivos, que mudam tanto quanto mudam as pessoas e as sociedades. 
A língua, nesse sentido, varia de diversas formas: há formas consideradas mais 
cultas do que outras, mas todas elas são variações, modos distintos e aceitáveis de 
expressão de uma mesma comunidade linguística.
Ora, independentemente da resposta que tenhamos formulado, 
é importante sublinhar que a passagem da nossa opinião, registrada na 
autoatividade anterior, em direção à formulação de um pensamento acadêmico, 
requer que antes façamos essa impressão inicial dialogar com o maior número de 
pesquisas e leituras especializadas no assunto. 
Dessa forma, detenhamo-nos um pouco, sem responder apressadamente, 
diante da primeira parte da pergunta: “Saberia ele utilizar a gramática da sua 
língua?”, e tratemos de ampliar nosso repertório linguístico, debruçando-nos a 
seguir sobre as significações possíveis dos termos Língua, Norma e Gramática – 
conceitos centrais para aprofundar tal reflexão. 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
5
2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE
É pelas mãos do filósofo italiano Giorgio Agamben (2005) que 
principiaremos a discussão em torno dos fundamentos do que seja uma gramática 
e uma língua. Para Agamben (2005, p. 68):
Devemos observar o milenar processo de reflexão sobre a linguagem 
que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção 
da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a 
linguagem humana como linguagem “articulada”. Mas o que significa 
“articulado”?
Ao compararmos a linguagem humana com a de outros animais, em 
suas semelhanças e dessemelhanças, é possível observar uma singular diferença, 
a saber, que algo se repete indefinidamente para uns – como se verifica na 
linguagem dos animais –, enquanto, para outros, algo não apenas se repete, mas, 
simultaneamente, repete e varia – tal como se observa na linguagem humana.
 Vejamos. O cão, em seu ladrar, utiliza um mesmo som aproximado e 
repetido, que aqui podemos didaticamente simplificar como “au-au”, sons dos 
quais o animal se vale para expressar uma enorme e variada gama de instintos 
e emoções. Seja na raiva, na dor ou na alegria, o cão apenas reitera “au-au” e faz 
variar a forma ou o grau de entonação, sem que as sílabas, entretanto, em nada 
variem. 
Da mesma forma, na comunicação sonora do gato, o bichano parece 
acrescentar a consoante bilabial “m” no início dos sons vocálicos a ponto de 
podermos ouvi-lo ronronar, de modo aproximado, “miau”. Ora, seguindo essa 
linha de raciocínio, poderíamos sucessivamente identificar os modos sonoros – 
expressivos e onomatopaicos – de diversos animais.
No caso das representações das realizações sonoras dos animais – como 
no latido dos cães, no balido das ovelhas, no arrulho dos pombos – é possível 
observar o quanto as distinções fonéticas, próprias a cada língua, revelam distintas 
apreensões culturais, tal como se vê na Figura 1, na onomatopeia dos grunhidos 
do porco: português (óinc), japonês (boo), francês (groin), polonês (chrum), sueco 
(noff).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
6
FONTE: Disponível em: <https://www.listenandlearn.com.br/blog/como-soam-os-animais-
-mundo-afora/>. Acesso em: 10 abr. 2017.
FIGURA 1 – ONOMATOPEIA DOS GRUNHIDOS DO PORCO
A palavra onomatopeia advém do grego arcaico e significa originalmente 
“criar um nome” ou “fazer um nome”, e está classificada gramaticalmente como uma figura 
de linguagem que visa reproduzir sons ou ruídos através de um fonema ou palavra, por 
exemplo, o som do telefone: trrrim-trrrim, ou de uma explosão: bum! Dentre as figuras de 
linguagem – que são recursos utilizados, tanto na fala quanto na escrita, para tornar mais 
expressiva a mensagem a ser transmitida – a onomatopeia situa-se entre as sete Figuras 
de Palavras: catacrese, metáfora, comparação, metonímia, perífrase e sinestesia. Eis alguns 
exemplos comparativos entre representações dos mesmos sons no portuguêse no inglês: 
buzina: bi-bi / beep-beep, espirro: atchim / atchoo.
NOTA
Cabe lembrar que a onomatopeia surge como um recurso de linguagem criado 
para aproximar o que cada cultura convenciona escutar dos animais, dos sons da 
natureza, ou dos ruídos presentes em determinado contexto geográfico:
Algumas pessoas criticam a concepção da arbitrariedade do signo, 
mostrando que as onomatopeias, como ai, oh, ah, são motivadas. No 
entanto, é preciso dizer que, em primeiro lugar, as onomatopeias 
ocupam um lugar marginal na língua e, depois, que também elas são 
submetidas às coerções fonológicas de cada língua, o que explica que 
os sons produzidos pelos animais, por exemplo, variam de língua para 
língua (FIORIN, 2011, p. 60-61).
 Ao compararmos as articulações sonoras dos homens e dos animais, 
pretendemos revelar um estágio anterior a representações como a onomatopeia, 
e desse modo dar conta dos aspectos “inarticulados/articulados” da linguagem, 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
7
que caracterizariam as especificidades da linguagem humana, isto é, essa forma 
“primitiva” de linguagem faz parte do arcabouço sonoro humano – quando 
chora, ri, soluça etc. – que também emite sons impossíveis de determinar, a não 
ser de forma aproximada.
Aqui importa-nos reconhecer que esses sons indeterminados são 
manifestações sonoras que, embora possam realizar-se oralmente, entretanto 
não se escrevem. Assim, haveria uma passagem, mediada pela linguagem, entre 
a criança em seu estágio animal – quando ela ainda não aprendeu uma língua 
particular e participa dessa forma de linguagem comum a outras espécies – e a 
criança cultural, propriamente humana.
Para o nosso estudo basta retomarmos, comparativamente ao homem, um 
dos exemplos citados acerca das expressões sonoras dos animais. Se, ao ditongo 
decrescente “au”, emitido pelos cães, observarmos o animal humano acrescentar 
as consoantes m, n, p, v no início de cada sílaba, chegaríamos a uma série de 
monossílabos de valores distintos: “mau” (m+au), “nau” (n+au), “pau” (p+au), 
“vau” (v+au), ou seja, um adjetivo e três substantivos que não têm qualquer 
significado comum entre si. 
Por isso, Ferdinand de Saussure (2006), pai da linguística moderna, 
anotaria que todo o sentido captado na linguagem humana seria um sentido 
diacrítico, isto é, que só se revela na diferença entre os significantes:
A língua, para Saussure, é um sistema de signos em que um signo se 
define pelos demais signos do conjunto. Por isso, ele desenvolveu o 
conceito de valor, isto é, o sentido de uma unidade, que é definida por 
suas relações com outras da mesma natureza. Em “comer”, o radical 
só tem o seu valor linguístico em relação aos demais radicais da língua 
portuguesa, como o beb- de beber, o viv- de viver etc. (PIETROFORTE, 
2011, p. 83).
Simplificando, para sermos mais didáticos, diríamos que sobre um mesmo 
número de letras do alfabeto, entre a repetição de algumas letras e a modificação 
de outras emergem novos sentidos, assim como, de modo similar, quando uma 
palavra é reposicionada ou alterada de lugar em uma determinada frase, ela 
apanha um novo contexto capaz de promover, também na frase, um sentido novo.
Nessa comparação didática entre a linguagem humana e a dos cães, 
os novos sentidos se dariam entre os diferentes arranjos formados a partir da 
sílaba “au” com os valores diacríticos armados pelas consoantes m, n, p, v, fato 
que nos permitiria uma primeira conclusão: sobre o som repetitivo do animal – 
“au-au” – o homem constrói o que varia – “mau”, “nau”, “pau”, “vau” – e abre 
distintas significações que, para além daquela linguagem indeterminada, fazem a 
linguagem humana se realizar como sistema, ou seja, como uma língua. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
8
Daí, a pensar com Petter (2011, p. 13), chegaríamos ao “reconhecimento 
de que as línguas naturais, notadamente diversas, são manifestações de algo 
mais geral, a linguagem”, que notadamente se diferenciaria da linguagem 
indeterminada das outras espécies:
Um estudo clássico sobre o sistema de comunicação usado pelas 
abelhas [...] revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de 
alimento, regressa à colmeia e transmite a informação às companheiras 
por meio de dois tipos de dança: [...] se o alimento está próximo, a 
menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular; se está 
distante, realiza uma dança em forma de oito. [...] Os dois tipos de 
dança apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam 
a descoberta para a colmeia [...] e fazem uma importante revelação 
sobre o funcionamento da “linguagem animal”, que permite avaliar 
pelo confronto a singularidade da linguagem humana. [...] O sistema 
de comunicação das abelhas – ou de qualquer outro animal cuja 
forma de comunicação já tenha sido analisada – ele não constitui uma 
linguagem, no sentido em que o termo é empregado quando se trata 
de linguagem humana (PETTER, 2011, p. 15-16).
Dito de outro modo, essa capacidade de promover pequenas variações 
em meio à repetição de certos sons ou sílabas possibilitou ao homem transformar 
parte de sua linguagem em língua. Nesse sentido, podemos dizer que o homem 
tem linguagem própria, assim como se poderia dizer dos outros animais, mas 
só ele possui uma língua, que torna sua comunicação mais complexa e – o que é 
surpreendente – sempre inusitada. 
Nessa linha de pensamento, é espantoso notar que com um número 
limitado de sons e letras, isto é, que na regularidade linguística possa o homem 
ser capaz de, através de pequenas variações morfológicas ou fonéticas, produzir 
infinitos significados:
A mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em 
elementos menores. É esse último aspecto a característica mais 
marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem humana. 
Num enunciado linguístico como “Quero água” é possível identificar 
três elementos portadores de significado: quer– (radical verbal) 
+ o– (desinência número-pessoal), água, denominados morfemas. 
Prosseguindo a decomposição, pode-se chegar a elementos menores 
ainda. [...] Essa é a propriedade da articulação, que é fundamental 
na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de 
mensagens novas a partir de um número limitado de elementos 
sonoros distintivos (PETTER, 2011, p. 16-17).
Nesse ponto de nossa reflexão, em que estamos próximos de uma primeira 
diferença fundamental entre língua e linguagem a partir de um ponto de vista 
filosófico, retomemos a discussão em torno do que seja a capacidade humana de 
articular os sons, fenômeno que ainda não se fez visível entre outras espécies. 
“Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus tratados com a definição de 
voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz confusa (phoné synkechiméne) 
dos animais a voz humana, que é, ao contrário, phoné énarthros, voz articulada” 
(AGAMBEN, 2005, p. 68).
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
9
Esse termo que Agamben filosoficamente anotará como “linguagem 
articulada”, ulteriormente se estabeleceria como gramática. Assim, se pensávamos 
a gramaticalidade como essa forma de expressão sonora que pode não apenas se 
repetir, mas na regularidade variar, a partir de agora, com a distinção entre a 
“voz confusa“ dos animais e a “voz articulada” humana – “phoné engrámmatos” –, 
articulada passará a ser toda expressão que não é apenas falada, mas que, sendo 
falada, pode também ser escrita.
Antes de tudo, deve-se entender o que é articulação. Em latim, a palavra 
articulus significa “parte, subdivisão, membro”. Portanto, quando se diz que uma língua é 
articulada, o que se quer dizer é que as unidades linguísticas são suscetíveis de ser divididas, 
segmentadas, recortadas em unidades menores. Para Martinet, todo enunciado da língua 
articula-se em dois planos. No primeiro, articulam-se as unidades dotadas de sentido. A 
menordessas unidades é o morfema. [...] Cada morfema pode, por seu turno, articular-se, 
dividir-se em unidades menores desprovidas de sentido. Essas unidades são os fonemas. O 
morfema lob– pode articular-se nos fonemas / l /, / o / e / b /. Nesse plano as unidades têm 
apenas valor distintivo. Assim, quando se substitui o / l / do morfema lob– por / b / se produz 
um outro radical, bob–, que aparece na palavra bobo. A dupla articulação da linguagem é 
um fator de economia linguística. Com poucas dezenas de fonemas, cujas possibilidades de 
combinação estão longe de serem todas exploradas em cada língua, formam-se milhares de 
unidades de primeira articulação (PIETROFORTE, 2011, p. 91-92).
UNI
Dito de outro modo, a voz articulada, apenas emitida pelo gênero 
humano, é na verdade voz gramatical, enquanto a voz inarticulada dos animais 
é voz confusa, que não pode ser escrita, e eis um dos motivos para o surgimento 
da onomatopeia, ou seja, circunscrever na língua alfabética o que a excede em 
princípio: os grunhidos dos animais, os sons indeterminados do gênero humano.
Mas se questionamos hoje em que consiste este caráter articulado 
da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, significa 
simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae 
scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, 
que se pode compreender, aferrar com as letras (AGAMBEN, 2005, p. 
68).
Assim, ao observarmos essa “voz confusa” ser amarrada à escrita de 
uma onomatopeia, resta claro que ela não se pressupõe ou está necessariamente 
inscrita em tal escrita, senão que é essa mesma escrita que, por um princípio de 
economia linguística inerente à comunicação, emoldura e restringe um fenômeno 
expressivo maior, no qual o que está escrito passa a condicionar o que está 
expresso, ou seja, a condicionar aquilo que migra do som e do ruído àquilo que 
no homem pode ser, mais do que expresso, falado. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
10
Assim, a transformação dos sons inarticulados em figuras de linguagem, 
como as onomatopeias, ou ainda a transformação desses mesmos sons em uma 
fala que pode ser escrita, isto é, nos “grámmatas”, seria o passo decisivo para a 
posterior estruturação hierárquica, não apenas entre o homem e os animais, mas 
também nas diferenças valorativas que se dariam entre os homens através da 
história.
A gramática tradicional, ao fundamentar sua análise na língua escrita, 
difundiu falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Ao não 
reconhecer a diferença entre língua escrita e língua falada passou a 
considerar a expressão escrita como modelo de correção para toda 
e qualquer forma de expressão linguística. A gramática tradicional 
assumiu desde sua origem um ponto de vista prescritivo, normativo 
em relação à língua (PETTER, 2011, p. 19).
Ora, se atentarmos para o significado do termo “gramatical” ao longo do 
tempo, veremos que dele foi erigido um preconceito secular contra a oralidade, ao 
privilegiar a modalidade escrita sobre a modalidade falada da língua. Entretanto, 
agora sabemos, trata-se de um fenômeno anterior a qualquer perspectiva 
sociopolítica, pois a partir da especulação filosófica foi possível observar a 
gramática, em sua origem, como ponto de diferenciação do homem em relação às 
demais espécies do planeta.
Com isto está de acordo o próprio Darwin, que assim se externa: “A 
linguagem articulada pertence especialmente ao homem, se bem que, 
como os outros animais, possa ele exprimir as suas intenções por 
gritos inarticulados”. [...] Só metaforicamente se pode afirmar que os 
animais possuem linguagem. Os sons que eles emitem não passam 
de ruídos uniformes, designativos dos vários sentimentos de dor, 
espanto, alegria, de que estão possuídos (COUTINHO, 2011, p. 14).
Assim a gramática, muito mais do que marcar distinções entre o que é 
“certo” e o que é “errado”, tal como ficou conhecida por meio das abordagens 
prescritivas tradicionais, pretendeu antes marcar uma distinção singular entre o 
animal-homem e o animal-animal. Destarte o humano, cuja linguagem comporta 
uma língua, pôde distanciar-se cada vez mais da natureza, a qual, em sua 
limitação, embora possua linguagens animais diversas, não possui nenhuma 
língua sistemática. 
Uma primeira consequência dessa perspectiva é que todo ser incapaz de 
articular uma “língua” poderia ser tratado como coisa, tal como se deu com os 
animais alienados em suas formas “rudimentares” de linguagem. Dessa asserção 
decorre outra que está na raiz do que se chamará de preconceito linguístico – 
temática que será aprofundada na segunda unidade do livro didático –, a saber: 
o homem que, como um animal, baseia sua expressão na oralidade, geralmente 
na oralidade de uma fala “incorreta”, “normativamente pouco gramatical”, este 
“exemplar humano” a um animal se assemelharia. 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
11
Como se vê, estamos a um passo de justificar os tratamentos dados a 
pessoas menos favorecidas socialmente e tratadas como “animais”, tal como foi 
perpetrado por séculos de escravidão:
Ela deve ser sempre invocada como sinal distintivo do ser humano: 
“É a faculdade da linguagem articulada que se deve invocar, de modo 
definitivo, para distinguir o homem dos seus irmãos inferiores”. Onde 
quer que ele se encontre, em estado selvagem ou civilizado, revela 
sempre o conhecimento de um sistema especial de sinais articulados, 
o que importa dizer, usa uma linguagem própria (COUTINHO, 2011, 
p. 14).
Entretanto, se a escravidão encontrou historicamente o seu fim, o 
preconceito a ela ligado permaneceria nas línguas como marcas de distinção 
hierárquica – dadas por meio de regras e usos de linguagem que se mantêm 
segmentados conforme os estratos sociais de cada cultura – entre os homens 
de valor e o que seria uma subespécie de homens inferiores. Nesse sentido, os 
estudos linguísticos a partir de Saussure revelariam que as motivações inerentes 
aos usos e regras espontâneas da comunicação cederam lugar à imposição dos 
valores de determinados grupos sociais de maior prestígio. 
Assim, se a partir de um ponto de vista especulativo pudemos investigar o 
surgimento da gramática como um expediente capaz de amarrar sons articulados 
às letras e à escrita alfabética, se pudemos distinguir, na linguagem, o humano 
do não humano ao diferenciar a língua (linguagem especificamente humana) de 
outras formas de linguagem (humana e animal), daí não decorreu uma progressão 
dos estudos filosóficos em direção à sistematização dos usos concretos em que a 
gramática aparecesse sob o ponto de vista da regularidade.
Entretanto, se tais fenômenos ainda têm ocorrência e se essa ocorrência se 
dá por razões não mais filosóficas, mas devido à imposição de uma abordagem 
única, tradicional e sem ancoragem científica – por abordagem científica da 
língua, leia-se Linguística, disciplina conceituada como ciência da linguagem – 
foi devido a razões sociopolíticas, pela imposição de uma abordagem tradicional 
de gramática que caracterizaria as perspectivas normativas de língua:
Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse estudo, 
inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente pelos franceses, 
é baseado na lógica e está desprovido de qualquer visão científica e 
desinteressada da própria língua; visa unicamente a formular regras 
para distinguir as formas corretas das incorretas; é uma disciplina 
normativa, muito afastada da pura observação e cujo ponto de vista é 
forçosamente estreito (SAUSSURE, 2006, p. 7).
 Dessa forma, se a história da língua não seguiu o curso esperado da 
filosofia à ciência, mas da filosofia à política, é porque havia uma forma de política 
que demarcava hierarquicamente diferenças entre as espécies como meio de 
justificar os usos de umas pelas outras, mais especificamente o uso dos animais, 
vistoscomo “coisas” ou “res extensa”, pelos humanos. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
12
FIGURA 2 – HOMEM VERSUS ANIMAL
FONTE: Disponível em: <https://i.pinimg.com/originals/2d/18/03/2d1803d4a3923e6a2c0fe5e-
d09736c47.jpg>. Acesso em: 31 ago. 2017.
Os homens, qualificados enquanto animais especiais, alçariam a condição 
de “pessoas”, isto é, de sujeitos dotados de alma e não apenas de linguagem 
corporal, portanto de algo mais elevado, complexo, abstrato, quer dizer: seres 
dotados de uma língua.
Descartes, filósofo da Idade Moderna, consagrou essa diferença hierárquica 
entre a “res cogitans” – substância pensante, sujeito ou espírito – e o seu contrário, a “res 
extensa”, coisa extensa, corpo ou matéria, substância que não pensa. O atributo principal 
dos corpos seria a extensão, ou seja, estar no espaço em seus modos de quantidade, forma 
e movimento. Em razão disso, os corpos estariam submetidos à quantidade e poderiam 
ser quantificados. Os seres humanos, possuidores de mentes, “res cogitans”, portanto não 
sendo pura extensão, se oporiam aos animais, seres de pura extensão, que apenas possuem 
corpos, “res extensa”, consequentemente aptos a serem tratados como meras coisas a 
serviço do ser humano.
NOTA
Após essa breve incursão, apoiada sobre um ponto de vista da filosofia 
contemporânea, observamos como Agamben – ao partir das asserções filosóficas 
de Aristóteles acerca da existência humana dentro e fora da linguagem, nas quais 
o pensador grego estabeleceu distinções entre a “voz inarticulada ou confusa” dos 
animais e a “voz articulada” dos seres humanos – pôde auxiliar-nos a estabelecer 
uma primeira distinção, fundamental, entre língua e linguagem.
A língua, nesse sentido, em sendo um dos atributos da linguagem, 
e mesmo a ela pertencendo, de certo modo a supera na medida em que, ao 
caracterizar o que é mais próprio do humano, confere a esse homem um valor de 
superioridade em relação aos demais animais, desde então vistos como coisas. 
Como diria Descartes, pai do subjetivismo filosófico: o pensamento, isto é, a 
linguagem precede a existência.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
13
A partir de agora, migraremos para um ponto de vista mais próprio à 
ciência, linguístico, buscando situar a língua como forma convencional de 
linguagem, para além de um diferencial entre o homem e os demais seres: “poder-
se-ia dizer que não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de 
constituir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes 
a ideias distintas” (SAUSSURE, 2006, p. 18).
Assim, ao observarmos o comportamento da língua em sociedade, cujos 
vetores sociopolíticos passam a ser determinantes, ver-se-á notória a imposição 
dos valores de um determinado grupo social sobre outros de menor poder 
econômico. Em razão disso, os modos de linguagem pertinentes aos contextos 
de uso, que em princípio possuem uma eficácia gramatical própria, ver-se-iam 
historicamente afetados pela imposição de uma norma gramatical padronizadora 
e de ordem prescritiva.
3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA 
DO REI?
Ainda que de passagem, observamos no item anterior a aparição de uma 
abordagem normativa da língua que, embora tivesse sua origem situada nas 
distinções hierárquicas entre a linguagem inarticulada do animal e a linguagem 
articulada do ser humano, continuou a se expandir em sociedade na medida 
em que manteve graus semelhantes de distinção, agora não mais entre seres de 
espécies diferentes, mas entre homens de classes sociais e de níveis hierárquicos 
distintos:
No grupo que se mantinha diretamente em torno do poder, formada 
a golpes de decisões dogmáticas, depurada rapidamente de todos os 
procedimentos gramaticais que tinham podido ser elaborados pela 
subjetividade espontânea do homem popular, e erigida, ao contrário, 
num trabalho de definição, a escrita burguesa foi inicialmente dada, 
com o cinismo habitual dos primeiros triunfos políticos, como a língua 
de uma classe minoritária e privilegiada (BARTHES, 2004, p. 49).
Essa dimensão histórica, observou-a Saussure (2006, p. 7), para quem o 
estudo gramatical fora “inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente 
pelos franceses [...] e visava unicamente a formular regras para distinguir as 
formas corretas das incorretas”. 
À medida que as sociedades se desenvolviam e tornavam-se mais 
complexas, embora houvesse condições para uma maior assimilação dos avanços 
linguísticos, tais avanços, comuns em outras ciências, entretanto não ocorriam no 
território da língua, no qual persistiu a tentativa de grupos sociais de maior poder 
em preservar traços linguísticos que os opõem e os diferenciam aos grupos por 
eles considerados inferiores.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
14
Assim, através do tempo – como no período de ascensão burguesa na 
França do século XVII – é possível notar a permanência da imposição do poder 
do maior sobre o menor, que reverberaria, para além do plano social e político, 
para o plano da linguagem:
Essas duas histórias se associam e mantêm relações recíprocas. [...] 
Os costumes duma nação têm repercussão na língua e, por outro 
lado, é em grande parte a língua que constitui a Nação. Em segundo 
lugar, cumpre mencionar as relações existentes entre a língua e a 
história política. Grandes acontecimentos históricos, como a conquista 
romana, tiveram importância incalculável no tocante a inúmeros fatos 
linguísticos (SAUSSURE, 2006, p. 29).
Tratar-se-ia de uma forma de continuidade das relações desiguais 
observadas originalmente entre o homem e os animais, que migraria para as 
desigualdades sociais entre os próprios seres humanos. Assim, como anotou 
Barthes (2004), os procedimentos gramaticais espontâneos, que atendiam à 
subjetividade popular, ver-se-iam substituídos, ou mesmo contidos, por uma 
ordem de procedimentos gramaticais – quer dizer: um conjunto de regras a ser 
partilhado e seguido – notadamente mais próximos às esferas do poder.
FIGURA 3 – CASTELO DE VERSAILLES – SÍMBOLO DE NOBREZA E SUPERIORIDADE 
DA ELITE FRANCESA DO SÉC. XVII
FONTE: Disponível em: <http://www.richesheures.net/epoque-16-18/chateau/78/ver-
sailles/versailles-v03.jpg>. Acesso em: 1 maio 2017.
Assim, um conjunto de regras e procedimentos linguísticos, impostos de 
cima para baixo, formaria a base do que viria a ser a norma gramatical tradicional, 
cujo intento seria não apenas evitar as modificações inerentes à própria língua – 
que modifica-se e evolui de diversas formas: no tempo, nos estratos sociais, nos 
registros formal ou informal, em regiões geográficas distintas –, como também 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
15
corrigi-las e apontá-las como erro, desvio, falha. “Existe uma regra de ouro da 
Linguística que diz: ‘só existe língua se houver seres humanos que a falem’. 
E como o velho e bom Aristóteles nos ensina que o ser humano ‘é um animal 
político’. [...] chegamos à conclusão de que ‘tratar da língua é tratar de um tema 
político’” (BAGNO, 1999, p. 9).
Destarte, as diversas variações linguísticas que ocorrem espontaneamente 
na fala dos usuários de uma determinada comunidade linguística seriam 
obstaculizadas pela modalidade escrita da língua – admitida enquanto forma 
clássica ou culta de linguagem – e doravante convertida em lugar ideal para a 
estabilização das desigualdades inerentes às instâncias sociais e políticas.
Em 1647, Vaugelas recomenda a escrita clássica como um estado de 
fato, não de direito; a clareza ainda não é senão um uso da corte. Em 
1660, ao contrário, na gramática de Port-Royal, por exemplo, a língua 
clássica vem revestida das características do universal, a clareza se 
torna um valor. [...] A autoridade política, o dogmatismo do Espírito e 
a unidade da linguagem clássica são portanto as figuras de um mesmo 
movimento histórico (BARTHES, 2004,p. 50).
A Gramática de Port-Royal refere-se à publicação de um conjunto de 
fundamentos da arte de falar de modo claro e racional, que surgiu na França do século XVII 
em uma região associada ao monastério jansenista de Port-Royal-des-Champs. Influenciados 
pela filosofia de René Descartes, os seus criadores preocupavam-se com uma abordagem 
lógica da linguagem, na qual prevalecessem fatores linguísticos universais, como a clareza 
e a coerência. Nesse sentido, a gramática de Port-Royal se opõe à ideia de “bom uso” da 
linguagem associado aos falares da corte francesa, tal como era preconizado por Claude 
Vaugelas.
NOTA
Entretanto, para melhor nos debruçarmos sobre tal fenômeno, faz-se 
necessário deslocar o olhar não mais para observar o comportamento da língua 
em seu funcionamento atual – eixo da sincronia, a dizer com Saussure (2006) –, 
mas na direção que põe em destaque as modificações e os contextos nos quais as 
línguas sofrem modificações ao longo do tempo – eixo da diacronia. 
Neste caso, passamos a aderir aos estudos linguísticos desde um ponto 
de vista histórico, por meio do qual é possível capturar as motivações sociais 
que levaram à eleição de uma variedade normativa de língua em detrimento de 
outras variedades possíveis, e assim buscar compreender como se deu o embate 
e a substituição dos saberes linguísticos que evoluíam desde os questionamentos 
filosóficos da Grécia antiga até a imposição de uma normatização clássica, tal 
como observada na corte francesa.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
16
Assim, será possível entender a recusa dos saberes de uma gramática 
especulativa e racional, como a realizada por Port-Royal na França, em nome de 
uma dimensão simultaneamente mítica e política da história, na qual Vaugelas, 
membro da aristocracia francesa, pôde afirmar que a língua falada pelo rei seria, 
ela própria, a língua de Deus na França. Ora, se o rei era a lei, esse poder ao mesmo 
tempo terreno e divino seria capaz de conferir à variedade da língua francesa 
falada na corte uma espécie de elevação, cujos usos e modulações caberiam ao 
vulgo imitar.
O Rei Sol, ou “Le Roi Soleil”, foi como o rei Louis XIV se autoproclamou ao 
governar a França do século XVII. Como monarca absolutista, ele detinha todos os poderes 
do Estado, poderes que, para ele, provinham de um direito divino, de ele ser o representante 
direto de Deus sobre a França. Em sua megalomania, pretendeu igualar-se ao astro rei, 
tornando o Sol seu símbolo e emblema. Destarte, assim como os seres sobre a Terra se 
guiavam pela luz solar, os franceses deveriam guiar-se por seu rei, imitando não apenas 
os seus modos nobres de existência, que deveriam ser públicos: acordar, vestir-se, fazer 
refeições etc., como também os seus usos de linguagem. Sua obra mais notória foi a 
construção de Versailles, um suntuoso castelo situado nos arredores de Paris, e que hoje 
em dia abriga um dos maiores museus históricos e de arte da Europa.
NOTA
De modo completamente diverso, a linguística moderna retomaria, com 
Saussure, o debate científico contra essa espécie de estreiteza dos usos sociais da 
linguagem, que desde a Idade Antiga buscou substituir as regras espontâneas da 
comunicação e da interação social, expressivas para determinadas populações e 
adequadas aos contextos de uso, por certos usos da linguagem, muitas vezes não 
tão lógicos, mais próprios às classes de maior prestígio sociocultural.
3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA
Para pensarmos a língua em sua natureza social – e, posteriormente, 
observarmos sua evolução para o conceito de norma – cabe antes perguntar, em 
um sentido estritamente humano: o que vem a ser propriamente uma língua? 
Dirá Saussure (2006, p. 17):
Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte 
determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, 
um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de 
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o 
exercício dessa faculdade nos indivíduos.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
17
Ao admitirmos, com o linguista suíço, a natureza convencional da 
linguagem, é admitir que a língua não existe por si só, que é um sistema de signos 
posto em movimento por um determinado indivíduo quando este indivíduo 
fala. Se quisermos resumir, diríamos que quando dois indivíduos conseguem 
comunicar-se – por exemplo, em um telefonema entre um cidadão português e 
um brasileiro – é porque, apesar de falarem de modos diferentes, utilizam um 
sistema em comum, ou seja, uma mesma língua – a língua portuguesa, nesse caso.
Assim, a especificidade da linguagem humana – que doravante 
denominaremos apenas “língua” – é pensada não como língua ou fala 
alternativamente, mas simultaneamente, e embora elas operem juntas, suas 
naturezas permanecem opostas: a língua, de natureza coletiva e social; a fala, de 
natureza particular e individual:
Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas 
em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui 
a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala 
em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um 
sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais 
exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua 
não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo 
completo (SAUSSURE, 2006, p. 21).
Importou-nos introduzir essa primeira dicotomia saussuriana para 
explorarmos a ideia de norma gramatical, situando-a a partir da distinção 
original, formulada por Saussure, que compreende os estudos linguísticos 
segundo polaridades – língua/fala, dentre outras – que faz situar a língua, 
enquanto sistema de signos, em relação à execução desse mesmo sistema por um 
determinado indivíduo, isto é, em relação à fala. 
Nesses termos, de onde surge e em que consiste a ideia de norma? Foi 
o linguista Eugene Coseriu que reformulou a dicotomia saussuriana língua/fala 
ao observar que os indivíduos não realizam propriamente uma fala individual 
a partir de um sistema maior chamado língua, mas individualizam um sistema 
menor da língua, uma espécie de subsistema também falado por um grupo mais 
próximo, no qual o próprio indivíduo está inserido:
Os diferentes sotaques, o uso de vocabulários próprios de alguns 
grupos sociais, a presença ou não de concordâncias verbais e nominais 
etc., caracterizam modos de realização linguística que não são 
próprios nem de um só indivíduo nem de todos os falantes de uma 
língua, mas caracterizam variantes linguísticas de uma mesma língua 
(PIETROFORTE, 2011, p. 92).
Observa-se – ainda no exemplo do telefonema entre um português e um 
brasileiro – que se o português perguntasse: “estás a fazer o teu trabalho?”, o 
brasileiro, ao invés de utilizar uma estrutura sintática semelhante, com o verbo 
auxiliar seguido do infinitivo do verbo principal: “sim, estou a fazer”, responderia, 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
18
entretanto conforme a norma sintática do português brasileiro – que, no caso 
presente, consiste no emprego de verbo auxiliar seguido do gerúndio do verbo 
principal – ele provavelmente diria: “sim, estou fazendo”.
Nesse exemplo aparece um tipo de variante regional da língua. Assim, 
quando um usuário brasileiro vai ao sistema “Língua Portuguesa”, ele não acessa 
diretamente a língua portuguesa como um todo, mas a “norma regional” dessa 
mesma língua, a praticada no Brasil, que consistiu, no caso visto anteriormente, 
do emprego do gerúndio e não do infinitivo após o verbo auxiliar, tal como 
ocorreria de modo oposto se o usuário em questão fosse um cidadão português. 
Portanto, antes de acessar propriamente a língua portuguesa, o usuário acessa a 
norma de seu grupo local, realizando-a, em seguida, enquanto fala individual.
Tais eventos gramaticais se dãonão apenas no plano sintático, morfológico 
ou fonológico, mas em diversas ocorrências da língua em situação de uso: 
O que Coseriu chama língua é o sistema articulado com suas normas, 
ou seja, com suas variantes linguísticas. Assim, o conceito de língua, 
para Coseriu, abrange o sistema, que é do domínio de todos os falantes 
de uma mesma língua, e as normas, que, como variantes desse sistema, 
são do domínio dos grupos sociais, regionais etc. (PIETROFORTE, 
2011, p. 92).
Cabe considerar, para Coseriu (1980), que a estratificação da língua se dá 
em quatro tipos de variantes: as variantes diacrônicas, que apontam as diferenças 
linguísticas ao longo do tempo e verificáveis nos linguajares de faixas etárias 
distintas; as variantes diatópicas, que distinguem os usos regionais da mesma 
língua; as variantes diafásicas, que concernem aos usos formais ou informais da 
língua; e as variantes diastráticas, que referem-se aos usos de diferentes grupos 
sociais de falantes, tal como observamos no embate entre a variante “nobre” da 
língua praticada em Versailles e as demais variantes em uso na França da época.
Destarte, a dicotomia Língua/Fala, inicialmente verificada por Saussure, 
passa a ser efetivamente realizada, no dizer de Coseriu, na tricotomia Língua/
Norma/Fala: “Coseriu propõe que a dicotomia língua e fala seja redefinida para 
sistema versus norma versus fala, de modo que as variantes linguísticas sejam 
descritas nos domínios da norma. Na tríade proposta por Coseriu, a fala continua 
da ordem do individual, mas o conceito de língua é modificado” (PIETROFORTE, 
2011, p. 92).
Dessa forma, as variantes diastráticas que mais interessam à presente 
análise ligam-se à estratificação social, marcando diferenças culturais dentro de 
uma mesma comunidade linguística, que conformará distintos tipos de norma: 
em um primeiro nível hierárquico, a norma culta, mais próxima à escrita e que 
está baseada na variante linguística de maior prestígio sociocultural, por exemplo, 
no uso do verbo haver em lugar do verbo ter na sentença: “Há menos cadeiras na 
sala”.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
19
Em segundo nível hierárquico, a norma coloquial reporta-se aos falares 
espontâneos da classe média escolarizada, cujos desvios variam conforme a 
situação de uso, como na substituição, no mesmo exemplo, do verbo haver pelo 
verbo ter: “Têm menos cadeiras na sala”. 
Por último, em nível hierárquico inferior, a norma vulgar ou popular, 
ligada às classes populares não escolarizadas ou semiescolarizadas, na qual se 
observam desvios expressivos em relação à norma padrão a ponto de serem 
caracterizados como “erro” gramatical, tal como na concordância inadequada 
entre o advérbio “menos”, aqui tratado como adjetivo, e o substantivo “cadeiras” 
em: “Têm menas cadeiras na sala”.
Ora, entre as primeiras intuições gregas acerca do funcionamento da 
linguagem, e suas consequentes especulações filosóficas, até as formulações de 
caráter científico da linguística moderna em Saussure, passou-se por um longo 
período de submissão da objetividade do saber às imposições sociopolíticas das 
classes sociais abastadas. 
É o que se verificou no estabelecimento da norma padrão clássica na corte 
do rei Luis XIV na França do sec. XVII, recorte histórico que tornou possível 
observar como um padrão dominador de uso da língua migra da esfera do 
humano/animal para a esfera do homem bem-sucedido para o malsucedido 
socialmente.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
20
LEITURA COMPLEMENTAR
NASCIMENTO DA GRAMÁTICA
É por esse ângulo que devemos observar o milenar processo de reflexão 
sobre a linguagem que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção 
da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a linguagem humana 
como linguagem “articulada”. Mas o que significa “articulado”? Articulado, 
articulatus, é a tradução latina do termo grego énarthros, que pertence ao vocabulário 
técnico da reflexão estoica sobre a linguagem, que influenciou profundamente 
os gramáticos antigos. Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus 
tratados com a definição de voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz 
confusa (phoné synkechiméne) dos animais a voz humana, que é, ao contrário, 
phoné énarthros, voz articulada. Mas se questionamos hoje em que consiste este 
caráter articulado da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, 
significa simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae 
scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, que se pode 
compreender, aferrar com as letras. A voz confusa é aquela, “inescrivível”, dos 
animais (equorum hinnitus, rabies canum, rugitus ferarum) ou então aquela parte da 
voz humana que não se pode escrever, como o assovio, o riso, o soluço (utputa oris 
risus vel sibilatus, pectoris mugitus et cetera tália).
A voz articulada não é, portanto, nada além de phoné engrámmatos, a voz 
que foi transcrita e compreendida nas letras. Aqui podemos captar a incidência 
fundamental da escrita alfabética sobre nossa cultura e sobre a concepção da 
linguagem. Somente a escrita alfabética pode, efetivamente, criar a ilusão de ter 
capturado a voz, de tê-la compreendido e inscrito nos grámmata. Para dar conta 
plenamente da importância fundadora desta “captura” da voz, graças à escrita 
alfabética, devemos liberar-nos da representação ingênua, e todavia tão comum, 
segundo a qual as letras, os grámmata, estariam verdadeiramente na voz como 
elementos seus, como stoicheía, assim como o número estaria realmente nas coisas 
(pense-se na proximidade, na Grécia, entre escritura alfabética e matemática, 
entre reflexão gramatical e reflexão geométrico-matemática). O desenvolvimento 
da fonética e o impasse ao qual ela chegou em sua tentativa de captar os sons 
da palavra no seu aspecto articulatório e acústico são, deste ponto de vista, 
particularmente instrutivos. Um filme realizado pelo foneticista alemão Paul 
Menzerath mostra como é impossível descobrir qualquer sucessão e qualquer 
subdivisão no ato da fala, que do ponto de vista articulatório, apresenta-se como 
um movimento ininterrupto, no qual os sons não se sucedem, mas entremeiam-
se mutuamente. Mesmo uma análise rigorosamente acústica revela em cada som 
da fala uma tal quantidade de particularidades que se torna impossível ordená-la 
em um sistema.
Justamente a tomada de consciência da impossibilidade de reter, de capturar 
os sons da linguagem, do ponto de vista articulatório ou acústico, possibilitou o 
nascimento da fonologia, ou melhor, a desencarnação da língua a partir da voz e 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
21
a ruptura do vínculo entre língua e voz que permanecera inquestionável desde o 
pensamento estoico até a fonética dos neogramáticos. Com a consumação desta 
ruptura torna-se evidente a radical autonomia da língua no que diz respeito à 
voz e ao ato concreto de fala (retomando um jogo de palavras de Bréal, seria 
possível dar uma etimologia fantástica do termo “fonologia”, vislumbrando aí 
um assassínio – em grego: phonos – da palavra). Justamente por isso, a saber, que 
rompeu a relação originária com a voz, deve agora procurar para si um outro 
lugar, e é o que faz reportando-se a uma estrutura incônscia, a um inconsciente, 
ou seja, a um saber que não se sabe, a um saber sem sujeito. Os fonemas da 
fonologia, a estrutura de Lévi-Strauss, a gramática gerativa de Chomsky, situam-
se todos no inconsciente. Enquanto a ciência clássica, de Descartes até o século 
XIX, colocava o logos, isto é, o mediador entre Homo sapiens e Homo loquens, em 
um Eu, em uma consciência que não era mais que o sujeito da linguagem, hoje 
em dia a ciência não tem mais necessidade deste sujeito e prefere situar o logos 
no inconsciente, em um saber oculto, que não se sabe. Permanece, contudo, o fato 
deque este inconsciente, não importa como seja caracterizado, é um logos no seu 
aspecto lógico de língua, no caso da fonologia e do inconsciente lévi-straussiano, 
pura estrutura matemático-diferencial, ou logos no seu aspecto de fala, como no 
caso da psicanálise. 
FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. 
Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 68-70.
22
Neste tópico, você viu que:
• As relações que se estabelecem entre língua e linguagem podem ser observadas 
de diversas maneiras, dentre as quais destacamos os pontos de vista filosófico, 
linguístico, histórico e político, que demonstram não haver uma verdade única 
acerca dos domínios da linguagem. 
• De um ponto de vista filosófico, a língua é compreendida como uma 
propriedade exclusivamente humana, decorrente de uma atividade expressiva 
e comunicativa maior – a linguagem – comum tanto ao homem quanto aos 
demais animais. 
• A língua, enquanto modalidade humana de linguagem, é apreendida 
simultaneamente na variação e na regularidade. Assim, a voz confusa do animal 
passa a adquirir, na linguagem especificamente humana, uma gramática que 
regula um fenômeno linguístico indeterminado na determinação alfabética da 
oralidade e da escrita.
• A tomada de consciência de uma gramática surge com a possibilidade 
de capturar os sons da voz animal inarticulada, que só o homem é capaz 
de delimitar através de uma fala e de uma escrita que, do ponto de vista 
articulatório, possibilitou o nascimento da fonologia a partir da ruptura do 
vínculo entre a voz articulada (fala) e a voz confusa ou inarticulada (urros, 
gemidos, uivos etc.).
• As diferenças presentes na linguagem, que originalmente marcaram uma 
hierarquia entre o homem, ser capaz de língua, e os demais animais, 
permaneceria – ao refletirmos a língua sob um prisma histórico e político – 
na sociedade humana por meio de variedades da língua mais privilegiadas 
do que outras, conforme elas estivessem mais ou menos próximas às classes 
sociais melhor posicionadas socioeconomicamente.
• A variedade da língua culta ou padrão, desde um ponto de vista histórico, 
como na França do século XVII, não é aquela que tem maior lógica, coerência 
ou saber, mas sim a praticada pela nobreza que circundava o rei, cuja voz 
considerava-se consagrada por um poder divino.
• Caberia à Linguística, enquanto ciência da língua, desmistificar os aspectos 
míticos da linguagem, demonstrando que a língua dita “elevada” é apenas 
uma das variedades possíveis de uma língua, eleita entre outras variedades, 
também válidas, em uma determinada comunidade linguística.
RESUMO DO TÓPICO 1
23
• Segundo a linguística moderna, as variedades da língua não são captadas 
diretamente entre a língua (sistema autônomo) e a fala (concretização 
individual da língua), mas a partir do tripé “língua/norma/fala”, no qual o 
falante, ao concretizar sua expressão, a faz segundo a norma adequada ao 
contexto de uso: formal, informal, familiar, público etc.
• A ciência linguística alarga as noções dogmáticas e estereotipadas do senso 
comum, fundamentando-as com dados objetivos dos estudos da linguagem, 
que validam o discurso acadêmico e repercutem, inclusive, no ensino de língua 
materna e na postura metodológica dos professores em sala de aula.
24
1 A tese filosófica de origem da gramática assenta-se na distinção aristotélica 
da “voz articulada” do ser humano – isto é, língua – e a “voz confusa” do 
______. Gramatical, nesse sentido, seria aquela voz que, por ser articulada, 
pode ser escrita. Assim, enquanto os animais “relincham”, “urram”, “latem”, 
o homem “______ ”. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto o homem como 
o animal têm _______, mas só o homem fala uma ______.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) animal – chora – linguagem – língua 
b) ( ) ser – fala – língua – linguagem 
c) ( ) animal – fala – linguagem – língua
d) ( ) ser – chora – língua - linguagem
2 O linguista romeno Eugenio Coseriu atualizou a dicotomia saussuriana 
Língua/Fala ao observar que os falantes não internalizam diretamente uma 
língua, mas o modo como essa mesma língua é usada pelo grupo social mais 
próximo do falante. Assim, o esquema de Saussure seria transformado em 
Língua/Norma/Fala. É o caso quando observamos uma mesma língua falada 
em distintas regiões geográficas, por exemplo, quando um usuário da língua 
portuguesa nascido em Florianópolis/SC – conhecido como “manezinho” – 
interpreta a seu modo a sentença da Língua Portuguesa “se tu o dizes”, que 
segundo a variedade da língua portuguesa dos “manezinhos”, transformar-
se-ia em “se tu dix”, expressão adequada ao plano informal da oralidade, 
já que consiste em uma variedade linguística diatópica, isto é, geográfica. A 
partir dessa reflexão, é correto afirmar:
a) ( ) Que a existência de diversas formas geográficas de variar uma mesma 
língua revelaria a falta de cultura de um povo.
b) ( ) Que a norma-padrão é a única válida, mesmo na expressão oral de uma 
comunidade linguística.
c) ( ) Que a norma-padrão, por ser considerada a variedade da língua de 
maior prestígio social, é a única correta do ponto de vista da Linguística.
d) ( ) Que as normas são variações da língua aceitáveis quando utilizadas 
adequadamente ao contexto de uso.
3 No percurso histórico das abordagens prescritivas das línguas, o aristocrata 
francês Claude Vaugelas destacou-se ao publicar “Observações sobre a 
língua francesa, úteis àqueles que querem falar e escrever bem”, indicando 
a variedade linguística que deveria ser cultivada pelos franceses. Para ele, 
falar bem seria falar como o rei Luis XIV em 1647, época em que se acreditava 
que o rei tinha origem divina, portanto falar a língua do rei era como falar 
AUTOATIVIDADE
25
a língua de Deus. Considerando a variedade da língua falada pelo rei como 
norma-padrão, e a variedade da língua falada concretamente pelo povo 
francês como norma-popular, associe os itens, utilizando o código a seguir:
I- Norma-padrão
II- Norma-popular
( ) Forma desprestigiada de uma língua, embora linguisticamente tal 
desprestígio não se sustente objetivamente.
( ) Forma da língua considerada como depositária do verdadeiro saber e do 
valor de um povo.
( ) Tipo de norma cultivada ao longo da história pelas classes sociais nobres ou 
mais abastadas.
( ) Forma mais livre da língua, em geral falada por pessoas com baixo grau de 
escolaridade.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – II – I – II. 
b) ( ) II – I – I – II. 
c) ( ) I – II – I – I. 
d) ( ) II – II – I – II.
26
27
TÓPICO 2
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Em épocas remotas, anteriores ao nascimento de Cristo até meados do 
século XIX – em pensadores como Aristóteles na Antiguidade, Santo Agostinho no 
período medieval, René Descartes na Idade Moderna, Isaac Newton no séc. XVII 
–, havia a certeza, partilhada tanto por pensadores quanto pelo senso comum, de 
que alguns seres vivos poderiam nascer espontaneamente e não exclusivamente 
a partir de outros existentes.
De fato, Aristóteles acreditava que a vida podia ser gerada espontaneamente 
pela ação de um princípio ativo que, em contato com a matéria, seria capaz de 
produzir vida. Por esse motivo, tal teoria foi batizada de “abiogênese” e seu 
escopo serviu para justificar o aparecimento de novas espécies no planeta, 
permanecendo válida por muitos séculos.
autoativida
de
Alguns médicos partilhavam da tese da abiogênese. Van Helmont (1579-1644) 
a comprovou em um experimento no qual colocou uma camisa suja embebecida em suor 
e misturada com germe de trigo, em seguida fechada em uma gaveta. Resultado: antes de 
completar um mês do experimento, nasceram “espontaneamente”vários camundongos. 
Estava comprovada a hipótese de Aristóteles, segundo a qual o suor teria agido como um 
princípio ativo que resultara na vida dos camundongos. Mas, essa hipótese ainda teria algum 
fundamento nos dias de hoje?
Ora, é bem plausível que nós e você, caro acadêmico, enquanto habitantes 
do século XXI, não mais acreditemos na validade de tais experiências – houve 
outras além da de Van Helmont –, pois sabemos que sua veracidade foi há muito 
anulada pelo desenvolvimento das ciências com seus métodos de verificação 
mais precisos, que pôs abaixo qualquer relevância científica para a hipótese da 
abiogênese, inclusive para o senso comum. 
Ao nos referirmos ao senso comum, queremos com isso afirmar que, uma 
vez que aspectos de algum fenômeno sejam demonstrados ou verificados pela 
objetividade científica, de pronto não só o homem de conhecimento acadêmico, 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
28
mas a pessoa mais simples, ou de baixo grau de escolarização, passa a não mais 
crer em hipóteses refutadas, como na antiga tese da geração espontânea de vida. 
Fato curioso, entretanto, é que o mesmo fenômeno não ocorre tão 
facilmente nos domínios da linguagem: “na vida dos indivíduos e das sociedades, 
a linguagem constitui fator mais importante que qualquer outro; [...] mas – 
consequência paradoxal do interesse que suscita – não há domínio onde tenham 
germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções” (SAUSSURE, 
2006, p. 17).
De fato, a ciência linguística atravessa décadas e décadas comprovando 
a eficácia dos variados usos das línguas, dos dialetos, das variantes das línguas, 
que, de modo geral, realizam com eficácia o processo comunicativo. Entretanto, 
se perguntássemos hoje, em pleno século XXI, a algum usuário de língua 
portuguesa, se a expressão comunicativa “nós vai com vocês” comunica seu 
sentido, as respostas poderiam até variar, mas provavelmente escutaríamos: 
“Que gente burra! O certo é dizer ‘nós vamos’, e não ‘nós vai’”.
Quanto a esse preconceito secular, ao dogmatismo, à ignorância implícita 
em tais pontos de vista, reagiria Saussure (2006, p. 7), ainda em pleno século 
XIX: “a tarefa do linguista, porém, é, antes de tudo, denunciá-los e dissipá-los tão 
completamente quanto possível”.
2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM 
DESCRITIVA
Compreendia Saussure que a ciência linguística deveria desempenhar 
um papel social esclarecedor ao distinguir e fundamentar, por um lado, o que 
seria uma visão normativa da língua, de caráter prescritivo e condicionada 
por determinantes históricos, políticos e socioculturais, e, por outro lado, uma 
abordagem descritiva da língua, mais próxima à objetividade científica e, dessa 
forma, encarregada de substituir as situações comunicacionais estigmatizadas 
em “certo” ou “errado” pela adequação ao contexto interativo e de comunicação.
Duas abordagens, duas formas distintas de lidar com o fenômeno da 
linguagem humana. Na abordagem normativa – para alguns a única conhecida 
e, muitas vezes, a única aceita como a verdadeira – observa-se uma valorização 
excessiva do cumprimento de regras e normas em detrimento da liberdade 
combinatória e expressiva dos usuários de uma determinada comunidade 
linguística: 
A visão prescritiva da linguagem não admite mais de uma forma 
correta, nem aceita a possibilidade de escolha, que uma forma seja 
mais adequada para um uso do que para outro, como seria o caso de 
uma expressão mais apropriada à língua escrita do que à falada, ao 
uso coloquial do que a uma situação formal de comunicação (PETTER, 
2011, p. 21).
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
29
Ao aproximar-se da modalidade escrita da língua, os defensores da 
abordagem normativa buscavam sua natureza estável, ao mesmo tempo capaz 
de manter e perpetuar os conhecimentos adquiridos por determinada cultura. 
Tal virtude decorreria de que, muito embora a escrita não pudesse dar conta da 
complexidade da fala, ela consegue, mesmo parcialmente, representá-la. Nesse 
ponto, o discurso literário abre uma exceção, um contraponto a tal tese, pois 
malgrado a sua natureza predominantemente escrita, ele consegue muitas vezes 
ultrapassar em complexidade a própria fala.
Ainda que a literatura encerre um nível de complexidade similar à 
fala, suas virtudes também depuseram em favor de abordagens prescritivas na 
medida em que elevou-se a norma-padrão à norma culta, de viés notadamente 
estético: “as formas e usos são incluídos ou excluídos da norma culta por critérios 
tais como: elegância, colorido, beleza, finura, expressividade, eufonia, harmonia; 
devendo-se evitar vícios como a cacofonia, a colisão, o eco, o pleonasmo vicioso” 
(TRAVAGLIA, 2006, p. 25).
Assim, devido a esse valor de autoridade espelhado nos grandes escritores 
de uma língua, promulgador das verdades ou “inverdades” características das 
abordagens normativas, muitos professores de letras têm a impressão de estar 
tratando não especificamente dos assuntos pertinentes ao ensino de língua, mas 
de discussões sobre a liberdade: a liberdade de dizer, de comunicar, ou da sua 
falta, que é o mesmo que dizer: a obediência a normas por vezes inadequadas às 
situações concretas de comunicação.
A tarefa do gramático se desdobra em dizer o que é a língua, descrevê-
la, e ao privilegiar alguns usos, dizer como deve ser a língua. Na 
verdade, a conjunção do descritivo e do normativo efetuada pela 
gramática tradicional opera uma redução do objeto de análise que, 
de intrinsecamente heterogêneo, assume uma só forma: a do uso 
considerado correto da língua. Na maioria dos casos, é esse uso o 
único que vai ser estudado e difundido pela escola, em detrimento de 
um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos 
linguísticos (PETTER, 2011, p. 19).
Importa considerar que a abordagem normativa não seria um mal em si 
por eleger uma variedade da língua como variedade padrão, se tal escolha não 
estivesse ancorada, entretanto, em critérios políticos, se não fosse de natureza 
prescritiva nem estivesse apoiada em variadas formas de preconceito: de região, 
de estrato social, de escolaridade, de faixa etária etc.:
Além disso, ignorando e depreciando outras variedades da língua 
com base em fatores não estritamente linguísticos, cria preconceitos de 
toda espécie, por basear-se em parâmetros, muitas vezes, equivocados, 
tais como: purismo e vernaculidade, classe social de prestígio (de 
natureza econômica, política, cultural), autoridade (gramáticos, bons 
escritores), lógica e história (tradição) (TRAVAGLIA, 2006, p. 25).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
30
 Nesse sentido, a linguística busca apontar os excessos da abordagem 
normativa, malfadada numa natureza revisional e centrada quase exclusivamente 
na correção dos desvios praticados em relação à norma eleita como variedade 
padrão da língua:
Nesse primeiro sentido afirma-se que a língua é só a variedade dita 
padrão ou culta e que todas as outras formas de uso da língua são 
desvios, erros, deformações, degenerações da língua e que, por isso, a 
variedade dita padrão deve ser seguida por todos os cidadãos falantes 
dessa língua para não contribuir com a degeneração da língua de seu 
país (TRAVAGLIA, 2006, p. 24).
Por outro lado, na contramão da abordagem normativa-prescritiva, a 
abordagem descritiva valoriza a complexidade de cada língua, suas diferenças e 
semelhanças. Assim, as diferenças socioculturais dos indivíduos, marcadas nas 
variedades e nas formas próprias de uso da linguagem, passam a ser vistas não 
como erro, mas como valor, como sinônimo de riqueza.
De fato, nessa abordagem a noção de erro se dá apenas quando um fato 
linguístico não ocorre de forma sistemática. Nesse sentido, não se pode classificar 
de erro, por exemplo, a expressão “a gente vai”, e considerar correta apenas a 
expressão normativa “nós vamos”,pois se a primeira expressão aparece de modo 
sistemático em diversas regiões do Brasil, constitui-se mais como fato linguístico 
verificável do que como falta gramatical. 
É necessário observar que, fora da abordagem normativa, o erro não é 
verificável senão em um contexto específico, eis o porquê da importância de 
descrever os fatos linguísticos em relação à situação comunicativa, posto que uma 
abordagem descritiva preza pela objetividade, pela verificação científica, isto é, o 
viés “descritivo” reporta-se a como funciona a língua concretamente, enquanto o 
viés “normativo” a como a língua deveria funcionar.
Na expressão “ligeiro, suba para cima”, por exemplo, em princípio 
condenável pela redundância, já que o verbo “subir” pressupõe que a ação seja 
“para cima”, se entretanto utilizada em um caso real de incêndio, quando um 
oficial chama por alguma vítima localizada mais embaixo e aturdida pela fumaça, 
nesse caso a expressão “subir para cima”, enquanto reforço devido à situação 
de perigo, torna-se positivo, já que tais situações requerem reiterada ênfase nas 
mensagens.
Vejamos, então: o que significa essa neutralidade científica no campo 
da linguagem? Ou, dizendo de outro modo, como seria possível abandonar 
prejulgamentos e preconceitos em prol de realidades verificáveis e demonstráveis 
da língua, de fatos linguísticos que, mesmo dados em determinada situação 
particular, têm valor de verdade e caráter universal?
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
31
autoativida
de
Imaginemos um biólogo contratado para fazer um inventário das diversas 
espécies vegetais de um jardim botânico, no qual há a presença de gramíneas rasteiras e 
palmeiras gigantes. Sabe-se que o biólogo, na qualidade de um cientista, não poderia afirmar 
que as palmeiras, devido à sua altura e imponência, seriam mais belas e de maior valor do 
que as gramíneas, as quais, por serem rasteiras, teriam menor valor estético. Poderíamos 
então concordar que, caso o biólogo sustentasse essa diferença de valor entre as plantas, 
estaria adotando uma atitude parcial e não objetiva?
Você deve concordar, prezado acadêmico, que classificar a realidade – no 
caso citado anteriormente, das plantas de um jardim botânico – segundo critérios 
estéticos: bonito, feio, majestoso, encantador etc., não revelaria uma atitude 
neutra, científica, mas, ao contrário, expressaria um dogmatismo mais próximo 
ao senso comum – que reage, ao invés de pensar – e, portanto, mais distante da 
verdade. 
A verdade tem menos a ver com julgamentos, mais com observação, com 
a descrição dos fatos e dos comportamentos linguísticos em determinada época, 
em determinado contexto. Nesse sentido, concluiria Petter (2011, p. 20), “abordar 
a língua exclusivamente sob uma perspectiva normativa contribui para gerar 
uma série de falsos conceitos e até preconceitos, que vêm sendo desmistificados 
pela Linguística”.
O estranho é que, apesar de os estudos linguísticos terem demonstrado não 
haver superioridade entre as línguas, ou que certos usos considerados incorretos 
segundo a gramática normativa são formas válidas e eficientes de expressão no 
jogo social, mesmo assim, passado mais de século das comprovações da linguística, 
tal realidade dogmática e preconceituosa permanece no senso comum. 
A pesquisa linguística desenvolvida no século XIX levou a separar 
cada vez mais o conhecimento científico da língua da determinação 
de sua norma. A linguística histórica, estudando em profundidade as 
transformações da linguagem, mostrou que as mudanças linguísticas 
frequentemente têm sua origem na fala popular: muitas vezes o errado 
de uma época passa a ser consagrado como a forma correta da época 
seguinte (PETTER, 2011, p. 21).
É assim que a abordagem descritiva da língua revela uma forma de 
gramática que considera a validade dos diversos usos de uma língua, abdicando de 
prescrever ou definir padrões de conduta linguísticos – certo ou errado – em prol 
de contemplar toda a diversidade linguística presente e válida em determinada 
época, meio social ou região, geralmente distante dos padrões instituídos.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
32
Analisemos, a título de exemplo, uma aplicação da abordagem descritiva 
à canção “Samba do Arnesto”, de Adoniran Barbosa – compositor paulista que 
viveu um período de grande sucesso na década de 1950: 
O Arnesto nos convidô
Prum samba, ele mora no Brás.
Nóis fumo e não encontremo ninguém
Nóis vortemo cuma baita duma reiva
Da outra vez nóis num vai mais.
Nóis não semos tatu!
Outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu descurpa mais nóis não aceitemos
- Isso não se faz, Arnesto, nóis num se importa
Mais você devia ter ponhado um recado na porta
Anssim: “ói, turma, num deu pra espera
A vez que isso num tem importância, num faz má
Depois que nóis vai, depois nóis vorta.
Assinado em cruz porque não sei escrever Arnesto
A linguagem coloquial, presente no texto, adéqua-se à informalidade 
inventiva do gênero lírico “canção” e reporta-se especificamente à linguagem 
praticada no bairro do Bexiga, subúrbio da cidade de São Paulo, na década 
de 1950. Assim, as aparentes incorreções gramaticais – observadas a partir da 
gramática normativa – iniciam-se já no título, na deformação popular de Ernesto 
em Arnesto, conferindo maior realidade e criatividade ao texto de caráter popular.
No caso do samba de Adoniran, embora a letra escape aos padrões 
normativos da língua, sabemos que não foi difícil compreendê-la. Por exemplo, 
a riqueza das formas verbais: fumos, encontremo, fiquemo, vortemo, não apenas 
consegue o efeito comunicativo e o consequente entendimento da mensagem, 
como também alcançam o efeito criativo esperado, a saber: comicidade e graça, 
comuns nos textos das crianças e nas marcas da oralidade infantil.
Outras marcações podem ser observadas, como: ausência do plural de 
algumas palavras; marca de sotaque na mudança do fonema / l / em / r / em 
outras palavras, como: vortemo, descurpa; interposição do som vocálico / i / entre a 
vogal e o “s” final de algumas sílabas, como: nóis, veiz; isto é, marcas da oralidade 
que conferiram aos sambas de Adoniran Barbosa sucesso e repercussão. De onde 
se conclui: são “desvios” que representam uma estética adequada ao gênero 
discursivo “canção popular”.
Esse caráter inventivo dos falantes em geral é confundido com 
desconhecimento linguístico. Um caso ilustra tal ideia. Conta-se que um pai 
de família, por ser bem atendido em um hospital no qual a sua esposa dera à 
luz, resolveu expressar sua gratidão batizando o filho com o mesmo nome do 
estabelecimento “Hospital Regional”. O nome da criança seria Regional da Silva, 
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
33
caso não fosse desaconselhado, pelo médico cirurgião, a trocar por um nome de 
sonoridade similar, porém mais aceito socialmente. Dessa forma, a criança foi 
registrada como Reginaldo da Silva. 
Reflitamos: tal ocorrência se daria por uso inventivo da língua, ou por 
desconhecimento dos usos mais aceitáveis em determinada região? A primeira 
opção é, com certeza, a mais viável desde um ponto de vista linguístico, pois nos 
ajuda a situar, como no exercício anterior, que os critérios de análise de um texto 
devem reportar-se ao contexto e à realidade sociointerativa.
Resta indagar: que utilidade teria uma abordagem descritiva no processo 
educacional, e qual a relevância de o aluno utilizar a língua respeitando o contexto, 
a situação interacional?
autoativida
de
Imaginemos um adulto escolarizado encarcerado junto a prisioneiros de 
diversos padrões sociais, os quais têm em comum relações mediadas pela violência física. 
Nesse caso, se tal falante se expressasse utilizando uma variedade da língua mais próxima às 
formas recomendadas pela gramática tradicional, e dissesse, por exemplo, “deixa conosco, 
colega”, quando a formausual em tal contexto seria “isso é com nós, mano”; então é provável 
que ele seria discriminado e correria risco de ser fisicamente agredido por expressar-se em 
uma variedade culta da língua, inadequada àquele contexto?
Prezado acadêmico, quando a variedade normativa culta de uma língua 
é empregada de forma descontextualizada da situação interacional de uso, 
provavelmente ela pode colocar um sujeito escolarizado em situação de risco, 
tal como nos reportamos na autoatividade, cujo contexto carcerário requer dos 
falantes o uso menos formal da língua. 
A escola, nesse caso, não teria lhe prestado um bom serviço ao lecionar 
exclusivamente a norma padrão, por conseguinte ao creditá-la superior aos 
diversos usos da língua e não instruir os alunos acerca da necessidade de adequar-
se linguisticamente ao contexto vivido.
Sabemos que é um equívoco acreditar que a norma-padrão é melhor, que é 
mais lógica, mais bem acabada, pois todo uso da língua, quando é compreendido 
pelos atores da comunicação no processo de interação, possui sua própria lógica 
e eficácia. 
Por exemplo, a expressão “nóis vai” de alguns falantes semiescolarizados 
– lida, a partir da gramática normativa, como desvio da norma-padrão – é 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
34
tão lógica e mantém a estrutura da língua portuguesa da mesma forma que a 
expressão “nós vamos” dos falantes escolarizados. 
A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala 
utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, 
ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. 
É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, 
considerando a quem e por que se diz determinada coisa (BRASIL, 
2000, p. 31-32).
Assim, é claramente possível distinguir uma abordagem descritiva, que 
trata do real funcionamento e da adequação da linguagem ao contexto de uso, 
de uma abordagem normativa, cujos efeitos nefastos em sociedade, tal como 
observou Travaglia (2006, p. 64), acabam por repercutir em sala de aula:
Achamos normal exigir que o aluno aprenda a norma culta para utilizá-
la em determinadas situações sociais de comunicação, mas achamos 
absurdo, por exemplo, exigir que alguém tivesse de aprender o dialeto 
caipira para falar com o pessoal da zona rural de determinadas regiões 
do país (sobretudo Sul de Minas Gerais e parte de São Paulo). Por 
quê? Os falantes da norma culta “exigem” que o caipira aprenda seu 
modo de falar para circular entre eles, mas o contrário não acontece: 
os caipiras não “exigem” que os falantes da norma urbana culta 
aprendam o seu dialeto para circular entre eles.
3 LINGUAGEM E APRENDIZAGEM
Refletir sobre linguagem e aprendizagem de língua materna é de antemão 
pensar sobre as relações entre as abordagens gramaticais e o exercício educativo, 
para o qual se pressupõe determinar, por um lado, de que modo o professor 
compreende tanto a linguagem humana quanto o processo de aprendizagem, 
e, por outro lado, que tipo de abordagem gramatical o norteará no processo de 
ensino e aprendizagem. 
Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia – para que 
ensinamos o que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças 
aprendem o que aprendem? – é esquecida em benefício de discussões 
sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar etc. Parece-me, 
no entanto, que a resposta ao “para que” dará efetivamente as diretrizes 
básicas das respostas. Ora, no caso do ensino de língua portuguesa, 
uma resposta ao “para que” envolve tanto uma concepção de linguagem 
quanto uma postura relativamente à educação (GERALDI, 2006, p. 40-
41).
 
No que tange à concepção de linguagem, há três maneiras de concebê-la: 
ou a linguagem é a expressão de um pensamento, ou a linguagem é um meio 
de comunicação, ou a linguagem é processo de interação. Antes, porém, cabe 
retomarmos os principais conceitos, vistos no item anterior, das abordagens 
normativa e descritiva, de modo a ver se elas conseguem fundamentar um melhor 
exercício de ensino e aprendizagem em sala de aula, a partir dos conceitos de 
gramática a elas implícitos.
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
35
Para tanto, devemos entrar na esfera linguística da teorização da gramática, 
a qual determina, para os fatos linguísticos, o coeficiente de gramaticalidade ou 
agramaticalidade, de funcionamento no sistema linguístico, das sentenças orais 
e escritas. 
A teoria da gramática, como é conhecida, trata de todas as frases 
gramaticais, isto é, todas as frases que pertencem à língua; não se 
confunde com a gramática normativa porque não dita regras, apenas 
explica as frases realizadas e potencialmente realizáveis na língua 
proposta. A intuição do falante é o único critério de gramaticalidade 
ou agramaticalidade da frase – conceitos que não se confundem com a 
gramática normativa (PETTER, 2011, p. 22).
De um modo geral, observamos que a gramática normativa, 
independentemente do contexto de uso, coloca-se como um valor absoluto e 
padronizador ao “considerar apenas uma variedade da língua como válida, como 
sendo a língua verdadeira” (TRAVAGLIA, 2006, p. 31), noção esta que converte 
o ensino em um reiterado exercício de aprendizagem de regras e nomenclaturas 
que pretende ditar o que pode e deve ser ensinado:
A gramática normativa estuda apenas os fatos da língua padrão, da 
norma culta de uma língua, norma essa que se tornou oficial. Baseia-
se, em geral, mais nos fatos da língua escrita e dá pouca importância 
à variedade oral da norma culta, que é vista, conscientemente ou não, 
como idêntica à escrita. Ao lado da descrição da norma ou variedade 
culta da língua (análise de estruturas, uma classificação de formas 
morfológicas e léxicas), a gramática normativa apresenta e dita normas 
de bem falar e escrever, norma para a correta utilização oral e escrita 
do idioma, prescreve o que se deve e o que não se deve usar na língua 
(TRAVAGLIA, 2006, p. 30).
 A gramática descritiva, por sua vez, expande essa noção, desfazendo a 
ideia de uma norma única e “absoluta” ao observar cientificamente que a língua 
é variável, de forma que os usos e as sentenças praticados por uma comunidade 
linguística passam a ser validados conforme estejam em ressonância com as 
variedades linguísticas de uma língua, inclusive as variedades consideradas “não 
cultas”. 
A abordagem descritiva assumida pela Linguística entende que as 
variedades não padrão do português, por exemplo, caracterizam-se 
por um conjunto de regras gramaticais que simplesmente diferem 
daquelas do português padrão. O termo “gramatical” é usado aqui 
com um valor descritivo: a gramática de uma língua ou de um dialeto é 
a descrição das regularidades que sustentam a sua estrutura (PETTER, 
2011, p. 21).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
36
3.1 PONTO DE PARTIDA ENTRE A NORMATIVA E A 
DESCRITIVA: A GRAMÁTICA INTERNALIZADA
Entretanto, se passarmos a considerar as abordagens gramaticais em 
relação ao aluno, ou seja, sob o prisma da aprendizagem, devemos partir da 
constatação de que o aluno de língua materna já sabe comunicar-se em sua língua, 
isto é, já tem implícita, ainda que inconscientemente, uma certa gramática que 
“funciona”, quer ele tenha consciência ou não das regras que a fazem funcionar.
FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_OMd__qw4Xo8/TBk7GTKGpBI/AAA-
AAAAAACg/NVbKlhLCQdQ/S730/[CHARGE]+Verbo+demitir.jpg>. Acesso em: 13 
maio 2017.
FIGURA 4 – PROFESSORA LAURA EM AÇÃO 
Refere-se, portanto, a um terceiro tipo de gramática que também 
escapa às prescrições da gramática normativa. Trata-se de uma modalidade 
de gramática internalizada, que verifica os saberes gramaticais espontâneos 
surgidos independentemente do processo de escolarização e que trata dos usos 
de princípios e regras que se dão fora de qualquer forma de aprendizagem 
sistemática.A gramática internalizada ou competência linguística internalizada 
do falante é o próprio “mecanismo”, o conjunto de regras que é 
dominado pelos falantes e que lhes permite o uso normal da língua. 
Na verdade é essa gramática que é objeto de estudo dos outros dois 
tipos de gramática, sobretudo da descritiva (TRAVAGLIA, 2006, p. 32).
Assim, quando observarmos um falante dizer “os menino saiu”, 
cometendo um aparente desvio de concordância em relação à norma-padrão, 
constata-se entretanto que a mesma sentença não fere a lógica e a estrutura 
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
37
da língua portuguesa. Quer dizer, o mesmo falante jamais diria, por exemplo, 
“menino os saiu”, pois ele sabe intuitivamente, ou, dizendo de outro modo, 
detém uma gramática internalizada em cuja combinatória não se admite o artigo 
posposto a um substantivo.
Dessa forma, se contra a vertente unificadora da gramática normativa, 
a gramática descritiva abriu-nos a gramaticalidade das diversas variedades de 
uma língua, como o dialeto caipira, por exemplo, registrando as funções e a 
estrutura de tal variedade linguística; a gramática internalizada também reage 
ao valor prescritivo da gramática normativa ao considerar a noção de adequação 
ou inadequação à situação comunicativa, dessa forma colocando os usos sociais e 
interacionais da língua em destaque:
É a competência do falante que vai organizar os elementos linguísticos 
que constituem uma sentença, conferindo-lhes gramaticalidade. Uma 
sequência de palavras é agramatical quando não respeita as regras 
gramaticais do sistema linguístico, do conhecimento internalizado de 
que dispõe o falante, como: Problema este muito seu difícil é (PETTER, 
2011, p. 22).
Destarte, a situação parece inverter-se, pois se já existe uma competência 
gramatical nos sujeitos falantes de uma determinada língua, quais seriam a 
motivação e a necessidade do estudo de nomenclaturas e regras gramaticais em 
sala de aula? Dizendo de outro modo, se não faz sentido ensinar-se o que já se 
sabe, por que razão as escolas introduzem e consagram-se a dinamizar o estudo 
de gramática normativa? 
As razões para explicar tal fato esbarram na limitação sociológica de uma 
ciência, como a linguística, frente ao poder histórico de classes economicamente 
privilegiadas, que conseguem impor a sua variedade linguística em vestibulares, 
concursos e currículos que restringem o crescimento individual na sociedade de 
mercado ao conhecimento dessa variedade “culta”.
Sabemos que a forma de fala que foi elevada à categoria de língua 
nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa forma. Fatos 
históricos (econômicos e políticos) determinaram a “eleição” de uma 
forma como a língua portuguesa. As demais formas de falar, que não 
correspondem à forma “eleita”, são todas postas num mesmo saco e 
qualificadas como “errôneas”, “deselegantes”, “inadequadas para a 
ocasião” etc. (GERALDI, 2006, p. 43).
Quer dizer, dominar ou não as regras do jogo, isto é, saber ou não a norma-
padrão, é sinônimo de poder ou não poder ascender socialmente. Por outro lado, 
não dominá-la, ou restringir-se aos usos gramaticais internalizados – portanto, da 
variedade linguística aprendida espontaneamente pelo falante em seus grupos 
familiar e social – significa, quase sempre, estar fora ou inapto para o jogo do 
mercado. “À maioria é permitido ouvir, não falar. O professor do ouvir é a TV, 
monopólio e concessão do Estado e das empresas privadas. A TV é a professora 
antiga, autoritária – só fala, fala, nunca ouve. O aluno, espectador, é também 
aquele antigo, passivo, conformado, que só ouve” (ALMEIDA, 2006, p. 15).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
38
Não há como a escola se eximir da formação de um sujeito ativo em sua 
singularidade, tal como se objetivou a formulação dos Parâmetros Curriculares 
Nacionais, de um sujeito que seja capaz de “posicionar-se de maneira crítica, 
responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo 
como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas” (BRASIL, 2000, p. 
7).
Essa é uma das questões basilares para a prática escolar de língua materna, 
que pressupõe saber, de antemão, qual concepção de linguagem sustentará a 
metodologia e a didática do professor em sala de aula, cujo papel social, ainda 
que idealmente, pretende-se ligado a “uma postura educacional diferenciada, 
uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, 
onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 2006, p. 41).
3.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM
Até o momento, vimos que tratar de questões basilares para o ensino de 
língua materna é não apenas determinar que tipo de gramática sustenta a ideia de 
língua do professor – normativa, descritiva, internalizada, dentre outras –, mas 
também verificar qual a concepção de linguagem que fundamenta sua prática em 
sala de aula. 
Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de 
aula, é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia 
de ensino articula uma posição política – que envolve uma teoria 
de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos 
utilizados em sala de aula (GERALDI, 2006, p. 40).
Nesse sentido, a linguagem pode ser concebida de três modos: como 
expressão de um pensamento, como um meio de comunicação, ou como 
processo de interação, conforme se observe a linguagem ora como tradução 
de um pensamento formulado antes do ato expressivo – que norteará o ensino 
tradicional de gramática –, ora como eixo comunicativo abstrato entre sujeitos e o 
contexto da língua, ora como eixo concreto de interação e diálogo entre os sujeitos 
da enunciação.
3.2.1 Linguagem como expressão do pensamento
No primeiro sentido – linguagem como expressão do pensamento – 
associa-se à ideia de que as pessoas primeiro pensam o que vão dizer ou escrever 
para, em seguida, caso desejem, exteriorizarem o que foi pensado através da 
linguagem. Aqui fundamenta-se uma das bases do preconceito linguístico, ao 
se postular que “as pessoas que não se expressam bem é porque não pensam” 
(TRAVAGLIA, 2006, p. 21).
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
39
A língua, nesse caso, funcionaria como uma caixa de ferramentas – onde 
estão as palavras, as sentenças, as frases etc. – aberta quando da necessidade 
do sujeito exteriorizar o que pensou de antemão, a ser fechada após o uso da 
linguagem ter traduzido ou espelhado aquele pensamento.
As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia 
individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica 
seu pensamento dependerá a exteriorização desse pensamento por 
meio de uma linguagem articulada e organizada. Presume-se que há 
regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e, 
consequentemente, da linguagem (TRAVAGLIA, 2006, p. 21).
Nesse lugar a verdade está no sujeito, dentro do sujeito não se relaciona 
com o outro ou o meio circundante. A verdade é interior ao homem, o que reporta 
ao filósofo francês René Descartes, que funda o subjetivismo filosófico com a 
máxima Cogito ergo sum, isto é, Penso, logo existo. 
Em outras palavras, para Descartes o mundo não preexiste à linguagem 
e ao pensamento, ou seja, o mundo exterior e os outros seres não têm uma 
existência real, verificável, fora do pensamento. Portanto, para essa concepção, o 
modo como o texto, que se usa em cada situação de interação comunicativa está 
constituído, “não depende em nada de para quem se fala, em que situação se fala 
(onde, como, quando), para que se fala” (TRAVAGLIA, 2006, p. 22).
Como se vê, conceber a linguagem como expressão do pensamento 
fundamenta o tipo de abordagem normativa de gramática, pois para 
exteriorização do que foi pensado pelo sujeito deve haver regras lógicas para 
organizar o pensamento, regras que se reportamao bem falar e ao bem escrever 
das abordagens normativas.
3.2.2 Linguagem como meio de comunicação
No segundo sentido – linguagem como meio de comunicação – associa-se 
a língua a um código não apenas individualizado, mas realizado em um contexto 
comunicativo no qual comparecem outros cinco fatores da comunicação, tal 
como o intuiu Roman Jakobson em sua teoria da comunicação, em que um 
conjunto de signos combinam-se segundo determinadas regras para transmitir 
uma mensagem entre um emissor e um receptor.
Como podemos observar no esquema a seguir, são seis os elementos 
presentes na comunicação: emissor, código, mensagem, receptor, referente e 
canal. Conforme a ênfase recaia sobre um dos seis polos, teremos seis funções a 
eles correspondentes, respectivamente: função emotiva, função metalinguística, 
função poética, função conativa ou apelativa, função referencial (polo do objeto, 
da verdade), e função fática.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
40
REFERENTE
Função
REFERENCIAL
CANAL
Função
FÁTICAEMISSOR
Função
EMOTIVA
RECEPTOR
Função
CONATIVA
MENSAGEM
Função
POÉTICA
CÓDIGO
Função
METALINGUÍSTICA
FIGURA 5 – ELEMENTOS E FUNÇÕES DA COMUNICAÇÃO 
FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-Ku6ydcln1ks/UBGyTBpz9vI/AAAA-
AAAAAhA/tnBXR9inhEg/s1600/lingua.JPG>. Acesso em: 1 set. 2017.
Nesse sentido, a língua, tal como na linguagem como expressão do 
pensamento, é também pensada fora da situação concreta de uso, pois ainda que 
preveja diversos atores da comunicação, o emissor de uma mensagem dirige-se 
de modo exclusivo e unidirecional a um receptor, ao passo que este, ao responder, 
torna-se um novo emissor. 
Como se vê, nas situações concretas de interação linguística, a realidade 
é bem outra, pois o emissor já prevê em sua mensagem as reações do receptor, 
isto é, se a mensagem será ou não aceita pelo receptor, o que desfaz a ideia de um 
sistema unidirecional emissor-mensagem-receptor.
Essa é uma visão monológica e imanente da língua, que a estuda segundo 
uma perspectiva formalista – que limita esse estudo ao funcionamento 
interno da língua – que a separa do homem no seu contexto social. 
[...] Para essa concepção o falante tem em sua mente uma mensagem a 
transmitir a um ouvinte, ou seja, informações que quer que cheguem 
ao outro. Para isso ele coloca em código (codificação) e a remete para 
o outro através de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro 
recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem 
(informações). É a codificação (TRAVAGLIA, 2006, p. 22-23).
Historicamente a linguagem concebida como meio de comunicação 
representou um grande avanço em relação à concepção da linguagem como 
expressão do pensamento. As vertentes que aí se implicam e decorrem, como o 
Estruturalismo, foram possíveis graças aos conceitos modernos de Saussure, que 
encontrariam na teoria da comunicação de Jakobson o seu expoente máximo.
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
41
3.2.3 Linguagem como forma de interação
Nesse terceiro sentido – linguagem como forma de interação –, a 
língua, para além de realizar a transmissão de informações entre um emissor 
e um receptor, realiza compromissos e vínculos entre dois atores, não mais 
unidirecionais, o que faz da linguagem não a expressão individual de um sujeito, 
tampouco a comunicação de um para outro, mas como lugar real de possível 
diálogo entre sujeitos.
A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na 
interlocução. E é no interior do seu funcionamento que se pode 
procurar estabelecer as regras de tal jogo. [...] Estudar a língua é, 
então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da 
fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para 
falar de certa forma em determinada situação concreta de interação 
(GERALDI, 2006, p. 42).
A língua, nesse sentido último, não se presta apenas a exteriorizar um 
pensamento ou a transmitir informações entre sujeitos, mas a ser um lugar 
de interação em que se tornam importantes os contextos social, histórico e 
ideológico. Essa forma de compreender a linguagem será a base da linguística da 
enunciação, na qual a língua não mais é abordada fora da ação e da relação entre 
os interlocutores, mas como fenômeno social de interação verbal.
O filósofo existencialista Maurice Merleau-Ponty atesta tal singularidade 
ao mostrar que muitos escritores e filósofos confessam serem surpreendidos por 
um pensamento ou uma ideia expressiva que não pensaram ou a tiveram antes 
de expressá-la em linguagem, mas ao contrário, que elas aparecem na fala, na 
interação, muitas vezes ensinando ao emissor algo que ele não sabia, que não 
haviam formulado ou sequer suspeitado. Portanto, concluiria o filósofo: não 
é o pensamento que organiza a linguagem, mas a linguagem que estrutura o 
pensamento.
Será o teórico russo Mikhail Bakhtin que fundará toda uma “escola”, 
uma linha de pensamento que não concebe a língua fora da atividade social, do 
dialogismo que confronta em um mesmo campo inúmeras vozes discordantes. 
Decorrerá dessa teoria a substituição do antigo anseio escolar por alfabetização – 
que se limitava a fazer o aluno aprender a usar o código linguístico – em prol do 
letramento, que busca para o indivíduo não apenas o domínio do sistema língua, 
mas que possa a partir dele interagir e integrar-se em sociedade.
42
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você viu que:
• As distintas características das abordagens normativa e descritiva da língua 
fundamentam e, de certa maneira, condicionam modos também distintos de 
ensino de língua materna e ensino de gramática.
• A abordagem normativa elege uma das variedades da língua – praticada pelos 
escritores, homens cultos, por pessoas mais próximas ao poder socioeconômico 
etc. – e situa essa mesma variedade como divisora de águas que coloca o usuário 
da língua entre duas opções excludentes: ou ele fala e escreve corretamente, ou 
ele o faz incorretamente e, por essa razão, passa a ser tratado em sociedade de 
modo excludente.
• No contraponto da função reguladora da língua da abordagem normativa, 
a abordagem descritiva ancora-se na ciência linguística ao revelar o 
funcionamento da linguagem em sua concretude, independentemente do 
valor social que determinada variedade da língua ocupa.
• As variedades da língua praticadas em distintas regiões geográficas, a 
linguagem do escolarizado, a linguagem do analfabeto e do semiescolarizado, 
por exemplo, são manifestações linguísticas válidas, na medida em que 
comunicam e são compreendidas em seus respectivos contextos.
• Tanto a gramática normativa, quanto a gramática descritiva apoiam-se 
numa terceira forma de gramática que todo usuário de uma língua possui: 
a gramática internalizada, que corresponde, grosso modo, a um conjunto de 
regras inconscientes que todo falante realiza ao se expressar e que o faz ser 
compreendido independentemente se sua forma de expressão está dentro das 
normas estabelecidas como padrão.
• Refletir sobre a gramática internalizada torna-se importante quando se 
pretende repensar a postura metodológica adotada no processo de ensino e 
aprendizagem, que também pressupõe dos atores escolares formas distintas 
de compreensão da linguagem. 
• O modo de compreensão da linguagem está diretamente relacionado às 
abordagens pedagógicas de ensino. Assim, se compreendermos a linguagem 
como expressão do pensamento, ou como processo de comunicação, ou ainda 
como forma de interação, cada modo de compreensão e de pensar a aquisição 
da linguagem apontará uma linha metodológica distinta no exercício em sala 
de aula. 
43
1 À linguística coube desmascarar a ideia de que a gramática normativa 
demonstra como falar, escrever e expressar-se bem, pois o contexto de uso 
da língua é que vai ditar qual forma linguística seria maisadequada a cada 
situação. Nesse sentido, a linguística demonstra-nos que, quando se trata do 
uso da linguagem, a questão central não é saber o certo/errado da língua, 
mas o adequado/inadequado ao contexto de uso dos falantes. Partindo dessa 
constatação, analise as sentenças a seguir e classifique V para as sentenças 
verdadeiras e F para as falsas:
( ) Se a linguística demonstrou que a eleição de uma variedade padrão da língua 
é fruto de um processo histórico, político e sociocultural, isso implica dizer 
que essa variedade padrão não é superior às outras variedades presentes na 
mesma língua.
( ) Se a linguística demonstrou que a eleição de uma variedade padrão da língua 
está ligada aos falantes de maior prestígio sociocultural, isso implica dizer 
que essa variedade padrão é, por essa razão, superior às outras variedades 
presentes na mesma língua.
( ) Dizer “nós vamos” ou “nós vai” marca, para a linguística, modos distintos 
de expressar uma ideia que deve ser considerada, não de forma a priori, mas 
conforme o contexto de uso dos falantes.
( ) Se os falantes de uma mesma língua são estigmatizados, ora como falante 
culto por dizer “nós vamos”, ora como pessoa iletrada por dizer “nós vai”, 
subjaz nessas diferenças uma forma social de preconceito linguístico.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V - F - V - F. 
b) ( ) V - F - V - V.
c) ( ) F - F - V - F.
d) ( ) V - F - F - F.
2 Sabemos que a abordagem normativa não considera o valor comunicativo 
e expressivo das outras variedades da língua. Apenas a variedade padrão 
seria a correta, e por isso as variedades regionais e os dialetos deveriam ser 
ocorrências desvalorizadas no currículo escolar. Nesse sentido, o dialeto 
caipira, praticado na região interiorana de São Paulo e Minas Gerais, 
segundo essa abordagem _______, seria considerado uma variedade ______ 
de ______ prestígio social.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) descritiva – falante – menor 
b) ( ) prescritiva – linguística – menor
c) ( ) reflexiva – linguística – maior
d) ( ) prescritiva – usual – maior
AUTOATIVIDADE
44
3 Refletir sobre o processo de ensino de língua materna e de aquisição 
da linguagem pressupõe determinar qual concepção de linguagem 
estruturará metodologicamente o planejamento das aulas. Há três 
concepções de linguagem: ou ela é usada para transmitir um pensamento 
que se dá interiormente no sujeito, ou ela é um evento comunicativo de um 
sujeito emissor para um sujeito receptor, ou ela é uma forma de interação 
concreta entre sujeitos. A partir dessa reflexão, associe os itens, utilizando 
o código a seguir: 
I- Linguagem como expressão do pensamento
II- Linguagem como meio de comunicação
III- Linguagem como forma de interação
( ) Associada à ideia de que o pensamento não é algo que se dê no interior do 
indivíduo, mas que se constrói por meio da linguagem.
( ) Associada à ideia de que a linguagem se dá como mensagem veiculada 
entre outros cinco elementos: emissor, receptor, referente, canal e código.
( ) Associada à ideia de interioridade, de que o pensamento se faz em cada 
indivíduo de modo independente da linguagem.
( ) Associada à ideia de que as mensagens são previstas e relacionadas aos 
sujeitos implicados numa determinada situação concreta de uso da língua.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I - II - III - I. 
b) ( ) II - I - III - II. 
c) ( ) I - III - I - II. 
d) ( ) III - II - I - III.
45
TÓPICO 3
DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM 
SOCIEDADE
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, após termos delineado, nos tópicos anteriores, alguns 
princípios da linguagem humana. Pudemos observar, desde uma especulação 
filosófica, a estreita correlação entre a língua e a manutenção de desigualdades, de 
início presente nas relações entre o homem e o animal e posteriormente mantida 
entre os próprios homens.
 Buscaremos, no presente tópico, fazer um apanhado do desenvolvimento 
da linguística desde a sua estruturação enquanto ciência, que conferia relevância 
aos fatores internos à língua, até a incorporação de reflexões em torno dos 
processos sociais e da interação entre os seres humanos.
Com a ascensão da ciência moderna da linguagem voltada para 
desmistificar certas normatizações da linguagem ainda vigentes nos dias atuais, 
é possível delinear as bases de tal linguística, a linguística de Saussure, que 
operacionalizou uma visão diferenciada e, por que não dizer, revolucionária, 
acerca do que fosse uma língua e uma gramática.
Nesse sentido, cabe destacar o construto histórico das mudanças e 
transformações que ocorreram ao redor desse objeto “língua” até chegarmos às 
formulações universais e ainda hoje válidas da linguística moderna.
 Assim, esboçaremos brevemente o arcabouço teórico de Ferdinand 
de Saussure, para em seguida observar estas mesmas formulações serem 
questionadas e redirecionadas para o campo do dialogismo, com Mikail Bakhtin, 
que enfocaria a língua a partir do jogo de vozes em sociedade.
2 SAUSSURE E A LINGUÍSTICA MODERNA: 
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Longo percurso histórico se passou desde as primeiras formulações em 
torno da importância e dos fundamentos da linguagem, que transcorreu, no 
Ocidente, desde as especulações filosóficas na Grécia antiga até a fundação da 
linguística moderna nas aulas e na publicação do “Curso de Linguística Geral”, 
de Ferdinand de Saussure.
46
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
Por esse motivo é importante destacar as ideias centrais e as principais 
formulações da linguística moderna, não apenas porque de sua estruturação 
decorreram várias escolas e linhas de pensamento, mas sobretudo devido à 
atualidade das abordagens gramaticais e linguísticas daí resultantes.
Ferdinand de Saussure (1857-1913) é um filósofo e linguista suíço, considerado 
o pai da Linguística Moderna, cujas ideias promoveram um profundo corte na especulação 
filosófica e fundaram novas escolas de pensamento, como o Estruturalismo e a Semiologia. 
Saussure estudou gramática grega e latina e ingressou na Sociedade Linguística de Paris, 
tendo, ainda jovem, publicado um brilhante estudo comparativista: “Mémoire sur le système 
primitif des voyelles dans les langues indo-européennes”, que o levaria à cátedra de professor 
de disciplina, como: linguística histórica, sânscrito, gótico, alto alemão, dentre outras. Ao ser 
encarregado de lecionar Linguística Geral foi que Saussure destacou-se como conferencista, 
tendo suas conferências mudado radicalmente os modos como se concebiam as relações 
com a linguagem. As célebres conferências apresentadas no período de 1907 a 1913 seriam 
reunidas na publicação póstuma Cours de Linguistique Générale, de 1916, obra até os dias 
atuais imprescindível para quem deseja aprofundar estudos em Linguística e áreas afins.
NOTA
2.1 BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA MODERNA
As primeiras notícias que se tem acerca dos estudos linguísticos e da 
gramática reportam-se ao estudo da língua visando registrar textos sagrados, que 
eram transmitidos oralmente. Assim, preservar os textos religiosos demandava, 
em sua codificação para a escrita, que se mantivessem a entonação, os pontos 
de articulação, as labializações adequadas a determinados sons específicos etc., 
portanto todo um arcabouço fonético e fonológico que visava manter intacto o 
poder de determinadas orações.
Se de modo similar ao que se deu na Índia, pensássemos na preservação 
do poder sonoro e semântico da oração cristã Ave Maria: “Ave Maria, cheia de 
graça, o senhor é convosco...”, advinda do latim “ave Maria, gratia plena, dominus 
tecum”, significa reconhecer que o poder das orações advém, tal como nos mantras 
hindus, da repetição sonora das mesmas sílabas, rigorosamente preservadas em 
sua ordem de apresentação. Nessesentido, a força da oração se perderia se a 
recitássemos aleatoriamente “Maria, a vi, de graça cheia, é convosco o senhor”. 
Assim, para que se mantivesse o poder sagrado das orações, necessitou-
se dos primeiros estudos de gramática e, dessa forma, tem-se notícia de 
gramáticos hindus no século IV a.C., como Panini, “que se dedicaram a descrever 
minuciosamente sua língua, produzindo modelos de análise que foram 
descobertos pelo Ocidente no final do século XVIII” (PETTER, 2011, p. 12).
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
47
No Ocidente, a Grécia Antiga aprofundou essa discussão não mais com 
o intuito de preservar poderes míticos e religiosos, mas no afã de filosofar, de 
compreender como a linguagem pode falar das coisas do mundo. Formava-se, 
então, uma tradição especulativa iniciada por Platão, continuada por Aristóteles, 
sobre a relação de verdade e necessidade entre a palavra e as coisas. 
Nos diálogos de Crátilo, por exemplo, Platão defende que há palavras 
que representam fielmente os seres, e se algumas não o fazem adequadamente é 
porque aquele que nomeou não era a pessoa capaz para fazê-lo, não era, portanto, 
filósofo ou legislador. “Desde a Antiguidade especula-se sobre a relação existente 
entre o significado e o significante. No Crátilo, de Platão, discute-se a respeito 
dela. Crátilo diz que o significante é unido ao significado por physei (por natureza). 
Hermógenes afirma que essa relação é por thései (por convenção)” (FIORIN, 2011, 
p. 60).
Lembremos de uma discussão relatada no segundo item do Tópico 2 da 
presente unidade, quando é narrada a história de um pai de família que, tendo 
sido muito bem atendido em um hospital de uma cidade do interior brasileiro, 
onde sua esposa dera à luz a uma criança, resolveu homenagear esse bom 
atendimento batizando o filho com o mesmo nome do hospital.
A instituição de saúde em questão se intitulava “Hospital Regional”, o 
que levaria o filho a chamar-se Regional Carlos da Silva, caso não fosse interdito 
pelo médico cirurgião – portanto alguém de nível mais elevado, mais próximo a 
um filósofo ou legislador – que sugere substituí-lo por um nome de sonoridade 
similar e mais aceito socialmente. De fato, de Regional passou-se a Reginaldo, 
tendo a criança sido registrada, por fim, como Reginaldo Carlos da Silva.
Tal anedota seria desfeita pela linguística moderna que, ao comprovar a 
arbitrariedade do signo linguístico, provou não se estabelecer qualquer relação de 
natureza entre a coisa e o nome. Ora, a própria filosofia grega, embora inclinada 
a buscar similaridades entre objeto e palavra, também acabou apontando para o 
convencionalismo de tal relação: “Sócrates inclina-se a reconhecer que a relação 
entre o significante e o significado feita por semelhança é superior àquela feita 
arbitrariamente, mas que, em geral, essa relação é feita por convenção” (FIORIN, 
2011, p. 60).
Muitos séculos depois será retomada a reflexão grega ao se estudar a 
linguagem não como um evento particular de determinada cultura, mas visando 
encontrar valores universais, aplicáveis a qualquer língua. Assim, entre os séculos 
XVII e XVIII volta-se a pensar a gramática a partir da razão. Port-Royal será o seu 
principal expoente, ao formular em 1660 a Grammaire générale et raisonnée.
48
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
DICAS
Sugerimos a você, caro acadêmico, uma pequena revisão da anedota acerca 
da relação representativa da palavra com as coisas, nome/ hospital, no item 2 do Tópico 
2; bem como reler e confrontar a lógica e a clareza da gramática de Port-Royal com a 
ascensão do francês clássico prescritivo, recomendado pelo nobre Claude Vaugelas, no 
item 3 do Tópico 1.
Entretanto, o grande salto no desenvolvimento da ciência linguística deu-
se, em detrimento da forma teórica e abstrata de encarar a linguagem, com o estudo 
comparativo entre as línguas. Assim, no século XIX se adotará sobremaneira o 
método histórico-comparativo, buscando semelhanças e uma possível origem 
comum entre as línguas, que estabeleceria a base metodológica para se chegar às 
postulações da linguística moderna.
Pouco a pouco, através do método histórico-comparativo, chegar-se-ia a 
identificar diversos graus de parentesco entre as línguas que apontariam o indo-
europeu como origem de uma família comum:
Os estudiosos compreenderam melhor do que seus predecessores 
que as mudanças observadas nos textos escritos correspondentes aos 
diversos períodos que levaram, por exemplo, o latim a transformar-se, 
depois de alguns séculos, em português, italiano, espanhol, francês, 
poderiam ser explicadas por mudanças que teriam acontecido na 
língua falada correspondente (PETTER, 2011, p. 22).
É o caso das línguas francesa e portuguesa, cujas semelhanças lexicais e 
gramaticais fizeram concluir que ambas advieram do latim: “uma leitura atenta 
do texto francês mostra que essa língua apresenta várias semelhanças com o 
português: vous e vós, vos e vossos, an e ano, raison e razão, fort e forte, loup e 
lobo” (PIETROFORTE, 2011, p. 77).
Será com Saussure que a linguística abdica de pontos de vista exteriores à 
linguagem, como a filosofia, a lógica, a retórica, a história etc., passando a definir 
um método próprio que estabeleceria hipóteses a serem verificadas, descritas e 
comprovadas segundo uma metodologia própria: 
A tarefa da linguística será: a) fazer a descrição e a história de todas 
as línguas que puder abranger, o que quer dizer: fazer a história das 
famílias de línguas e reconstituir, na medida do possível, as línguas-
mães de cada família; b) procurar as forças que estão em jogo, de modo 
permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às 
quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da história; c) 
delimitar-se e definir-se a si própria (SAUSSURE, 2006, p. 13).
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
49
Houve, nesse sentido, um tal desenvolvimento da linguística a ponto de 
ela mesma servir de base para rupturas e redimensionamentos em outras áreas do 
conhecimento. Ademais, Saussure proporia a criação de uma ciência, superior à 
linguística e às demais abordagens científicas, que estabelecesse uma teoria geral 
dos sinais – a Semiologia, ou Semiótica – e desse conta não apenas da linguagem 
verbal humana, mas de toda forma expressiva presente na comunicação.
2.2 A LINGUÍSTICA MODERNA
O Curso de Linguística Geral, apesar de seu valor incontestável não só 
para a linguística, mas para a filosofia da linguagem, a antropologia de Claude 
Levi Strauss etc., foi editado por alunos de Saussure três anos após a sua morte, 
em 1916, a partir das anotações que fizeram durante as três palestras do mestre 
genebrino, realizadas respectivamente em 1907, 1908 e 1910.
Na publicação, provavelmente para efeito didático, os conceitos aparecem 
enquanto pares dicotômicos, ou seja, definem-se em pares um em relação ao 
outro e só se explicam e compreendem-se mutuamente. Aparecem em número 
de quatro: língua e fala, significante e significado, sincronia e diacronia, sintagma 
e paradigma.
Embora não haja menção ao termo dicotomias no texto do Curso, é 
assim que se costuma chamar os quatro pares de conceitos, que fazem 
uma síntese das propostas de Saussure para a criação de um novo 
objeto teórico para a Linguística. [...] Uma dicotomia em Saussure 
diz respeito a um par de conceitos que devem ser definidos um em 
relação ao outro, de modo que um só faz sentido em relação ao outro 
(PIETROFORTE, 2011, p. 77).
2.2.1 Língua e fala
Saussure concebe a linguagem humana comparável a uma moeda de duas 
faces interdependentes, na qual a língua (Langue) representa, de um lado, um 
fato social, e a fala (Parole) representa, do outro lado, um fato individual. 
A língua, nesse sentido, apresenta alguns aspectos identificáveis. Em 
primeiro lugar, ela éum acervo linguístico na medida em que é um bem comum 
pertencente a todos os indivíduos de uma comunidade, dando a ver uma 
gramática e um léxico que existem virtualmente na memória de cada falante. 
Assim, para Saussure (2006, p. 22):
50
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o 
indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a 
reflexão nela intervém somente para a atividade de classificação. [...] 
A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência, 
no qual convém distinguir: 1. As combinações pelas quais o falante 
realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento 
pessoal; 2. O mecanismo psico-físico que lhe permite exteriorizar essas 
combinações.
Por outro lado, a língua funciona como uma instituição social que contém 
um léxico e uma gramática, isto é, funciona como um produto da sociedade e 
pertence a uma coletividade que estabelece um conjunto de convenções e regras 
para o exercício comum da linguagem. “É esta possibilidade de fixar as coisas 
relativas à língua que faz com que um dicionário e uma gramática possam 
representá-la fielmente, sendo ela o depósito das imagens acústicas, e a escrita a 
forma tangível dessas imagens” (SAUSSURE, 2006, p. 23).
Por último, a língua é uma realidade sistemática e funcional, pois o 
conjunto de signos não funciona de forma aleatória, senão através de normas 
de combinação que visam uma determinada finalidade. Assim, a língua opõe-
se à fala por ser de natureza coletiva, social e sistemática, enquanto a fala é de 
natureza individual e assistemática. “Enquanto a linguagem é heterogênea, a 
língua assim delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de 
signos onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e 
onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas” (SAUSSURE, 2006, p. 23).
A língua, nesse sentido sistemático e homogêneo, é partilhada pelos 
membros de uma comunidade, não podendo, portanto, ser criada ou modificada 
conscientemente pela vontade dos indivíduos, posto que ela é um evento exterior 
a cada um deles:
A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais 
depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos 
exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. 
Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum 
a todos e independa da vontade dos depositários (SAUSSURE, 2006, 
p. 27).
2.2.2 Significante e significado
Intimamente unidos um ao outro, o significante e o significado constituem 
as duas faces do signo linguístico. São interdependentes e inseparáveis, pois na 
ausência de um não há o outro e vice-versa. Por exemplo, quando um falante de 
língua portuguesa escuta a imagem acústica “casa”, representado foneticamente 
por / kaza /, esse mesmo significante remete o ouvinte à ideia, ao significado de 
lar, abrigo, lugar para descanso ou encontro familiar.
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
51
A língua, desde o ponto de vista do signo, passa a ser conceituada como um 
código coletivo, formado como um sistema binário de signos que são formados 
pela união da imagem acústica – o significante – com o sentido – o significado. No 
dizer de Fiorin (2011, p. 58):
O signo é a união de um conceito com uma imagem acústica, que não é 
o som material, físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível 
quando pensamos numa palavra, mas não a falamos. O signo é uma 
entidade de duas faces, uma reclama a outra, à maneira do verso e do 
anverso de uma folha de papel. Percebem-se as duas faces, mas elas 
são inseparáveis.
Está claro, para Saussure o signo não é um conjunto de sons cujo significado 
são as coisas do mundo em si mesmas. Por exemplo a palavra “pedra” não é 
a pedra real, concreta, solta na natureza, mas a representação sonora e gráfica 
que alude à pedra real. “No período medieval, dizia-se que o signo era aliquid 
pro aliquo (alguma coisa em lugar de outra). Essa definição mostra que o signo 
não é a realidade. Saussure vai precisar bem esse fato, quando diz que o signo 
linguístico não une um nome a uma coisa, mas um conceito a uma imagem 
acústica” (FIORIN, 2011, p. 58).
Ainda duas distinções, que geralmente se embaralham no senso comum, 
são necessárias quando refletimos sobre o signo linguístico, união indissociável 
de um significante e um significado: a arbitrariedade do signo linguístico e a 
compreensão de que o signo, embora possa com ela coincidir, não se confunde 
com a palavra.
Primeiro, não há uma relação causal e necessária entre um significante e 
um significado, ou seja, o signo linguístico representa uma realidade, mas não 
a traduz fielmente, isto é, o significante é, nesse sentido, arbitrário e imotivado, 
ou de motivação parcial em relação ao significado: “a imagem acústica / gatu / 
não evoca um gato em particular, mas a ideia geral de gato, que tem um valor 
classificatório” (FIORIN, 2011, p. 58).
Imotivado, nesse sentido, significa dizer que não há relação necessária entre 
som e sentido, que nada do significante lembra necessariamente o significado, 
de onde se pode deduzir que arbitrário é sinônimo de convenção, de fenômeno 
cultural, jamais de universalidade.
Exemplo da arbitrariedade é a existência de diversos significantes para 
representar a mesma ideia ou coisa existente, como em vaca e cow, respectivamente 
para a língua portuguesa e a língua inglesa, ou ainda em mar / mar / e mer / mér 
/, para o português e o francês, ou ainda nos diversos significantes, alguns de 
mesma raiz, para livro: book, livre, liber, biblion, buch etc.
Quanto ao segundo aspecto, cabe lembrar que, embora às vezes o signo se 
assemelhe a uma palavra, ele mais se vincula ao morfema morfológico: 
52
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
Assim, na palavra amássemos, temos quatro morfemas: am-, o radical, 
que contém o significado relativo ao ato de amar; o a-, vogal temática, 
que indica que o verbo pertence à primeira conjugação; o sse-, que 
exprime o tempo e o modo da forma verbal; o –mos, que expressa a 
pessoa e o número da forma verbal (FIORIN, 2011, p. 60).
Logo, o signo não é necessariamente uma palavra, mas os morfemas que 
formam palavras podem ser pensados como signos, e embora pensemos a palavra 
enquanto signo, o signo linguístico não se resume à palavra.
2.2.3 Sincronia e diacronia
Até Saussure, a linguística predominante no século XIX adotava uma 
abordagem histórico-comparativa que consistia em comparar os mesmos fatos 
linguísticos em distintas línguas, de modo a que se pudesse classificá-las por grau 
de parentesco e, consequentemente, agrupá-las em conjuntos que possuíssem 
uma mesma origem, isto é, um tronco comum:
Pai (português), Padre (espanhol), Père (francês), Padre (italiano). Um 
exame mais minucioso de outras propriedades lexicais e gramaticais 
dessas línguas leva à conclusão de que há muitas semelhanças entre 
elas e de que essas semelhanças são sistemáticas. Por isso, há um “grau 
de parentesco” entre elas. Comparando as semelhanças e as diferenças 
entre essas línguas, pode-se chegar a uma língua anterior, com base na 
qual essas diferentes línguas se originam (FIORIN, 2011, p. 78).
Esse método tradicional analisava não apenas as diferenças e semelhanças 
entre as línguas, mas também as modificações que as línguas sofriam no tempo. 
No caso em questão, em continuando o método histórico-comparativo, chegar-
se-ia à conclusão de que o português, o espanhol, o francês e o italiano teriam 
uma origem comum: o latim. O latim, por sua vez, seguindo a mesma abordagem 
metodológica, apresenta significativas semelhanças com o grego e com o sânscrito, 
de onde se poderia supor que todas elas têm uma origem comum.
Essa língua originária seria batizada, no caso, como o Indo-Europeu,língua da qual todas as citadas anteriormente seriam derivadas. Decorre daí que 
o estudo das transformações que as línguas sofrem no tempo caracterizariam 
uma abordagem linguística específica, a que se denominou Diacrônica (dia, termo 
grego que significa através de; chrónos, que significa tempo), a partir da qual a 
pesquisa tornava-se
um trabalho de reconstrução de uma língua a partir dos vestígios que 
ela deixa nas línguas que dela se originaram, ou seja, reconstrói-se a 
‘mãe’ a partir de suas ‘filhas’ e das ‘filhas’ de suas ‘filhas’. Foi assim 
com o indo-europeu, uma língua que, sem deixar registros históricos, 
foi reconstruída pelo método histórico-comparativo (FIORIN, 2011, p. 
79). 
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
53
Assim, pode-se dizer que a diacronia capta a língua na sucessão, num 
eixo de sucessividades no qual o linguista se propõe a estudar determinado fato 
linguístico em relação a outros fatos, a ele anteriores e posteriores, de modo a 
captar o processo evolutivo das línguas e analisar as modificações que as palavras 
sofrem no tempo (observar, por exemplo, o caso dos arcaísmos, que são palavras 
ainda válidas em um certo tempo, mas cujo uso decaiu, restando como marca 
linguística de gerações anteriores, e que registra-se como uma variação linguística 
diacrônica).
Arcaísmo (do grego Archaismós) refere-se ao uso lexical de palavras que 
caíram em desuso e que geralmente aparecem como fator indicativo da geração do falante, 
captando variações linguísticas que se dão no tempo. Ex.: Quiçá, expressão dicionarizada, 
mas em larga medida substituída pela expressão Talvez.
NOTA
Assim, a partir de Saussure, mudou-se o foco da linguística ao se abrir um 
novo ponto de vista sobre os fatos da língua. Agora, não apenas se abordariam as 
mudanças que sofrem as línguas através do tempo – linguística diacrônica –, mas 
passa-se a observar um fato da língua isolado de sua transformação temporal, 
captado em sua relação com outros elementos a ele atuais, uns com os outros, isto 
é, como um sistema sincrônico.
Esse eixo é o da simultaneidade, no qual se deve estudar as relações 
ou os fatos linguísticos existentes ao mesmo tempo através da descrição do 
funcionamento da língua em determinado momento. Desse modo, opor-se-á ao 
eixo da diacronia, tal como em sua etimologia (sincronia: syn, termo grego que 
significa juntamente; chrónos, que significa tempo):
Saussure lança mão de uma metáfora para fazer a relação entre 
sincronia e diacronia. A língua comporta-se como o tronco de uma 
árvore em crescimento, de modo que um corte transversal em seu 
lenho revela uma relação sincrônica entre os elementos que o compõem 
e um corte longitudinal revela um desenvolvimento diacrônico desses 
estados sincrônicos (FIORIN, 2011, p. 80).
A diacronia não pode ser pensada dentro do método histórico-comparativo, 
na medida em que o eixo da sucessão passa a definir a transformação de distintos 
sistemas sincrônicos através do tempo. Portanto, não se acresce sincronia a uma 
diacronia preexistente, senão que sincronia e diacronia funcionam interligadas: 
“imaginemos, por exemplo, que em cada século haja um estado de língua. Faz-se 
um estudo sincrônico do português do século XIII, do português do século XIV 
etc. A diacronia é, então, a sucessão dessas sincronias” (FIORIN, 2011, p. 81).
54
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
A partir da sincronia pode-se estudar a língua em uma perspectiva 
“estática”, que é a perspectiva do usuário atual da língua, que com ela se 
comunica através de um conjunto de regras atuais e válidas, sem necessidade de 
saber as transformações das palavras e das regras através do tempo. Opõem-se, 
dessa forma, o eixo diacrônico e histórico das sucessividades ao eixo sincrônico e 
estrutural das simultaneidades. 
2.2.4 Sintagma e paradigma
Uma vez redefinidos os estudos linguísticos em pares dicotômicos, 
Saussure também passa a observar a língua segundo dois eixos: o eixo sintagmático 
(sintagma advém do grego, syntagma, que significa “coisa posta em ordem”) 
e o eixo paradigmático (paradigma advém do grego, paradéigma, que significa 
modelo, exemplo).
Observando as orações “foi teu irmão”, “foi teu pai” e “foi teu avô”, 
é possível verificar que as relações entre os elementos linguísticos 
dependem, basicamente, de uma seleção deles, que no caso do 
exemplo são irmão – pai – avô, e de uma combinação entre eles, que no 
caso é a sequência foi teu _____. Desse modo, pode-se afirmar que a 
linguagem tem dois eixos, um eixo de seleção e um eixo de combinação 
(PIETROFORTE, 2011, p. 88).
Na ordem do discurso, as relações sintagmáticas se baseiam no caráter 
linear dos significantes, ou seja, na impossibilidade de ser pronunciado mais de 
um signo simultaneamente. Assim, um signo só é enunciado após o outro signo, 
os quais se combinam formando relações sintagmáticas.
O eixo paradigmático aparece como um “banco de reservas” de uma língua 
em que suas unidades se excluem e se opõem, quer dizer, se uma unidade está 
presente é porque outras ali possíveis necessariamente estão ausentes, formando 
o que Saussure chamava de série mnemônica virtual.
Por exemplo, se dissermos: Está frio hoje, cada termo da frase se presentifica 
sob a ausência de outros tantos similares, quer dizer, o advérbio hoje concorre 
com agora, com a locução nesse momento etc., portanto se utilizo agora: Está frio 
agora; hoje e nesse momento estão ausentes, mas possíveis na frase. De outro modo, 
se digo Está frio nesse momento, tornam-se ausentes, mas possíveis, hoje e agora. 
O eixo paradigmático caracteriza-se por ser associativo, por restar na 
memória do falante como possibilidade alternativa a cada frase que se materializa 
ou não conforme o contexto do falante, e pode ser associado de três modos: 
pelo significado (antônimos e sinônimos), pelo significante (imagens acústicas 
semelhantes), e por processos morfológicos comuns entre os signos. Vejamos 
como Saussure exemplifica esses modos a partir do signo ensinamento: “Por meio 
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
55
do significado, associa-se ensinamento à aprendizagem, educação etc. Por meio de 
seu significante, associa-se ensinamento a elemento, lento etc., por ter o mesmo 
radical, e associa-se a desfiguramento, armamento etc., por ter o mesmo sufixo” 
(PIETROFORTE, 2011, p. 92).
3 DA TEORIA À PRÁXIS LINGUÍSTICA: SAUSSURE, VYGOTSKY, 
BAKHTIN
 Os estudos linguísticos, cujos avanços incontestáveis tornaram-se 
possíveis a partir dos postulados do “Curso de Linguística Geral”, quando 
começaram a ser confrontados com a necessidade de práticas voltadas para a 
formação de uma cidadania consciente e crítica, a maioria das vezes mostravam-
se metodologicamente similares aos modelos de ensino tradicionais nos quais se 
prioriza o estudo das unidades linguísticas e de suas respectivas nomenclaturas 
em detrimento de práticas linguísticas voltadas para a ação em sociedade.
 
Dentro de tal concepção, já é insuficiente fazer uma tipologia entre 
frases afirmativas, interrogativas, imperativas e optativas a que estamos 
habituados, seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares. No 
ensino da língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar 
as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que 
falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os 
tipos de sentenças (GERALDI, 2006, p. 42).
 É nesse sentido que se pode afirmar que Saussure teria priorizado o 
estudo da língua em detrimento da fala, haja vista que a homogeneidade da 
língua, abstraída dos dados complexos e heterogêneos da realidade, possibilitava 
um maior aprofundamento em seu construto teórico, cujo resultado foi a 
sistematização binária dos usos da língua independentes da situação real de uso.
 De fato, “Saussure dizia que o verdadeiroobjeto da Linguística era a língua 
e, para ele, a língua era a linguagem menos a fala, ou seja, menos o uso concreto da 
linguagem” (FIORIN, 2011, p. 166), abordagem essa que, ao tomar abstratamente 
dicotomias binárias – língua/fala, significante/significado, sincronia/diacronia, 
sintagma/paradigma – daria origem à corrente de pensamento do Estruturalismo, 
que observa o funcionamento da língua que subjaz ao uso concreto dos sujeitos 
falantes. 
 Assim, malgrado os avanços contundentes da linguística moderna, 
alguns autores passaram a adotar uma linha teórica que observasse a língua em 
sua concretude, enquanto ação de sujeitos que interagem socialmente. É o caso 
de Lev Vygotsky e, mais radicalmente, Mikhail Bakhtin, críticos da abordagem 
saussuriana de língua como entidade homogênea, sistemática e objetiva, e também 
do signo linguístico como valor imutável e imanente, que acabavam despindo a 
língua de seu caráter social e ideológico.
56
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
Mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um 
emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação 
humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não 
conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre 
o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistem 
à fala (GERALDI, 2006, p. 41).
 Caberia então perguntar: a língua, com suas consequentes regras de 
funcionamento, originar-se-ia de uma estrutura pré-dada aos sujeitos falantes, 
ou ela se constituiria em meio ao jogo social, na ação concreta desses mesmos 
sujeitos? Para responder tal questão por um novo viés, convocou-se outras áreas 
do saber exteriores à linguística, como a sociologia, a psicologia, a história, as 
filosofias pragmáticas, em geral de cunho marxista, áreas que viessem a contribuir 
para uma nova etapa de desenvolvimento dos estudos da linguagem.
 Dessa forma, tornava-se essencial abandonar o estudo prioritário dos 
aspectos internos da língua – de linhagem estruturalista, com sua fonologia, 
morfologia e sintaxe – em favor de outros aspectos válidos, a ela exteriores, que 
poderiam redefini-la segundo uma maior aproximação com a ação dos sujeitos. 
 Nesse sentido, os teóricos de linhagem interacionista – vale lembrar que 
Bakhtin era filósofo, não linguista, e Vygotsky especializara-se no campo da 
psicologia cultural – creem que a linguagem surgiu de acordos concretos entre 
os homens que, desde eras remotas, necessitavam negociar por meio de suas 
produções sonoras:
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar 
um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, 
escolher etc.) é análoga à invenção e o uso de instrumentos, só que 
agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da 
atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento 
de trabalho (VYGOTSKY, 2007, p. 52).
 Assim Vygotsky compreende a linguagem para além de sua dimensão 
linguística, como forma de conhecimento de um sujeito – dimensão psicológica – 
que dela se vale em uma dimensão social como instrumento de ação entre sujeitos. 
Dessa forma, a aquisição de conhecimentos é vista como um fenômeno interativo 
com o meio circundante, e tanto a linguagem quanto o pensamento têm, para o 
autor, uma origem, não apenas individual e biológica, mas social e cultural.
 
 A língua passa a ser pensada, para ele, como resultado de um processo 
histórico de socialização, onde o desenvolvimento de cada indivíduo reportava-
se ao desenvolvimento da espécie humana. Observa, no desenvolvimento da 
criança, uma etapa de experiência social que é anterior à aquisição da linguagem 
– período de fala pré-intelectual – verificável nas formas práticas como as crianças 
agem e sabem agir no meio, ainda sem a mediação da linguagem.
 Com o processo de amadurecimento infantil, a fala da criança se 
intelectualiza e o pensamento, agora mediado pela linguagem, torna-se verbal. 
TÓPICO 3 | DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
57
A linguagem, nesse sentido, abre um pensamento que não preexiste a ela. Nesse 
sentido Vygotsky retoma a tese de Saussure da não existência de pensamento 
sem linguagem, senão que o pensamento se realiza por meio dela.
 Ademais, o psicólogo russo enfatiza um aspecto pouco destacado em 
Saussure, com ele convergindo, quando este afirmava que a língua, concebida 
enquanto um conjunto de potencialidades, seria um fenômeno social, e que 
a fala – enquanto realização particular, por determinado indivíduo, dessas 
potencialidades – seria ao mesmo tempo um fenômeno individual e social, 
portanto submetido às normas e coerções sociais (VEÇOSSI, 2014).
 Destarte o pensamento e a comunicação, que apareciam como caráter 
estrutural em Saussure, passam a serem lidos sob um prisma social verificável 
no desenvolvimento cognitivo da criança. Em um viés mais radical, Bakhtin 
(1997) sustenta que é o social que orienta e direciona as formas de expressão e 
pensamento dos sujeitos, dessa forma invertendo postulados linguísticos, posto 
que é da interação verbal entre sujeitos que devem decorrer seus resultados.
 Para Bakhtin (1997), a linguagem não é uma entidade abstrata, tal como 
pode ser observada em Saussure, ainda que este a reconheça em parte como um 
fato social, mas é de natureza predominantemente sociológica. Critica portanto 
o objetivismo abstrato de Saussure na medida em que não admite o estudo e 
a compreensão da língua como código, pois, para ele, sempre falamos ou 
escrevemos para alguém em uma determinada circunstância social.
 Para o filósofo russo, a enunciação não pode ser compreendida como 
evento monológico, mas como um jogo de interação entre o enunciador e o 
ouvinte (BAKHTIN, 1997). Os conteúdos das mensagens, por conseguinte, não 
estão completamente livres a uma subjetividade qualquer, senão que esses 
mesmos conteúdos já estão em grande medida determinados ideologicamente. 
 Quer dizer, se toda palavra é ideológica, esse conteúdo ideológico inerente 
à palavra não pode ser deduzido do psiquismo individual.
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema 
abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica e 
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo 
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação 
os das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade 
fundamental da língua (BAKHTIN, 1997, p. 123).
 
 Se tanto para Saussure quanto Bakhtin a língua é social, uma grande 
diferença se abre em seguida. Para o primeiro, essa natureza social mais tem a ver 
como uma língua depositada na mente individual dos falantes – a Langue – que 
lhe possibilita um caráter sincrônico (estática em determinado momento), que é 
de natureza em certo sentido imutável e homogênea. Nesse objetivismo abstrato, 
tal como caracterizou Bakhtin, faltou estudar e captar a língua em processo, 
enquanto ela se concretiza na ação, portanto no dialogismo que está presente na 
interação social.
58
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
 Nesse sentido, para Bakhtin (1997), a língua evoluiria ininterruptamente 
não a partir do psiquismo individual de cada falante, mas concretamente na 
forma de interação verbal e social dos falantes, consequentemente através de 
uma práxis ideológica que é captada pela história e que está inscrita em cada 
palavra. Para ele, toda linguagem é dialógica, ou seja, os enunciados estão sempre 
situados numa relação nem sempre igual entre interlocutores.
 Ideológico, se agora nos reportarmos ao ensino de língua portuguesa, 
reverbera quase sempre num modo de língua imposto de cima para baixo, numa 
forma de ensino prescritivo de regras e normas gramaticais que, pensando-
se como o “modo correto da língua”, evitam o diálogo com as várias formas 
linguísticas de expressão socialcuja relevância está implícita nas postulações de 
Bakhtin.
O ensino de gramática em nossas escolas tem sido primordialmente 
prescritivo, apegando-se a regras de gramática normativa que, como 
vimos, são estabelecidas de acordo com a tradição literária clássica, 
da qual é tirada a maioria dos exemplos. Tais regras e exemplos são 
repetidos anos a fio como formas “corretas” e “boas” a serem imitadas 
na expressão do pensamento (TRAVAGLIA, 2006, p. 102).
Mais adiante, ao redor dessa e de outras situações concretas de uso da 
língua materna, continuaremos nosso debate. Esperamos que ele ajude a modificar 
suas impressões iniciais em direção a uma forma mais elevada de conhecimento, 
que possibilite reconhecer e superar os preconceitos linguísticos em prol de uma 
compreensão mais bem fundamentada da linguagem, sem descartar a natureza 
política inerente aos discursos em torno do ensino e da aprendizagem de língua 
materna, que transcorrerão ao longo do livro didático.
59
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que:
• Ao traçarmos um histórico abreviado da linguística moderna no Ocidente – 
como a reflexão filosófica em torno da natureza da palavra na Grécia Antiga 
e o desenvolvimento do método histórico-comparativo que predominou 
no século XIX – chegamos ao Curso de Linguística Geral, de Saussure, que 
abalaria o pensamento ocidental ao colocar a linguagem no eixo de qualquer 
forma relevante de reflexão.
• Os postulados linguísticos de Saussure assumiram a forma de dicotomias, 
nos quais os conceitos aparecem vinculados um ao outro, e apenas desse 
modo se explicitam. Os principais pares binários são língua/fala, significante/
significado, sincronia/diacronia e sintagma/paradigma, verificáveis em 
quaisquer relações sociais que se deem por meio da linguagem.
• Os conceitos da linguística moderna são estruturais, pois estão presentes em 
qualquer manifestação humana que se dê por meio da linguagem. Nesse 
sentido, a língua em Saussure padece de certo abstracionismo, já que, se por 
um lado possibilitou um estudo objetivo das características da linguagem, 
por outro lado relegou para um segundo plano o fato de que tais conceitos 
sistemáticos se fazem a partir das relações sociais dos falantes.
• Seria preciso, em certa medida, corrigir o pensamento de Saussure, a ele 
aditando dados interacionais e ideológicos que tanto a reflexão da psicologia 
cultural e do desenvolvimento da linguagem na criança, levados a cabo por 
Vygotsky, e também a compreensão da linguagem como campo ideológico e 
fruto da ação de sujeitos concretos, em Bakhtin, dariam a ver um novo patamar 
de estudos linguísticos, no qual a linguagem passasse a ser vista a partir dos 
usos concretos de sujeitos em interação.
• As novas postulações linguísticas de base interacional são fundamentais 
para se pensar as relações entre língua e sujeito em sala de aula, e de modo 
específico, de trazer o ensino de língua materna para mais perto do aluno.
60
1 Uma das postulações centrais da linguística moderna é o par dicotômico 
Língua versus _______. A primeira é de natureza sistemática e homogênea, 
e representa um fato _______, enquanto a segunda refere-se ao uso pessoal 
da língua realizado por cada _______ de determinada comunidade 
linguística.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) Fala – social – indivíduo
b) ( ) Norma – coletiva – pensador
c) ( ) Boca – partilhada – usuário
d) ( ) Fala – individual – linguista
2 Após ter estudado as contribuições de Saussure para o desenvolvimento da 
linguística moderna, você deve ter observado que tais postulações tinham 
um teor mais teórico e abstrato em relação aos fatos da linguagem. Nesse 
sentido, embora Saussure considerasse a língua como um evento social, 
não se debruçou sobre as relações entre os sujeitos que garantiam essa 
mesma perspectiva social. Você concordaria que Bakhtin, na contramão de 
Saussure, capta os aspectos dialógicos da linguagem, isto é, a língua como 
modo de ação entre sujeitos, que dará corpo à linguística da enunciação, 
vertente de estudo essencial para se pensar o ensino de língua materna? 
AUTOATIVIDADE
61
UNIDADE 2
LINGUÍSTICA EM AÇÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir desta unidade, você será capaz de:
• entender a Linguística Aplicada como ciência autônoma em relação à 
Linguística, que conjuga saberes diversos, como os aportes da linguística 
variacionista e do preconceito linguístico, importantes para se pensar a 
língua materna em sala de aula;
• compreender a importância, no ensino de língua materna, de conceitos 
como dialogismo, gêneros de discurso e as concepções de sujeito e lingua-
gem marcados pela história e pelas ideologias, postulados por Bakhtin;
• reconhecer a necessidade de propostas didáticas em torno dos gêneros 
discursivos, incorporados aos Parâmetros Curriculares Nacionais, que re-
cuperam a dimensão histórica e política-ideológica das teorias linguísticas 
de Bakhtin para a sala de aula.
Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três tó-
picos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões 
e dicas que visam potencializar os temas abordados, e ao final de cada um 
deles estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas 
estudados.
TÓPICO 1 – LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
TÓPICO 2 – BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
TÓPICO 3 – GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
62
63
TÓPICO 1
LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Já esqueci a língua em que comia
em que pedia para ir lá fora
em que levava e dava pontapé
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima. (Drummond)
Prezado acadêmico, na primeira unidade, após termos aberto algumas 
constelações definidoras ao redor de alguns objetos centrais da linguística – a 
partir de prismas filosófico, histórico e sociopolítico – de modo a habilitá-lo a 
repensar a linguagem, a gramática e o embate entre língua e sociedade de modo 
diferenciado, ou seja, academicamente, fora do senso comum, chegou a hora de 
nos debruçarmos sobre a especificidade dos estudos linguísticos voltando-os 
para o processo de ensino-aprendizagem de língua materna.
Subjaz a essa escolha a opção sociopolítica por um tipo de escola engajada 
na formação do cidadão crítico, portanto, de uma escola voltada para fazê-lo 
sustentar, no exercício de sua singularidade, formas de linguagem a um só tempo 
sociais e particulares, que variem conforme melhor se adéquem aos momentos 
vivenciais dos sujeitos interlocutores implicados em determinado contexto, 
possibilitando-lhes expressão linguística satisfatória tanto em momentos de 
realização, quanto em momentos de crise.
Nesse sentido, a abordagem linguística de Eugene Coseriu (1980), 
realizada a partir da dicotomia saussuriana língua/fala, aprofundou a relação 
entre indivíduo e língua ao postular que o falante realiza, não uma fala individual 
inferida diretamente de um sistema maior – língua, mas tão somente algumas 
variedades possíveis dessa mesma língua, selecionadas num contexto específico 
segundo a forma praticada por determinado grupo social, o que levou o autor a 
constatar que a língua não é um sistema fechado, mas que varia conforme quatro 
tipos de variação linguística: diatópicas, diafásicas, diacrônicas e diastráticas. 
Reconhecer que as línguas variam nos faz postular, mais do que uma 
verificação de caráter científico, a necessidade de uma forma de ensino que 
possibilite o acesso à pluralidade de discursos, que passe a prover condições 
para que a língua possa ser experienciada conforme as situações concretas de 
uso, contradizendo o enfoque tradicional que atrela o ensino de língua materna 
quase exclusivamente à prática de exercícios referentes a uma única variedade 
linguística eleita como norma-padrão.UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
64
É nesse contexto que, aliando-se ao conjunto de disciplinas que se 
opõem às formas idealizadas e coercitivas de tratar os estudos da linguagem, a 
linguística aplicada também compreende a língua como prática social inserida em 
determinado contexto histórico e sociocultural. Nesse sentido, é uma disciplina 
que não se limita à aplicação de conhecimentos linguísticos em sala de aula, mas 
que faz desses mesmos conhecimentos um ponto de encontro entre distintas 
áreas e abordagens voltadas para as interações sociais na escola mediadas pela 
linguagem.
Assim a linguística aplicada – cujo enfoque aqui se volta especificamente 
para o ensino e a aprendizagem de língua materna – constitui-se como uma 
disciplina autônoma à ciência linguística, na medida em que o processo de ensino-
aprendizagem requer, para sua compreensão, a participação de outros setores de 
investigação e formas de pesquisa de natureza interdisciplinar, dentre as quais 
destacamos a teoria da educação, a psicologia, a sociologia, a história social e a 
linguística variacionista, dentre outras.
2 A LINGUÍSTICA VARIACIONISTA
Com a linguística moderna foi possível observar, a partir das postulações 
inovadoras de Saussure, que uma das especificidades da linguagem humana é 
o fato de ela realizar-se de modo binário, segundo a dicotomia Langue/Parole. 
Nessa perspectiva, a língua forneceria as normas lógicas de funcionamento 
do idioma, que tornariam possível a sua compreensão, enquanto a fala estaria 
atrelada aos atos individuais de uso desse mesmo sistema de regras.
Nessa linha de pensamento, de modo contrário à fala – que, para Saussure, 
parecia de difícil estudo devido à sua natureza heteróclita, que implicava também 
em admitir variações expressivas, acidentais ou aleatórias, realizadas pelos 
falantes quando do uso concreto da linguagem –, a língua, vista desde ali como 
um conjunto de regras tácitas, comuns entre os falantes de uma determinada 
comunidade, estaria, a seu ver, mais apta às sistematizações da linguística.
Na dicotomia língua e fala, Saussure separa os fatos de língua dos 
fatos de fala: os fatos de língua dizem respeito à estrutura do sistema 
linguístico e os fatos de fala dizem respeito ao uso desse sistema [...] 
[tal dicotomia] é pertinente à medida que os fatos de língua podem ser 
estudados separadamente dos fatos de fala (PIETROFORTE, 2011, p. 
84).
Motivos como este levaram Saussure a eleger a língua como um dos 
objetos centrais da linguística moderna, pois nela seria possível observar uma 
natureza estável e homogênea, que ademais definiria o seu caráter social, visto 
que a língua, enquanto sistema linguístico socializado, apresenta-se como um 
conjunto de convenções – regras de combinação de fonemas, morfemas, frases, 
etc. – partilhadas pelos membros de uma mesma comunidade linguística.
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
65
A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Linguística para 
Saussure. Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas 
partes: uma que investiga a língua, e outra que analisa a fala. As duas 
partes são inseparáveis, visto que são interdependentes: a língua é 
condição para produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da 
fala. Há necessidade, portanto, de duas linguísticas: a linguística da 
língua e a linguística da fala. Saussure focalizou em seu trabalho a 
linguística da língua [...], sistema supraindividual que a sociedade 
impõe ao falante (PETTER, 2011, p. 14).
Na contramão da abordagem saussuriana, algumas correntes teóricas 
buscaram responder não diretamente às postulações do linguista genebrino, 
mas a ela se opuseram na medida em que passaram a considerar a língua de 
mesma natureza que a fala, isto é, de natureza heterogênea; e ao se considerar a 
paridade entre língua e fala abrir-se-iam consequentemente linhas alternativas de 
investigação as quais são antiestruturalistas de princípio, já que
os seguidores dos princípios saussurianos esforçaram-se por 
explicar a língua por ela própria, examinando as relações que unem 
os elementos no discurso e buscando determinar o valor funcional 
desses diferentes tipos de relações. [...] A teoria de análise linguística 
que desenvolveram, herdeira das ideias de Saussure, foi denominada 
estruturalismo (PETTER, 2011, p. 14).
Não é o caso da linguística variacionista. Esta, ao contrário, admite a 
hipótese original de Saussure e busca a partir dela descrever de que forma as 
línguas variam e como se dão tais variações. Nesse sentido, a Langue enquanto 
conjunto de regras de uma comunidade linguística sofreria uma torção individual 
aceitável, a Parole, no instante em que cada falante se põe a utilizar a língua que, 
ainda assim, permaneceria compreensível para essa mesma comunidade.
“Dando importância ao fato de que um mesmo indivíduo opera com 
regras variáveis, parece natural optar por uma perspectiva a partir da qual vemos 
a língua como um sistema inerentemente variável. Os linguistas que assim veem a 
língua são comumente chamados de sociolinguistas ou variacionistas” (BELINE, 
2011, p. 128).
Dessa perspectiva seria possível explicar por que uma mesma língua, 
que possui regras próprias de combinação – a língua portuguesa, por exemplo 
– varia em regiões geográficas distintas de sua origem, como entre Portugal e 
outros países de língua portuguesa: Angola, Moçambique, Brasil etc., ou ainda 
em regiões geográficas distintas dentro de um mesmo país.
Podemos lembrar de um fato linguístico com que sempre convivemos, 
mas ao qual talvez nunca tenhamos dado tanta importância, em termos 
científicos: o fato de que detectamos diferenças entre o português 
que falamos em São Paulo, em termos genéricos, e o português que 
se fala na cidade do Rio de Janeiro, ou nas cidades de Salvador e 
Porto Alegre. É claro também que tais diferenças não impedem que 
nos comuniquemos entre nós. Quando ouvimos um carioca típico, 
podemos entender tudo o que ele fala (BELINE, 2011, p. 121-122).
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
66
O fato é que a língua, em não sendo um sistema linguístico fechado, 
possibilita aos seus usuários fazerem arranjos e rearranjos a partir do código 
linguístico original de modo a facilitar ou a atender as suas necessidades 
comunicativas específicas. É o caso, tal como mencionado no parágrafo anterior, 
em que a língua assume variações em razão de fatores regionais, históricos, ou 
então quando tem de adequar-se às diversas formas culturais presentes em uma 
sociedade.
As línguas naturais situam-se numa posição de destaque entre os 
sistemas sígnicos porque possuem, entre outras, as propriedades 
de flexibilidade e adaptabilidade, que permitem expressar conteúdos 
bastante diversificados: emoções, sentimentos, ordens, perguntas, 
afirmações, como também possibilitam falar do presente, passado ou 
futuro (PETTER, 2011, p. 17).
Tal complexidade se assenta também nos diferentes tipos de uso que 
a língua pode assumir dentro de um mesmo grupo social, razão pela qual o 
comportamento linguístico dos falantes de uma determinada língua muda se 
estamos, por exemplo, em meio a uma conversa familiar entre amigos, praticando 
uma variedade de linguagem mais informal, ou se, ao contrário, estamos em uma 
entrevista de emprego, quando se faz necessário utilizar uma linguagem mais 
formal e rebuscada.
“A linguística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao 
observar a língua em uso o linguista procura descrever e explicar os fatos: os 
padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar 
aquele uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico” (PETTER, 
2011, p. 17).
Comprova-se, desde esse ponto de vista, que as variações linguísticas 
aparecem como uma necessidade humana e a língua como um código gramatical 
não fixo, malgrado ainda prevalecer a ideia,notória no senso comum e em alguns 
puristas, de se pensar as variações linguísticas como erro, como desvio em relação 
à norma-padrão, levando-os a incorrer em preconceito linguístico na medida 
em que limitam a língua a enquadrar-se em alguns critérios não efetivamente 
linguísticos, mas em geral políticos ou hierárquicos.
As diferenças de pronúncia, de vocabulário e de sintaxe observadas por 
um habitante de São Paulo, por exemplo, ao comparar sua expressão 
verbal à dos falantes de outras regiões, como Rio de Janeiro, Salvador, 
Recife, Belo Horizonte, muitas vezes o fazem considerar ‘horrível’ 
o sotaque de algumas dessas regiões; ‘esquisito’ seu vocabulário e 
‘errada’ sua sintaxe. Esses julgamentos não são levados em conta pelo 
linguista, cuja função é estudar toda e qualquer expressão linguística 
como fato merecedor de descrição de um quadro científico adequado 
(PETTER, 2011, p. 17).
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
67
2.1 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO
FIGURA 6 – PRECONCEITO LINGUÍSTICO
FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-EKHeBxtCQ0s/VU0r3WOhQJI/AAAAAAAA-
JNc/DzHOs6y_o7o/s1600/digitalizar0023.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2017.
A confusão, historicamente sedimentada, que vincula língua à gramática 
está na base do preconceito linguístico, ou seja, ao se associar o bem falar ao 
modo “lógico” que predomina na modalidade escrita da língua. Entretanto, a 
partir de um ponto de vista linguístico e histórico, portanto, de um prisma fora 
do uso da língua como instrumento político, não seria possível sustentar que o 
conhecimento da gramática levaria o falante a expressar-se melhor em sua língua, 
pois bem ao contrário, 
o que aconteceu, ao longo do tempo, foi uma inversão da realidade 
histórica. As gramáticas foram escritas precisamente para descrever e 
fixar como “regras” e “padrões” as manifestações linguísticas usadas 
espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, 
modelos a ser imitados. Como a gramática, porém, passou a ser um 
instrumento de poder e de controle, surgiu essa concepção de que os 
falantes e escritores da língua é que precisam da gramática (BAGNO, 
1999, p. 64).
Lógico, no sentido que aludimos no parágrafo anterior, ou seja, ligado 
à modalidade escrita da língua, significa pautar-se, com evidente exceção da 
escrita literária, em formas de expressão a maioria das vezes presas a regras 
preestabelecidas em acordos políticos, como são os acordos ortográficos da 
língua, o que, entretanto, não reduz de modo algum a eficácia comunicativa da 
língua:
Ora, em cartazes e placas não aparecem “erros de português” e, sim, 
“erros” de ortografia. Escrever, digamos, LOJINHA DE ARTEZANATO 
onde a lei obriga a escrever LOJINHAS DE ATESANATO em nada 
vai prejudicar a intenção do autor da placa: informar que ali se vende 
objetos de artesanato. Nesse caso, nem mesmo a realização fonética 
da placa “certa” e da placa “errada” vai apresentar diferença. O fato 
também de haver “erro” na placa não significa de forma nenhuma 
que os objetos ali vendidos sejam de qualidade inferior, “errados” ou 
“feios” (BAGNO, 1999, p. 123).
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
68
O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe uma única 
língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada 
nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape 
desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito 
linguístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não é raro a gente ouvir que 
“isso não é português”. [...] Se dizer Cráudia, praça, pranta é considerado “errado”, e, por outro 
lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado “certo”, isso se deve simplesmente 
a uma questão que não é linguística, mas social e política – as pessoas que dizem Cráudia, 
praça, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem 
acesso à educação formal e aos bens culturais de elite, e por isso a língua que elas falam 
sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada 
“feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola 
(BAGNO, 1999, p. 40).
IMPORTANT
E
Entretanto, tal forma “lógica” norteadora da língua, que está presente 
nas gramáticas normativas, é em boa parte sócio-politicamente responsável por 
estigmatizar os sujeitos que, ao utilizarem uma variedade da língua de forma 
espontânea, em acordo com uma situação comunicativa informal, como no caso 
das gírias, parecem incorrer em erro ou em formas de desrespeito à variedade 
eleita como variedade padrão. Não será? Vejamos:
autoativida
de
Se observarmos alguns tipos de variação de vocabulário praticados por 
grupos de classes sociais distintas, talvez seja possível verificar, entre eles, alguma forma de 
segregação cultural ou de preconceito linguístico. Por exemplo, entre o jargão médico, que 
expressa as marcas linguísticas utilizadas pelos médicos em sua profissão, e, por outro lado, 
as marcas linguísticas praticadas pelos garis de rua durante as coletas de lixo, poderia haver 
variações de linguagem de distinto grau de valor? Dito de outro modo, a seu ver, o falar dos 
médicos e o falar dos garis têm o mesmo valor ou um parece ser superior ao outro?
Quando nos pomos a julgar determinadas manifestações linguísticas 
inferiores ou superiores umas às outras, geralmente isso se dá não a partir de 
critérios científicos, mas sim históricos, econômicos ou de prestígio social, pois é 
fato, comprovado pelos estudos linguísticos, reconhecer que “não existe nenhuma 
variedade e nenhuma língua que sejam boas ou ruins em si. O que há são línguas 
e variedades que mereceram maior atenção que outras, segundo necessidades e 
eleições historicamente explicáveis. Necessidades e eleições claramente políticas” 
(POSSENTI, 2006, p. 55).
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
69
DICAS
Recomendamos a leitura de “O preconceito linguístico”, de Marcos Bagno, 
livro no qual o linguista reage a certa cultura arraigada no Brasil que desconsidera as 
diferenças inerentes à dinâmica da própria sociedade, elencando oito formas míticas de 
preconceito linguístico no território brasileiro:
• Mito nº 1 – “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”: 
discussão sobre a ideia de unidade linguística e das variações que existem dentro do 
território brasileiro.
• Mito nº 2 – “Brasileiro não sabe português; só em Portugal se fala bem o português”: relação 
das diferenças entre o português falado no Brasil e em Portugal; este, aparentemente, de 
maior valor.
• Mito nº 3 – “Português é muito difícil”: trata da gramática normativa da língua portuguesa 
ensinada em Portugal e suas diferenças entre o falar e o escrever dos brasileiros.
• Mito nº 4 – “As pessoas sem instrução falam tudo errado”: preconceito gerado por pessoas 
que têm baixo nível de escolaridade, contra o qual defende tais variantes da língua e analisa 
o preconceito linguístico e social gerado pela diferença da língua falada e da norma padrão.
• Mito nº 5 – “O lugar onde melhor se fala o português no Brasil é no Maranhão”: mito criado 
em torno desse estado, o qual é considerado por muitos o português mais correto, mais 
bonito, posto que está intimamente relacionado com o português de Portugal e o uso do 
pronome “tu” com a conjugação correta do verbo: tu vais, tu queres etc.
• Mito nº 6 – “O certo é falar assim porque se escreve assim”: apresenta as diferenças entre 
as diversas variantes no Brasil e a utilização da língua formal (culta) e informal (coloquial).
• Mito nº 7 – “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”: o autor aborda o 
fenômeno da variação linguística e a subordinação da língua à norma culta, a qual passou 
a serinstrumento de poder e controle.
• Mito nº 8 – “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”: decorrente 
das desigualdades sociais e das diferenças das variações em determinadas classes sociais, 
em que as variedades linguísticas, que não a padrão, são consideradas inferiores.
FONTE: BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 
1999.
Se ao reconhecermos, de mãos dadas com as pesquisas linguísticas, que 
as línguas variam, que ademais as variações e suas consequentes variedades da 
língua são parte do próprio dinamismo e do aperfeiçoamento contínuo das línguas 
que as fazem sobreviver no tempo, caem por terra os possíveis argumentos em 
prol da hierarquização dos modos de uso da linguagem, o que não implica em 
valorar a noção de “erro”, senão em admitir que o que parece ser um “erro” a 
priori pode significar movimentos de adaptação e de melhor funcionamento da 
língua:
Algumas pessoas me dizem que a eliminação da noção de erro dará 
a entender que, em termos de língua, vale tudo. Não é bem assim. Na 
verdade, em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor 
vai depender de uma série de fatores. Falar gíria vale? Claro que vale 
no lugar certo, no contexto adequado, com as pessoas certas. E usar 
palavrão? A mesma coisa (BAGNO, 1999, p. 129).
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
70
Dizíamos, antes: os “erros” aparentes, isto é, à luz da gramática 
normativa, podem muitas vezes significar movimentos de adaptação e de melhor 
funcionamento da língua. É o caso das formas concorrentes “para eu estudar” 
e “para mim estudar”, em que a primeira sentença é a única considerada 
gramaticalmente correta. 
Sabemos que a regra normativa é de que após as preposições devemos 
utilizar o pronome na forma oblíqua. Então, se perguntássemos: “Esse livro é 
para quem?”, a resposta efetivamente seria: “É para mim”, portanto “para eu” 
seria, no caso, a forma incorreta. Ao acrescentarmos, após o pronome, um verbo 
na forma infinita, esse deveria, segundo a norma gramatical vigente, passar para 
a forma pessoal: “Esse livro é para eu estudar”.
Entretanto, a tendência é que a forma “para mim” mantenha-se na 
regra original e com o tempo prevaleça sobre a segunda regra, que tenderá a 
ser normativamente aceita – inclusive em posteriores acordos ortográficos – 
admitindo-se um dia a forma “é para mim estudar”. Quer-se dizer com isso, 
segundo uma visão científica, acadêmica, linguística, enfim, de que não há delito 
ao constatarmos mecanismos concorrentes que são, não duelos entre “certo” e 
“errado”, mas, muitas vezes, mecanismos evolutivos da própria língua. 
Se assim não for, se mantivermos a visão preconceituosa do senso comum 
e de alguns puristas, incorreríamos no risco de, ao querer preservar na língua 
portuguesa uma face aparentemente elevada, na verdade a condenaríamos ao 
seu fim, tal como se deu com o latim em sua forma culta – língua que sobreviveu 
apenas em suas formas “vulgares”, que vieram a transformar-se no que hoje é o 
português, o francês, o espanhol etc.
“Todas as línguas mudam, de maneira que não há razão de ordem científica 
para exigir que alunos dominem formas arcaicas que nunca ouvem e que pouco 
encontram, mesmo nos textos mais correntes. Gastar um tempo enorme com 
regências e colocações inusitadas é, a rigor, inútil” (POSSENTI, 2006, p. 35).
2.2 AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Está visto que uma das características inerentes à língua – não pensada 
de modo abstrato, mas em sociedade – é o fato de ela possibilitar várias maneiras 
de uso, conforme o contexto em que se dá. Não admitir isso – esse sim, um grave 
“erro” – é possivelmente incorrer em preconceito linguístico, ou seja, as variações 
dão conta da diversidade cultural de uma determinada comunidade linguística, 
como prova a diversificação dos falares de uma nação do tamanho do Brasil. 
Pensar um único uso, igual e contínuo de Norte a Sul, de Leste a Oeste, da língua 
portuguesa em solo brasileiro é que pareceria uma ficção:
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
71
Todas as línguas variam, isto é, não existe nenhuma sociedade ou 
comunidade na qual todos falem da mesma forma. A variedade 
linguística é o reflexo da variedade social e, como em todas as sociedades 
existe alguma diferença de status ou de papel, essas diferenças se 
refletem na linguagem. Por isso, muitas vezes percebem-se diferenças 
nas falas de pessoas de classe diferente, de idade diferente, de sexo 
diferente, de etnia diferente etc. (POSSENTI, 2006, p. 35).
Essa maleabilidade da linguagem pode adaptar-se às situações 
comunicativas, aos momentos interacionais, aos assuntos abordados etc., fazem 
desses distintos modos de falar o que podemos chamar de variedades linguísticas, 
as quais realizam variações em um código linguístico maior, a língua: variações no 
tempo e na história (diacrônicas), variações geográficas ou regionais (diatópicas), 
variações em acordo com a classe social do falante (diastráticas) e variações de 
adaptação do falante à situação comunicativa (diafásicas). 
FONTE: Disponível em: <https://www.listenandlearn.com.br/blog/wp-content/uplo-
ads/2014/09/falo-fluentemente-ingles-frances-espanhol-portugues-vareia.
jpg>. Acesso em: 10 jul. 2017.
FIGURA 7 – VARIEDADES DO PORTUGUÊS 
Tais manifestações concretas são observáveis a partir da contribuição de 
Eugene Coseriu, que expandiu a dicotomia saussuriana Langue (língua, sistema 
funcional) / Parole (fala, uso individual da língua), ao acrescentar um grau 
intermediário, a Norma, isto é, as realizações concretas, não apenas individuais, 
mas que estão consagradas pelo grupo em que está o falante. Portanto, a dicotomia 
expande-se em direção à concretude tornando-se tricotomia: Língua/Norma/Fala.
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
72
O objeto por excelência da descrição estrutural é a língua enquanto 
técnica sincrônica do discurso. Entretanto, numa língua histórica [como 
a língua portuguesa] essa técnica não é perfeitamente homogênea. 
Muito ao contrário: em geral representa um conjunto assaz complexo 
de tradições linguísticas historicamente conexas, mas diferentes e 
só em parte concordantes. Em outros termos: uma língua histórica 
apresenta sempre variedade interna (COSERIU, 1980, p. 110).
As normas, por sua vez, são diversas e coexistem numa mesma comunidade 
social, linguística e cultural, e se concretizam por meio de variedades linguísticas 
que se distinguem, por exemplo, conforme o espaço geográfico (falares, dialetos), 
classes sociais, faixa etária dos falantes, grupos sociais (gírias, jargões), registros 
da língua (formal, informal), modalidade (oral, escrito) etc.
Mais precisamente, podemos nela encontrar diferenças mais ou menos 
profundas pertencentes substancialmente a três tipos: a) diferenças 
diatópicas (do grego dia “através de” e topos “lugar”), diferenças no 
espaço geográfico; b) diferenças diastráticas, isto é, diferenças entre 
os estratos socioculturais da comunidade linguística; e c) diferenças 
diafásicas, ou seja, diferenças entre os diversos tipos de modalidade 
expressiva (do grego dia e “expressão” stratum). As variedades 
linguísticas que caracterizam – no mesmo estrato sociocultural – os 
grupos biológicos (homens, mulheres, crianças, jovens) e os grupos 
profissionais podem ser considerados como “diafásicas” (COSERIU, 
1980, p. 110).
Resumidamente, tracemos um breviário de características das variações 
linguísticas, acrescentando, ao modelo de Coseriu, as variações no tempo e na 
história (diacrônicas), seguidas daquelas apresentadas pelo linguista romeno, 
grosso modo: variações em acordo com a classe social dos falantes (diastráticas), 
variações de adaptação do falante à situação comunicativa (diafásicas) e variações 
geográficas ou regionais (diatópicas).
As variações diacrônicas expressam a mudança da linguagem atravésdo 
tempo, fazendo conviver formas arcaicas, ainda que válidas, da língua – como é 
o caso dos arcaísmos: palavras dicionarizadas, mas em desuso na atualidade, de 
modo que até podemos supor a geração de determinado falante pelo tipo de léxico 
que usa – com formas mais modernas, de intenso diálogo com o contemporâneo. 
Um bom exemplo é o caso dos verbos “apagar” (dos tempos da escrita 
a lápis) e do verbo mais recente, “deletar” (advindo do inglês “to delete”, muito 
utilizado em tempos tecnológicos, em mídias como computadores, celulares, 
laptops etc.), que apontam o sentido geral de desfazimento: apagar, utilizado por 
faixa etária de maior idade; deletar, por gerações mais recentes. Próximas a elas, 
as variações históricas revelam as transformações sofridas na língua: vossa mercê 
(culto) e vassumcê (coloquial) que chegariam à forma atual “você” é um bom 
exemplo.
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
73
Variações diatópicas ocorrem por diferenças regionais por referir-se à 
cultura local de distintas regiões geográficas, chegando até a formar variedades 
linguísticas conhecidas como dialetos. É o caso da mandioca, de origem indígena, 
conhecida no Centro-Sul como aipim e, no Nordeste brasileiro, como macaxeira, 
assim como os diversos sotaques: mineiro, gaúcho, nordestino, caipira, que se 
ligam às marcas orais da linguagem. Exemplos também de variedades geográficas 
estão ao compararmos o português brasileiro e o português de Portugal, em que 
elencam-se nítidas diferenças.
É interessante aproveitarmos algumas marcas linguísticas características do 
português europeu (falado em Portugal) e confrontá-las com algumas marcas do português 
brasileiro, de modo a observarmos nuances criativas da linguagem em cada cultura, as quais 
se adéquam, por meio das variações linguísticas, e ainda que ambos os povos compartilhem 
a mesma língua, ao estilo de cada povo:
• diferenças sintáticas (no modo de organizar as frases, as orações e as partes que as 
compõem): nós no Brasil dizemos estou falando com você; em Portugal eles dizem estou 
a falar consigo; 
• diferenças lexicais (palavras que existem lá e não existem cá, e vice-versa): o português 
chama de saloio aquele habitante da zona rural, que no Brasil a gente chama de caipira, 
capiau, matuto;
• diferenças semânticas (no significado das palavras): cuecas em Portugal são as calcinhas 
das brasileiras. Imagine uma mulher entrar numa loja de São Paulo e pedir cuecas para ela 
usar! Vai causar o maior espanto!
• diferenças no uso da língua. Por exemplo, você se chama Sílvia e um português muito 
amigo seu quer convidar você para jantar. Ele provavelmente vai perguntar: “A Sílvia janta 
conosco?” Se você não estiver acostumada com esse uso diferente, poderá pensar que ele 
está falando de uma outra Sílvia, e não de você, porque no Brasil, um amigo faria o mesmo 
convite mais ou menos assim: “Sílvia, você quer jantar com a gente?” Nós não temos, 
como os portugueses, o hábito de falar diretamente com alguém como se esse alguém 
fosse uma terceira pessoa.
FONTE: BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 
2006, p. 20.
NOTA
As variações diastráticas ocorrem como consequência da interação de 
diversos grupos sociais e dão conta da expressão de determinado grupo de 
pessoas, seja por fatores de idade (criança, jovem, idoso), gênero (homem, mulher, 
indeterminado), escolaridade (não alfabetizados, acadêmicos) em que destacam-
se variantes linguísticas mais ou menos próximas da norma culta, tais como as 
gírias (vocabulário de certos grupos, como: surfistas, estudantes, policiais) e os 
jargões (linguajar técnico relacionado com certas áreas profissionais, como os 
advogados, profissionais de informática, médicos). É, portanto, uma variante 
social, que revela na linguagem os diversos “estratos” da sociedade.
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
74
As variações diafásicas dão conta do uso de variedades conforme a situação 
interacional, se na oralidade, se na escrita, se na formalidade, se na informalidade, 
em que pesam os elementos comunicacionais, como interlocutor, contexto, 
mensagem, canal etc., em que a ocasião determina o modo de comunicação com 
o interlocutor.
- Você fala assim na sua casa, também? – Claro que não, somente 
em alguns lugares e com algumas pessoas. – Ah! Então você troca 
de língua como troca de roupa, às vezes mais chique, outras mais 
esportiva, outras mais popular... – Sim, claro, você não quer que eu vá 
falar com o diretor daquela indústria ali, por exemplo, mal vestido e 
falando de qualquer jeito, não? (ALMEIDA, 2006, p. 11).
É importante frisar que a submissão da diversidade das normas/variações 
em função da imposição hierarquizante da norma culta, já que esta registra uma 
possibilidade ideal da língua, provoca inevitavelmente prejuízo na competência 
comunicativa dos falantes, razão pela qual torna-se salutar a inserção, no âmbito 
escolar, do maior número possível de normas para que os alunos alcancem 
integração efetiva na comunidade sociolinguística e cultural em que estejam 
inseridos.
Tal posicionamento pedagógico não vem posicionar-se, entretanto, contra 
o ensino da norma padrão, mas tomar partido da ampliação dos registros da 
língua em sociedade, o que representa um conhecimento do teor político que há 
nas línguas. É também o que pensa Possenti (2006, p. 33), ao defender que
a tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto 
padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-
se no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isso 
é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do 
grau de complexidade de um dialeto padrão. As razões pelas quais 
não se aprende, ou se aprende e não se usa um dialeto padrão, são 
de outra ordem, e têm a ver em grande parte com os valores sociais 
dominantes e um pouco com estratégias escolares discutíveis.
Eis porque, para discutir a propriedade das estratégias pedagógicas e 
quais tipos de problemas linguísticos em sala de aula são ou não socialmente 
relevantes, uma disciplina não é bastante. Convoca-se a Linguística Aplicada ao 
ensino de língua materna, aqui pensada não apenas como aplicação pedagógica 
dos conhecimentos linguísticos, mas como campo de intersecção de vários 
saberes, pois para reiterarmos com Possenti (apud GERALDI, 2006, p. 33), “para 
que um projeto de ensino de língua seja bem-sucedido, uma condição deve ser 
necessariamente preenchida, e com urgência: que haja uma concepção clara do 
que seja uma criança e do que seja uma língua”.
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
75
3 LINGUÍSTICA APLICADA: O QUE VEM A SER
 Como ponto de partida, cabe dizer que a linguística aplicada – não se 
restringindo à mera aplicação dos conhecimentos linguísticos à prática em sala 
de aula e dissociando-se da ideia de análise da linguagem apenas dentro dos 
construtos teóricos da Linguística – constitui-se como disciplina autônoma a esses 
mesmos estudos linguísticos, na medida em que estabelece diálogo com a maior 
diversidade de disciplinas que se prestem a melhor refletir sobre a linguagem e a 
educação.
 Transcende, portanto, o que é admitir já um caráter político, a ideia de uma 
ciência voltada para solucionar problemas práticos de ensino e aprendizagem – 
tanto de língua materna, quanto de língua estrangeira –, ao mostrar-se incapaz 
de apontar soluções como verdades irrefutáveis apenas por estar apoiada na 
complexidade de construtos teóricos. Tanto que, em seus primórdios, no período 
pós-guerra,
como consequência, o trabalho dos linguistas aplicados ganhou 
conotações de atividade menos complexa e, possivelmente por isso, 
“menos científica”. [...] Cabia à Linguística Aplicada, sob esse olhar, 
endereçar o conhecimento linguístico a algum objeto, não constituindo, 
ela mesma,um estudo teórico em si, mas tão somente a colocação em uso 
de teorias previamente dadas (RODRIGUES, 2011, p. 20).
 De fato, segundo Coracini (2003, p. 28), a preocupação da linguística 
aplicada, se pensada assim, recairia quase exclusivamente sobre “estratégias de 
ensino e aprendizagem, abordagem mais sistemática de gramática, de uso de 
linguagem para comunicação, dentre outros aspectos”, a despeito de se pensar 
questões centrais, como: interação e aprendizagem, projetos de letramento, 
interações culturais em contextos pedagógicos, aprendizagem de segunda 
língua, enfoques discursivo e sociocultural da linguagem, como também projetos 
sobre aquisição e desenvolvimento da escrita, da leitura, e habilidades orais, de 
letramento e de alfabetização.
 Se a linguagem não é um sistema imutável e fixo, se tampouco o sujeito é 
um ser falante inteiramente consciente de seus atos, isso implica em reconhecer 
que tanto a língua quanto os sujeitos se modificam nos processos de interação 
permeados por determinantes sociais. Então, se passamos a pensar a disciplina 
com enfoque no ensino de língua materna, logo sobrevém a dúvida:
O que é ensinar português, se não é meramente ensinar o padre-
nosso ao vigário. Isto é, em que medida e em que sentido podemos 
ensinar a língua materna a pessoas que a utilizam com todo o domínio 
necessário para se expressar e se comunicar na sua vida cotidiana? É 
ensinar a norma culta? É ensinar a língua escrita? É ensinar o falante 
a perceber (para situar-se inclusive socialmente) os diferentes níveis, 
registros ou usos da linguagem que ele – como falante natural da 
língua portuguesa – pode dominar? (LEITE, 2006, p. 19).
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
76
 Assim, para refletir sobre tais questões faz-se necessário aliar 
conhecimentos de diversas áreas – filosofia, antropologia, sociologia, 
linguística variacionista etc. – de modo a compor uma disciplina que vá além 
do enquadramento de uma linha de pensamento, para se constituir como 
campo de intersecção de disciplinas, ou seja, capaz de arregimentar uma 
transdisciplinaridade voltada para articular diversos domínios do saber sobre 
a linguagem e o aprendizado de línguas fora do domínio exclusivo do mundo 
das letras.
 Dessa forma, a linguística aplicada torna possível criar elos de 
colaboração, a princípio insuspeitados, e de interfaces dinâmicas que se deslocam 
do saber específico de cada disciplina específica, promovendo menos do que 
saberes emprestados, construções conjuntas de conceitos a partir da interação 
de disciplinas, dentre as quais cabe relacionar: pedagogia, ergonomia, história, 
comunicação, sociolinguística, psicologia, etnografia da escola, linguística, 
psicolinguística, filosofia, tradução, análises da conversação e do discurso, 
etnografia da fala, dentre outras.
Transdisciplinaridade envolve mais do que a justaposição de ramos 
do saber. Envolve a coexistência em um estado de interação dinâmica, o 
que Portella (1993) chamou de esferas de coabitação. [...] Novos espaços 
de conhecimento são gerados, passando-se, assim, da interação 
das disciplinas à interação dos conceitos e, daí, à interação das 
metodologias (RODRIGUES, 2011, p. 28).
 Essa transdisciplinaridade característica da linguística aplicada advém do 
seu surgimento histórico, isto é, de ela ter se desenvolvido no ambiente posterior 
à Segunda Guerra Mundial como forma de atender a necessidades urgentes de 
comunicação, de ensino e de aprendizado de línguas estrangeiras, o que convocaria 
os saberes científicos de diversas áreas a refletir sobre o ensino de línguas fora do 
sólido construto da linguística saussuriana de natureza estruturalista. 
 Quer dizer, pouco a pouco as teorias linguísticas aparentemente pensadas, 
até ali, mais abstratamente, foram substituídas por uma forma de pensamento que 
refletisse a linguagem em situações concretas de uso, levando os saberes a dar um 
passo distinto do propugnado por Saussure, que, ao pensar a Parole/fala como 
heteróclita, de certo modo concentrou os estudos linguísticos em aprofundar os 
estudos da Langue/língua.
 Essa forma primeira de “substituição de saberes” levaria a linguística 
aplicada a um grande volteio ao redor de técnicas mais rápidas de aprendizagem 
que coadunavam com o materialismo mercadológico norte-americano, portanto 
ancorando-se em modelos formais de linguagem que evidentemente excluíam o 
caráter sociointeracional da linguagem:
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
77
Assim, sob essa perspectiva, não era um campo de estudos 
potencialmente capaz de criar teorias; cabia-lhe apenas dar 
aplicabilidade a teorias produzidas nos estudos formalistas. O linguista 
aplicado, desse modo, seria um consumidor ou usuário de teorias; 
estaria focado no estudo da língua e da Linguística no que concerne 
a problemas práticos, tais como lexicografia, tradução, patologias da 
fala, ensino de línguas, entre outros enfoques (RODRIGUES, 2011, p. 
20).
 
 Essa interface de natureza declaradamente aplicacionista levou os 
partícipes da Linguística Aplicada a uma simplificação extrema das proposições 
teóricas até então relevantes, apoiados em certas ‘teorizações formais’ a seu ver 
capazes de propor revisões nas abordagens gramaticais normativas em sala de 
aula: “um dos principais eixos de argumentação era a distinção entre gramática 
internalizada (que remetia ao conceito de Gramática Universal, de Chomsky) e 
gramática normativa, entendida como não científica e excludente” (RODRIGUES, 
2011, p. 22).
 Paulatinamente, a par da compreensão da complexidade da língua em seu 
construto sociocultural, essa concepção quase mecanicista da linguística aplicada 
em sua fase inicial é superada pelas sólidas teorizações acerca da língua em uso e 
das questões relevantes a ela inerentes, desfazendo-se a ideia de uma linguagem 
que pairasse além do construto social, pois “é inadequado construir teorias 
sem considerar as vozes daqueles que vivem as práticas sociais que queremos 
estudar; mesmo porque, no mundo de contingências e de mudanças velozes em 
que vivemos, a prática está adiante da teoria” (LOPES, 2006 apud RODRIGUES, 
2011, p. 31).
 Bem ao contrário, “a Linguística Aplicada, nesse novo contexto, toma o 
sujeito social como heterogêneo, fragmentado, um sujeito historicamente inserido 
em um contexto” (RODRIGUES, 2011, p. 31). Como veremos posteriormente, 
estamos a esboçar preliminarmente conceitos que vão fundamentar a práxis teórica 
em Bakhtin, dos quais se depreende que a língua vive onde vivem as pessoas, que 
sua natureza é interacional e enunciativa, que, portanto, sua existência jamais se 
desprega da política e da história.
 Comprova-se assim que o conhecimento haurido pela transdiciplinaridade, 
em não sendo, como vimos até aqui, elaborado fora de situações concretas para 
se formar um novo campo de estudo, tem de ser efetivamente um conhecimento 
situado, gerado em e aplicado em determinado contexto.
Cada vez mais se compreende a importância de estudar a vida 
social a partir das redes práticas, instrumentos e instituições específicas, 
onde a ação humana se desenvolve. Dessa forma, tem-se insistido 
em Linguística Aplicada, como também em várias disciplinas, na 
necessidade de construir conhecimento situado, em que se ressalta a 
centralidade da ação situada para se ter acesso à compreensão da vida 
social (ROJO, 2008, p. 74).
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
78
LEITURA COMPLEMENTAR
A LÍNGUA DE EULÁLIA
Marcos Bagno
- Pode ser – diz Irene. – Mas mesmo deixando de lado os índios e os 
imigrantes, nem por isso a gente pode dizer que no Brasil só se fala uma única 
língua. Talvez vocês se surpreendam com o que vou dizer agora, mas não existe 
nenhuma língua que seja uma só.
- Como assim, Irene? – pergunta Emília, espantada. – Que quer dizer isso?
- Isso quer dizer que aquilo que a gentechama, por comodidade, de 
português, não é um bloco compacto, sólido e firme, mas um conjunto de “coisas” 
aparentadas entre si, mas com algumas diferenças. Essas “coisas” são chamadas 
variedades.
Toda língua varia
- Puxa vida, estou entendendo cada vez menos – queixa-se Sílvia.
- Vamos bem devagar para as coisas ficarem claras – propõe Irene. – Você 
certamente já ouviu um português falar, não é?
- Já – responde Sílvia.
- Já percebeu as muitas diferenças que existem entre o modo de falar do 
português e o modo de falar nosso, brasileiro. De que tipo são essas diferenças? 
Vamos ver algumas delas: [diferenças fonéticas, diferenças sintáticas, diferenças 
lexicais, diferenças semânticas, diferenças no uso da língua]. Tudo bem até agora? 
– pergunta Irene.
- Tudo bem – responde Sílvia.
- Essas e outras diferenças – prossegue Irene – também existem, em grau 
menor, entre o português falado no Norte-Nordeste do Brasil e o falado no Centro-
Sul, por exemplo. Dentro do Centro-Sul existem diferenças entre o falar, digamos, 
do carioca e o falar do paulistano. E assim por diante.
Irene faz uma pequena pausa. Toma um gole de chá e continua:
- Até agora, falamos das variedades geográficas: a variedade portuguesa, a 
variedade brasileira do Norte, a variedade brasileira do Sul, a variedade carioca, 
a variedade paulistana... Mas a coisa não para por aí. A língua também fica 
 Entretanto, cabe destacar que antes de a linguística aplicada encontrar 
essas novas formas de reinserção do saber, houve contribuições relevantes e ainda 
válidas, advindas das experimentações da segunda metade do século XX, como 
é o caso das pesquisas em Sociolinguística, as quais puseram em destaque os 
aportes teóricos da linguística variacionista, contribuindo, assim, para se pensar 
a língua em uso, na concretude das situações reais de fala, por sujeitos que, como 
no caso brasileiro, se valem efetivamente de uma língua como a de “Eulália”.
TÓPICO 1 | LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA
79
diferente quando é falada por um homem ou por uma mulher, por uma criança 
ou por um adulto, por uma pessoa alfabetizada ou por uma não alfabetizada, 
por uma pessoa de classe alta ou por uma pessoa de classe média ou baixa, por 
um morador de cidade e por um morador do campo e assim por diante. Temos 
então, ao lado das variedades geográficas, outros tipos de variedades: de gênero, 
socioeconômicas, etárias, de nível de instrução, urbanas, rurais etc.
- E cada uma dessas variedades equivale a uma língua? – pergunta Emília.
- Mais ou menos – responde Irene. – Na verdade, se quiséssemos ser 
exatas e precisas na hora de dar nome a uma língua, teríamos de dizer, por 
exemplo, falando da Vera: “Esta é a língua portuguesa, falada no Brasil, em 2001, 
na região Sudeste, no estado e na cidade de São Paulo, por uma mulher branca, 
de 21 anos, de classe média, professora primária, cursando universidade” etc. Ou 
seja, teríamos de levar em conta todos os elementos – chamados variáveis – que 
compõem uma variedade. É como se cada pessoa falasse uma língua só sua...
- Já entendi – diz Emília. – É o mesmo que acontece com a letra da gente, 
não é? Cada um tem a sua letra, o seu jeito de escrever, que é único e exclusivo, 
e que até serve para identificar uma pessoa, mas que ao mesmo tempo pode ser 
lido e entendido pelos outros. 
Toda língua muda
- Deu para entender o que é uma variedade, Sílvia? – pergunta Irene.
- Deu, sim, é até mais fácil do que eu pensava – responde a estudante de 
Psicologia.
[Nesse momento, Irene discursa sobre as diferenças do português falado 
no século XIII, no século XVI e nos dias de hoje, constatando que, mesmo em 
se tratando da mesma língua, temos dificuldade de compreender o português 
falado em outros séculos e outros contextos]
- Foram todos escritos em português, não é? – arrisca Sílvia.
- Sim – responde Irene.
- Por que será então que eles vão se tornando cada vez menos compreensíveis 
para um brasileiro no início do século XXI? – quer saber Vera.
- Porque toda língua, além de variar geograficamente, no espaço, também 
muda com o tempo. A língua que falamos hoje no Brasil é diferente da que era 
falada aqui mesmo no início da colonização, e também é diferente da língua que 
será falada aqui mesmo dentro de trezentos ou quatrocentos anos!
- Parece lógico – comenta Sílvia. – Todas as coisas mudam, os costumes, 
as crenças, os meios de comunicação, as roupas... até os bichos evoluíram e 
continuam evoluindo... Por que a língua não haveria de mudar, não é?
- É por isso – prossegue Irene – que nós linguistas dizemos que toda língua 
muda e varia. Quer dizer, muda com o tempo e varia no espaço. Temos até uns 
nomes especiais para esses dois fenômenos. A mudança ao longo do tempo se 
chama mudança diacrônica. A variação geográfica se chama variação diatópica. E é 
por isso também que não existe a língua portuguesa.
- Ah, não? – admira-se Emília. – Então o que é que existe?
- Existe um pequeno número de variedades do português – faladas numa 
determinada região, por determinado conjunto de pessoas, numa determinada 
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
80
época – que, por diversas razões, foram eleitas para servirem de base para a 
constituição, para a elaboração de uma norma-padrão. A norma-padrão é aquele 
modelo ideal de língua que deve ser usado pelas autoridades, pelos órgãos oficiais, 
pelas pessoas cultas, pelos escritores e jornalistas, aquele que deve ser ensinado e 
aprendido na escola. Vejam bem que eu disse aquele que deve ser, não aquele que 
necessariamente é empregado pelas pessoas cultas. 
FONTE: BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2006, 
p. 19-24.
81
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você viu que:
• Os estudos estruturalistas de Ferdinand de Saussure aproximarem-se da 
concretude dos sujeitos falantes na medida em que seus continuadores 
passaram a aprofundar a relação entre língua e fala, ao observarem que a 
língua, tal como estudada por Saussure, permanecia com enfoque notadamente 
abstrato, e assim carecia de dados mais concretos da realidade dos falantes.
• Eugene Coseriu de certo modo corrigiu a abstração teórica de Saussure ao 
demonstrar que o falante acessa o sistema linguístico “língua” por meio de 
uma “norma” dessa mesma língua, esta última marcada pelos usos do contexto 
e de grupos sociais mais próximos ao falante. Estavam fundadas as bases da 
linguística variacionista, que ademais aprofundou as proposições de Coseriu 
ao situar as variações linguísticas em quatro formas de expressão: diastráticas, 
diacrônicas, diatópicas e diafásicas. 
• Todas as línguas variam e as variedades linguísticas refletem as variedades 
sociais, pois ninguém, em uma mesma comunidade linguística, fala da mesma 
forma que outrem, mas sim seguindo os modelos do grupo em que o falante ou 
a situação comunicativa determine qual a variedade da língua mais pertinente.
• O não reconhecimento do dinamismo da língua, de sua natureza viva, que 
a faz perpetuar-se enquanto se modifica, pode acarretar em um fenômeno 
sociopolítico indesejado, denominado preconceito linguístico, ao qual a escola 
deve sempre combater.
• A linguística aplicada aprofundou a relação da linguagem com o sujeito 
histórico ao ir além de uma função meramente reprodutora dos conhecimentos 
teóricos da Linguística. Ciência multifacetada de princípio, a linguística 
aplicada convoca várias áreas do saber, a refletir sobre os fenômenos sociais 
relevantes de modo a melhor fundamentar, teórica e metodologicamente, o 
ensino de língua materna.
82
AUTOATIVIDADE
1 As variedades regionais de uma língua caracterizam, segundo a linguística 
variacionista, um tipo de variação conhecida como diatópica (dia, através 
de; topus, lugar). Um exemplo desse tipo de variação é o uso que se faz de 
uma mesma línguaem diferentes nações, variações geralmente conhecidas 
como dialetos. É o caso que podemos observar entre a língua portuguesa 
falada em Portugal (português europeu) e a mesma língua falada no Brasil 
(português brasileiro). Assim a locução “grupo de crianças” no Brasil tem o 
mesmo valor semântico que “canalhas” em Portugal; um “cego” aqui é um 
“invisual” lá; um “puto” em Portugal é o mesmo que um “adolescente” no 
Brasil etc. A partir dessa reflexão, classifique V para as sentenças verdadeiras 
e F para as falsas:
( ) A partir das palavras de certo modo “sinônimas”, citadas na 
contextualização, entre o português do Brasil (grupo de crianças, cego, 
adolescente) e suas correspondentes no português de Portugal (canalhas, 
invisual, puto), podemos concluir que o português brasileiro é o mais 
correto e elevado.
( ) Se a língua portuguesa nasceu em Portugal, disso decorre que o português 
correto é o português falado em Portugal.
( ) O que se vê a partir dessas diferenças de linguagem entre os dois países é 
uma das constatações de que as línguas variam.
( ) Podemos pensar que se o brasileiro não fala exatamente igual ao português 
isso se deve a uma forma de protesto, de certo modo, de afirmação nacional 
desde o dia da independência do Brasil.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) A sequência correta é V – F – V – F. 
b) ( ) A sequência correta é F – F – V – F.
c) ( ) A sequência correta é V – F – F – F.
d) ( ) A sequência correta é V – F – V – V.
2 A Linguística Aplicada, ao centrar-se em questões socialmente relevantes 
da linguagem e em seu uso concreto por ______ em interação, liberta-se da 
ideia inicial de ser mera ______ dos conhecimentos teóricos estudados pela 
______. Constitui-se, assim, não como uma disciplina isolada, mas como 
______ de conjunção de diversos saberes voltados para um foco comum.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) animais – língua – linguagem – meio 
b) ( ) seres – fala – linguística – disjunção 
c) ( ) sujeitos – aplicação – linguística – meio
d) ( ) sujeitos – aplicação – língua – revelação
83
3 O preconceito linguístico em boa parte se fundamenta em ideias falsas 
acerca da língua. O falso na língua, nesse sentido, foi chamado pelo linguista 
Marcos Bagno de Mito, que em geral está fundado ideologicamente contra 
as verdadeiras expressões da língua observadas e demonstradas pela ciência 
linguística. Considerando as sentenças, associe os itens, utilizando o código 
a seguir:
I- Verdade linguística
II- Mito e preconceito linguístico
( ) Só em Portugal se fala bem a língua portuguesa.
( ) É preciso saber gramática para falar bem e adequadamente.
( ) As pessoas que não estudaram em escolas são ignorantes e inferiores.
( ) O português falado no Maranhão não é superior ao português falado em 
outras regiões do Brasil.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – II – I – II. 
b) ( ) II – I – I – II. 
c) ( ) II – II – II – I. 
d) ( ) II – II – I – II. 
84
85
TÓPICO 2
BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Observamos, no tópico precedente, os avanços da linguística variacionista 
– desde as contribuições de Saussure, Eugene Coseriu e seus continuadores – e 
também os avanços da linguística aplicada, na medida em que ambas disciplinas 
aproximaram seus construtos teóricos e suas metodologias do contexto 
interacional e das práticas discursivas mediadas pela linguagem, que, como 
veremos, está no centro do pensamento revolucionário de Bakhtin.
Assim, conceitos como dialogismo, gêneros de discurso e as concepções 
de sujeito e linguagem marcados pela história e pelas ideologias, foram e ainda 
são teorizações de valor operatório e produtivo, que constituem na atualidade 
um campo de pesquisa de valor evidente para os estudos transdisciplinares em 
linguística aplicada.
De fato, de sua evolução inicial como disciplina mais ligada à linguística até 
chegar a incorporar postulações-chave do pensamento bakhtiniano, a linguística 
aplicada alcançará o que na contemporaneidade se configura, para falar com Rojo 
(2006 apud SIGNORINI, 2008, p. 74), “como a busca de solução para problemas 
contextualizados, socialmente relevantes, ligados ao uso da linguagem e do 
discurso, e a elaboração de resultados pertinentes e relevantes, de conhecimento 
útil a participantes sociais em um contexto de aplicação”.
 
Quando se pretende discutir o campo de ensino e didática de língua 
materna, tanto no Brasil quanto no mundo, comparece em todo o campo conceitual 
a proposição bakhtiniana de gênero de discurso, ou gênero de texto, para alguns, 
com suas articulações e proposições de valor, assim como a sua contextualização 
sociopolítica, enquanto objeto de ensino de língua.
Quer-se com isso dizer que a entrada em cena dos gêneros discursivos 
otimizou a aquisição de competências curriculares – discussão, leitura e escrita 
– que tradicionalmente giravam ao redor de uma certa tipologia textual, a saber: 
descrição, narração, argumentação e dissertação; tornando-os dialógicos e mais 
palpáveis na medida em que situavam a língua em uso trazendo, por meio de um 
novo olhar sobre a linguagem, práticas voltadas a atuar e refletir sobre fenômenos 
sociopolíticos caros a educandos e educadores, como é o caso, comum a ambos, 
da cidadania.
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
86
2 FUNDAMENTOS DA TEORIA EM BAKHTIN
Bakhtin representa uma reviravolta nas concepções de sujeito e de 
linguagem. Provocou um tal redirecionamento da pesquisa científica – como 
também ocorreu com Saussure após a publicação dos cursos de linguística geral 
– que fez a língua e sua fundamentação migrarem para o campo da interação 
social, da ideologia e da história. 
Vale lembrarmos que Círculo de Bakhtin é a expressão cunhada por 
pesquisadores contemporâneos para se referir ao grupo de intelectuais russos que se 
reunia regularmente no período de 1919 a 1929, do qual fizeram parte Bakhtin, Volochinov 
e Medvedev. Bakhtin faleceu em 1975, Volochinov, no final da década de 1920 e Medvedev, 
provavelmente, na década de 1940. A opção pelo nome de Bakhtin para se referir ao 
grupo deve-se, em certa medida, à autoria de algumas obras de Volochinov (Marxismo 
e filosofia da linguagem, por exemplo) e Medvedev, atribuídas também a Bakhtin por 
alguns estudiosos, e pelo fato de a maioria dos textos do Círculo ser de autoria de Bakhtin. 
Os livros mais conhecidos do Círculo no Brasil são Marxismo e filosofia da linguagem 
(Bakhtin [Volochinov]), Estética da criação verbal (Bakhtin), Questões de literatura e estética 
(Bakhtin) e Problemas da Poética de Dostoievski (Bakhtin). Neste livro-texto usaremos tanto 
a expressão cunhada pelos pesquisadores quanto o nome Bakhtin para nos referirmos à 
teorização sobre a linguagem empreendida pelo grupo. Nas referências das obras, em 
que pese a questão da autoria, seguiremos a opção indicada pelo tradutor da obra, com a 
indicação da dupla autoria entre parênteses (RODRIGUES, 2011, p. 89).
IMPORTANT
E
Tal efeito, que em Saussure abalou as ciências humanas e filosóficas em 
geral, em Bakhtin tornou-o eixo para se pensar a linguagem e o sujeito em relação 
à aprendizagem e ao ensino de língua materna, que passaram a adquirir uma 
clara dimensão sociointeracional cuja pauta começou a centrar-se nas teorias da 
enunciação e dos gêneros discursivos, na contramão das abordagens estruturalista 
e de ensino de gramática tradicional. 
Bakhtin e seu Círculo ocuparam-se da construção de uma nova visão 
de língua e de linguagem, livre do subjetivismo da estilística de seu 
tempo e da abstração da linguística estrutural e do formalismo russo. 
Uma visão concreta do enunciado – tomado como unidade de sentido 
– que viesse a substituir tanto a sentença (oração) como o estilo em sua 
concepçãotradicional (ROJO, 2008, p. 95).
Conceito operativo e central em sua obra é a teoria dos gêneros discursivos, 
em virtude da qual se faz necessário um preâmbulo das principais ideias do 
pensamento bakhtiniano que os fundamentaram, especialmente o dialogismo e a 
teoria da enunciação, visto que esses conceitos inverteram o modo tradicional de 
pensar das teorias linguísticas – que em geral se davam como construtos teóricos 
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
87
destinados a refletir, de fora, a realidade da linguagem –, mas que o pensamento 
do filósofo russo submeteu a uma outra ordem, na qual a teoria passou a refletir 
sobre as realizações sociocomunicativas entre sujeitos contextualizados no tempo 
e na história. 
Se assim for, ou seja, se sob uma perspectiva social leva-se em conta a 
relação do sujeito na sociedade, da língua como meio de ação entre sujeitos, 
então também o pensamento se formaria por meio de um processo interacional 
e dinâmico de luta entre pensamentos próprios e pensamentos alheios, que 
acabariam se refletindo na expressão verbal de cada sujeito implicado.
“Se o diálogo permeia tudo, permeia a minha relação comigo mesma, então, 
não existe, na verdade, essa relação de um só. É tudo um resultado das relações, 
de linguagens, de vozes, ou seja, é tudo um resultado de relações polifônicas, dos 
recortes que você tem na sua relação com a linguagem” (FREITAS, 1994, p. 90).
2.1 O DIALOGISMO
FIGURA 8 – TEXTOS DA VIDA: DIÁLOGOS ENTRE ESCOLA E MUNDO
FONTE: Disponível em: <https://colegio8desetembro.files.wordpress.com/2009/11/mafalda4.
jpg>. Acesso em: 20 jul. 2017.
Pioneiro dos estudos da interação social por meio da linguagem, Bakhtin 
estabelece o diálogo como eixo de interlocução entre os sujeitos. Nessa linha de 
raciocínio, a realidade fundamental da linguagem não seria apenas a constatação 
de haver um fator social inerente à língua – como pensava Saussure e todo o 
pensamento estruturalista dele decorrente, que a considerava como um sistema 
depositado na mente individual dos falantes –, mas sim a interação verbal, cujo 
fundamento “[...] é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que 
se constitui na interação com o outro. Eu sou na medida em que interajo com 
o outro. É o outro que dá a medida do que sou. A identidade se constrói nessa 
relação dinâmica com a alteridade” (BRANDÃO, 2001 apud KOCH, 2011, p. 15).
Ao pensarmos em termos de linguística aplicada, um questionamento se 
faz salutar, a saber: qual impacto teria essa concepção dialógica de linguagem, 
de Bakhtin, sobre o ensino de língua, sobre a aprendizagem da leitura e da 
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
88
escrita? Quando substituímos o aprendizado convencional de sentenças que 
pairam acima da vivência concreta dos sujeitos em interação, quando a vida e 
a linguagem em diálogo passam a ser tomadas como fontes da enunciação, que 
resultados esperar? 
Se o dialógico está na base de todas as relações do homem com o homem, 
com o mundo, com as coisas, com o conhecimento, evidentemente o 
social vai permear todas essas relações. Não é possível, pois, a produção 
do conhecimento sem que você tenha como referência o outro. Essa 
visão do dialógico teria de ser absorvida e entendida pelo pedagógico, 
porque o pedagógico continua monológico e, na medida em que existe 
este monólogo, ele não leva a nada (FREITAS, 1994, p. 89).
Tal forma de se posicionar, de colocar o diálogo como eixo das relações 
segundo uma concepção dialética de linguagem, habilitaria Bakhtin a contrapor a 
fragmentação da linguagem instrumentalizada tanto pelo subjetivismo idealista 
quanto pelo objetivismo abstrato. 
De fato, na medida em que concebe a língua viva e em processo de 
evolução histórica a partir da realidade da interação verbal em situação concreta, 
a língua não pode mais ser pensada nem como sistema linguístico abstrato de 
formas da língua – objetivismo abstrato –, nem como psiquismo individual dos 
falantes – subjetivismo idealista.
A língua materna – sua composição vocabular e estrutura gramatical – 
não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, 
mas de enunciações concretas [enunciados concretos] que nós mesmos 
ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva 
com as pessoas que nos rodeiam (BAKHTIN, 2003, p. 282).
Assim, Bakhtin considera a concepção de homogeneidade da língua, 
originalmente pensada por Saussure, ligada ao objetivismo abstrato na medida 
em que tal concepção não prevê as efetivas relações dialógicas que se dão na 
concretude social dos sujeitos em interação. Essencialmente tal concepção de 
língua é abstrata por dar prevalência a entendê-la, não do ponto de vista dos 
falantes, mas como um objeto externo, exterior, que faz da língua, em última 
instância, “um objeto que precisa ser atingido e decifrado, analisado, adquirido. 
A própria língua perde o seu caráter de unidade social e é ensinada aos alunos 
como conjunto de códigos sem vida e sem significação, necessitando ser decifrada” 
(FREITAS, 1994, p. 105).
Ao contrário do objetivismo abstrato, que se recusa a conceber um 
sujeito histórico e em interação, o filósofo russo descreve a linguagem como um 
construto ideológico inerente às relações sociais. Assim, para Bakhtin (1997, p. 
123), “a verdadeira substância da língua é constituída [...] pelo fenômeno social da 
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação 
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”.
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
89
“A escola estuda a língua desligada da vida. Bakhtin argumenta que só há 
compreensão da língua dentro de sua qualidade contextual, [...] para ele a língua 
é um fenômeno puramente histórico e não pode ser estudado sem vinculações 
com suas funções sociais” (FREITAS, 1994, p. 105).
Por outro lado, contra o subjetivismo idealista, o autor combate a ideia de 
primazia do indivíduo, pois este, ao falar, sempre tem implicado alguém ou uma 
situação sociopolítica maior, que o levaria a conceber uma abordagem distinta de 
um “ato da fala de criação individual como fundamento da língua, dicotomizando 
vida interior-vida exterior, com prevalência no polo subjetivo. Para Bakhtin, o 
centro organizador de toda enunciação não é interior, mas está situado no meio 
social que envolve o indivíduo” (FREITAS, 1994, p. 104).
Com tal construção teórica, Bakhtin apresenta uma nova forma de 
compreensão do que seja a linguagem, acrescentando um terceiro modelo – a 
língua como processo de interação – aos dois modelos preexistentes que concebem 
a língua ora como produção exclusiva de uma consciência individual, cartesiana 
e autoritária, ora como uma instância comunicativa produzida fora do sujeito.
DICAS
Antes de prosseguirmos, convidamos você a aprofundar-se na presente 
temática através de uma breve releitura do item 3.2, do Tópico 2, da Unidade 1 do livro 
didático, em que esboçamos em linhas gerais as três formas de conceber a linguagem e 
suas possíveis consequências para as abordagens didáticas em sala de aula.
De fato, a concepção de linguagem varia conforme a concepção de sujeito 
a que ela se refere. Assim, pensar a língua, por exemplo, como representação 
do pensamento é o mesmo que associá-la a um sujeito individual dono de suas 
vontades e de suas ações, sujeito este que, aparentemente não ideológico, agindo, 
como em uma ficção, fora de um contexto real e histórico, pretende ter a sua 
representação mental captada pelo interlocutor tal como ele vê em sua mente. 
Contra tal concepção “alienada” de sujeito e de linguagem “não 
ideológica”, reagiria o pensamento do círculo bakhtiniano demonstrando que a 
verdadeira situação discursiva nunca se dá fora da situação social de interação, 
isto é, de um alguém situado histórica e ideologicamente, para outro alguém, 
situadoda mesma forma, para quem aquele se dirige.
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
90
Nenhuma comunicação é neutra ou ingênua, no sentido de que nela 
estão em jogo valores ideológicos, dos sujeitos da comunicação. 
Em outras palavras, as relações entre sujeitos são marcadamente 
ideológicas e os discursos que circulam entre eles e que estabelecem 
os laços de manipulação e de interação são, por definição, também 
ideológicos, marcados por coerções sociais (BARROS, 2011, p. 50).
Assim, na concepção da linguagem como expressão do pensamento, que 
está na base de fundamentação do subjetivismo idealista, não haveria interação 
real entre as pessoas implicadas no contexto da interlocução, pois o sujeito da 
enunciação seria o único responsável pelos sentidos partilhados, e a língua, 
aqui pensada como um evento fora da história, serviria apenas como meio para 
transmissão dos pensamentos do falante para o ouvinte.
João Wanderley Geraldi sintetiza, de modo resumido e didático, as três 
concepções de linguagem que estudamos na primeira unidade do livro didático. Para o 
autor: 
• A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilumina, basicamente, os 
estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a afirmações 
– correntes – de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam.
• A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à teoria da 
comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se combinam segundo 
regras) capaz de transmitir ao receptor uma mensagem. Em livros didáticos, é a concepção 
confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja 
abandonada nos exercícios gramaticais.
• A linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de 
informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação 
humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, 
a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e 
vínculos que não preexistiam à fala. 
As três concepções corresponderiam a três correntes de estudos linguísticos, 
respectivamente: gramática tradicional, estruturalismo, e linguística da enunciação.
FONTE: GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.
NOTA
Por outro lado, a concepção de linguagem como inserida dentro de uma 
rede de comunicação (emissor, mensagem, receptor, referente, canal e código) 
retira da palavra o seu sentido vivencial e ideológico, de estar concretamente 
situada na boca de alguém que fala de modo a provocar/reagir algo em outro 
alguém, ambos relacionados simultaneamente.
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
91
Os sujeitos da comunicação não podem ser considerados como casas 
vazias e sim como casas cheias de projetos, aspirações, emoções, 
conhecimentos, crenças, que vão determinar os modos de persuadir e 
as formas de interpretar. As estratégias de persuasão e as interpretações 
variam, assim, historicamente, de cultura para cultura, de sociedade 
para sociedade (de classe social para classe social). Fecha-se o círculo: 
os conhecimentos, crenças, sentimentos e valores dos sujeitos são 
resultantes de outras tantas relações de comunicação-manipulação-
interação anteriores e vão se modificando e construindo, portanto, 
outros sujeitos a cada nova relação de comunicação (BARROS, 2011, 
p. 49).
Entretanto, na tese estruturalista do objetivismo abstrato, fundamentada 
pela ideia de linguagem como meio de comunicação, o sujeito está em uma 
relação reativa aparentemente guiada pelo sistema “língua”.
Na concepção de língua como código – portanto, como mero 
instrumento de comunicação – e de sujeito como (pre)determinado 
pelo sistema, o texto é visto como simples produto da codificação 
de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a 
este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez 
codificado, é totalmente explícito. Também nessa concepção o papel 
do “decodificador” é essencialmente passivo (KOCH, 2011, p. 16).
Na contramão dessas duas concepções de linguagem, há a concepção 
dialógica e interacional da língua, em que os sujeitos permanecem ativos no que 
seria um processo unilateral de “comunicação”. Destarte, um dos aspectos da 
teoria bakhtiniana que se tornam centrais é que, no processo de comunicação, 
os falantes se constroem enquanto constroem juntos o texto, quer dizer, os 
participantes modificam-se, transformam-se, vão se sabendo enquanto interagem:
Há, portanto, uma inversão de perspectiva: os sujeitos da comunicação 
não são dados previamente, mas constroem-se ao comunicar-se. Bakhtin 
afirma que, no diálogo, constroem-se as relações intersubjetivas, mas 
também a subjetividade. Os sujeitos são, na verdade, substituídos 
por diferentes vozes que fazem deles sujeitos históricos e ideológicos 
(BARROS, 2011, p. 43).
2.2 A ENUNCIAÇÃO
Para Bakhtin (2003, p. 283), “aprender a falar significa aprender a 
construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas 
e, evidentemente, não por palavras isoladas)”, o que implica em considerar como 
realidade fundamental da língua a interação verbal, portanto diametralmente 
oposta à concepção da linguística moderna saussuriana que pensa a língua como 
“sistema”.
A língua, nesse sentido não sistemático, é uma língua-discurso que se 
materializa através de enunciados que expressam a unidade real da comunicação, 
malgrado ser parcialmente colocada em funcionamento por um ato individual 
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
92
do discurso: “enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em 
relação à língua, como um processo de apropriação. O locutor se apropria do 
aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por meio de índices 
específicos, de um lado, e por meio de procedimentos acessórios, de outro” 
(BENVENISTE, 1970 apud GERALDI, 1996, p. 12).
O enunciado, nessa abordagem, é um acontecimento único com clara 
orientação social – de dimensão verbal e extra-verbal dadas entre um autor ativo, 
um destinatário também ativo e certa entonação expressiva valorativa – que 
jamais se repete em uma comunicação discursiva, malgrado também responda, 
em um processo dialógico, a outros enunciados anteriormente produzidos.
O enunciado é o produto da interação de dois (ou mais) sujeitos 
socialmente organizados. A palavra, o discurso, dirige-se a um 
interlocutor, seja ele imediato ou não, situado socialmente. Não 
há, pois, enunciado dirigido ao abstrato; o outro, mesmo que seja 
presumido ou um desdobramento do próprio eu, é a contrapartida, a 
medida da nossa fala (RODRIGUES, 2011, p. 94).
Por não surgir do nada, mas de inter-relações discursivas, o enunciado 
nunca é primeiro nem jamais será o último, pois todo enunciado refuta, 
complementa, afirma, nega, avalia, enfim, se posiciona perante outros enunciados 
já existentes ou apenas supostos, o que implica em dizer que cada enunciado traz 
as marcas dos enunciados que o antecederam, configurando-se como elo em uma 
cadeia discursiva.
Enunciado, para Bakhtin, é a “unidade real da comunicação verbal”. É o uso 
concreto da língua, sendo que a comunicação só existe “na forma concreta dos enunciados”. 
O enunciado é, portanto, individual, mas realizado por um interlocutor considerado 
como social, no sentido de que é perpassado sempre por outras vozes. Isto nos leva à 
compreensão das demais características essenciais do enunciado apontadas por Bakhtin. Se 
o interlocutor é social, isto significa que seu enunciado (ou seu discurso, sua comunicação) 
sempre se dirige a alguém. A pessoa com quem nos comunicamos, por sua vez, é também 
um interlocutor, que responde ativamente, concordando, discordando, completando ou 
adaptando a interlocução do outro. Essacompreensão responsiva ativa, de que nos fala 
Bakhtin, difere radicalmente da concepção linguística tradicional, que considerava o diálogo 
como um processo de comunicação entre um locutor ativo e outro passivo. A linguagem 
não pode ser considerada apenas como a comunicação de um que comunica e outro que 
recebe, de forma mecânica, exata, como a gramática prescreve. Na verdade, as fronteiras 
do enunciado, tais como Bakhtin as compreende, não se limitam ao fim de uma fala e 
início de outra, simplesmente. As fronteiras são traçadas por alternâncias entre os sujeitos 
enunciadores, e são delimitadas pela instância social e não apenas pelos fatos de ordem 
linguística.
FONTE: GESSER, A. et al. Linguística Aplicada. Disponível em: <http://www.libras.ufsc.
br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/linguisticaAplicadaAoEnsinoDeLinguas/
assets/429/Texto_Base_Ling_Aplic.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
NOTA
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
93
Se os enunciados, apesar de seu ineditismo vivencial, não inauguram 
propriamente novas temáticas do discurso sem responderem a outras já 
preexistentes, implica em reconhecer para as formas possíveis de enunciados 
certa estabilidade típica ou coerções existentes na comunicação discursiva sem as 
quais a comunicação se tornaria inviável. A estes enunciados Bakhtin (2003, p. 283) 
chama de gêneros do discurso: “se os gêneros do discurso não existissem e nós 
não os dominássemos, se tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo 
do discurso, de construir livremente e pela primeira vez a cada enunciação, a 
comunicação discursiva seria quase impossível”.
3 A TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS
A problematização dos gêneros discursivos na comunicação esteve 
inicialmente ligada não aos estudos linguísticos em si, mas ao âmbito singular 
da literatura, quando Bakhtin se debruçava sobre a literatura francesa medieval – 
estudando fenômenos como a carnavalização em François Rabelais – e, de modo 
especialmente singular, quando aprofundou a sua pesquisa sobre a poética, a seu 
ver polifônica, de Fiódor Dostoievski:
O foco de Bakhtin, seu corpus e seu problema privilegiado, é o romance 
polifônico (Dostoievski, Rabelais). São a teoria da enunciação e o 
romance polifônico como objetos de estudo que demandam do Círculo 
uma revisão do conceito de gênero literário, que o estende para além da 
arte verbal: para a vida e para a ética, para além da estética (ROJO, 
2008, p. 95).
O termo gêneros remonta à base indo-europeia gen-, que significa “gerar”, 
“produzir”. Acrescente-se que, em latim, relacionam-se com essa base o substantivo genus, 
generis (que significa “estirpe”, “linhagem”) e o verbo gigno, genui, genitum, gignere (que 
significa “gerar”, “criar”, “produzir”). Assim, para Faraco (2003, p. 108), “esse segmento vocabular 
se desenvolve a partir da semântica do processo de gerar (procriar) e dos produtos da 
geração (da procriação). Por essa breve digressão etimológica do termo, podemos observar 
duas noções teóricas distintas de gêneros do discurso que se constituíram historicamente: 
uma centrada no produto, de visão taxonômica, e outra centrada no processo, de visão 
interativa (RODRIGUES, 2011, p. 106).
NOTA
Para Bakhtin (2003), nós nos comunicamos por meio de enunciados 
situados pelos gêneros discursivos aos quais aqueles pertencem. O autor (2003, 
p. 279) ressalta que: “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados 
(orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou 
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
94
doutra esfera da atividade humana, [que produzem] tipos relativamente estáveis 
de enunciados” a que denominou gêneros do discurso, e com os quais é possível 
prever grande diversidade de enunciados.
O deslocamento sucessivo dos gêneros literários para os gêneros 
linguísticos (Bakhtin, Voloshinov) e, finalmente, para os gêneros do 
discurso (Bakhtin), opera a extensão do conceito para todas as formas 
de discurso da vida e da atividade humana e recoloca-o, de forma 
sociossituada, no fluxo das mais variadas formas de relação social 
(esferas ou campos de atividade humana) (ROJO, 2008, p. 95).
Vimos, na primeira unidade do presente livro didático, que qualquer 
sujeito, independentemente do seu grau de escolarização, sabe comunicar-se em 
sua língua materna por ter implícita uma competência linguística internalizada 
que o faz operar uma certa gramática, saiba ele ou não desse conhecimento – 
gramática que chamamos de internalizada – que portanto independe de qualquer 
aprendizagem sistemática.
O diálogo com os estudos bakhtinianos [...] parece explicar a assunção 
do gênero do discurso (e não das formas, das normas, das regras, 
da gramática e das tipologias) como objeto de ensino das línguas e 
das linguagens. Se as tipologias e as gramáticas se apresentam como 
formas autoritárias, modelares, prescritivas, centrípetas; os gêneros 
são mais flexíveis e aptos a uma abordagem persuasiva, às apreciações 
de valor, à abordagem criativa, centrífuga (ROJO, 2008, p. 97).
Assim, os gêneros discursivos são apropriados pelos sujeitos do mesmo 
modo que a gramática internalizada, pois tal competência não advém de uma 
assimilação gramatical presente em dicionários e estudada enquanto conjunto de 
regras, léxico e estruturas sintáticas, mas sim através de enunciações concretas – 
dos gêneros discursivos que circulam em uma determinada área de comunicação 
– que os indivíduos de uma cultura compartilham entre si.
Em linhas gerais, Ingedore Koch apresenta as principais características dos 
gêneros discursivos ou textuais em conformidade com o contexto interacional de uso. Para 
a autora, “a competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os à detecção do 
que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais. Essa competência leva 
ainda à diferenciação de determinados gêneros de textos, como saber se se está perante 
uma anedota, um poema, um enigma, uma explicação, uma conversa telefônica etc. Há o 
conhecimento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpretação de um 
texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, averiguar se em um texto 
predominam sequências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo. 
Não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo de uma anedota ou 
carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um texto de 
opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante. 
NOTA
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
95
O contato com os textos da vida cotidiana, como anúncios, avisos de toda ordem, artigos 
de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos, literatura de apoio à 
manipulação de máquinas etc. [...] Assim sendo, todos os nossos enunciados se baseiam em 
formas-padrão e relativamente estáveis de estruturação de um todo. Tais formas constituem 
os gêneros, ‘tipos relativamente estáveis de enunciados’, marcados sócio-historicamente, 
visto que estão diretamente relacionados às diferentes situações sociais. É cada uma dessas 
situações que determina, pois, um gênero, com características temáticas, composicionais 
e estilísticas próprias. 
[...] Dessa forma, em termos bakhtinianos, um gênero pode ser assim caracterizado:
• São tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os 
gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;
• Além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;
• Trata-se de entidades escolhidas tendo em vista as esferas de necessidade temática, o 
conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor.
FONTE: KOCH, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2011.
Os gêneros, ao serem pensados como formas relativamente estáveisde 
enunciado, respondem de certo modo à liberdade do falante prevista na Parole 
saussuriana, pois enquanto Saussure acreditava que o falante iria ao sistema 
língua e produzia um idioleto/fala, ou seja, um modo próprio de expressar-se 
através do socioleto/língua; para Bakhtin o enunciado não seria uma combinação 
de formas livres da língua, mas sua expressão em gêneros discursivos dariam ao 
falante maior flexibilidade no trato com a linguagem do que as formas decorrentes 
do estruturalismo saussuriano.
Ao considerar os gêneros vinculados às atividades humanas, e sabendo 
que essas atividades jamais se esgotam, é reconhecer que também os gêneros 
discursivos da linguagem se dão em uma cadeia complexa e heterogênea de 
formas ligadas a cada esfera social em transformação. Bakhtin então propõe 
diferenciá-los, conforme as esferas culturais da comunicação, em gêneros 
primários e gêneros secundários.
 Os gêneros primários dariam conta da ideologia do cotidiano nas 
comunicações discursivas mais imediatas, por exemplo, os relatos diários, a 
conversa familiar, o bilhete, a carta, situações de interação face a face etc., também 
podemos incluir as mensagens de celular e formas rápidas praticadas no mundo 
virtual, como facebook, instagram, whatssapp etc.
Os gêneros secundários dão conta das formas de comunicação e 
interação mais complexas, sistematizados em sistemas ideológicos solidamente 
constituídos, muitas vezes ligados à modalidade escrita da linguagem em cuja 
forma composicional tendem a ser monologizantes, como as esferas religiosa, 
acadêmica, científica, artística, jornalística, de que são exemplos a tese universitária, 
as editorias de jornal, os romances e poemas, os roteiros cinematográficos etc.
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
96
O principal traço que distingue os gêneros primários não é propriamente 
as formas estáveis de enunciados, os agrupamentos estanques, mas sim a esfera 
social ao qual eles estão vinculados, portanto não há relação direta, como se 
poderia supor, entre os gêneros primários e a oralidade, assim como não há 
implicação necessária entre os gêneros secundários e a escrita.
Assim uma palestra, ainda que realizada oralmente, é um gênero 
secundário, pois se vincula a uma esfera da comunicação do âmbito 
das ideologias formalizadas e sistematizadas; enquanto um bilhete, 
apesar de escrito, é um gênero primário, uma vez que emerge da 
comunicação cotidiana imediata, no âmbito da ideologia do cotidiano 
(SOARES, 2009, p. 18).
Dessa forma, em não sendo formas estanques, a despeito da situação 
comunicativa e da situação de onde emergem, os gêneros se constituem enquanto 
marcas linguísticas e sociais de estabilidade relativa, pois podem transitar ou 
serem transferidos de uma esfera social à outra, adquirindo e dando origem 
a novas formas, especialmente quando os gêneros secundários absorvem e 
reelaboram dados diversos dos gêneros primários; formas que podem evoluir, 
desaparecer, serem novamente reabsorvidos, sempre em conformidade com as 
transformações históricas de cada cultura.
De fato, a crescente complexização das atividades humanas é uma marca 
histórica que relaciona diretamente esse processo de aparecimento, reelaboração 
ou desaparecimento dos gêneros discursivos, o que torna relevante para os sujeitos 
implicados nesse processo histórico é que quanto esses mesmos sujeitos mais 
participam de atividades ou compartilham um maior número de experiências, 
evidentemente acessam e compartilham também um maior número de gêneros 
discursivos:
A internet, por exemplo, possibilitou novas formas de interações 
discursivas e, consequentemente, o aparecimento de novos gêneros, 
como o e-mail, o Chat. O desenvolvimento dessas formas de comunicação 
verbal tem a sua origem em outros gêneros preexistentes, a carta, 
no primeiro caso, a conversa, no segundo. Todavia, o aparecimento 
desses novos gêneros não extinguiu e nem substituiu aqueles que o 
originaram (SOARES, 2009, p. 18).
Nos processos discursivos interacionais, ou mesmo no discurso 
individual, é o conhecimento dos gêneros do discurso que estabelece a medida 
de uma comunicação possível, que dá ao falante a direção por meio da qual, a 
cada instante e em cada meio de interação, poderá materializar sua intenção 
em enunciados: bilhete, relatos, ordens de serviço, crônica jornalística, poema, 
seminário etc. Comunicar-se e interagir em diversas esferas sociais pressupõe, 
portanto, o uso adequado das modalidades de gênero discursivo.
TÓPICO 2 | BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS
97
Algumas modalidades de gêneros discursivos:
• Gêneros da esfera do cotidiano: conversação familiar, conversação social, diário íntimo, 
carta pessoal, convite etc.
• Gêneros da esfera jornalística: reportagem, entrevista, notícia, editorial, artigo etc.
• Gêneros da esfera da publicidade: anúncio, prospecto etc.
• Gêneros da esfera artística: poema, conto, romance, drama, fábula, história em quadrinhos 
etc. 
• Gêneros da esfera científica: artigo, tese, conferência, resenha etc.
• Gêneros da esfera da produção: ordem de serviço, manual de instrução, aviso (informações), 
pauta etc.
• Gêneros da esfera religiosa: sermão, encíclica, parábola etc.
• Gêneros da esfera de negócios/administração: contrato, ofício, memorando, requerimento, 
carta oficial, ata etc.
• Gêneros da esfera jurídica: lei, decreto, petição etc.
• Gêneros da esfera escolar: resumo, dissertação, seminário, livro didático etc.
NOTA
Assim, ao registrarem e dessa forma testemunharem as mudanças 
cotidianas e a transformação dos valores em sociedade, os gêneros discursivos 
acabam se constituindo enquanto elos entre as transformações sociais e as 
transformações linguísticas dadas através do tempo. 
Diante dessa ressignificação da noção de gêneros, percebemos que a 
variedade e a riqueza dos gêneros são extremamente grandes, porque 
as possibilidades da atividade humana são inesgotáveis e porque, 
como já discutimos, em cada esfera existe um repertório de gêneros 
particulares que se diferencia e cresce à medida que a própria esfera se 
desenvolve e se complexifica (RODRIGUES, 2011, p. 108).
Como disse Bakhtin (2003, p. 268), é no gênero discursivo que está 
registrada a história de uma língua, pois “nenhum fenômeno novo (fonético, 
léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um 
complexo e longo caminho de experimentação e elaboração dos gêneros e estilos”.
98
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você viu que:
• A fundamentação teórica dos gêneros do discurso foi pautada por alguns 
postulados centrais do pensamento de Bakhtin, dentre os quais cabe destacar 
o dialogismo, a compreensão de língua como processo discursivo de interação 
social, a ideologia, e a língua em uso através do jogo das enunciações.
• Para Bakhtin, os gêneros do discurso dão-se a partir da constatação de que eles 
têm um caráter dinâmico e histórico, não sendo formas estáveis ou atividades 
estanques pautadas por determinadas características formais – definição esta 
que seria mais correlata ao estruturalismo saussuriano do que à concepção 
bakhtiniana.
• Os gêneros do discurso estão relacionados às diversas situações interativas das 
esferas sociais da comunicação humana e, portanto, a linguagem passa a ser 
pensada em interação entre emissores e receptores ativos, em acordo com os 
contextos ideológicos e as ações concretas de sujeitos situados historicamente. 
• As postulações bakhtinianas se opuseram tanto às teses do subjetivismo 
idealista – que pensa a linguagem limitada a expressar conteúdos de ordem 
interior, como mera transmissão do pensamento de um indivíduo – quanto 
às teses do objetivismo abstrato, herdeiro do estruturalismo saussuriano, 
segundo o qual o sujeito, situado entre outros elementos da comunicação, 
estaria lançado aleatoriamente no jogo comunicacional, ora comoemissor, ora 
como receptor/decodificador de mensagens.
• Ao contrário do subjetivismo idealista e do objetivismo abstrato, para Bakhtin 
a interação verbal se dá no diálogo e não em uma forma de comunicação 
unidirecional, ou face a face, mas de toda a esfera – histórica, dialógica e 
ideológica – da comunicação verbal.
99
AUTOATIVIDADE
1 Para Bakhtin (1997), a linguagem exerce um papel preponderante na formação 
______ dos sujeitos e nos sistemas ______ da sociedade humana, pois a sua 
natureza _______ não faz a linguagem pairar acima da realidade concreta 
dos sujeitos, mas inserir-se de modo contínuo em um processo histórico de 
______ sociodiscursiva.
FONTE: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) dialógica – corporativos – interação – diálogo 
b) ( ) sociopolítica – corporativos – linguística – humanização 
c) ( ) dialogante – ideológicos – humana – interação
d) ( ) sociopolítica – ideológicos – dialógica – interação
2 Bakhtin (1997), ao postular a tese de que a linguagem se dá na interação 
de sujeitos situados historicamente, desfaz as concepções de certo modo 
“alienadas” de linguagem presentes, ora no subjetivismo idealista, ora no 
objetivismo abstrato. Para o subjetivismo idealista a linguagem teria a função 
de expressar o pensamento de alguém independentemente do contexto 
social, associando-a a um modelo mental de expressão de pensamentos 
individuais. Para o objetivismo abstrato a linguagem é apresentada, por sua 
vez, apenas como um instrumento de comunicação, que paira a despeito da 
realidade histórica dos falantes. Considerando essas informações, associe os 
itens, utilizando o código a seguir:
FONTE: BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
I- Subjetivismo idealista
II- Objetivismo abstrato
( ) Advindo do estruturalismo saussuriano, tal corrente de pensamento sustenta 
que a linguagem é uma das peças salutares da esfera comunicacional.
( ) Propõe seis elementos da comunicação: emissor, mensagem, receptor, 
referente, código e canal. A linguagem, como um código linguístico, existiria 
a despeito da situação concreta de uso.
( ) Corrente que pensa a linguagem como desdobramento do próprio eu, de 
um sujeito que exteriorizaria o seu pensamento independentemente das 
condições históricas de produção de sentido.
( ) Nessa corrente de pensamento, o emissor é ativo, pois é ele quem emite a 
mensagem; o receptor é passivo, na medida em que sua função restringe-se 
a decodificar a mensagem do emissor.
100
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – II – I – II. 
b) ( ) II – I – I – II. 
c) ( ) I – II – I – I. 
d) ( ) II – II – I – II. 
3 Segundo Bakhtin (2003), há um elo inalienável entre os enunciados e 
os gêneros do discurso, pois aqueles se ancoram em formas típicas, 
relativamente estáveis, que estruturam o discurso entre sujeitos situados 
em uma determinada esfera social. Assim, os enunciados produzidos nas 
atividades humanas seriam sempre construídos a partir de um gênero 
do discurso, que pode variar, a título de exemplo, na esfera do trabalho 
(ordem, padronização), na esfera íntima (diálogo), na esfera jornalística 
(carta, editorial), na esfera escolar (livro didático, provas) etc. A partir dessa 
reflexão, é correto afirmar que:
FONTE: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
a) ( ) Certas expressões, como “era uma vez”, “alô”, e “misture os ingredientes 
para obter uma massa homogênea”, em nada podem ser associados a 
gêneros discursivos cujos enunciados costumam aparecer em “contos de 
fada”, “telefonemas” e “receita culinária”, respectivamente.
b) ( ) Segundo Bakhtin, nós sempre nos comunicamos – e nossos enunciados 
são sempre construídos e significados – por meio de modalidades de gêneros 
discursivos. 
c) ( ) Devido à sua relação com o universo social, os gêneros discursivos 
impossibilitam ver, agir e pensar de modo a poder julgar o mundo.
d) ( ) Entre os gêneros discursivos e os enunciados não há relações linguísticas 
em comum.
101
TÓPICO 3
GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
UNIDADE 2
1 INTRODUÇÃO
Em se pensar, enquanto finalidade central da educação, a tarefa de 
constituir a escola como espaço de acesso ao universo de textos das mais diversas 
esferas sociais requer um redimensionamento dos currículos escolares de modo 
a que eles possam capacitar os educandos para um uso mais eficaz da linguagem, 
apontando para formas de uso que vão além das ações triviais de comunicação.
Assim, o ato de comunicar-se pode ser pensado não apenas como atividade 
diária de busca e transmissão de informações, mas também como forma de ação 
capaz de também desenvolver – a partir de uma abordagem sociointeracional 
da linguagem cuja fundamentação está em Bakhtin – a reflexão necessária para 
tornar os educandos sujeitos críticos, participantes e cidadãos.
Nesse sentido, autores filiados à Linguística Aplicada, ao repensarem o 
construto teórico em Bakhtin sob uma perspectiva transdisciplinar, reverberam 
a importância da elaboração de propostas didáticas que tornem mais operativos 
os trabalhos em sala de aula com gêneros discursivos, o que, em última instância, 
significa repensar o conceito de gênero desde a sua instância teórica bakhtiniana 
até em instâncias mais específicas da esfera escolar. 
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, nesse sentido, ao incorporarem 
aos estudos linguísticos a dimensão histórica e político-ideológica proposta 
pelo Círculo de Bakhtin, revelam um caráter inovador que propõe ao ensino 
a discussão recontextualizada em torno dos gêneros do discurso, convocando 
os campos de saberes da linguística aplicada a um esforço conjunto de melhor 
didatização dos trabalhos com os gêneros.
Assim, o conceito de gênero do discurso, tal qual se deu como construto 
teórico em Bakhtin, passa a ser desarticulado de sua instância original para 
poder ser rearticulado como objeto de ensino de língua materna, dessa forma 
promovendo um deslocamento de sentido de modo a tornar relevante a sua 
reintrodução como elemento didático em sala de aula.
Entretanto, esse deslocamento dos gêneros do discurso – tal como ocorrem 
no mundo social, com toda a complexidade e heterogeneidade características 
dos eventos imprevisíveis da vida – em direção à esfera escolar pode acarretar 
o risco de vê-los reduzidos a formas estanques de enfoque didático. Destarte, a 
102
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
abordagem dos gêneros na escola não pode prescindir de didáticas mais flexíveis 
e criativas que repensem continuamente a linguagem, seus usos e os modos de 
aprendizagem da realidade contemporânea – foro da linguística aplicada.
Pretender tal horizonte de inovação não significa abdicar do construto 
teórico bakhtiniano, mas sim reinseri-lo em contextos mais dinâmicos e 
reclamados pela atualidade. Assim os gêneros discursivos, e todas as abordagens 
socialmente relevantes para os educandos, devem inovar-se continuamente, 
mas sem jamais abdicar da tese bakhtiniana que concebe o texto como eixo de 
interação social. 
2 AULA COMO GÊNERO DISCURSIVO
FIGURA 9 – LINGUAGEM COMO EVENTO NÃO ABSTRATO 
FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-Q-PmkQCtaSE/UXpxRyuvvII/AAAAAAAA-
FK8/jb1nM3-Vi8E/s1600/601758_10151564295224631_552361827_n.jpg>. Acesso em: 
20 jul. 2017.
Pensar os gêneros discursivos em sala de aula, numa perspectiva de 
Linguística Aplicada, é incorporar, para refletir acerca das questões socialmente 
relevantes para os educandos, uma perspectiva bakhtiniana cujo eixo se paute 
por priorizar aspectos didático-pedagógicos ligados à interação e aos aspectos 
sociais do discurso.
“A situação escolar apresenta uma particularidade: nela se operauma 
espécie de desdobramento que faz com que o gênero deixe de ser apenas 
ferramenta de comunicação, passando a ser, ao mesmo tempo, objeto de ensino-
aprendizagem” (KOCH, 2011, p. 56).
Uma dessas perspectivas, apontada por teóricos de filiação 
sociodiscursiva, seria incorporar às tipologias textuais tradicionalmente 
trabalhadas nas escolas – conhecidas como ordens do narrar, do relatar, do 
argumentar, do prescrever etc. – trabalhos didáticos e progressivos em torno 
dos gêneros do discurso, vinculando-os a cada tipo textual – narração, descrição, 
TÓPICO 3 | GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
103
argumentação etc. – agrupando os diversos gêneros que mantêm uma mesma 
estrutura composicional à tipologia textual mencionada.
A ideia é de que o gênero é utilizado como meio de articulação entre 
as práticas sociais e os objetos escolares, particularmente no que diz 
respeito ao ensino da produção e compreensão dos textos, escritos ou 
orais. Definindo-se atividade como um sistema de ações, uma ação 
de linguagem consiste em produzir, compreender, interpretar e/ou 
memorizar um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos, 
isto é, um texto (KOCH, 2011, p. 56).
Os gêneros discursivos na escola, ao serem aqui pensados enquanto 
dimensão textual, apontam para uma clara direção do texto como eixo central 
de interação a que devem pautar-se os saberes transdisciplinares que refletem a 
escola, e que se propõem a construir ferramentas didáticas que visam melhorar o 
desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem. 
Desenvolver, ou mesmo produzir linguagem – na acepção bakhtiniana 
do termo, e no modo como é retomada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais 
– significa produzir discursos nunca de modo aleatório, mas vinculados às 
condições em que os próprios discursos são realizados, ou seja, enquanto 
processo de interação, que é quando alguém diz algo para outro alguém, de uma 
determinada forma, em um certo contexto.
Quando se interage verbalmente com alguém, o discurso se organiza 
a partir dos conhecimentos que se acredita que o interlocutor possua 
sobre o assunto, do que se supõe serem suas opiniões e convicções, 
simpatias e antipatias, da relação de afinidade e do grau de 
familiaridade que se tem, da posição social e hierárquica que se ocupa 
em relação a ele e vice-versa. Isso tudo pode determinar as escolhas 
que serão feitas com relação ao gênero no qual o discurso se realizará 
(BRASIL, 2000, p. 25).
Se os Parâmetros Curriculares foram pensados como liames de um 
projeto educativo comprometido com a cidadania, então costurar elos de sentido 
e aplicabilidade pedagógica entre linguagem e participação social passaria a ser a 
finalidade do construto educacional, cuja responsabilidade é “tanto maior quanto 
menor for o grau de letramento das comunidades em que vivem os alunos” 
(BRASIL, 2000, p. 23).
Assim, se propusermos um pequeno breviário do significado de 
letramento, aqui no sentido empregado nos Parâmetros Curriculares Nacionais 
– cabendo aqui destacar a não existência de um grau zero de letramento que 
tornasse impossível a participação dos sujeitos nas práticas sociais que envolvem 
a linguagem –, ele poderia ser entendido enquanto “produto da participação 
em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São 
práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda 
que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever” (BRASIL, 
2000, p. 23).
104
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
A título de exemplo, observemos o cotejamento entre algumas abordagens 
didáticas presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e sua filiação com algumas 
formulações teóricas do Círculo de Bakhtin:
NOTA
PCN BAKHTIN
Os textos organizam-se sempre dentro 
de certas restrições de natureza temática, 
composicional e estilística, que as 
caracterizam como pertencentes a este ou 
àquele gênero. Desse modo, a noção de 
gênero, constitutiva do texto, precisa ser 
tomada como objeto de ensino (PCN, p. 23). 
Todos esses três elementos – o conteúdo 
temático, o estilo e a construção 
composicional – estão indissoluvelmente 
ligados no todo do enunciado e 
são igualmente determinados pela 
especificidade de determinada(o) esfera/
campo da comunicação. Evidentemente, 
cada enunciado particular é individual, mas 
cada esfera/campo de utilização da língua 
elabora seus tipos relativamente estáveis de 
enunciados, sendo isso que denominamos 
gêneros do discurso (BAKHTIN, 1952-
53/1979:262).
Ao tomar a língua materna como objeto 
de ensino, a dimensão de como os 
sujeitos aprendem e de como os sujeitos 
desenvolvem sua competência discursiva 
não pode ser perdida. O ensino de língua 
portuguesa deve se dar num espaço em 
que as práticas de uso da linguagem sejam 
compreendidas em sua dimensão histórica 
e em que as necessidades de análise e de 
sistematização teórica dos conhecimentos 
linguísticos decorram dessas mesmas 
práticas (PCN, p. 34).
As práticas de linguagem implicam 
dimensões, por vezes, sociais, cognitivas e 
linguísticas do funcionamento da linguagem 
numa situação de comunicação particular. 
Para analisá-las, as interpretações feitas pelos 
agentes da situação são essenciais. Essas 
interpretações dependem da identidade 
social dos atores e das representações que 
eles têm dos usos possíveis da linguagem e 
das funções que eles privilegiam de acordo 
com sua trajetória. Nesse sentido, as práticas 
sociais “são o lugar de manifestações 
do individual e do social na linguagem” 
(BAUTIER, 1995, p. 203).
FONTE: SIGNORINI, Inês (org.). [Re]discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola 
editorial, 2008, p. 93.
As práticas sociais de distintos grupos sociais são, portanto, diversas, 
fator que comprova a validade operacional de conceber a linguagem num sentido 
bakhtiniano, como processo mediador de interlocução entre sujeitos situados em 
lugares e momentos particulares da história. 
Nesse sentido, será contundente a redação dos Parâmetros Curriculares, 
ao afirmar que “se produz linguagem tanto numa conversa de bar, entre amigos, 
quanto ao escrever uma lista de compras, ou ao redigir uma carta – diferentes 
práticas sociais, das quais se pode participar” (BRASIL, 2000, p. 24).
TÓPICO 3 | GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
105
Como se vê: uma conversa de bar, uma lista de compras, a redação de 
uma carta pessoal ou oficial etc., enquanto formas relativamente estáveis de 
enunciados disponíveis em uma certa cultura, não se produzem no vazio, mas 
se relacionam com outros enunciados já existentes e compõem “famílias de 
textos” que compartilham características comuns organizadas enquanto gêneros 
discursivos:
É por isso que, quando um texto começa com “era uma vez”, ninguém 
duvida de que está diante de um conto, porque todos conhecem tal 
gênero. Diante da expressão “senhoras e senhores”, a expectativa é 
ouvir um pronunciamento público ou uma apresentação de espetáculo, 
pois sabe-se que nesses gêneros o texto, inequivocamente, tem essa 
fórmula inicial (BRASIL, 2000, p. 26-27).
Assim, a análise aplicada dos gêneros discursivos em sala de aula 
não pode se dar de modo estático ou prescritivo, como é frequente no ensino 
tradicional, mas como elemento dinamizador didático e pedagógico a par com o 
interacionismo discursivo, posto que “os sujeitos não se enunciam por palavras 
ou orações, mas por enunciados (embora os enunciados verbais sejam compostos 
por palavras e orações), que são as unidades concretas e reais da comunicação 
discursiva, ou seja, da interação” (BAKHTIN, 2003, p. 283).
Eis o porquê da necessidade de identificarmos os modos como os gêneros 
discursivos são apropriados no discurso escolar, para continuamente reaproximá-
los de sua origem social e de modo a também redimensionar a escola enquanto 
lugarautêntico de comunicação.
Ao retomar a bibliografia específica que trata das aplicações dos gêneros 
discursivos em sala de aula, Koch identifica, a par com autores de linhagem bakhtiniana, três 
modos de abordagem do ensino:
1. O gênero torna-se uma pura forma linguística e o objetivo é o seu domínio: o fato de o 
gênero continuar a ser uma forma particular de comunicação entre professores e alunos 
não é absolutamente tematizado e os gêneros são estudados totalmente isolados dos 
parâmetros da situação de comunicação. Sequências estereotipadas balizam o avanço 
através das séries escolares, em geral “descrição, narração, dissertação”, às quais, por vezes, 
se acrescentam outros tipos, como resumo, a resenha, o diálogo. A produção de textos 
é concebida como representação do real, exatamente como ele é, ou do pensamento, 
tal como é produzido. Por isso, os gêneros devem-se ordenar segundo uma sequência 
que vai daqueles que descrevem as realidades mais simples (descrições de objetos ou 
de eventos) até as mais complexas, que descrevem o pensamento (dissertação etc.). Os 
gêneros são “naturalizados”: sua forma não depende das práticas sociais, mas são vistos 
como modelos socialmente valorizados de representação do real ou do pensamento.
2. A escola é tomada como autêntico lugar de comunicação e as situações escolares 
como ocasiões de produção/recepção de textos. As ocasiões de produção de textos 
se multiplicam: na classe, entre classes, entre escolas – texto livre, correspondência 
NOTA
106
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
escolar, jornal da classe, da escola, murais etc. Os gêneros são, portanto, resultado do 
próprio funcionamento da comunicação escolar e sua especificidade é o resultado desse 
funcionamento. Há também uma naturalização, mas de outra ordem: a situação de 
comunicação é vista como geradora quase automática do gênero, que não é descrito ou 
ensinado, mas aprendido pela prática escolar. Aprende-se a escrever, escrevendo, numa 
progressão que se constitui segundo uma lógica que depende tão somente do processo 
interno de desenvolvimento.
3. Nega-se a escola como lugar particular de comunicação, ou seja, age-se como se 
houvesse continuidade absoluta entre o exterior da escola e o seu interior. A preocupação 
predominante é a de diversificar a escrita, de criar situações autênticas de comunicação, 
de levar o aluno ao domínio do gênero exatamente da forma como funciona nas práticas 
de linguagem de referência. Neste caso, torna-se impossível pensar numa progressão, 
pois é a necessidade de dominar situações dadas que está no centro da concepção, já 
que o ensino visa, quase que imediatamente, ao domínio de ferramentas necessárias para 
funcionar nestas práticas.
FONTE: KOCH, Ingedore G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2011, 
p. 57.
Entretanto, a viabilidade de tais objetivos na especificidade do ambiente 
educacional exige um redimensionamento dos gêneros do discurso tal como 
eles se apresentam em realidades fora da escola, eis porque se faz necessário 
transformar didaticamente os gêneros de modo a simplificá-los ou a conferir 
ênfase a algumas dimensões pedagógicas apropriadas ao contexto escolar. 
Cabe, portanto, à escola, viabilizar o acesso do aluno ao universo dos 
textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-
los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o 
aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo 
assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com 
essa finalidade (BRASIL, 2000, p. 30).
Nessa linha de raciocínio, o gênero discursivo passaria a ser assumido 
enquanto variação do gênero de referência, visto que na escola ele é pensado 
em meio a dinâmicas de ensino e aprendizagem, o que lhe confere um caráter 
complexo, especialmente se confrontado com práticas de linguagem fora de sua 
realização espontânea, como é o caso das instituições educacionais. 
Assim, pretende-se colocar os educandos em situações de comunicação o 
mais próximo possível das situações verdadeiras, para que possam as experienciar 
tal como os gêneros discursivos se dão na esfera social de seu surgimento, isto é, 
enquanto formas relativamente estáveis que se enunciam em situações cotidianas, 
em hábitos naturalizados pela linguagem, que também devem participar do 
processo de ensino e aprendizagem.
Entretanto, é necessário preservar o vínculo entre os enunciados e a 
situação social a eles correspondente, sob pena de, ao falar com Rodrigues 
(2011, p. 102), “se desconsiderarmos essa dimensão social, perdemos a noção de 
enunciado, pois, abstraída da situação de interação, a dimensão verbal perde a sua 
TÓPICO 3 | GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
107
condição de unidade de interação para se tornar uma estrutura textual apenas”.
Não abstrair os enunciados da situação de interação entre sujeitos – 
que, em Bakhtin, se dá como o lugar produtivo de linguagem e como “centro 
organizador e formador da atividade mental” (GERALDI, 1996, p. 28) – requer, 
antes de tudo, que se compreenda a dimensão dupla dos enunciados:
Sua dimensão verbal (ou outro sistema semiótico, como a música, 
a pintura, o desenho etc.) e sua dimensão social. Fazem parte dessa 
dimensão o horizonte espacial e temporal do enunciado (quando e 
onde foi proferido), o horizonte temático (quais seus objetos/temas de 
discurso) e o horizonte axiológico (em que esfera social é proferido, 
que valores atribui ao que enuncia, uma vez que não há enunciados 
neutros) (RODRIGUES, 2011, p. 102).
Nessa perspectiva, o processo de ensinar gêneros do discurso seria uma 
forma de capacitar, tanto educandos quanto educadores, para a ação/atuação 
adequada a cada contexto sociocomunicativo:
A construção de esquemas de utilização dos gêneros levaria à 
possibilidade de adaptá-los a cada situação particular, ao mesmo 
tempo que prefiguraria as ações linguísticas possíveis. Entende o 
domínio (maestria) do gênero como o próprio domínio da situação 
comunicativa, domínio este que se pode dar através do ensino das 
capacidades de linguagem, isto é, pelo ensino das aptidões exigidas 
para a produção de um gênero determinado (KOCH, 2011, p. 55).
Com isso, visa-se desenvolver nos educandos capacidades que possam 
ir além dos próprios gêneros discursivos, que possam ser transferíveis a outras 
modalidades de gêneros, posto que eles não apenas instrumentalizam as 
práticas de linguagem e aprendizagem de língua materna, mas também porque 
potencializam nos sujeitos – educandos e educadores – uma maior capacidade de 
inserção e, consequentemente, de participação ativa nas diversas esferas sociais.
3 O TEXTO COMO EIXO DE INTERAÇÃO SOCIAL
Marca inicial decorrente do pensamento bakhtiniano é a priorização da 
abordagem do texto como unidade real e concreta da comunicação discursiva, 
portanto o texto não se dá na concretude comunicativa como um conjunto de 
léxico e sentenças que, como se tivesse existência própria, pairasse no universo 
social acima das cabeças dos falantes, nelas se depositando apenas quando de sua 
necessidade de uso.
Para Bakhtin, o texto (verbal – oral ou escrito – ou também em outra 
forma semiótica) é a unidade, o dado primário e o ponto de partida 
para todas as disciplinas do campo das ciências humanas, apesar das 
suas finalidades científicas diversas. Ele é a realidade imediata para o 
estudo do homem social e da sua linguagem, pois a constituição do 
homem social e da sua linguagem é mediada pelo texto (RODRIGUES, 
2011, p. 103).
108
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
 Para melhor contextualizar, utilizemos uma aproximação metafórica: a 
língua não está guardada dentro de uma caixa de ferramentas que eventualmente 
o falante, ao querer se comunicar com outrem, abrisse e de dentro dela retirasse 
o léxico, o vocabulário, as sentenças, as orações, para comessas ferramentas se 
comunicar, e após ter concluído o evento comunicativo, novamente as guardar 
na caixa de ferramentas da língua, pronto a reabri-la na ocasião de uma nova 
necessidade de uso.
Ora, é contra essa visão abstrata da língua que se concretizaria em forma de 
um texto submetido a condições aleatórias que Bakhtin opõe-se, considerando-a 
alienada e lhe opondo, como base da verdadeira textualidade, sua condição 
ideológica e dialógica por excelência, “na qual os sujeitos são vistos como atores/
construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação 
e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem 
e são construídos” (KOCH, 2011, p. 17).
O texto, sob essa perspectiva, não pairaria acima das cabeças dos falantes, 
mas se enunciaria – isto é, se apresentaria formalmente como um enunciado – 
sempre em uma determinada situação histórica particular, enquanto fruto da 
ação entre um locutor e um interlocutor, que mantêm relações dialógicas como 
outros textos-enunciados.
Nessa linha de pensamento, o texto aparece como elemento fundamental 
de mediação entre o homem social e a sua linguagem, e pode ser observado sob 
dois ângulos distintos e complementares:
O polo da língua como sistema e do texto na sua imanência, e o polo 
da língua como discurso e do texto na sua condição de enunciado. O 
primeiro polo do texto, abstraído (retirado) da sua situação social, está 
relacionado com tudo aquilo que é e pode ser reproduzido e repetido 
no texto. [...] O segundo polo do texto é o do acontecimento irrepetível 
do enunciado, que pertence ao texto, mas que só se manifesta na 
situação, na interação com outros textos (enunciados) (RODRIGUES, 
2011, p. 103-104).
É notória a presença, no primeiro polo de abordagem do texto, da visão 
estruturalista que fundamenta o objetivismo abstrato combatido por Bakhtin. Em 
tal visão estruturalista, a língua poderia ser decomposta e analisada independente 
da situação real de comunicação, aparecendo como realização “de um autor, de 
uma época, da língua nacional ou ainda para a potencial língua das línguas” 
(RODRIGUES, 2011, p. 104).
No polo oposto, Bakhtin sustenta o texto, não como estrutura, mas como 
conjunto de enunciados permeado por relações dialógicas dadas através de 
gêneros do discurso sempre amarrados a uma determinada situação histórica 
de interlocução social. Nesse sentido, a mola mestra de estudo da língua, cara 
aos professores de língua materna, seria o estudo do texto. “É no texto que a 
TÓPICO 3 | GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
109
língua – objeto de estudo – se revela em sua totalidade, quer enquanto conjunto 
de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma 
relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada 
pela temporalidade e suas dimensões” (GERALDI, 1993, p. 135).
Assim, disse Bakhtin (2003, p. 282), a língua materna – com sua composição 
vocabular e estrutura gramatical – é aprendida num processo contínuo de leitura 
e construção de enunciados, e “não chega ao nosso conhecimento a partir de 
dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós ouvimos e nós 
mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos 
rodeiam”.
 
A enunciação, nesse sentido, ao colocar a língua em funcionamento, 
pressupõe um sujeito que se instala na língua e faz dela o centro de referência 
de seu discurso, também postulando, em contrapartida, a presença de um outro 
interacional e partícipe dos processos de comunicação social, que assim expressam 
uma relação dialética com o mundo.
Em se tratando do ato enunciativo, Benveniste (1970 apud GERALDI, 1996, 
p. 13) descreve algumas condições salutares para se compreender o mecanismo da 
enunciação, dentre os quais destaca: 
• O fato de que, depois da enunciação, a língua efetua-se numa instância de discurso;
• O fato de que, uma vez se declare o locutor e assuma a língua, o locutor implanta o outro 
diante de si;
• O fato de que, na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa 
relação com o mundo;
• O fato de que a mobilização e a apropriação da língua se dão pela necessidade de o locutor 
referir, pelo discurso e para o alocutário, a possiblidade de co-referir identicamente, “no 
consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor”. 
FONTE: BENVENISTE, Emile. Aparelho formal da Enunciação. In: GERALDI, João Wanderley. 
Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado de Letras, 
1996.
NOTA
Se como quer Geraldi (2006), para a escola adquirir uma postura 
educacional significativa, que incorpore a dimensão de linguagem e de interação 
bakhtinianos, ela deve possibilitar aos educandos o lugar de sujeitos ativos no 
processo de ensino e aprendizagem através de um redirecionamento pedagógico 
segundo dois eixos de conteúdo: uso e reflexão da linguagem.
110
UNIDADE 2 | LINGUÍSTICA EM AÇÃO
O que a escola vai possibilitar à criança? Pela escrita, cuja aprendizagem 
exige mediadores, expandem-se nas escolas as oportunidades de 
processos interlocutivos. [...] Se no período anterior à escola a criança 
foi capaz de extrair, nas situações mais variadas de conversações de 
que participou e continuará participando, a forma e o funcionamento 
da linguagem em uso, na escola abrem-se novas possiblidades de 
interações, mas elas mudam em sua natureza. Tratam-se de instâncias 
públicas de uso da linguagem (GERALDI, 1996, p. 39).
Embora haja formas linguísticas diferenciadas entre o mundo de dentro 
– instância pública – e o mundo de fora da escola, que implica reconhecer a 
existência de distintas variedades linguísticas (variedade culta x variedade não 
culta), tais diferenças repousam, entretanto, sobre um dado comum, a saber: 
que ambas se constituem através de processos históricos e interlocutivos, e que, 
portanto, para assumir estratégias pedagógicas sociodiscursivas, caberia à escola:
Proporcionar a maior diversidade possível de interações: é delas que 
a criança extrairá diferentes regras de uso da linguagem, porque 
diferentes são as instâncias. Neste processo ela não passa de um 
mundo a outro, sem correlacionar o novo que aprende ao que aprendeu 
antes. O significativo não é o que é necessário para “acessar” a outros 
conhecimentos, mas o que encontra ancoragem nos conhecimentos 
anteriores, construídos em processos interlocutivos que antecedem à 
entrada para a própria escola (GERALDI, 1996, p. 41).
Destarte, repensar os conteúdos de ensino e aprendizagem a partir dos 
usos sociais da linguagem, segundo uma fundamentação teórica que concebe a 
linguagem como mediação dos processos interacionais, requer reconsiderar as 
finalidades da própria disciplina de língua materna.
Por que ensinamos o que ensinamos hoje aos nossos alunos? Ainda, 
mais precisamente, se tomarmos os alunos como interlocutores do 
processo interativo de ensino e aprendizagem, do que esses alunos 
necessitam hoje para inserir-se nos diversos campos de uso da 
linguagem e para o qual a disciplina pode desempenhar um papel 
socialmente relevante? (RODRIGUES, 2011, p. 97).
Um primeiro eixo seria priorizar a expressividade ligada ao uso da 
linguagem, possibilitada através de práticas dialógicas ligadas aos processos de 
escuta, leitura e produção textual; enquanto um segundo eixo, de caráter mais 
revisional, abordaria conteúdos ligados à reflexão sobre a linguagem, por meio 
de práticas de análise linguística. 
Em síntese, os usos e o processo de reflexão da linguagem poderiam ser 
agrupados em três unidades básicas de ensino: a prática de leitura, a prática 
de produção textual e a prática de análise linguística. A elas, os estudos de 
linguística aplicada mais avançados requisitariam a incorporação das teorias 
do letramento, de gêneros de discurso, assim comoda oralidade no processo de 
ensino-aprendizagem.
TÓPICO 3 | GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA
111
Dessa forma, ao se refletir sobre a finalidade da disciplina e para quem 
deve destinar-se a ação pedagógica nas escolas – segundo um processo de 
ensino-aprendizagem destinado a sujeitos sócio-historicamente situados – seria 
imprescindível contemplar os usos sociais “da língua oral e da língua escrita 
e a análise linguística como conhecimento de natureza operacional e reflexivo 
para tais usos, concebendo leitura, escuta e produção textual oral e escrita como 
conteúdos de ensino e aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa na 
atualidade” (RODRIGUES, 2011, p. 55).
Desde esse ponto de vista, mais do que ser encarado como unidade básica 
de ensino – no ensino tradicional o ensino de texto é dado por sequências de 
conteúdos aditivos em que sílabas formam palavras, que se agrupam em frases, 
que formam sentenças etc. –, o texto deve ser dialetizado enquanto eixo de 
interação entre educandos capazes a problematizar, interferir e resolver questões 
salutares – individuais e sociais – da vida cotidiana.
112
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que: 
• Há uma discussão pontual acerca dos direcionamentos do professor de 
língua materna segundo as abordagens de texto e de gênero do discurso com 
foco na interação, de modo a instrumentalizar os objetivos do processo de 
ensino e aprendizagem a partir da dimensão sociointeracional da linguagem 
desenvolvida em torno de Bakhitn.
• Os aspectos dialógicos da linguagem e a língua como modo de ação entre 
sujeitos dão corpo a uma certa pedagogia da enunciação, constituindo-se como 
um dos pontos-chave dos estudos transdisciplinares de Linguística Aplicada, 
conquanto pensar o ensino de língua materna significa também pensar o 
letramento, os gêneros do discurso, as abordagens textuais etc.
• No caso do Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais operaram uma 
espécie de síntese dos aportes teóricos bakhtinianos, redirecionando-os para 
a objetivação de conteúdos e práticas discursivas no processo de ensino e 
aprendizagem, que atrelam a reflexão sobre o texto aos gêneros discursivos 
em sala de aula.
• Ancorado nos Parâmetros Curriculares Nacionais e nos postulados 
bakhtinianos, o texto passa a ser pensado como eixo singular de interação, 
enquanto os gêneros discursivos passam a ser tratados em sua aplicabilidade 
em sala de aula e, simultaneamente, em aulas pensadas como gêneros do 
discurso. 
113
1 De acordo com as postulações sociodiscursivas de Bakhtin, todo texto se 
organiza dentro de um determinado _______ discursivo. Há uma grande 
e variada diversidade de gêneros, mas todos eles se constituem enquanto 
formas relativamente estáveis de _______ disponíveis em uma determinada 
_______.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) gênero – enunciados – cultura
b) ( ) estilo – gêneros – cidade
c) ( ) tipo – falares – filosofia
d) ( ) gênero – enunciados – cidade
2 Dentre os conteúdos de língua materna a serem observados no processo 
de ensino e aprendizagem de língua portuguesa, segundo os Parâmetros 
Curriculares Nacionais, deve-se possibilitar ao aluno “valer-se da linguagem 
para melhorar a qualidade de suas relações pessoais, sendo capazes de 
expressar seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões, bem como de 
acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os quando 
necessário” (BRASIL, 2000, p. 42). Clara está a vinculação desse pensamento 
à concepção de língua como evento social em Bakhtin. A partir dessas 
observações, escreva sobre a importância de Bakhtin para o ensino de língua 
materna.
FONTE: BRASIL. PCN - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: língua portuguesa/Secre-
taria de Educação Fundamental – Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
3 A linguística aplicada defende práticas escolares que possibilitem ao 
educando aprender a linguagem a partir da diversidade de textos que 
circulam socialmente. Os textos são, nessa abordagem bakhtiniana, 
resultantes de atividades _______, portanto eles nunca devem ser abordados 
na escola de forma _______, como se fossem apenas um conjunto de _______ 
sem vida a serem aprendidas.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) inventadas – significativa – marcas
b) ( ) abstratas – contextualizada – coisas
c) ( ) discursivas – descontextualizada – regras
d) ( ) impensadas – marcante – regras
AUTOATIVIDADE
114
115
UNIDADE 3
ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA 
MATERNA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir desta unidade, você será capaz de:
• entender a complementariedade dos processos de alfabetização e letra-
mento, que em uma perspectiva sociointerativa, demandam ao ensino de 
língua portuguesa a aplicação didática dos gêneros discursivos e do com-
bate ao preconceito linguístico; 
• compreender a leitura não como um processo de decodificação de signos 
linguísticos e de captação passiva da intenção autoral, mas como ação de 
sujeitos que constroem significados em uma relação dialógica de leitura; 
 
• identificar a importância da substituição de práticas de escrita baseadas 
em gêneros discursivos escolarizados, em prol de uma produção textual 
contextualizada ao mundo sociocultural dos educandos.
Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três tó-
picos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões 
e dicas que visam potencializar os temas abordados, e ao final de cada um 
deles estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas 
estudados.
TÓPICO 1 – LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
TÓPICO 2 – A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
TÓPICO 3 – A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
116
117
TÓPICO 1
LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, ao chegarmos a esta última unidade, esperamos 
poder juntos concluir que a linguagem não se dá como uma realidade autônoma, 
que repousaria em livros e gramáticas acima da realidade concreta vivida pelas 
pessoas, ou ainda, que ela não é um fenômeno em si, um ideal teórico que paira 
independente das circunstâncias específicas de uso pelos falantes.
As palavras têm valor e significado existenciais, elas variam e interferem 
em situações práticas e nas dinâmicas do convívio social. A linguagem, nesse 
sentido, nunca repousa apenas em dicionários – os quais cumprem a tarefa de 
armazenar, deixar registrados alguns usos consagrados da língua, conferindo 
maior estabilidade ao idioma, dentre outras funções. 
Pensar assim é o mesmo que pensar a linguagem segundo uma concepção 
sociodiscursiva, por meio da qual os estudos de linguística aplicada se valem 
para superar a fragmentação disciplinar em torno de propostas curriculares que 
agrupem conceitos científicos em torno de uma formação humana integral e que 
também dê conta da diversidade social a par com a diversidade das linguagens, 
as quais estreitamente se vinculam.
Nesse sentido, é importante revisar os conceitos tradicionais de 
alfabetização e escolarização de modo a observar sua evolução e complexidade 
em direção ao conceito de letramento, conceitos que se fundem e vêm a nomear, 
nesse último, muito mais do que habilidades de leitura e escrita neutras em prol 
de práticas sociais relacionadas ao domínio da língua materna. 
Pressupõe-se, desde aí, que o domínio das competências de leitura e 
escrita – pensadas especificamente sobre o ensino de língua portuguesa – mantém 
relações estreitas com o mundo vivido pelos sujeitos: mundo do trabalho, mundo 
cultural, mundo social etc. Para tanto, o trabalho de ensino não poderia prescindir, 
em tal contexto, dos dados históricos e socioeconômicos da realidade brasileira.
 É o que está proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua 
Portuguesa,ao demandarem ao educador e às instituições educacionais ações 
convergentes que visem tornar a escola um lugar de inclusão e de diálogo 
constante com o mundo, com os avanços históricos e tecnológicos. Desde essa 
perspectiva, ressalta-se a importância do ensino de língua portuguesa mediante 
o trabalho com gêneros do discurso.
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
118
Dada a desigualdade socioeconômica como realidade primeira da 
educação no Brasil, torna-se imprescindível uma atitude didático-pedagógica 
revisional contínua dos conceitos cristalizados de norma culta e erro gramatical, 
que fazem o abismo da linguagem, marcado pelo preconceito linguístico, 
participar do abismo social.
2 LETRAMENTO, ALFABETIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, logo em 
sua apresentação, convocam os atores escolares a refletir, para além do plano 
teórico, acerca de práticas pedagógicas em direção à formação de um sujeito 
crítico e cidadão, desde que se constata o percurso histórico da disciplina e seu 
comprometimento com uma abordagem sociointeracional da linguagem.
O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação 
social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem 
acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou 
constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-
la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos 
o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da 
cidadania, direito alienável de todos (BRASIL, 2000, p. 15).
Nesse contexto, em que o domínio dos conteúdos de língua materna – 
tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita – está situado como 
ferramentas de participação social, contrasta com os dados gerais da realidade 
educacional brasileira, nos quais a repetência e o fracasso escolar em larga 
medida vinculam-se ao ensino da leitura e da escrita, que nas etapas iniciais de 
escolarização, notadamente, apresentam-se enquanto dificuldade em alfabetizar. 
Assim, a discussão contemporânea sobre letramento, alfabetização e 
escolarização passa a ser terreno fértil para os estudos de linguística aplicada, na 
medida em que ela convoca diversos saberes para refletir sobre as relações e o 
aprendizado de língua escrita na escola e na sociedade. É o caso dos estudos sobre 
alfabetização, que, para além dos estudos tradicionais de didática, demandam
contribuições de outras áreas, como a psicologia da aprendizagem, 
a psicologia cultural e as ciências da linguagem. O avanço dessas 
ciências possibilita receber contribuições tanto da psicolinguística 
quanto da sociolinguística; tanto da pragmática, da gramática textual, 
da teoria da comunicação, quanto da semiótica, da análise do discurso 
(BRASIL, 2000, p. 22).
Nesse sentido, enquanto uma das áreas de atuação da linguística aplicada, 
o ensino e aprendizagem de língua materna, em seu enfoque metodológico, 
demandam tanto revisão do currículo quanto das práticas tradicionais de 
alfabetização, tal como propunham os Parâmetros Curriculares ao redirecionar a 
reflexão do “como se ensina” para o “como se aprende”, reorientando as reflexões 
em linguística aplicada para “a pesquisa sobre quais ideias (ou hipóteses) as crianças 
constroem sobre a língua escrita ao tentar compreendê-la” (BRASIL, 2000, p. 20).
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
119
Destarte, a par com a realidade social brasileira, buscava-se entender por 
que crianças melhor situadas economicamente lidam, com maior facilidade, com 
as demandas escolares, o que aponta para a hipótese de elas deterem um saber pré-
escolar, ou seja, uma forma de conhecimento prévio do mundo, provavelmente 
por estarem envolvidas em um meio que propicia um maior número de atividades 
sociais mediadas pela escrita. 
Os resultados dessas investigações também permitiram compreender 
que a alfabetização não é um processo baseado em perceber e 
memorizar – isso não significa que não haja lugar para a percepção 
e a memória, mas que elas não são o centro do processo – e, para 
aprender a ler e a escrever, o aluno precisa construir um conhecimento 
de natureza conceitual: ele precisa compreender não só o que a escrita 
representa, mas também de que forma ela representa graficamente a 
linguagem (BRASIL, 2000, p. 21).
Assim, reconhece-se, no processo de escolarização, a passagem de uma 
fase anterior ao letramento, na qual predomina o uso da modalidade oral da 
língua, a uma fase posterior ao letramento, em que os usos da língua, mesmo em 
situações de oralidade, são mediados pelo conhecimento e pelo uso do código 
escrito.
As práticas sociais de leitura e de escrita assumem a natureza de 
problema relevante no contexto da constatação de que a população, 
embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de 
escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas 
práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita (SOARES, 
2004, p. 6).
Segundo o Dicionário Houaiss, o verbete ‘letramento’ traz em si a ideia de 
interação social e refere-se a um “conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de 
diferentes tipos de material escrito” (HOUAISS, 2015, p. 587). Por outro lado, os Parâmetros 
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa concebem o Letramento como fenômeno 
“entendido como produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como 
sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-
las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. 
Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não 
existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de 
algumas dessas práticas” (BRASIL, 2000, p. 23).
NOTA
Nesse sentido, a alfabetização – que, em uma abordagem sociointerativa, 
deve deslocar o eixo tradicional dos exercícios de silabário da cartilha 
substituindo-o pelas variedades de texto – incorpora-se ao letramento, fenômeno 
que, numa perspectiva que vai além do conhecimento do código escrito, possibilita 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
120
entender a razão pela qual, segundo Soares (2004), analfabetos que têm contato 
ou usam, mesmo que indiretamente, o código escrito, isto é, que se utilizam de 
algum modo da escrita, podem ser considerados letrados.
As pessoas lidam com a língua escrita em seu dia a dia, atendendo 
a demandas de suas relações familiares, de seu trabalho, enfim, das 
diferentes esferas sociais em que transitam costumeiramente e das 
novas esferas em que se inserem por conta de relações intersubjetivas 
que passam a estabelecer, dada a dinamicidade da mobilidade humana 
no meio social (RODRIGUES, 2011, p. 127).
Dessa forma, se quisermos resumir, compreende-se contemporaneamente 
letramento como um fenômeno relativo aos usos sociais da escrita, no sentido de 
haver uma ampla convivência social com demandas expressivas em torno da 
língua em sua modalidade escrita, que não se restringem à realidade escolar. 
“Há, muitas vezes, sujeitos não escolarizados que, apesar de não dominarem o 
código alfabético, fazem usos da língua escrita decorando a identificação de linhas 
de ônibus, nomes de ruas e congêneres, necessários à sua mobilidade social” 
(RODRIGUES, 2011, p. 128).
FIGURA 10 – LETRADOS COM PRECARIEDADE DA COMPETÊNCIA DE LEITURA
FONTE: Disponível em: <http://rotadosconcursos.com.br/sistema/public/ima-
gens_provas/4096/18.JPG>. Acesso em: 15 set. 2017.
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
121
Observemos no excerto a seguir, a partir de um prisma vygotskyano, a 
importância e a atualidade dos conceitos de alfabetização e letramento, segundo algumas 
implicações da psicologia do desenvolvimentoinfantil:
“Aprender a ler e a escrever é um momento importante no desenvolvimento da criança, 
muito valorizado pela família e a escola. No entanto, o processo de leitura não consiste 
simplesmente em decifrar as letras, e sim dominar todo um sistema simbólico. O 
amadurecimento neuropsíquico que esse processo exige nem sempre é levado em 
conta quando se tenta impor a leitura a crianças tão jovens quanto quatro ou cinco anos. 
Justamente por isso, o letramento precoce é um assunto permeado por controvérsias. Para 
o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky, a alfabetização é resultado de um processo longo e 
repleto de etapas, das quais fazem parte, por exemplo, gestos e expressões. Ao fazer um 
símbolo no ar, a criança já manifesta uma linguagem mais próxima da escrita. Segundo 
essa concepção, o aprendizado gradual é imprescindível e deve ser incentivado nas 
classes de primeira infância, sem que atividades mecânicas de leitura e escrita atrapalhem 
ou forcem as etapas de desenvolvimento. [...] As situações lúdicas possibilitam também o 
desenvolvimento de esquemas mentais e o exercício da memória. A imitação, por exemplo, 
é uma parte importante das brincadeiras de criança: com muita frequência, os jogos são 
um eco do que as crianças viram e escutaram dos adultos. Para Vygotsky, o jogo não é 
uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões 
para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações da 
própria criança. Em sua opinião, a estimulação da leitura precoce comprometeria tal 
formação, além de possivelmente ocasionar problemas como sobrecarga, deficiências na 
coordenação motora, apatia, desinteresse, desmotivação e estresse, ou seja, na educação 
infantil, incentivar o aprimoramento de características como a criatividade pode ser mais 
importante do que ensinar a ler o próprio nome”.
FONTE: MESQUITA, Paula. A hora de ler e escrever. Mente e Cérebro. São Paulo, Scientific 
American, nº 284, Ano XII, Setembro, 2016, p. 33.
IMPORTANT
E
O letramento, nessa acepção contemporânea fundamentada em 
dimensões sociológicas e antropológicas, relaciona-se não apenas aos usos sociais 
da escrita, mas inclui práticas sociais ao redor do processo de escolarização, tanto 
absorvendo-o quanto indo além do processo de escolarização, na medida em que 
desvincula a ideia de alfabetização à de aprendizagem exclusiva do sistema de 
escrita de uma língua, mas revelando o letramento em práticas sociais de maior 
complexidade, decorrente da presença da escrita na vida cotidiana.
Somos hoje atingidos pela escrita independentemente dos espaços 
sociais que ocupemos. É notório que, em alguns núcleos urbanos, 
dá-se um desenho mais efetivamente grafocêntrico. Em outros, a 
escrita pode não ter essa natureza central nos processos interacionais, 
mas está presente de algum modo e afeta as relações humanas em 
alguma medida, envolvendo até mesmo sujeitos não escolarizados 
(RODRIGUES, 2011, p. 127).
Nessa perspectiva, o letramento transcende a ideia de alfabetização 
escolar, tradicionalmente restrita à aprendizagem da leitura e da escrita sem 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
122
implicação direta com os usos sociais em torno de tais habilidades. De fato, na 
realidade histórica brasileira, observa-se um alargamento progressivo do conceito 
de alfabetização em direção ao de letramento:
A partir do conceito de alfabetizado, que vigorou até o Censo de 1940, 
como aquele que declarasse saber ler e escrever, o que era interpretado 
como capacidade de escrever o próprio nome; passando pelo conceito 
de alfabetizado como aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, 
ou seja, capaz de não só saber ler e escrever, mas de já exercer uma 
prática de leitura e escrita, ainda que bastante trivial (SOARES, 2004, 
p. 7).
Essa expansão necessária do conceito de alfabetização para o de letramento 
demonstra a necessidade de uma escola cujo papel considere, nos processos de 
escolarização, a realidade social que tem lugar fora dela:
Em que a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão 
ativa e não a decodificação e o silêncio. Em que a razão de ser das 
propostas de uso da fala e da escrita é a expressão e a comunicação 
por meio de textos e não a avaliação da correção do produto. Em que 
situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensarem sobre 
a linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la adequadamente 
(BRASIL, 2000, p. 22).
Nesse sentido, perpassa a ideia de uma escola antenada com as mudanças 
sociais e as exigências dos novos tempos históricos, que portanto devem imprimir 
modificações na finalidade da educação conforme as transformações se façam:
O que estamos querendo dizer é que, em nossas sociedades 
contemporâneas, marcadas crescentemente pela presença da língua 
escrita, os usos dessa modalidade tendem a se diversificar e se 
expandir a cada dia; processo marcado pela presença da tecnologia 
e pela paulatina automação dos serviços de todo tipo (RODRIGUES, 
2011, p. 128).
Interessante observar que havia, desde o final do século XX, a expectativa 
de que o crescente avanço tecnológico viria suplantar o mundo do livro e da escrita 
em prol do mundo virtual e da imagem; expectativa essa que não se confirmou, 
ademais requerendo usuários da língua com maior competência na escrita para 
efetivamente obter sucesso frente a um mundo cada vez mais tecnológico.
Dessa forma, a plena participação social almejada em acordo com os 
avanços históricos e tecnológicos ainda demanda e demandará a competência e o 
domínio da língua em suas diversas modalidades, exigindo graus aperfeiçoados 
de letramento que levem o aluno/usuário a ser ativamente capaz de ler e interpretar 
os diferentes textos que perpassam, circulam e variam no tecido social. 
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
123
3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA
O ensino de língua materna é um dos temas centrais dos campos de estudo 
da linguística aplicada, pois nele evocam-se variados conceitos para se pensar 
a formação da cidadania sob uma perspectiva dos usos da linguagem, dentre 
os quais destacam-se os processos de alfabetização e letramento, os gêneros do 
discurso, ademais a convivência e o confronto entre as hierarquias sociais dadas 
através das concepções de norma culta e erro gramatical inerentes ao preconceito 
linguístico.
Alguém pergunta a um professor de português... – Ensina-se mesmo 
português, essa língua que a gente usa todo dia? – É claro, em escolas 
do primeiro ao terceiro graus, há aulas de português. Portanto... – A 
quem se ensina português? – Ora, além de estrangeiros interessados, 
ensina-se principalmente a brasileiros... – ... que já falam português! 
Ah! Então eles não falam bem o português? – Bem, claro que falam, 
desde crianças... (ALMEIDA, 2006, p. 10).
FIGURA 11 – LETRAMENTO ABSTRATO VERSUS USOS SOCIAIS DA LINGUAGEM
FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-bURH1yPh-Kg/VNYeXVdmeHI/AAAAAAAAD-
BI/USCJN8aexf0/s1600/Imagem4.jpg>. Acesso em: 20 set. 2017.
Vimos, no tópico anterior, que o processo de alfabetização tradicional 
visava capacitar o aluno a assimilar e reproduzir um modelo de língua, de 
certo modo autônomo, a despeito de seus usos e implicações sociais, no qual 
a modalidade escrita poderia ser metodologicamente encarada como uma 
tecnologia, isto é, como um fenômeno a ser focalizado independentemente do 
contexto de uso.
“Concepção de que importa alfabetizar os indivíduos e habilitá-los em 
domínios da escrita crescentemente mais complexos, sem considerar os propósitos 
a que tais domínios se prestam e em que contextos se instituem ou não, bem como 
as razões pelas quais se instituem ou não” (RODRIGUES, 2011, p. 132).
O modelo de letramento, pensado a partir de tal perspectiva, teria um 
viés acentuadamente técnico, na medida em que alfabetizarpressuporia um 
ordenamento progressivo e cronológico de estruturas mais simples da língua em 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
124
direção a estruturas mais complexas, cujas implicações, usos e práticas sociais, 
apenas pressupostos, decorreriam da inserção dos sujeitos em um sistema neutro, 
lógico, próprio da língua materna. 
Tal enfoque produziria sujeitos capazes de ler, interpretar e produzir 
textos abstratos, cuja autonomia seria propalada pela independência de suas 
capacidades linguísticas em relação aos contextos sociais, econômicos, históricos 
e culturais, e suas respectivas práticas a eles implícitas.
Muitas vezes a escola esquece que educação é um problema social, 
e encara-o como problema pedagógico. Sem o menor respeito pelas 
condições de vida de seus frequentadores, impõe-lhes modelos de 
ensino e conteúdos justamente produzidos para a conservação dessa 
situação. [...] Sem fazer a crítica verdadeira, histórica, do saber que 
coloca aos alunos, a escola considera todo e qualquer conteúdo 
válido, muitas vezes baseado em preconceitos, ignorâncias, verdades 
incontestáveis, dogmáticas (ALMEIDA, 2006, p.16).
Em contrapartida, desenvolveu-se um modelo ideológico que recupera, 
para o evento de letramento, seu cunho social e suas implicações plurais – por 
isso, pode-se falar em letramentos, como letramento escolar, familiar etc. – em 
torno de práticas e eventos ao redor da escrita, a ele associados.
Assim, podemos mencionar, hoje, os atos de ler uma notícia de jornal, 
escrever um e-mail, fazer uma lista de compras, ler Dom Casmurro, como 
alguns dentre muitos eventos de letramento que têm lugar no dia a dia 
das pessoas, dependendo de quem sejam, de onde vivam, de que usos 
façam da escrita em sua rotina de vida (RODRIGUES, 2011, p. 135).
Letramento, portanto, a partir dessa perspectiva sociointerativa e 
contemporânea, demonstra uma filiação evidente com a concepção de linguagem 
bakhtiniana que analisa os eventos da língua em relação direta com o contexto 
interacional, e dessa reporta-se aos usos da língua escrita que o sujeito faz em 
diversas esferas da sociedade, quando busca atender a propósitos distintos 
e variáveis, tal como suas necessidades cotidianas, novas demandas que se 
apresentem em sua mobilidade social etc.
Considerando que as interações humanas se dão tendo a linguagem 
como instrumento de mediação – tal qual propôs Vygotsky – e que 
os usos da linguagem se estabelecem por meio de gêneros do discurso 
– tal qual propôs Bakhtin –, a aula de Língua Portuguesa – como as 
aulas de quaisquer outras disciplinas – configura um desses usos da 
linguagem, com suas particularidades interacionais e configuracionais 
(RODRIGUES, 2011, p. 43).
A aula de língua portuguesa, nesse sentido, valer-se-á metodologicamente 
e estará centrada sobre o uso e a aplicabilidade dos gêneros do discurso – que 
são recomendados pelos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa como 
elementos mediadores das atividades de ensino, inclusive de leitura e produção 
textual – os quais, entretanto, pressupõem convergência interacional entre 
professor e alunos.
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
125
Nenhum de nós tem dúvidas para reconhecer o que seja uma aula. 
E facilmente a distinguimos de uma palestra, de um pronunciamento 
político, de uma entrevista etc. Culturalmente, apropriamo-nos de 
conhecimentos para a identificação dos diferentes gêneros, quer se 
trate de gêneros escolares ou não, como conversa ao telefone, conferência, 
reunião de pais, reportagem etc. (RODRIGUES, 2011, p. 43).
Interação, convergência em sala de aula, requerem capacitação dos 
professores e combate contínuo contra os aspectos discriminadores e excludentes 
do ensino de língua portuguesa, razão pela qual se faz necessária uma atitude não 
apenas revisional, mas didática e metodológica acerca dos conceitos de norma 
culta e de erro gramatical, herdeiros da escrita, que sustentam em larga medida o 
preconceito linguístico em sociedade:
Somente o exercício do poder, reservando a uma minoria estrita 
o acesso ao mundo da escrita, permitiu a façanha da seleção, da 
distribuição e do controle do discurso escrito, produzindo um mundo 
separado, amuralhado, impenetrável para o não convidado. E de 
dentro desses muros, uma função outra agrega-se à escrita, como 
se lhe fosse própria e não atribuída pelo poder que emana de seus 
privilegiados construtores e constritores: submeter a oralidade à 
sua ordem, função jurídica por excelência, capaz de dizer o certo e o 
errado, ditar a gramática da expressão (GERALDI, 1996, p. 101).
3.1 A AULA DE LÍNGUA MATERNA E O PRECONCEITO 
LINGUÍSTICO
Marcos Bagno (1999, p. 140) sustenta que o educador deve assumir três 
atitudes em busca da reversão do preconceito linguístico, a saber: primeiro, que 
abandone o tarefismo de mero repetidor/reprodutor da doutrina gramatical, 
assumindo, em seu lugar, uma “posição de cientista e investigador, de produtor 
de seu próprio conhecimento linguístico teórico e prático”, de modo a encontrar 
instrumentos didáticos que possam em alguma medida concorrer com os 
compêndios gramaticais tradicionais.
Segundo: fazer crítica da própria prática de ensino, apresentando outras 
leituras possíveis sobre os fenômenos linguísticos que o professor se vê obrigado 
a ensinar – sabe-se que a maior parte dos conteúdos trabalhados em sala de aula 
é imposta pela escola e pela sociedade, como é o caso dos vestibulares e dos 
concursos. 
Terceiro, e não menos importante: o educador deve manter uma 
argumentação científica, quer dizer, pautada pelas conquistas da linguística 
aplicada e pelo foro institucional e científico instituído pelos Parâmetros 
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
126
Atitudes importantes a serem tomadas contra o preconceito linguístico, a que 
Bagno (1999) chamará de CISÕES para um ensino de língua não (ou menos) preconceituoso. 
Apresentamos a seguir as cinco primeiras apresentadas pelo linguista:
1. Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente 
dessa língua, por isso ele SABE essa língua. Entre os três e quatro anos de idade, uma 
criança domina integralmente a gramática de sua língua. Sendo assim,
2. aceitar a ideia de que não existe erro de português. Existem diferenças de uso ou 
alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa.
3. Não confundir erro de português (que, afinal, não existe) com simples erro de ortografia. 
A ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. A ortografia é uma decisão 
política, é imposta por decreto, por isso ela pode mudar, e muda, de uma época para 
outra. Em 1899 as pessoas estudavam psychologia e história do Egypto; em 1999 elas 
estudam psicologia e história do Egito. Línguas que não têm escrita nem por isso deixam 
de ter sua gramática.
4. Reconhecer que tudo o que a Gramática Tradicional chama de erro é na verdade um 
fenômeno que tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável. Se milhões 
de pessoas (cultas inclusive) estão optando por um uso que difere da regra prescrita nas 
gramáticas normativas, é porque há alguma regra nova sobrepondo-se à antiga. Assim, o 
problema está com a regra tradicional, e não com as pessoas, que são falantes nativos e 
perfeitamente competentes de sua língua. Nada é por acaso.
5. Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. O que hoje é visto como “certo” já foi 
“erro” no passado. O que hoje é considerado “erro” pode vir a ser perfeitamente aceito 
como “certo” no futuro da língua. Um exemplo: no português medieval existia um verbo 
leixar (que aparece até na Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I). Com o tempo, 
esse verbo foi sendo pronunciado deixar, porque [d] e [l] são consoantes aparentadas,o 
que permitiu a troca de uma pela outra. Hoje quem pronunciar leixar vai estar cometendo 
um “erro” (vai ser acusado de desleixo), muito embora essa forma seja mais próxima da 
origem latina, laxare (compare-se, por exemplo, o francês laisser e o italiano lasciare). 
Por isso é bom evitar classificar algum fenômeno gramatical de “erro”: ele pode ser, na 
verdade, um indício do que será a língua no futuro.
FONTE: BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 
1999, p. 142-145.
IMPORTANT
E
Em uma perspectiva tradicional, muitos professores ainda defendem 
que o objeto de ensino-aprendizagem deve ser a norma culta, que, sabe-se, está 
atrelada a um padrão escrito que espelha, na maior parte das vezes, um padrão 
literário elevado, como a escrita de Machado de Assis, Graciliano Ramos etc.
Esse ensino tradicional, como eu já disse, em vez de incentivar o uso 
das habilidades linguísticas do indivíduo, deixando-o expressar-se 
livremente para somente depois corrigir sua fala ou sua escrita, age 
exatamente ao contrário: interrompe o fluxo natural da expressão e da 
comunicação com a atitude corretiva (e muitas vezes punitiva), cuja 
consequência inevitável é a criação de um sentimento de incapacidade, 
de incompetência (BAGNO, 1999, p. 107).
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
127
O fato é que a norma culta – com suas regras sintáticas aproximadas 
dos grandes escritores e do modelo greco-latino que está na origem do idioma 
português – é uma variedade idealizada da língua que não corresponde sequer 
àquela que é praticada pelas pessoas cultas.
Outros termos empregados indistintamente pelos prescritivistas são: 
norma padrão, língua padrão, língua culta, padrão culto. Todos eles, porém, 
carecem de uma definição teórica rigorosa, sendo usados basicamente 
como um sinônimo geral de “bom português”, em contraste com tudo 
o que “não é português” (BAGNO, 1999, p. 109).
Contrário a tal perspectiva, o linguista desmonta os argumentos 
tradicionalistas de um jornalista que se propõe a demonstrar o emprego “correto”, 
gramatical, do verbo pedir, que, segundo o seu artigo de jornal, quando não traz 
implícita a ideia de licença ou permissão, obriga ao uso gramatical pedir que 
+ subjuntivo. Assim, a sentença ele me “pediu para vir” aqui no lugar dele estaria 
incorreta, devendo ser dita ele me “pediu para que viesse” no lugar dele: 
A locução pedir para é um exemplo do abismo que existe, sim, entre a 
verdadeira norma culta usada pelas pessoas cultas do Brasil e aquilo que 
[...] não especialistas em linguística, que se baseiam exclusivamente na 
norma gramatical mais conservadora e prescritiva, chamam de “norma 
culta”. O que Martins rotula de “linguagem coloquial” é, na verdade, 
uma manifestação da norma culta objetiva, real, empiricamente 
coletável e analisável. E a prova maior disso é que os falantes cultos 
(professores de português) [...] reconhecem tranquilamente a 
gramaticalidade, a aceitabilidade de construções como [essa]. Como é 
possível falar de “erro” se a construção não causa estranheza a falantes 
cultos e é perfeitamente assimilada do ponto de vista semântico e 
pragmático? (BAGNO, 1999, p. 111-113).
Assume o autor uma posição favorável à Sociolinguística, opondo à noção 
idealizada de “norma culta”, a seu ver vaga e preconceituosa das gramáticas 
tradicionais – que tentam “nos mostrar a língua como um pacote fechado, um 
embrulho pronto e acabado” (BAGNO, 1999, p.117) – a ela opondo a visão 
coerente com os avanços científicos da linguística variacionista. 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
128
Atitudes importantes a serem tomadas contra o preconceito linguístico, a que 
Bagno (1999) chamará de CISÕES para um ensino de língua não (ou menos) preconceituoso. 
Apresentamos a seguir as cinco últimas apresentadas pelo linguista:
1. Dar-se conta de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal. Ela simplesmente 
VAI, isto é, segue seu rumo, prossegue em sua evolução, em sua transformação, que não 
pode ser detida (a não ser com a eliminação física de todos os seus falantes).
2. Respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitar 
a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, porque
3. a língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos. Nós somos a língua 
que falamos. A língua que falamos molda nosso modo de ver o mundo e nosso modo 
de ver o mundo molda a língua que falamos. Para os falantes de português, por exemplo, 
a diferença entre ser e estar é fundamental: eu estou infeliz é radicalmente diferente, 
para nós, de eu sou infeliz. Ora, línguas como o inglês, o francês e o alemão têm um 
único verbo para exprimir as duas coisas. Outras, como o russo, não têm verbo nenhum, 
dizendo algo assim como: Eu – infeliz (o russo, na escrita, usa mesmo um travessão onde 
nós inserimos um verbo de ligação). Assim,
4. uma vez que a língua está em tudo e tudo está na língua, o professor de português é 
professor de TUDO. (Alguém já me disse que talvez por isso o professor de português 
devesse receber um salário igual à soma dos salários de todos os outros professores!).
5. Ensinar bem é ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento 
intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que 
ele fala a sua própria identidade como ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e 
não suprimir, é elevar e não rebaixar a autoestima do indivíduo. Somente assim, no início 
de cada ano letivo este indivíduo poderá comemorar a volta às aulas, em vez de lamentar 
a volta às jaulas! 
FONTE: BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 
1999, p. 142-415.
IMPORTANT
E
As variações linguísticas comprovam que os falantes cultos de língua 
portuguesa praticam uma norma culta “real”, como realmente se dá entre os 
falantes, que se diferencia da norma culta “ideal”, que deveria ser, presente nas 
gramáticas e nos dicionários. Trata-se de abordar a língua em ação, viva, que 
transforma-se a cada contexto histórico.
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
129
LEITURA COMPLEMENTAR
A INVENÇÃO DO LETRAMENTO
Magda Soares
 É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em 
sociedades distanciadas tanto geograficamente quanto socioeconomicamente e 
culturalmente, a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura 
e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever 
resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos 
anos de 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do 
illetrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos 
daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na 
Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do 
século XIX, foi também nos anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto 
daquele que em língua inglesa se conhece como reading instruction, begning literacy 
tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem, 
o que se evidencia no grande número de artigos e livros voltados para o tema [...] 
e a proposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a 
Cultura (UNESCO) de ampliação do conceito de literate para functionally literate, 
e, portanto, a sugestão de que as avaliações internacionais sobre o domínio de 
competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade 
de saber ler e escrever.
 Entretanto, se há coincidência quanto ao momento histórico em que as 
práticas sociais de leitura e de escrita emergem como questão fundamental em 
sociedades distanciadas geograficamente, socioeconomicamente e culturalmente, 
o contextoe as causas dessa emersão são essencialmente diferentes em países 
em desenvolvimento, como o Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, 
os Estados Unidos, a Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa 
dessas diferenças, o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste texto, 
destaco a diferença fundamental, que está no grau de ênfase posta nas relações 
entre as práticas sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de 
escrita, ou seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de 
alfabetização (alphabétisatioon, reading instruction, beginning literacy).
 Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais 
de leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto 
da constatação de que a população, embora alfabetizada, não dominava as 
habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e 
competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita. 
Assim, na França e nos Estados Unidos, para limitar a análise a esses dois países, 
os problemas de illettrisme, de literacy//illiteracy surgem de forma independente 
da questão da aprendizagem básica da escrita.
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
130
 Na França, como esclarece Lahire, em L’invention de l’illettrisme (1999), e 
Chartier e Hébrard, em capítulo incluído na segunda edição de Discours sur la 
lecture (2000), o illettrisme – a palavra e o problema que ela nomeia – surge para 
caracterizar jovens e adultos do chamado Quarto Mundo (que designa a parte 
da população, nos países de Primeiro Mundo, mais desfavorecida. A expressão 
é usada também para nomear os países menos avançados, entre os países em 
desenvolvimento), que revelam precário domínio das competências de leitura e 
de escrita, dificultando sua inserção no mundo social e no mundo do trabalho. 
Partindo do fato de que toda a população – independentemente de suas condições 
socioeconômicas – domina o sistema de escrita, porque passou pela escolarização 
básica, as discussões sobre o illettrisme se fazem sem relação com a questão do 
apprendre à lire et à écrire, expressão com que se denomina a alfabetização escolar, 
e com a questão da alphabétisation, este termo em geral reservado às ações 
desenvolvidas junto aos trabalhadores imigrantes, analfabetos na língua francesa 
(LAHIRE, 1999, p. 61).
 O mesmo ocorre nos Estados Unidos, onde o foco em problemas de literacy/
illiteracy emerge, no início dos anos de 1980, como resultado da constatação [...] 
de que jovens graduados na high school não dominavam as habilidades de leitura 
demandadas em práticas sociais e profissionais que envolvem a escrita. Também 
neste caso as discussões, relatórios, publicações não apontam relações entre as 
dificuldades no uso da língua escrita e a aprendizagem inicial do sistema de escrita 
– a reading instruction, ou a emergent literacy, a beginining literacy; assim, Kirsch e 
Jungeblut, como conclusão da pesquisa sobre habilidades de leitura da população 
jovem norte-americana, afirmam que o problema não estava na illiteracy (no não 
saber ler e escrever), mas na literacy (no não domínio de competências de uso da 
leitura e da escrita).
 Essa autonomização, tanto na França quanto nos Estados Unidos, das 
questões de letramento em relação às questões de alfabetização não significa que 
estas últimas não venham sendo, elas também, objeto de discussões, avaliações, 
críticas. [...] O que se quer aqui destacar é que os dois problemas – o domínio 
precário de competências de leitura e de escrita necessárias para a participação em 
práticas sociais letradas e as dificuldades no processo de aprendizagem do sistema 
de escrita, ou da tecnologia da escrita – são tratados de forma independente, 
o que revela o reconhecimento de suas especificidades e uma relação de não 
causalidade entre eles.
 No Brasil, porém, o movimento se deu, de certa forma, em direção 
contrária: o despertar para a importância e necessidade de habilidades para o 
uso competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à aprendizagem 
inicial da escrita, desenvolvendo-se basicamente a partir de um questionamento 
do conceito de alfabetização. Assim, ao contrário do que ocorre nos países do 
Primeiro Mundo, como exemplificado com a França e os Estados Unidos, em 
que aprendizagem inicial da leitura e da escrita – a alfabetização, para usar a 
palavra brasileira – mantém sua especificidade no contexto das discussões sobre 
problemas de domínio de habilidades de uso da leitura e da escrita – problemas 
TÓPICO 1 | LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
131
de letramento – no Brasil os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, 
se superpõem, frequentemente se confundem. Esse enraizamento do conceito 
de letramento no conceito de alfabetização pode ser detectado tomando-se para 
análise fontes como os censos demográficos, a mídia, a produção acadêmica.
 [...] Em síntese, e para encerrar este tópico, conclui-se que a invenção do 
letramento, entre nós, se deu por caminhos diferentes daqueles que explicam 
a invenção do termo em outros países, como a França e os Estados Unidos. 
Enquanto nesses outros países a discussão do letramento – illettrisme, literacy, 
illiteracy – se fez e se faz de forma independente em relação à discussão da 
alfabetização – apprendre à lire et à écrire, reading instruction, emergent literacy, 
beginining literacy –, no Brasil a discussão do letramento surge sempre enraizada 
no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre 
proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão 
dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento, por razões que 
tentarei identificar mais adiante, o que tem conduzido a um certo apagamento da 
alfabetização, talvez com algum exagero.
FONTE: SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de 
Educação, Minas Gerais, nº 25, Jan/Fev/Mar/Abr 2004, p. 5-8.
132
Neste tópico, você viu que:
• A perspectiva sociointeracionista da linguagem representou uma evolução 
das formas de ensino e aprendizagem de língua materna, cuja tradição se 
pautava por um processo de escolarização em que alfabetizar assumia um teor 
predominantemente técnico, em direção à ideia de letramento e de uso dos 
gêneros discursivos, cada vez mais relacionados aos sujeitos e aos contextos de 
uso da língua em sociedade.
• Houve uma necessária revisão das práticas de alfabetização, tradicionalmente 
pensadas como um fenômeno autônomo, pautado quase exclusivamente pela 
aquisição do sistema convencional da escrita alfabética e ortográfica, como se 
tal aprendizagem fosse a condição necessária para a inserção do sujeito na 
complexidade do mundo mediado pela modalidade escrita da língua.
• O conceito de letramento em certa medida incorporou o de alfabetização, 
vinculando as habilidades de leitura e escrita às práticas sociais e profissionais 
em que os sujeitos estão inseridos. Nesse sentido, muitos sujeitos que não 
dominam plenamente tais habilidades, ou que leem precariamente, ainda 
assim conseguem mover-se e participar de algumas atividades inerentes ao 
mundo social mediado pela escrita.
• O letramento, nesse sentido, ao destacar a aquisição do código escrito como 
continuidade de práticas sociais vivenciadas pelos sujeitos, vincula-se aos 
gêneros discursivos enquanto ferramenta didático-pedagógica exemplar em 
promover elos entre a língua e o sujeito na sala de aula, corrigindo disparidades 
do ensino tradicional, que através da cristalização dos conceitos, como o de 
norma culta e erro gramatical, tem reiterado o preconceito linguístico nas 
aulas de língua portuguesa.
RESUMO DO TÓPICO 1
133
1 Em Linguística Aplicada, o processo de aquisição do código escrito de uma 
língua é conhecidocomo ______, o qual não pode desenvolver-se como uma 
atividade autônoma, mas sim inserido em um contexto de práticas sociais 
mediadas pela língua escrita, conhecido como ______, por meio do qual se 
promove a participação em eventos variados de leitura e escrita que devem 
considerar a realidade ______ dos sujeitos. 
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) letramento – língua – social 
b) ( ) alfabetização – letramento – linguística
c) ( ) aprendizado – língua – linguística
d) ( ) alfabetização – letramento – social
2 Tradicionalmente, o termo Alfabetização associou-se à aquisição das 
habilidades de leitura e escrita por meio das instituições escolares. 
Essa compreensão, entretanto, não situava os sujeitos que, mesmo não 
escolarizados, sabem se locomover e criam recursos alternativos para saberem 
se portar em um mundo cada vez mais marcado pela cultura da escrita. Para 
abarcar fenômeno de tal complexidade, cunhou-se o termo Letramento, 
que, indo além da ideia de erudição, passou a abarcar as demandas sociais, 
familiares e também escolares, ao redor da escrita. A partir dessa reflexão, 
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) O letramento representa um avanço em relação à concepção tradicional de 
alfabetização, na medida em que incorpora as dinâmicas expressivas em 
torno da língua escrita, partilhada também por sujeitos não escolarizados ou 
semiescolarizados.
( ) Ao considerarmos a situação em que analfabetos conseguem utilizar os 
meios de transporte público, como os ônibus urbanos, valendo-se apenas 
de mediação gráfica, ou então da confirmação das linhas por conversação 
com outros usuários alfabetizados, podemos afirmar que tais situações 
convergem com a noção contemporânea de letramento.
( ) Letramento e Alfabetização, enquanto processos de aquisição das habilidades 
de leitura e escrita, são fenômenos que se equivalem, sendo, portanto, modos 
distintos de nomear o mesmo fenômeno.
( ) A língua, desde o ponto de vista interacional característico do conceito de 
Letramento, é um código lógico, cuja apreensão independe das relações e 
das práticas sociais vividas pelos aprendizes.
AUTOATIVIDADE
134
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) A sequência correta é V – F – V – F. 
b) ( ) A sequência correta é F – F – V – F.
c) ( ) A sequência correta é V – V – F – F.
d) ( ) A sequência correta é V – F – V – V.
3 O preconceito linguístico, um dos baluartes do ensino a serem continuamente 
combatidos nas aulas de língua portuguesa, assenta-se, em grande medida, 
em dois alicerces difíceis de erradicar: a noção de uma norma culta universal, 
e a noção de erro gramatical. Desde o ponto de vista da atitude do professor 
a ser tomada contra o preconceito linguístico e considerando as sentenças, 
associe os itens, utilizando o código a seguir:
I- Norma culta
II- Erro gramatical
( ) O professor deve chamar a atenção dos alunos para a existência de diversas 
variedades de uma mesma língua, demonstrando as condições sociais e 
históricas que tornaram uma delas a variedade de maior prestígio social.
( ) O professor deve chamar a atenção sobre as mudanças ortográficas que se 
fazem em acordos políticos entre as nações lusófonas, como o último acordo 
ortográfico de língua portuguesa, que fizeram palavras modificarem sua 
grafia, como na transformação da palavra mini-saia em minissaia.
( ) O professor lembra que a língua que pretende-se imitar é eleita por ser 
mais estética, ou seja, por ter uma expressividade geralmente mais bela, 
resultante do trabalho de escritores reconhecidos.
( ) A língua em sua modalidade falada escapa às discriminações de valor, e seus 
usos devem ser pensados como adequados/não adequados em relação aos 
contextos interacionais que respeitam os usos locais, sociais e individuais 
de uma mesma língua.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – II – I – II. 
b) ( ) II – I – I – II. 
c) ( ) II – II – II – I. 
d) ( ) II – II – I – II. 
135
TÓPICO 2
A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com frequência a 
leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de ideias, 
excitações, associações? [...] Nunca lhe aconteceu ‘ler levantando a 
cabeça?’ É essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o 
texto, e apaixonada, pois que a ele volta e se nutre, que tentei escrever 
(BARTHES, 2004, p. 26).
Há um dado de erudição associado ao ato de ler que, em parte, é tanto 
aceitável quanto verificável. Trata-se de pensar que a boa escrita pressupõe 
leituras qualificadas, ou seja, escrever bem requer que se leia duas vezes melhor, 
se assim podemos dizer. O bom escritor, ou o bom produtor de textos, seria aquele 
que, nessa linha de raciocínio, possui um maior e mais qualificado repertório de 
leitura.
Esse tipo de leitura associa-se à erudição, ao sujeito pensante, crítico e ativo, 
sujeito ideal de toda formação cidadã. Em outras palavras, uma vez completado 
o ciclo educacional, o sujeito formado seria um autodidata, capaz de agir sobre 
o mundo reinventando-o. E, supondo o caso em que ele é professor, será capaz 
de, através do trabalho com a linguagem, reinventar a escola e modificar o meio 
social em volta da educação.
Nesse sentido maior, a escola seria um dos poucos espaços sociais que 
pode promover o contato dos alunos com textos que estão fora do circuito 
lucrativo, do comércio e das facilidades tecnológicas, televisivas e midiáticas. 
A boa educação consequentemente seria aquela capaz de estabelecer interações 
diferenciadas entre leitores e obras, tornando-os mais críticos a partir do acesso 
a textos qualificados para o dialogismo, para habilitar os sujeitos à tolerância e à 
convivência de pontos de vista distintos.
Assim, a instituição escolar, ao promover a boa leitura e, simultaneamente, 
a produção textual qualificada, seria capaz de subverter o paradigma 
contemporâneo que eleva o valor da utilidade em detrimento do sujeito 
pensante e reflexivo, consequentemente a escola assumiria a tarefa de promover 
mudanças dos valores culturais vigentes, quando tais valores se veem reduzidos 
e comparados a utensílios de uso comercial.
Entretanto, ao pensarmos a significação da leitura no ensino, não há como 
associá-la exclusivamente, o que seria o mesmo que restringi-la, à formação de 
grandes escritores ou de produtores de texto profissionais, mas sim constituir 
136
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
práticas escolares que possibilitem ao aluno transitar pelos diversos gêneros de 
leitura e de escrita que são socialmente relevantes para o seu uso cotidiano. 
Leitura e formação do leitor, portanto, a partir de uma abordagem 
interacionista de linguagem, devem ser pensadas dentro de um viés de construção 
ativa de significados pelo sujeito, que se opõe à concepção tradicional de leitura 
enquanto decodificação e silêncio, os quais são apenas uma etapa de um processo 
complexo maior que a linguística aplicada visa elucidar.
2 CONCEPÇÕES E ETAPAS DE LEITURA
Ao buscarmos definir o processo de leitura, aplicada ao ensino de língua 
materna, destaca-se, em primeira mão, a sua íntima relação com o processo de 
escrita, a ele complementar: “É nesse contexto – considerando que o ensino deve 
ter como meta formar leitores que sejam também capazes de produzir textos 
coerentes, coesos, adequados e ortograficamente escritos – que a relação entre 
essas duas atividades deve ser compreendida” (BRASIL, 2000, p. 52).
Observada essa íntima relação entre a leitura e a escrita, em que a formação 
de leitores competentes pode resultar, paralelamente, na formação de produtores 
de textos eficientes – não no sentido de formar escritores profissionais, mas de 
sujeitoscapazes de escrever bem em relação ao gênero textual e ao contexto 
sociodiscursivo –, a leitura, nessa linha de raciocínio, abre ao produtor de textos 
um maior espectro de referências, ampliando seu universo de intertextualidade e 
fornecendo direcionamento para a sua escrita.
Apesar de apresentada como dois sub-blocos, é necessário que se 
compreenda que leitura e escrita são práticas complementares, 
fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente no processo 
de letramento – a escrita transforma a fala (a constituição da “fala 
letrada”) e a fala influencia a escrita (o aparecimento de “traços de 
oralidade” nos textos escritos) (BRASIL, 2000, p. 53).
Segundo o Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, a leitura é definida 
como: 1. Ato ou efeito de ler. 2. Arte de ler. 3. Hábito de ler. 4. Aquilo que se lê: Não sei 
qual a sua leitura. 5. O que se lê, considerado em conjunto: homem de muita leitura. Arte 
de decifrar e fixar um texto de um autor, segundo determinado critério (HOLANDA, 1986, 
p. 1019). Por sua vez, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define assim a leitura: 1. 
Ato de decifrar signos gráficos que traduzem a linguagem oral; arte de ler. 2. Ação de tomar 
conhecimento do conteúdo de um texto escrito, para se distrair ou se informar. 3. Maneira 
de compreender, de interpretar um texto, uma mensagem, um acontecimento. 4. Ato de 
decifrar qualquer notação; o resultado desse ato (HOUAISS, 2015, p. 585).
NOTA
TÓPICO 2 | A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
137
A leitura, nesse sentido, não se configuraria como um processo de 
decodificação de palavra a palavra visando extrair, de forma neutra, informações 
do texto escrito, mas, ao contrário, como um trabalho de construção de significados 
que relaciona variáveis, como: as caraterísticas do leitor, o contexto autoral, o 
conhecimento que o leitor possui da temática proposta, características ao redor 
da língua – tal como o gênero discursivo em que o texto é apresentado –, dentre 
outras variáveis que configuram a leitura como um processo ativo.
Os objetivos de Língua Portuguesa salientam também a necessidade 
de os cidadãos desenvolverem sua capacidade de compreender 
textos orais e escritos, de assumir a palavra e produzir textos, em 
situações de participação social. Ao propor que se ensine aos alunos 
o uso das diferentes formas de linguagem verbal (oral e escrita), 
busca-se o desenvolvimento da capacidade de atuação construtiva e 
transformadora (BRASIL, 2000, p. 46).
Em nossa abordagem sociointeracional da leitura, que filia-se à indicação 
bakhtiniana de ensino de língua materna, pressupõe-se o trabalho escolar 
mediante os gêneros do discurso, debruçando-nos sobre o texto-discurso de modo 
a nele identificar a composição textual que evidencia o papel dos interlocutores, 
também o estilo do texto dado em suas configurações específicas, e ainda os 
conteúdos nele explicitados.
Assim, no processo de construção intersubjetiva dos sentidos, os alunos 
devem ser confrontados a identificar os conteúdos temáticos que aparecem em 
determinado gênero discursivo, apresentados no texto-enunciado, primeiramente 
ao estabelecerem as relações grafêmicas e fonêmicas como modo de acesso à 
informação. “É flagrante que, se nossos alunos tiverem problemas de decodificação 
por não estarem inteiramente alfabetizados, nos defrontaremos com um primeiro 
obstáculo a ser superado: o código alfabético – por meio do qual o conteúdo temático 
é veiculado e se torna dizível no gênero discursivo” (RODRIGUES, 2011, p. 174).
Essa é a primeira barreira a ser ultrapassada quando se pretende definir, 
com alguma propriedade, o processo de leitura, pois ele ultrapassa a ideia de 
decodificação como simples decifração do código escrito ou de quaisquer outras 
concepções que o vinculem a habilidades de apenas reconhecimento e tradução 
de signos linguísticos, o que, em última análise, peca por desconsiderar a 
propriedade ativa do leitor de ir atribuindo significado ao que está lendo.
Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão 
na qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura 
propriamente dita. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar 
sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos 
procedimentos que utiliza quando lê (BRASIL, 2000, p. 53).
Nesse sentido, a competência de leitura está diretamente relacionada ao 
uso de estratégias em acordo com a necessidade do leitor ativo, que, muito mais 
do que decodificar, vai ao texto experimentando suposições, selecionando partes 
138
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
mais relevantes ao seu propósito, e que tenha condição de, antes de interpretar o 
lido de modo particular, possa se dar conta da intenção autoral presente no texto, 
do que nele está implícito e do que pode relacionar-se com outros textos.
Há diversas sugestões para proceder uma leitura mais eficaz. Abaurre, Pontara 
e Fadel (2002) sistematizam sete passos que, uma vez executados, norteariam um bom 
processo de leitura:
1. Seleção – delimitar a unidade de leitura: o primeiro passo é estabelecer a unidade de 
leitura, ou seja, o setor do texto que forma uma totalidade de sentido, que pode ser 
qualquer subdivisão, como: seção, capítulo etc.
2. Identificar o tema do texto: para encontrar a temática do texto, podem ser realizadas 
as seguintes perguntas: a) do que se trata, qual o foco principal? (As informações se 
organizam em torno de qual assunto?); b) que grau de conhecimento tenho, enquanto 
leitor, sobre o tema abordado: alto – quando sou capaz de avaliar o que está sendo 
comunicado, médio – posso obter informações ainda desconhecidas, baixo – que não 
me habilita a avaliar a qualidade das informações advindas do texto.
3. Localizar o texto no tempo e no espaço: nesse passo, busca-se compreender a intenção 
autoral – quem é o autor? Quando escreveu? Quais as condições da época em que 
produziu a obra? Quais as principais características do seu pensamento? Quais influências 
recebeu?
4. Elaborar uma síntese do texto: momento em que o leitor faz seleção e organização dos 
elementos mais importantes do texto, estabelecendo critérios de relevância, entre o que 
é mais e o que é menos importante.
5. Organizar as próprias ideias com relação aos elementos relevantes: parte dos 
conhecimentos prévios que o leitor possui do tema, posicionando-se frente às novas 
informações apresentadas: concorda com elas? Discorda delas? Por quê?
6. Demonstrar capacidade para interpretar dados e fatos apresentados: a partir das relações 
estabelecidas, o leitor busca responder acerca do sentido do que acabara de ler.
7. Elaborar hipóteses explicativas para fundamentar a análise das questões tematizadas 
no texto: nessa etapa, vai-se além do que foi exposto pelo autor, momento em que se 
constrói novo conhecimento em torno da questão tematizada através da construção do 
sentido do texto na maneira como ele foi apropriado pelo leitor.
FONTE: ABAURRE, M. Luiza; PONTARA, M. Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua e 
literatura. São Paulo: Moderna, 2002, p. 87-89.
NOTA
A fluência da leitura pressupõe, portanto, mais do que decodificação, 
estratégias que visam obter, utilizar e avaliar as informações à medida que, de forma 
não deliberada, o leitor constrói significados durante a leitura. São quatro as estratégias 
identificáveis em tal processo: seleção, antecipação, inferência e verificação.
Estratégias de seleção possibilitam ao leitor se ater apenas aos índices 
úteis, desprezando os irrelevantes; de antecipação permitem supor o 
que ainda está por vir; de inferência permitem captar o que não está dito 
explicitamente no texto e de verificação tornam possível o “controle” 
sobre a eficácia ou não das demais estratégias (BRASIL, 2000, p. 53).
TÓPICO 2 | A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
139
FIGURA12 – LEITURA COMO PROCESSO ATIVO
FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-ecO58eJ2Ja4/UaOEm60VEMI/AAAAAAAA-
ABg/_td8nNjUIkQ/s1600/Image4.gif>. Acesso em: 25 set. 2017.
Dessa forma, uma vez que os alunos decodificam, quando dominam o 
sistema alfabético da própria língua, outras atividades são requeridas para se 
construírem os sentidos, ou seja, é preciso que haja ativação de conhecimentos 
prévios e que se estabeleça um horizonte apreciativo para que haja dialogismo na 
leitura, para que juntos dialoguem leitor e autor.
O conhecimento atualmente disponível a respeito do processo leitura 
indica que não se deve ensinar a ler por meio de práticas centradas 
na decodificação. [...] É preciso que antecipem, que façam inferências 
a partir do contexto ou do conhecimento prévio que possuem, que 
verifiquem suas suposições (BRASIL, 2000, p. 55).
Nesse sentido, os autores textuais, ao se enunciarem por meio da escrita, 
deixam lapsos de informação que só o leitor pode preencher e, dessa forma, 
construir os sentidos não de todo enunciados:
Ler não é extrair sentidos do texto, tampouco atribuir qualquer sentido 
ao texto. A primeira ação implicaria uma postura passiva do leitor; 
enquanto a segunda apagaria, sob vários aspectos, a voz do autor. 
Assim, se não se trata de atribuição de qualquer sentido, trata-se de 
interação do leitor com o autor (RODRIGUES, 2011, p. 175).
Ler, nesse contexto, em que se pressupõe uma concepção interacionista de 
linguagem, é dialogismo, é uma espécie de confronto entre os horizontes sociais, 
históricos e culturais do autor e do leitor, confronto por meio do qual espera-
se que o leitor, a cada leitura, internalize relações intersubjetivas, expanda seu 
universo intertextual e, inevitavelmente, saia modificado.
A leitura, consequentemente, dá-se enquanto tecido comum ao autor e ao 
leitor, como na metáfora do bordado relatado a seguir, sempre renovado por um 
processo dialógico em que se entrama
140
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e 
outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra 
história. Não são mãos amarradas – se o fossem, a leitura seria 
reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos; não são mãos 
livres que produzem o seu bordado apenas com os fios que trazem nas 
veias de sua história – se o fossem, a leitura seria um outro bordado 
que se sobrepõe ao bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, 
substituindo-o. São mãos carregadas de fios, que retomam e tomam 
os fios que no que se disse pelas estratégias de dizer se oferece para 
a tecedura do mesmo e outro bordado (RODRIGUES, 2011, p. 176).
Eis, no que tange à leitura, a tarefa primordial da escola: a formação de 
leitores competentes para lidar com a diversidade e a complexidade dos textos 
que circulam socialmente, de um aluno cidadão que decodifica, compreende, 
interpreta e retém o que lê, na medida em que sabe utilizar estratégias de leitura 
tal qual os bons leitores o fazem de modo autodidata.
2.1 ETAPAS DA LEITURA
O processo de leitura pode ser resumido em quatro etapas sequenciais: 
decodificação, compreensão, interpretação e retenção. A decodificação muitas 
vezes é relacionada à leitura superficial do texto, visto que, apenas por meio dela, 
não se modifica a visão de mundo do leitor, mas dá-se o necessário reconhecimento 
dos aparatos linguístico e fonológico da língua em direção a um significado, 
inicialmente mais próximo do sentido literal, dado por meio de automatismos de 
identificação das palavras e das frases enunciadas.
É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da 
leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, 
converter letras em sons, sendo a compreensão natural dessa ação. Por 
conta dessa concepção equivocada a escola vem produzindo grande 
quantidade de “leitores” capazes de decodificar qualquer texto, 
mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler 
(BRASIL, 2000, p. 55).
Uma vez decodificado o texto, o leitor passa à etapa de compreensão, por 
meio da qual busca o sentido ali enunciado de modo a identificar a tipologia 
textual, a intenção do autor, o contexto e a temática a que se refere, de forma a 
poder sintetizar o texto em palavras e ideias-chave. Nesse momento, a interação 
visa captar e resumir a intencionalidade, independentemente das inferências que 
pouco a pouco vão surgindo durante o processo de leitura.
Assim, ao ter captado o contexto histórico e social que embasou o texto 
enunciado e, consequentemente, a visão de mundo apresentada pelo autor, 
o leitor está livre para inferir hipóteses a partir dos fatos e das informações 
apresentados no texto, constituindo uma nova etapa de leitura – dialógica, no 
sentido bakhtiniano do termo –: etapa de interpretação.
TÓPICO 2 | A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
141
Uma prática constante de leitura na escola deve admitir várias 
leituras, pois outra concepção que deve ser superada é a do mito da 
interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está 
dado no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de 
interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do 
conhecimento que traz para o texto (BRASIL, 2000, p. 57).
Na etapa de retenção, as informações levantadas nas etapas anteriores 
são retidas, armazenadas e reelaboradas através de comparações, analogias, 
reconhecimento de subentendidos, capacitando o leitor a aplicá-las em outros 
contextos, elaborando suas próprias análises e críticas.
Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda 
o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, 
identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto 
que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser 
atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a 
partir da localização de elementos discursivos (BRASIL, 2000, p. 54).
Sintetizamos, a seguir, a título ilustrativo, três critérios possíveis de leitura e 
análise de texto, segundo norteamentos metodológicos para pesquisa e leitura de trabalhos 
científicos, portanto destinados a sujeitos escolarizados, que perfazem, em seu processo de 
leitura, as quatro etapas enunciadas, aqui repensadas em outra chave de leitura:
1. Análise textual: primeira abordagem do texto visando à preparação da leitura. É uma 
primeira leitura, de visão panorâmica, que faz sentir o estilo do autor e a estrutura do 
texto. Nessa etapa, o leitor busca alguns esclarecimentos para melhor compreensão do 
texto: a) dados a respeito do autor, de suas ideias; b) estudo do vocabulário, levantando 
termos e conceitos fundamentais para a compreensão do texto; c) esquematização do 
texto, apresentando uma visão de conjunto; d) resumo do texto, destacando as ideias 
mais relevantes.
2. Análise temática: etapa centrada em compreender a intenção autoral, o conteúdo da 
mensagem, e que se faz mediante alguns questionamentos, como: De que fala o texto? 
Como o texto está problematizado? Qual dificuldade deve ser resolvida? Qual problema a 
ser solucionado? Como o autor responde ao problema levantado? Quais ideias paralelas 
são apresentadas ao tema central?
3. Análise interpretativa: nessa etapa, o leitor com uma posição a respeito das ideias 
enunciadas, situando-a nas entrelinhas do que foi lido, é quando: a) o leitor situa o texto 
no contexto da vida e da obra do autor, assim como da cultura, da história; b) o leitor 
relaciona as ideias do autor a outras ideias relacionadas à mesma temática; c) o leitor 
exerce uma atitude crítica frente ao posicionamento do autor, testando a validade dos 
argumentos empregados, a originalidade da abordagem, levando o leitor a chegar a uma 
apreciação própria das ideias defendidas no texto; d) o leitor problematiza,põe em debate 
as questões implícitas e explícitas no texto; e) o leitor sintetiza de modo pessoal o que foi 
lido, reelaborando a mensagem a partir de suas reflexões.
FONTE: SEVERINO, Antonio J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002, 
p. 51-58.
NOTA
142
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
3 PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE AULA
Primeiramente, devemos anotar que o processo de leitura, que na escola 
associa-se de modo complementar à formação do aluno enquanto produtor de 
textos, não se restringe à intencionalidade escolar. A leitura atende a diferentes 
objetivos do sujeito leitor, que se diferenciam conforme a sua inserção social e 
histórica e as inter-relações que estabelece com outros sujeitos também situados 
em contextos sociais e históricos próprios:
Lemos para buscar informações – a exemplo de ler uma notícia de jornal 
–, para estudar um texto – leituras que fazemos costumeiramente na 
escola –, por fruição – ler uma obra literária ou revistas de amenidades, 
por exemplo – ou por pretexto – entendido, nessa acepção, como 
instrumento para ações de outra natureza, como ler um romance para 
adaptá-lo a um enredo de filme (RODRIGUES, 2011, p. 159).
Essa diversidade de relações que sujeitos situados historicamente realizam 
por meio da leitura leva a pensar a formação do leitor incluindo os gêneros 
discursivos, que têm a virtude de trazer os textos socialmente relevantes para 
dentro dos muros escolares, tornando a escola um lugar de propiciar uma leitura 
de “inúmeras outras finalidades, a exemplo de ler por curiosidade – o que move 
a chamada imprensa marrom –; ler para agir – leitura de manuais e equipamentos 
domésticos ou displays de instrumentos eletrônicos, por exemplo; ler para se mover 
– ler placas de ruas ou indicadores de linhas de ônibus etc.” (RODRIGUES, 2011, 
p. 159).
Dessa forma, o trabalho em sala de aula visa ir além das clássicas leituras 
literárias que, ainda que relevantes, tinham como finalidade dotar o aluno de 
maior erudição, e passa a escola a voltar-se para abarcar o maior número de 
gêneros textuais que circulam socialmente, os quais têm sido incorporados 
e recomendados em documentos institucionalizados, como os Parâmetros 
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa:
Como se trata de uma prática social complexa, se a escola pretende 
converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua 
natureza e sua complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa 
trabalhar com a diversidade de objetivos e modalidades que 
caracterizam a leitura, ou seja, os diferentes “para quês” – resolver um 
problema prático, informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou revisar 
o próprio texto – e com as diferentes formas de leitura em função de 
diferentes objetivos e gêneros (BRASIL, 2000, p. 54-55).
Estabelecido o norteamento do ensino e aprendizagem da leitura por via 
dos gêneros discursivos, cabe à instituição escolar proceder rearranjos didático-
pedagógicos que organizem o trabalho de leitura em torno da maior diversidade 
textual possível, para além da leitura voltada para resolução de questões diárias e 
práticas, contribuindo assim para a formação de leitores cidadãos. “Principalmente 
quando os alunos não têm contato sistemático com bons materiais de leitura e 
TÓPICO 2 | A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
143
com adultos leitores, quando não participam de práticas onde ler é indispensável, 
a escola deve oferecer materiais de qualidade, modelos de leitores proficientes e 
práticas de leitura eficazes” (BRASIL, 2000, p. 55).
As práticas de leitura requerem condições favoráveis à leitura, que nos 
PCN (BRASIL, 2000, p. 58-59) podem ser assim resumidas:
• Dispor de biblioteca e materiais de leitura na escola;
• Organizar momentos de leitura livre em que o professor também 
leia;
• Planejar as atividades diárias conferindo à leitura o mesmo papel 
que as demais atividades;
• Possibilitar a escolha de suas leituras pelos alunos. Fora da escola, 
o autor, a obra ou o gênero são decisões do leitor. Tanto quanto for 
possível, é necessário que isso se preserve na escola;
• Quando houver oportunidade de sugerir títulos a serem adquiridos 
pelos alunos, optar pela variedade: é infinitamente mais interessante 
que haja na classe, por exemplo, 35 diferentes livros do que três 
livros iguais;
• Construir na escola uma política de formação de leitores na qual 
todos possam contribuir com sugestões para uma prática constante 
de leitura que envolva o conjunto da unidade escolar.
Ainda segundo os PCN, tais condições necessárias devem aliar-se a 
variadas propostas didáticas destinadas à formação de leitores, dentre as quais 
se destacam: leitura diária, leitura colaborativa, projetos de leitura, atividades 
sequenciais de leitura, atividades permanentes de leitura e leitura realizada pelo 
professor (BRASIL, 2000). Deslindaremos algumas delas, reproduzindo trechos 
dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e destacando os 
seus aspectos mais importantes.
A Leitura diária pode ser realizada: a) de forma silenciosa, individualmente; 
b) em voz alta, individualmente ou em grupo; c) pela escuta de alguém que lê. 
Para que ela ocorra, entretanto, alguns cuidados devem ser tomados (BRASIL, 
2000, p. 60-65):
• Toda proposta de leitura em voz alta precisa fazer sentido dentro da 
atividade na qual se insere e o aluno deve sempre poder ler o texto 
silenciosamente, com antecedência – uma ou várias vezes;
• Quando há diferentes interpretações para um mesmo texto, faz-
se necessário negociar o significado (validar interpretações), essa 
negociação precisa ser fruto da compreensão do grupo e produzir-
se pela argumentação dos alunos. Ao professor cabe orientar a 
discussão, posicionando-se apenas quando necessário;
• Ao propor atividades de leitura convém sempre explicitar os 
objetivos e preparar os alunos. É interessante, por exemplo, dar 
conhecimento do assunto previamente, fazer com que os alunos 
levantem hipóteses sobre o tema a partir do título, oferecer 
informações que situem a leitura, criar um certo suspense quando 
for o caso etc.;
144
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
• É necessário refletir com os alunos sobre as diferentes modalidades 
de leitura e os procedimentos que elas requerem do leitor. São 
coisas muito diferentes ler para se divertir, ler para escrever, ler 
para estudar, ler para descobrir o que deve ser feito, ler buscando 
identificar a intenção do escritor, ler para revisar. É completamente 
diferente ler em busca de significado – a leitura, de um modo geral – 
e ler em busca de inadequações e erros – a leitura para revisar. Esse 
é um procedimento especializado que precisa ser ensinado em todas 
as séries, variando apenas o grau de aprofundamento em função da 
capacidade dos alunos.
A Leitura colaborativa é a forma de leitura em que o professor, ao passo que 
lê um texto em sala de aula, convoca os alunos a participarem através de pistas 
linguísticas que possibilitam chegar a determinados sentidos.
A possibilidade de interrogar o texto, a diferenciação entre realidade 
e ficção, a identificação de elementos discriminatórios e recursos 
persuasivos, a interpretação de sentido figurado, a inferência sobre 
a intencionalidade do autor, são alguns dos aspectos dos conteúdos 
relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura 
colaborativa tem muito a contribuir (BRASIL, 2000, p. 61).
Os Projetos de leitura têm um objetivo que é comum, compartilhado por 
todos os envolvidos no projeto, conferindo aos alunos maior autonomia de 
leitura, distribuição de tarefas e maior flexibilidade ao tempo de realização das 
atividades, que em geral são: promoção de eventos de leitura, feira cultural, 
exposição de trabalhos, produção de vídeos etc. 
Os projetos são situações em que linguagem oral,linguagem 
escrita, leitura e produção de textos se inter-relacionam de forma 
contextualizada, pois quase sempre envolvem tarefas que articulam 
esses diferentes conteúdos. São situações linguisticamente 
significativas, em que faz sentido, por exemplo, ler para escrever, 
escrever para ler, ler para decorar, escrever para não esquecer, ler em 
voz alta em tom adequado (BRASIL, 2000, p. 62).
As Atividades sequenciais de leitura se assemelham aos projetos, podendo 
deles participar, sem entretanto haver um resultado final determinado de 
antemão, pois o único objetivo é a própria leitura. No sequenciamento da leitura 
pode-se eleger gênero, tema, autor etc.
São situações didáticas adequadas para promover o gosto de ler e 
privilegiadas para desenvolver o comportamento do leitor, ou seja, 
atitudes e procedimentos que os leitores assíduos desenvolvem a partir 
da prática de leitura: formação de critérios para selecionar o material 
a ser lido, constituição de padrões de gosto pessoal, rastreamento da 
obra de escritores preferidos, etc. (BRASIL, 2000, p. 63).
As Atividades permanentes de leitura buscam a regularidade, propiciando 
uma didática que facilite o processo de leitura. É o caso da “Roda de leitores”, 
em que os alunos leem um livro em casa e, em certo dia acertado pelo grupo, 
comentam suas impressões acerca dos textos lidos. Em geral, é pertinente incluir 
uma breve caracterização biográfica do autor.
TÓPICO 2 | A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
145
Um exemplo desse tipo de atividade é a “Hora de...” (histórias, 
curiosidades científicas, notícias etc.). Os alunos escolhem o que 
desejam ler, levam o material para casa por um tempo e se revezam 
para fazer a leitura em voz alta, na classe. Dependendo da extensão 
dos textos e do que demandam em termos de preparo, a atividade 
pode se realizar semanalmente ou quinzenalmente, por um ou mais 
alunos a cada vez (BRASIL, 2000, p. 63).
Uma última prática, recomendada pelos Parâmetros Curriculares 
Nacionais de Língua Portuguesa, consiste na Leitura feita pelo professor, que trata 
de uma forma de leitura compartilhada e realizada pelo professor por abranger 
textos mais complexos ou de tamanho extenso, às vezes capítulos ou unidades de 
livros, e que é realizada visando dirimir dificuldades e, por vezes, acrescer uma 
beleza textual dificilmente percebida por um leitor não habilitado. “A leitura em 
voz alta feita pelo professor não é uma prática muito comum na escola. E, quanto 
mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, 
pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de 
leitores” (BRASIL, 2000, p. 64).
Essas práticas de leitura são recomendadas reiteradamente pelos 
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa porque muitas razões 
as fundamentam, dentre as quais cabe destacar (BRASIL, 2000, p. 64-65):
• Ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada;
• Estimular o desejo de outras leituras;
• Possibilitar a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da 
imaginação;
• Permitir a compreensão do funcionamento comunicativo da escrita: 
escreve-se para ser lido;
• Expandir o conhecimento a respeito da própria leitura;
• Aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares – condição para 
a leitura fluente e para a produção de textos;
• Possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens;
• Informar como escrever e sugerir sobre o que escrever;
• Ensinar a estudar;
• Possibilitar ao leitor compreender a relação que existe entre a fala e 
a escrita;
• Favorecer a aquisição de velocidade na leitura;
• Favorecer a estabilização de formas ortográficas.
Enfim, tornar os alunos bons leitores, desenvolvendo neles um 
compromisso com a leitura, é uma das tarefas cidadãs da escola, visto que não 
basta elencar práticas de leitura se elas não se destinarem, mediante práticas 
pedagógicas eficientes, a despertar o desejo de leitura, de aprender a ler para ler 
e para aprender.
146
Neste tópico, você viu que:
• A leitura, entendida em uma proposta enunciativa-discursiva, dá-se como ato 
dialógico entre os contextos social, histórico e ideológico, que circundam o autor, 
o texto e o leitor. O leitor, nesse sentido, age no processo de leitura buscando 
novas experiências, defendendo suas hipóteses, ativando conhecimentos 
prévios, assumindo uma atitude não passiva, de confronto diante do texto.
• O leitor ativo busca pistas, formula e reformula hipóteses, negocia, aceita, rejeita 
conclusões apresentadas, põe interrogação onde há um ponto final; enfim, usa 
estratégias, aciona leituras prévias, afastando-se do tradicional entendimento 
de leitura como decodificação, que é apenas uma etapa do processo de leitura.
• Em linguística aplicada, além da decodificação (que pressupõe o domínio 
do código alfabético da língua), há três outras etapas no processo de leitura: 
compreensão (que busca entender a intenção autoral através da mensagem 
textual), interpretação (momento em que o leitor começa a testar suas próprias 
hipóteses, fazer inferências etc.), e a etapa de retenção (quando o leitor 
incorpora o significado dialógico do texto, levando-o para outras esferas da 
vida social para além do texto lido).
• Visando à formação de bons leitores e afinado com os avanços da linguística 
aplicada, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa 
recomendam algumas práticas de leitura para o exercício em sala de aula, 
dentre as quais cabe destacar: leitura diária, leitura colaborativa, projetos de 
leitura, atividades sequenciais de leitura, atividades permanentes de leitura e 
leitura realizada pelo professor.
RESUMO DO TÓPICO 2
147
AUTOATIVIDADE
1 O leitor letrado, que tem pleno domínio do sistema alfabético de sua língua 
materna, percorre etapas e sequências durante o processo de leitura. Ele 
decodifica os signos linguísticos, compreende a intenção do autor, formula 
hipóteses, faz inferências, interpreta o texto lido e retém significados que 
reelabora em suas práticas sociais com o mundo. A partir dos pontos de vista 
das etapas de leitura e considerando as sentenças, associe os itens, utilizando 
o código a seguir:
I- Decodificação
II- Compreensão
III- Interpretação
IV- Retenção
( ) Nesta etapa, as informações levantadas nas etapas anteriores são armazenadas 
e reelaboradas através de comparações, analogias, reconhecimento de 
subentendidos, capacitando o leitor a aplicá-las em outros contextos.
( ) Etapa em que o leitor pode inferir hipóteses a partir dos fatos e das informações 
apresentadas no texto, constituindo uma etapa dialógica de leitura.
( ) Etapa que visa identificar a tipologia textual, a intenção do autor, o contexto 
e a temática a que se refere o texto lido.
( ) Etapa muitas vezes entendida como leitura superficial do texto, visto que, 
embora necessária, por si só não se modifica a visão de mundo de um leitor.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – III – IV – II. 
b) ( ) II – I – III – IV. 
c) ( ) IV – III – II – I. 
d) ( ) IV – III – I – II. 
2 Ler, no sentido contemporâneo que lhe empresta a Linguística Aplicada, é 
muito mais do que um exercício de ______ dos signos linguísticos, mas ao 
contrário, um confronto entre os universos históricos do autor e do leitor 
mediados pelo ______, diante do qual o leitor almejado pela escola deve ter 
uma atitude ______, dialógica, que põe em jogo todos os seus conhecimentos 
prévios acerca da temática sugerida. 
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) compreensão – tema – social 
b) ( ) decodificação – texto – ativa
c) ( ) interpretação – assunto – linguística
d) ( ) retenção – texto – passiva
148
3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa propõem 
diversas práticas de leitura que visam à formaçãode bons leitores em sala de 
aula, dentre as quais se destacam: leitura diária, leitura colaborativa, projetos 
de leitura, atividades sequenciais de leitura, atividades permanentes de 
leitura e leitura realizada pelo professor. A partir dessa reflexão, classifique 
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas, associando as práticas de 
leitura aos enunciados relacionados a seguir:
( ) As “Rodas de leitores”, em que os alunos leem um livro em casa e, em um 
dia acertado pelo grupo, comentam suas impressões acerca dos textos lidos, 
pode ser considerado uma modalidade de Projeto de leitura.
( ) A “Leitura feita pelo professor” é uma forma de leitura compartilhada, 
realizada pelo professor, que abrange textos mais complexos ou de tamanho 
extenso, às vezes capítulos ou unidades de livros, e que é realizada visando 
dirimir dificuldades que os alunos ainda são incapazes de superar sozinhos.
( ) A forma de leitura em que o professor, à medida que lê um texto em sala de 
aula, convoca os alunos a participarem através de algumas pistas linguísticas 
é conhecida como “Leitura colaborativa”.
( ) As “Atividades sequenciais de leitura” em nada se assemelham aos “Projetos 
de leitura”, embora possam deles participar, já que ambas as práticas de 
leitura têm um resultado final determinado de antemão.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) A sequência correta é V – F – V – F. 
b) ( ) A sequência correta é F – V – V – F.
c) ( ) A sequência correta é V – V – F – F.
d) ( ) A sequência correta é F – F – V – V.
149
TÓPICO 3
A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, se no tópico anterior pudemos observar o quanto 
um processo eficiente e qualificado de leitura pode em larga medida embasar 
a produção textual dos alunos, é porque, mais do que a leitura, a produção de 
textos – seja na modalidade oral, seja na modalidade escrita da língua – acaba por 
configurar-se como objetivo central do ensino de língua portuguesa. 
A escola se encarregaria de uma elaboração didática que mediaria 
as práticas de leitura e as práticas de escrita mediante as práticas de análise 
linguística, integrando esses três enfoques do processo de ensino e aprendizagem 
de língua materna ao exercício dos gêneros do discurso e dos estudos de 
letramento, distanciando-se, portanto, da ênfase tradicionalmente centrada na 
redação escolar.
A produção textual, visada pelos estudos de Linguística Aplicada, muda 
o enfoque teórico e metodológico, tradicionalmente comprometido em formar 
alunos aptos à redação escolar – em última instância destinando o estudo à 
aprovação em concursos e provas vestibulares que, na economia livre de mercado, 
regulam em grande medida a ascensão social –, cuja base está em uma concepção 
abstrata de língua, descomprometida com as modificações das relações sociais 
demandadas pela realidade dos sujeitos.
Nesse sentido, as práticas de letramento tradicionais visavam tão somente 
à aquisição da habilidade de escrita dada de forma independente das relações e 
práticas sociais vividas pelos sujeitos, os quais seriam continuamente demandados 
a uma produção artificial de textos para serem lidos quase exclusivamente pelos 
professores, e realizados desconsiderando as condições de produção e a situação 
social de interação a que se destinariam tais textos.
Descomprometida com as práticas sociais vividas além dos muros da 
escola, essa forma limitada de produção textual restringia-se quase exclusivamente 
à aplicabilidade da aquisição da competência escrita à redação escolar, ao invés 
de consagrar tais práticas ao exercício da reflexão e, muitas vezes, de capacitar os 
sujeitos para, mediante a produção textual oral ou escrita, intervir em seu mundo 
sociocultural.
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
150
2 CONCEPÇÕES DE ESCRITA
A intersecção entre leitura e escrita tem seu ponto comum de encontro no 
texto, no qual está enunciado um conjunto de discursos que remete às relações 
intersubjetivas do leitor e do autor. A escrita, nesse sentido, pode ser concebida 
como um desses lugares de enunciação no qual o leitor qualificado arregimenta 
as diversas leituras retidas em seu universo intertextual, convergindo-as para 
uma direção marcada pelos vetores da produção escrita.
Esses vetores estão dados no mundo temporal, social e histórico no qual 
está inserido o sujeito autor de textos, que não está restrito, portanto, ao mundo 
interior da escola, nem a uma produção textual voltada quase exclusivamente 
para o mercado de trabalho, como no caso dos textos redacionais exigidos nas 
provas escolares, concursos ou vestibulares. 
FIGURA 13 – ESCRITA DESVINCULADA DO MUNDO 
FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-ZDTn5kz-3pc/VXHh26_a15I/AAAAAA-
AAF8U/8IMElHTZXI0/s640/P%2B8%2B2.jpg>. Acesso em: 25 set. 2017.
Ao contrário, o produtor de textos já tem uma direção advinda de sua 
prática interdiscursiva e condicionada pelos usos sociais da língua, ou seja, 
modelada pelo gênero discursivo com o qual ele irá se expressar. O oposto dessa 
situação é a metodologia das escolas tradicionais que limitam a escrita a um 
mundo isolado, particular, onde
TÓPICO 3 | A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
151
produziam-se textos para o professor e para a escola, em uma situação 
artificializada de escrita, que fugia às condições dos usos sociais da 
língua. Escrever, por exemplo, fora de determinadas condições de 
produção – ou seja, fora de uma situação social de interação e seu 
gênero do discurso, desconsiderando para quem escrevemos, por que 
o fazemos etc. (RODRIGUES, 2011, p. 191).
 A produção textual, no afã da linguística aplicada, afasta-se dessa tipologia 
de textos restritos à escola, para abrir-se à linguagem e à produção de textos “na” 
escola, onde a sala de aula substitui a tradicional pedagogia de transmissão de 
conhecimento pela pedagogia da interação, da promoção do diálogo entre os 
diversos sujeitos e os diversos saberes.
São esses saberes do mundo vivido de professores e alunos que 
se confrontam e dialogam com os conhecimentos sistematizados 
(científicos e escolares), e que vão produzir novas possibilidades de 
ação pedagógica. Nessa perspectiva, o professor desloca-se da posição 
de mero corretor de texto do aluno para seu interlocutor (RODRIGUES, 
2011, p. 193).
Nesse sentido, um produtor de textos competente é aquele que se inteira 
das condições culturalmente postas ao produzir o seu discurso, que planeja o texto 
conforme sua intenção e prevê o leitor ao qual o texto se destina, portanto sabe 
selecionar o gênero discursivo apropriado aos seus objetivos, compreendendo 
as características inerentes ao gênero escolhido e à situação enunciativa a que se 
destina.
Por exemplo: se o que deseja é convencer o leitor, o escritor competente 
selecionará um gênero que lhe possibilite a produção de um texto 
predominantemente argumentativo; se é fazer uma solicitação a 
uma determinada autoridade, provavelmente redigirá um ofício; se é 
enviar notícias a familiares, escreverá uma carta (BRASIL, 2000, p. 65).
Escrever, portanto, deixa de ser pensada como uma atividade abstrata sem 
finalidade precisa, para ser compreendida – por meio dos gêneros do discurso e 
de uma concepção sociointeracionista da linguagem – numa relação direta com 
situações práticas específicas, das quais podem ser destacadas, a pensar com 
Geraldi (1993, p. 160):
• Que se tenha o que dizer;
• Que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
• Que se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
• Que o locutor [autor do texto] se constitua como tal, enquanto sujeito 
que diz o que diz para quem diz (o que implica responsabilizar-se, 
no processo, por suas falas);
• Que se escolham as estratégias para realizar: o que se tenha a dizer, a 
razão para dizer oque se tem a dizer, o que se tenha para quem dizer 
o que se tem a dizer, que o locutor se constitua como tal, enquanto 
sujeito que diz o que diz para quem diz.
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
152
A produção de textos na escola deve voltar-se, dessa maneira, para 
uma outra forma de elaboração didática, que não a do professor como apenas 
balizador da norma-padrão ou corretor da grafia, mas numa abordagem interativa 
que capacite o aluno a uma textualidade participativa, portanto, de uma ação 
educativa que não se dê ao final do texto escrito, mas dada na interlocução com 
as práticas sociais que requisitam o educando a intervir em situações para além 
da sala de aula.
Vejamos um exemplo ilustrativo de uma produção textual realizada por 
meio dos gêneros do discurso e orientada a partir da interlocução na escola, em 
que o produtor textual/educando, aqui nomeado de Pedro, resolve reagir a uma 
publicação de jornal que, ao generalizar a violência em seu bairro, o atinge em 
seu brio de cidadão, que embora habitante do referido bairro, não possui índole 
violenta. O educando resolve dar sua contra-palavra publicamente, através do 
próprio jornal:
Como leitor do jornal, ou seja, como participante da esfera do 
jornalismo, sabe que o único gênero por meio do qual pode se enunciar 
nessa esfera é a carta ao leitor, que será lida inicialmente pelo editor da 
seção onde esse gênero é publicado. Sabe, também, que se a carta for 
longa será editada ou não publicada; também corre o risco de não ser 
publicada se ele se enunciar em um tom grosseiro e ofensivo. Diante 
desse horizonte apreciativo-enunciativo, tal como e como o concebe o 
Círculo de Bakhtin, redige uma carta curta, em que, num tom formal 
e educado, expõe sua discordância das posições apresentadas pelo 
jornalista que assina a reportagem (RODRIGUES, 2011, p. 194-195).
Resumidamente, o exemplo ilustra a posição de um educando ideal, 
orientado para assumir, por meio da escrita, uma posição social relevante e de 
responsabilidade, que detinha os conhecimentos necessários para uma produção 
textual socialmente eficiente, relacionadas a seguir: 
• Que o educando tem conhecimento do gênero discursivo adequado, ou seja, 
“a carta ao leitor”.
• Que o educando sabe selecionar os modos de dizer, ao ter escolhido a estratégia 
enunciativa-discursiva “texto curto em tom respeitoso”.
• Que o educando estava ciente das finalidades específicas de sua produção 
textual, a saber: que seu texto seria produzido na esfera social do “jornalismo”; 
que o texto se destinava a interlocutores precisos – o “editor do jornal” e 
outros interlocutores, como ele, “leitores de jornal”; que o educando sabia 
o que dizer ao “argumentar pontos de vista discordantes dos apresentados 
pelo jornalista”; e, finalmente, que o educando, “ao defender os moradores 
do bairro, da generalização injusta do jornalista, perante os leitores do jornal”, 
revelou ter uma razão para dizer.
O que está em discussão aqui é como pensar uma escola que se paute pelas 
teorias do letramento e dos gêneros do discurso, de modo a formar um produtor 
textual competente, isto é, que planeja seu discurso conhecendo as possibilidades 
TÓPICO 3 | A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
153
que lhe estão postas culturalmente e que, dessa forma, sabe selecionar e respeitar 
as especificidades do gênero discursivo próprio à situação enunciativa para a 
qual se põe a escrever.
Não apenas isso, a formação da competência em produzir textos também 
demanda saberes reflexivos sobre a própria língua e a capacidade de não somente 
expressar, mas simultaneamente organizar o texto. Assim, se a expressão na 
escrita se relacionaria com um fluxo livre de ideias e palavras, a capacidade 
organizativa relaciona-se a bloqueios a esse fluxo, quando o produtor textual 
freia o texto, contempla, lê criticamente, revisa dados de correção de linguagem, 
analisa e, dessa forma, faz o autor leitor de si mesmo.
Um escritor competente é, também, capaz de olhar para o próprio 
texto como um objeto e verificar se está confuso, ambíguo, redundante, 
obscuro ou incompleto. Ou seja: é capaz de revisá-lo e reescrevê-
lo até considerá-lo satisfatório para o momento. É, ainda, um leitor 
competente, capaz de recorrer, com sucesso, a outros textos quando 
precisa utilizar fontes escritas para a sua própria produção (BRASIL, 
2000, p. 66).
 
Destarte, a competência na escrita requer saber não apenas aspectos 
discursivos da linguagem, mas que o educando seja capaz de entender o 
funcionamento da linguagem utilizada ao escrever, pois, sabemos, a escrita 
não funciona como espelho da fala, demandando, portanto, conhecimento dos 
aspectos notacionais da produção textual, assim como conhecimento dos aspectos 
revisionais e de análise linguística.
2.1 ANÁLISE LINGUÍSTICA E REVISÃO DE TEXTOS
Ao se pretender melhorar a capacidade de compreensão e expressão dos 
educandos, não apenas em situações de comunicação oral, mas principalmente 
de escrita, faz-se necessário expandir sua capacidade de interpretação e produção 
de textos para os quais torna-se importante tomar a própria língua como objeto 
de reflexão. 
Tal atividade é sustentada, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais 
de Língua Portuguesa (BRASIL, 2000, p. 78), sobre dois pressupostos: “a 
capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da 
linguagem; e a propriedade que a linguagem tem de poder referir-se a si mesma, 
de falar sobre a própria linguagem”.
Assim, ao se refletir sobre a própria linguagem realiza-se uma atividade 
de análise linguística, que pode voltar-se ora para o uso dado em situações de 
interlocução que se dão naturalmente, ora para a descrição e categorização dos 
elementos linguísticos que permitem falar da língua independente do uso. 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
154
Tanto em um quanto em outro tipo de análise não se pretende falar da 
língua em si, ou seja, falar por falar, mas exercer uma reflexão que vise melhorar 
a qualidade da produção textual.
O ensino de Língua Portuguesa, pelo que se pode observar em suas 
práticas habituais, tende a tratar essa fala da e sobre a linguagem 
como se fosse um conteúdo em si, não como um meio para melhorar a 
qualidade da produção linguística. É o caso, por exemplo, da gramática 
que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática 
de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir 
bem na prova e passar de ano – uma prática pedagógica que vai da 
metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de 
reconhecimento e memorização de nomenclatura. Em função disso, 
tem-se discutido se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas 
essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é para que e como 
ensiná-la (BRASIL, 2000, p. 39).
Um exemplo do primeiro caso, também chamado de atividades 
epilinguísticas, ou seja, de análise linguística voltada para o uso, é “quando, no 
meio de uma conversa, um dos interlocutores pergunta ao outro ‘o que você quis 
dizer com isso?’, ou ‘Acho que essa palavra não é a mais adequada para dizer isso. 
Que tal...?’, ou ainda ‘Na falta de uma palavra melhor, então vai essa mesma’” 
(BRASIL, 2000, p. 38). 
No segundo caso, chamada de atividades metalinguísticas, quando busca-
se levantar as regularidades de aspectos da língua.
Assim, para que se possa discutir a acentuação gráfica, por exemplo, 
é necessário que alguns aspectos da língua – tais como a tonicidade, a 
forma pela qual é marcada nas palavras impressas, a classificação das 
palavras quanto a esse aspecto e ao número de sílabas, a conceituação 
de ditongo e hiato, entre outros – sejam sistematizados na forma 
de uma metalinguagem específica que favoreça o levantamento de 
regularidades e a elaboração de regras de acentuação (BRASIL, 2000,p. 39).
A análise linguística se expressa sobretudo através dos aspectos gramaticais 
do texto, convocando o escritor a monitorar a própria escrita, regulando a 
adequação ao gênero discursivo, bem como a outros itens gramaticais, como: 
coesão, coerência e correção da linguagem, portanto, é no interior da situação de 
produção textual que os aspectos gramaticais ganham maior relevância.
Estabelece-se, enquanto finalidade prática, um liame entre a análise 
linguística e a revisão de texto, ambas imbricadas à atividade da escrita.
Saber o que é substantivo, adjetivo, verbo, artigo, preposição, 
sujeito, predicado etc. não significa ser capaz de construir bons 
textos, empregando bem esses conhecimentos. Quando se enfatiza 
a importância das atividades de revisão é por esta razão: trata-se 
de uma oportunidade privilegiada de ensinar o aluno a utilizar os 
conhecimentos que possui, ao mesmo tempo que é fonte de conteúdos 
a serem trabalhados (BRASIL, 2000, p. 90).
TÓPICO 3 | A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
155
A revisão do texto tem um papel fundamental não apenas na prática 
da escrita, mas também por conjuntamente a ela articular a prática de leitura 
e a reflexão sobre a língua, e caracteriza-se pelos procedimentos que reitera-se 
sobre determinado texto até o ponto em que o escritor acredita que ele esteja 
suficientemente bem escrito, portanto, é uma atividade que pressupõe a produção 
de rascunhos abertos a alterações tanto formais quanto de conteúdo. “A maioria 
dos escritores iniciantes costuma contentar-se com uma única versão de seu texto 
e, muitas vezes, a própria escola sugere esse procedimento. Isso nada contribui 
para o texto ser entendido como processo ou para desenvolver a habilidade de 
revisar” (BRASIL, 2000, p. 73).
Nesse sentido, o trabalho com rascunhos passa a ser salutar, pois se 
configura como estratégia aberta à revisão constante, e também para que o 
educando possa perceber a provisoriedade dos textos e dê conta de seu próprio 
percurso. É nessa perspectiva que a revisão de textos passa a ser uma ferramenta 
didática que requer ser continuamente ensinada. 
Isso significa deslocar a ênfase da intervenção, no produto final, para o 
processo de produção, ou seja, revisar, desde o planejamento, ao longo 
de todo o processo: antes, durante e depois. A melhor qualidade do 
produto, nesse caso, depende de o escritor, progressivamente, tomar 
nas mãos o seu próprio processo de planejamento, escrita e revisão 
dos textos (BRASIL, 2000, p. 74).
Em sala de aula, portanto, a revisão textual pretende-se uma atividade 
conjunta entre professor e alunos no intuito de detectar os pontos de divergência 
entre o que foi escrito e a intenção de dizer, assim como resolver problemas de 
texto – por exemplo, problemas com a correção da linguagem – mediante análise 
linguística.
A revisão de texto, como situação didática, exige que o professor 
selecione em quais aspectos pretende que os alunos se concentrem de 
cada vez, pois não é possível tratar de todos ao mesmo tempo. Ou 
bem se foca a atenção na coerência da apresentação do conteúdo, 
nos aspectos coesivos e pontuação, ou na ortografia. E, quando 
se toma apenas um desses aspectos para revisar, é possível, ao fim 
da tarefa, sistematizar resultados do trabalho coletivo e devolvê-lo 
organizadamente ao grupo de alunos (BRASIL, 2000, p. 81).
Se, de modo geral, a revisão de textos volta-se para a aplicação didática, 
progressiva e em interlocução, entre professor e aluno, acerca da coesão e coerência 
textuais e os aspectos gramaticais, as atividades de correção de linguagem 
merecem um certo destaque, visto que a revisão de textos praticada nas escolas 
tradicionais detém-se sobremaneira nesses aspectos, conferindo-lhes ou maior 
ênfase, ou dando-lhes um tratamento inadequado. São eles: a pontuação e a 
ortografia. 
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
156
O ensino de pontuação, para começar, não pode se confundir com o 
tradicional ensinar ‘sinais de pontuação’ para indicar pausas na leitura em 
voz alta, pois, mesmo que a pontuação possa ter essa função, ela é auxiliar. Ao 
contrário, a pontuação reporta-se a aspectos gráficos da escrita que visam indicar 
ao leitor unidades lógicas de processamento da leitura:
Aprender a pontuar é aprender a partir e reagrupar o fluxo do texto 
de forma a indicar ao leitor os sentidos propostos pelo autor, obtendo 
assim efeitos estilísticos. O escritor indica as separações (pontuando) 
e sua natureza (escolhendo o sinal) e com isso estabelece formas de 
articulação entre as partes que afetam diretamente as possibilidades 
de sentido (BRASIL, 2000, p. 88).
Nesse sentido, pode-se dizer que há mais de uma possibilidade de pontuar 
um texto, que não é nem a expressão direta da oralidade, tampouco uma soma 
de frases, mas sim uma espécie de organização do fluxo contínuo das palavras 
e frases, de modo a estabelecer ligação íntima e lógica entre as partes do texto. 
“A única regra obrigatória da pontuação é a que diz onde não se pode pontuar: 
entre o sujeito e o verbo e entre o verbo e seu complemento. Tudo o mais são 
possibilidades. Por isso – ao contrário da ortografia – na pontuação a fronteira 
entre o certo e o errado nem sempre é bem definida” (BRASIL, 2000, p. 89).
Quanto à ortografia, a ideia é substituir o ensino usual de apresentação 
de regras e fórmulas – geralmente seguidas das correções que o professor faz dos 
ditados e redações – por um trabalho de normatização ortográfica contextualizado, 
em que os alunos desenvolvam uma atitude crítica em relação à própria produção 
textual, que, em última instância, revela-se em desenvolver a preocupação com a 
adequação e correção dos textos.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, 
enquanto estratégias didáticas, organizam-se dois eixos para o ensino de ortografia, 
que devem favorecer suas especificidades. Eis os eixos e as especificidades a 
favorecer (BRASIL, 2000, p. 85):
• o eixo da distinção entre o que é “produtivo” e o que é “reprodutivo” 
na notação da ortografia da língua, permitindo no primeiro caso o 
descobrimento explícito de regras geradoras de notações corretas e, 
quando não, a consciência de que não há regras que justifiquem as 
formas corretas fixadas pela norma;
• o eixo da distinção entre palavras de uso frequente e infrequente na 
linguagem escrita impressa;
• deve favorecer a inferência dos princípios de geração da escrita 
convencional, a partir da explicitação das regularidades do sistema 
ortográfico;
• deve favorecer a tomada de consciência de que existem palavras cuja 
ortografia não é definida por regras e exigem, portanto, a consulta a 
fontes autorizadas e o esforço de memorização.
TÓPICO 3 | A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
157
3 DA REDAÇÃO À PRODUÇÃO TEXTUAL
Antes de nos debruçarmos sobre as concepções relevantes ao redor da 
escrita, é necessário acentuar que a produção textual envolve não apenas as 
produções orais e escritas de língua portuguesa pelos alunos, mas também é 
importante considerar a intersecção da produção textual com outras linguagens 
que não apenas a linguagem verbal. As novas tecnologias testemunham isso: uma 
nova face intersemiótica em que a palavra se produz em meio a um jogo contínuo 
de imagens.
No texto a seguir, observa-se a criação de textos situados na vida social e 
cultural dos alunos e a atuação de uma professora, dona Furquim, comprometida em formar 
produtores de texto. 
A partir de hoje, em todas as aulas, vocês me tragam um pequeno texto livre. Uma história 
qualquer que tenha acontecido dia a dia. Dez linhas. Não é necessário mais que dez linhas. 
Entenderam?
A classe inteira ficou encarando dona Furquim como se ela fosse a Mulher-maravilha. Será 
que dona Furquim estava caçoando da gente?
- Dez linhas do quê, professora?
Dona Furquim estavaacabando de apanhar os livros de cima da mesa. Virou-se e repetiu, 
como se estivesse dizendo algo que nós devíamos saber de cor.
- Vamos contar por escrito as coisas que acontecem todos os dias. O cotidiano de cada um. 
Mesmo que pareça um fato sem importância. Façam de conta que é uma brincadeira. Em 
casa, vocês arranjam um tempinho, passam para o papel um pouco da vida. Tanta coisa, não 
é mesmo? Sempre acontece tanta coisa na vida da gente!
- Depois da aula geralmente a turma gostava de atirar bolotas de papel uns nos outros. 
Nesse dia ninguém atirou bolota em ninguém. Maria Clara de Ovo continuava coçando o 
dedo. O Neto cismou de perguntar se era para fazer a redação a tinta ou a lápis.
Soara o sinal. Dona Furquim ia saindo:
- À vontade. Tanto faz a tinta ou a lápis.
Assim foi o primeiro dia de aula de dona Furquim. Ela nunca fez questão das coisas muito 
na ponta da língua. Gostava de dizer que é bom aprender para a vida. Como se aprende 
a andar. Foi por causa de dona Furquim que desse dia em diante passei a rabiscar coisas 
que aconteciam em minha vida. Enchi um caderno de redação e depois outro caderno 
de redação. Isto que estou contando aqui não passa de folhas soltas desses cadernos. No 
passar a limpo, procurei emendar os erros que dona Furquim havia corrigido. Emendei os 
erros, mas não modifiquei os fatos.
FONTE: DIAFÉRIA, Lourenço. Dona Furquim In: GERALDI, João Wanderley (Org). O texto na 
sala de aula. São Paulo: Ática, 2006, p. 58.
UNI
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
158
Quanto à produção escrita propriamente dita, cabe destacar a importância 
do ensino da redação escolar, desde que essa abordagem seja tomada como uma 
das modalidades de gênero discursivo escolarizado. Embora o resultado das 
redações seja em geral textos de conteúdo vago, abstrato, de estilo asséptico, 
formatadas com a finalidade única de atender aos parâmetros da norma gramatical 
padrão.
Mesmo que não concordemos com sua concepção de ensino e 
aprendizagem, ela [a redação] corresponde a uma situação social de 
interação: pertence à esfera escolar, tem finalidade discursiva (escrever 
um texto para o professor corrigir), concepção de autoria (posição de 
aluno) e interlocutor (o professor, a quem compete corrigir o texto 
tomando como base o respeito à norma-padrão e o enquadramento 
dentro de certas estruturas textuais (RODRIGUES, 2011, p. 192).
Enquanto gênero escolarizado, também relacionam-se: a aula, o ensaio, 
o seminário, o exercício de sala de aula, a prova, o livro didático. A finalidade 
da escola, entretanto, é maior, inclui não apenas essa modalidade de gênero do 
discurso, mas expande-se em um diálogo com textos e gêneros que permeiam o 
mundo vivido para além dos muros da escola.
Mudando de enfoque, é preciso pensar a sala de aula não como lugar 
de transmissão de conteúdos – cuja prevalência leva ao uso quase exclusivo dos 
gêneros discursivos escolarizados –, mas como lugar de interação dialógica, de 
convívio entre diversos saberes, enfim, de interação verbal.
A produção de textos na escola, nessa perspectiva, pressupõe a 
devolução da palavra ao aluno para que ele seja condutor do seu 
processo de aprendizagem. Isso não significa abolir o papel do 
professor, mas ressignificá-lo: de corretor da grafia e da norma-padrão 
do texto do aluno, professor e aluno passam a se debruçar sobre o dizer 
do aluno e o modo de dizer do aluno, em um processo dialógico de construção 
do conhecimento (RODRIGUES, 2011, p. 195).
Nesse sentido, a redação escolar deve ter seu lugar ocupado por práticas 
textuais intersubjetivas de maior eficácia para a formação do aluno produtor de 
textos. Requer, portanto, uma escola que incorpore práticas de produção textual 
dialógicas em seus procedimentos didático-pedagógicos.
3.1 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL
Listamos, a seguir, práticas de escrita recomendadas de forma continuada 
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para formação de 
produtores de texto competentes pela escola a partir de um tratamento didático 
específico que contém: projetos, textos provisórios, produção de apoio e situações 
de criação.
TÓPICO 3 | A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO
159
Segundo os PCN (BRASIL, 2000, p. 69-77), o Tratamento didático refere-se 
aos procedimentos necessários para a prática constante de produção textual nas 
escolas, como:
• oferecer textos escritos impressos de boa qualidade, por meio da 
leitura. São esses textos que podem se converter em referências de 
escrita para os alunos;
• solicitar aos alunos que produzam textos muito antes de saberem 
grafá-los. Ditar para o professor, para um colega que já saiba escrever 
ou para ser gravado é uma forma de viabilizar isso. Quando ainda 
não se sabe escrever, ouvir alguém lendo o texto que produziu é 
uma experiência importante;
• propor situações de produção de textos, em pequenos grupos, nas 
quais os alunos compartilhem as atividades, embora realizando 
diferentes tarefas: produzir propriamente, grafar e revisar. Essa 
é uma estratégia didática bastante produtiva, porque permite 
que as dificuldades inerentes à exigência de coordenar muitos 
aspectos ao mesmo tempo sejam divididas entre os alunos. Eles 
podem, momentaneamente, dedicar-se a uma tarefa mais específica 
enquanto os outros cuidam das demais. São situações em que um 
aluno produz e dita a outro, que escreve, enquanto um terceiro 
revisa, por exemplo. Experimentando esses diferentes papéis 
enunciativos, envolvendo-se com cada um, a cada vez, numa 
atividade colaborativa, podem ir construindo sua competência 
para posteriormente realizarem sozinhos todos os procedimentos 
envolvidos numa produção de textos. Nessas situações, o professor 
tem um papel decisivo tanto para definir os agrupamentos como 
para explicitar claramente qual a tarefa de cada aluno, além de 
oferecer a ajuda que se fizer necessária durante a atividade;
• a conversa entre professor e alunos é, também, uma importante 
estratégia didática em se tratando da prática de produção de 
textos: ela permite, por exemplo, a explicitação das dificuldades e a 
discussão de certas fantasias criadas pelas aparências. Uma delas é 
a da facilidade que os bons escritores (de livros) teriam para redigir. 
Quando está acabado, o texto praticamente não deixa traços de sua 
produção. Este, muito mais que mostra, esconde o processo pelo 
qual foi produzido. Sendo assim, é fundamental que os alunos 
saibam que escrever, ainda que gratificante para muitos, não é fácil 
para ninguém.
Os Projetos, tal como nas práticas de leitura, são situações exemplares para 
a produção coletiva de textos de forma contextualizada, resultando em produtos 
diversos, como: cartazes de divulgação de festas escolares, panfletos, folhetos 
informativos, jornais mensais, cartilhas de cuidado com a saúde, murais, revistas 
sobre temas estudados, livros sobre temas pesquisados, coletâneas de textos de 
um mesmo gênero, dentre outros possíveis.
Outras vantagens dos Projetos, também apontadas pelos Parâmetros 
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 2000, p. 71), são:
UNIDADE 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA
160
• de que podem apontar a necessidade de ler e analisar uma grande 
variedade de textos e portadores do tipo que se via produzir: como 
se organizam, que características possuem ou quais têm mais 
qualidade. Trata-se, nesse caso, de uma atividade de reflexão sobre 
aspectos próprios do gênero que será produzido. A tarefa de fazer 
um cartaz, por exemplo, poderá pôr em evidência o fato de que 
praticamente todos os cartazes são escritos com letras grandes – 
para permitir a leitura à distância – e com mensagens curtas – para 
que o leitor, mesmo caminhando, possa ler. Isso poderá alertar tanto 
alunos como professores sobre o fato de que cartazes produzidos 
com textos longos e letra manuscrita

Mais conteúdos dessa disciplina