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81 QUÍMICA ANALÍTICA Unidade II 5 MATERIAL VOLUMÉTRICO: TIPOS, TÉCNICAS DE EMPREGO E CALIBRAÇÃO Vamos falar agora do material volumétrico utilizado durante a execução das técnicas analíticas. As vidrarias ocupam um papel muito importante, pois grande parte da exatidão e da precisão necessárias durante as análises são provenientes desses utensílios. Por isso, uma vidraria de qualidade deve ser empregada, a fim de gerar resultados confiáveis. De acordo com o documento INMETRO‑DOQCGCRE‑027, vidraria de laboratório é o “material fabricado em vidro, plástico ou metal, com forma e volume definidos, que é utilizado em laboratórios químicos” (INMETRO, 2011). Analisando essa definição, observamos que, embora as palavras plástico e metal não pareçam adequadas ao termo vidraria, consagraram‑se para instrumentos de medição de volume de forma geral. Devido ao custo e à durabilidade, muitos desses utensílios têm sido confeccionados em material plástico, como polipropileno, polietileno e policarbonato, entre outros (RIBAS, 2012). Cabe a cada estabelecimento decidir qual tipo de material lhe é mais adequado, mas os utensílios de vidro têm sido mais utilizados em laboratório pela maior disponibilização em nosso mercado de vidrarias normalizadas nesse tipo de material, embora seja um material mais frágil. A vantagem dos materiais em vidro encontra‑se no fato de serem resistentes ao calor e a produtos químicos, além da transparência. Os mais comuns são de borossilicato (Pyrex), superiores ao vidro alcalino (vidro comum). A adição do boro ao vidro diminui o coeficiente de dilatação, torna o material mais leve (densidade inferior) e proporciona maior resistência ao choque térmico, mantendo certa precisão mesmo com variações de temperaturas. O equipamento volumétrico é marcado pelo fabricante para indicar não apenas a sua forma de calibração – geralmente TD para dispensar (to deliver) ou TC para conter (to contain) –, como também a temperatura à qual a calibração se aplica estritamente. 500 Figura 26 – Balão volumétrico: exemplo de vidraria TC 82 Unidade II 25 ml Figura 27 – Pipeta volumétrica: exemplo de vidraria TD As pipetas e as buretas são normalmente calibradas para dispensar volumes específicos, enquanto os frascos volumétricos são calibrados para conter um dado volume. A seguir, descreveremos os aspectos mais importantes relativos a pipetas, balões volumétricos e buretas. 5.1 Pipetas As pipetas permitem a transferência de volumes exatamente conhecidos de um recipiente para outro. Tipos comuns de pipetas são mostrados a seguir: Código de cores Anéis esmerilhados Ponteira descartável (a) (b) (c) (d) (e) (f) Figura 28 – Tipos de pipetas 83 QUÍMICA ANALÍTICA Uma pipeta volumétrica dispensa um volume fixo único. Muitas pipetas têm códigos coloridos para cada volume, para conveniência na identificação e no manuseio. As pipetas graduadas são calibradas em unidades convenientes para permitir a liberação de qualquer volume até sua capacidade máxima. Existem no mercado pipetas com diferentes capacidades volumétricas. As pipetas volumétricas e graduadas são preenchidas até a marca de calibração pela abertura inferior; a maneira pela qual a transferência se completa depende do seu tipo específico. Como existe uma atração entre a maioria dos líquidos e o vidro, uma pequena quantidade de líquido costuma ficar retida na ponta da pipeta após esta ser esvaziada. Esse líquido residual nunca deve ser assoprado em uma pipeta volumétrica ou em algumas pipetas graduadas, mas pode ser assoprado em outros tipos de pipeta. As micropipetas portáteis Eppendorf dispensam volumes ajustáveis de líquidos na faixa de microlitros. Com essas pipetas, um volume conhecido e ajustável de ar é deslocado da ponteira de plástico descartável, pressionando o botão localizado na parte superior da pipeta até uma primeira parada. Esse botão opera um pistão provido de uma mola, que o força para fora da pipeta. O volume do ar deslocado pode variar em função do ajuste de um micrômetro digital localizado na parte frontal ou superior do dispositivo. A ponteira de plástico é então mergulhada no líquido, e a pressão no botão é liberada, provocando a sucção do líquido para dentro da ponteira. Então, a ponteira é colocada junto à parede do recipiente de coleta, e o botão é novamente pressionado até a primeira parada. Após um segundo, o botão é pressionado até a segunda parada, que esvazia completamente a ponteira. A faixa de volumes e a precisão de pipetas típicas desse tipo são mostradas na margem à direita. A exatidão e a precisão de pipetas automáticas dependem da habilidade e da experiência dos operadores, portanto, devem ser calibradas para trabalhos mais importantes. As micropipetas motorizadas, controladas por computador, já encontram‑se disponíveis hoje em dia. Esses dispositivos são programados para funcionar como pipetas, dispensadoras de múltiplos volumes, buretas e meios de diluição de amostras. O volume desejado é digitado em um teclado e exibido em um painel LCD. Um pistão motorizado dispensa o líquido. Os volumes máximos variam de 10 a 2.500 µL. Tomada do codifícador Mostrador digital Teclado A) B) Gatilho Módulo computacional de controle Botão ejetor da ponteira Tubo conector da ponteira Ponteira descartável Figura 29 – A) pipeta automática de volume variável, 100 –1.000 µL. A 100 µL, a exatidão é de 3,0%, e a precisão é de 0,6%. A 1.000 µL, a exatidão é de 0,6%, e a precisão é de 0,2%. O volume é ajustado usando o botão. O volume mostrado é de 525 µL; B) pipeta motorizada portátil operada à bateria e controlada por computador 84 Unidade II As seguintes instruções são especificamente apropriadas para as pipetas volumétricas, mas podem ser modificadas para a utilização com outros tipos de pipetas: A) Aspire, com auxílio de um pipetador ou pêra, uma quantidade pequena do líquido para o interior da pipeta. O líquido é sugado para o interior da pipeta pela aplicação de um pequeno vácuo. A boca jamais deve ser utilizada para a sucção devido ao risco de ingestão acidental do líquido que está sendo pipetado. Em vez disso, um bulbo de sucção de borracha ou um tubo de borracha conectado a um sistema de vácuo deve ser empregado. B) Umedeça a superfície interior do vidro inclinando e girando a pipeta. C) Repita esse procedimento mais duas vezes. D) Deixe que o nível do líquido desça até que a base do menisco esteja alinhada com a linha gravada na haste da pipeta, enquanto estiver mantendo a ponta da pipeta junto à superfície interna do frasco volumétrico. E) Remova a pipeta do frasco volumétrico. Incline‑a até que o líquido seja ligeiramente sugado para cima. F) Limpe a ponta da pipeta com um lenço de papel enquanto estiver segurando‑a verticalmente. G) Permita que o líquido escoe para o frasco coletor até que uma pequena quantidade do líquido permaneça no interior da ponta da pipeta e uma gota permaneça em seu exterior. H) Incline ligeiramente o frasco e toque a ponta da pipeta na parede interna do frasco. a) e) b) f) c) g) d) h) Figura 30 ‑ Técnica de pipetagem 85 QUÍMICA ANALÍTICA Após o escoamento, o contato é mantido ainda por 15 segundos, conforme normas DIN 12691 e ISO 648. A pipeta é calibrada para dispensar de maneira reprodutível o volume indicado quando essa pequena porção de líquido permanece na sua ponta. Quando essa etapa for completada, uma pequena porção do líquido vai permanecer na pipeta. Não remova esse líquido remanescente. A paralaxe é o deslocamento aparente do nível de um líquido ou de um ponteiro à medida que o observador muda de posição. A paralaxe ocorre quando um objeto pode ser visto a partir de uma posição que não seja a do ângulo correto. O tempo de escoamento para as pipetas classe A também deve ser verificado. Ele é definido de acordo com a capacidade da pipeta. Veja a seguir: Pipeta de 5 mL = 15 segundos Pipeta de 10 mL = 20 segundos Pipeta de 25 mL = 25 segundos Pipetade 50 mL = 30 segundos Pipeta de 100 mL = 40 segundos 5.2 Balões volumétricos Os balões volumétricos (frascos volumétricos) são fabricados com diferentes capacidades volumétricas e geralmente calibrados para conter um volume específico quando preenchidos até uma linha gravada no gargalo do frasco. Balão volumétrico classe A apresenta erro máximo igual à metade da classe B Marca de aferição (Menisco) Classe do frasco e volume do frasco Erro máximo admissível em volume “TC“ para conter o volume declarado Temperatura de calibração original A 500 mLTC20ºC + 0,20 mL Figura 31 – Exemplo de balão volumétrico classe A 86 Unidade II Eles são utilizados para a preparação de soluções‑padrão e para a diluição de amostras, com volumes fixos, antes da tomada de alíquotas com uma pipeta. Figura 32 – Balões volumétricos São frascos com formato de pêra, com fundo chato, gargalo longo, geralmente providos de tampa de vidro esmerilhado ou de teflon. À meia altura e ao redor do gargalo, têm gravado um círculo de calibração, e, no corpo, a capacidade, o tipo e a temperatura de calibração, bem como a marca do fabricante. A calibração é sempre feita com água destilada e, em geral, referida à temperatura de 20 oC, embora existam também balões cujas calibrações foram feitas a outras temperaturas. A tomada de ensaio exatamente pesada de substância com a qual se deseja preparar a solução é transferida quantitativamente para o interior do balão com o auxílio de um funil e de algumas porções de água destilada. Em seguida, verte‑se água destilada até um pouco abaixo do início do gargalo e mistura‑se a solução, imprimindo movimentos circulares horizontais ao corpo do balão. Caso a substância dissolvida tenha dissolução endotérmica (iodetos, ácidos oxálicos, sais de amônio, vitamina C etc.) ou exotérmica (ácidos fortes concentrados, hidróxidos alcalinos, carbonato de sódio, cloreto de cálcio anidro etc.), espere o tempo necessário para que a temperatura da solução se equilibre com a do ambiente. A seguir, ainda com o auxílio de um funil, complete o volume com a água destilada até uma fração de centímetro abaixo do traço de aferição. Nesse ponto, se necessário, enxugue internamente o gargalo do frasco acima do traço de aferição com uma tira de papel de filtro qualitativo enrolada. O volume pode então ser completado até a marca com água destilada, com o auxílio de um frasco lavador ou pipeta capilar, conforme o tamanho do balão. Essa operação final de acerto do menisco deve ser conduzida com cuidado, a fim de não molhar o gargalo acima do menisco. Feche bem o frasco e, com movimentos de inversão, homogeneíze cuidadosamente a solução. Durante o manuseio de um balão calibrado, deve‑se evitar espalmar seu corpo, a fim de que a grande diferença de temperatura entre a mão e o ambiente não eleve a temperatura da solução. Influência da temperatura De acordo com Baccan et al. (2001), nem sempre se trabalha com os materiais volumétricos na mesma temperatura que eles foram calibrados. Por outro lado, às vezes, ao preparar uma solução num 87 QUÍMICA ANALÍTICA balão, nem sempre esta é usada na mesma temperatura. Assim sendo, é importante saber a grandeza do erro que se comete devido à variação de volume do material de vidro e das soluções com a temperatura. Caso a temperatura da solução (ou seja, ambiente) difira da temperatura de calibração, e se a precisão da análise assim o exigir, pede‑se proceder a correção do volume do frasco aplicando o coeficiente de dilatação cúbica do vidro à temperatura de trabalho. V = VT × [1+ α(T‑20)] Onde: V = volume corrigido VT = volume da água a 20 ºC T = temperatura atual α = coeficiente volumétrico de expansão térmica do vidro utilizado Exemplo 1: pipeta de 5 mL Considere primeiramente a influência da variação da temperatura sobre a capacidade volumétrica dos equipamentos de vidro e as condições a seguir: VT = 5,00 mL T = 25 oC (temperatura inicial) α pirex ® = 1. 10 ‑5 /grau Aplicando a fórmula anterior, temos: V25°C = 5,00 [1 + 1. 10 ‑5(25‑20)] V25°C = 5,00 + 0,00125 V25°C = 5,00125 mL Ainda, de acordo com Baccan et al. (2001), a variação de volume nesse caso não é significativa, uma vez que a incerteza no volume está na terceira casa decimal e, assim sendo, não precisa ser levada em conta, mas sim a influência da temperatura sobre a dilatação da água ou de uma solução aquosa diluída (que apresente o mesmo coeficiente de dilatação cúbica da água). Nas mesmas condições de temperatura do exemplo citado, tem‑se que: 88 Unidade II Exemplo 2: balão volumétrico de 100 mL VT = 100,0 mL (volume a 20 oC) T = 25 oC α = coeficiente de dilatação cúbica da água = 2.10‑4 /grau Aplicando a fórmula: V25°C = 100,0 [ 1+ 2.10 ‑4(25‑20)] V25°C = 100,0 + 0,1 V25°C = 100,1 mL A correção se fará necessária dependendo do grau de precisão exigido na análise. Caso a precisão necessária numa análise for na ordem da expressa no exemplo, ou seja, de uma parte por mil, não há necessidade de fazer correções sobre os títulos das soluções por causa da variação de temperatura em torno de 5 oC para mais ou para menos. 5.3 Buretas Uma bureta consiste em um tubo cilíndrico calibrado para conter o titulante e em uma torneira (válvula) para controlar a vazão do titulante. As buretas, assim como as pipetas graduadas, tornam possível o escoamento de qualquer volume até a capacidade máxima do dispositivo. As buretas são mais precisas que as pipetas. Essa torneira pode ser feita de vidro ou polietileno e serve para controlar com bastante exatidão a quantidade de solução líquida que sairá pela passagem. De acordo com Baccan et al. (2001), são encontradas no comércio buretas com capacidade que varia de 5,00 mL até 100 mL e microburetas com capacidade de até 0,100 mL, graduadas em intervalos de 0,001 mL. Na prática, empregam‑se comumente buretas de 5,00, 10,00, 25,00 e 50,00 mL. Quando é necessário o escoamento de volumes pequenos, com precisão, utilizam‑se microburetas de pistão. Uma bureta precisa ser escrupulosamente limpa antes de seu uso. Além disso, sua válvula não deve estar vazando. Uma bureta equipada com uma torneira de vidro depende do uso de um lubrificante aplicado entre as superfícies esmerilhadas da torneira e do cilindro para uma vedação bem eficiente. Algumas soluções, notadamente de bases, provocam o emperramento da torneira quando permanecem na bureta por longos períodos. Portanto, uma limpeza completa é necessária após sua utilização. As válvulas feitas em teflon comumente não são afetadas pelos reagentes mais comuns e não requerem o uso de um lubrificante. 89 QUÍMICA ANALÍTICA Figura 33 – Bureta com válvula de teflon As buretas convencionais utilizam torneiras de vidro esmerilhado, as quais devem ser lubrificadas para facilitar o seu uso, ou torneiras de polietileno, que dispensam lubrificação e são excelentes no manuseio de líquidos orgânicos. Para o uso: • Verifique se a torneira está fechada (deve fazer um ângulo de 90º com a haste). • Adicione de 5 a 10 mL do titulante, com auxílio de um béquer, e, cuidadosamente, gire a bureta para molhar seu interior completamente. • Abra a torneira e deixe o líquido escoar pela ponta da bureta; repita esse procedimento pelo menos mais duas vezes. • Encha a bureta bem acima da marca zero; libere a ponta de bolhas de ar girando rapidamente a torneira e permitindo que pequenas quantidades do titulante sejam escoadas. • Feche a torneira; deixe o líquido até a marca zero. • Deixe a bureta sempre na perpendicular em relação à bancada. • Titule lentamente e com velocidade constante. 90 Unidade II Bureta com o titulante Erlenmeyer com o titulado e com o indicador ácido‑base Figura 34 – Titulação Evite erros de paralaxe na leitura do volume escoado. Essa leitura deve ser feita olhando a parte inferior do menisco perpendicularmente à bureta. Leituras erradas dão resultados falsos. Para facilitar essa operação, usa‑se um cartãode papel com um retângulo escuro logo abaixo do menisco. 50 45 40 35 Figura 35 – Posicionamento correto de leitura A leitura do volume escoado por uma bureta é relativa. Assim sendo, do mesmo modo que ela foi zerada, deve‑se ler o volume escoado. Quando a solução é escura, como a solução de KMnO4, e é impossível medir o volume com a parte inferior do menisco, pode‑se zerar e ler o valor do volume escoado considerando a parte superior. Não se deve arrastar com água a fração de gota retida na extremidade da bureta, pois esta diluirá o titulante na sua ponta por capilaridade. A parte inferior abaixo da graduação final deve estar totalmente preenchida e livre de bolhas. Deve‑se levar em conta o tempo de escoamento para as buretas classe A. Veja na sequência: Pipeta de 5 mL = 15 segundos 91 QUÍMICA ANALÍTICA Pipeta de 10 mL = 20 segundos Pipeta de 25 mL = 25 segundos Pipeta de 50 mL = 30 segundos Pipeta de 100 mL = 40 segundos 5.4 Classes dos instrumentos: A/AS ou B As normas ISO e ASTM classificam os instrumentos volumétricos quanto a sua exatidão e definem as tolerâncias para que sejam classificados como classe A ou B. Na classe A, os limites de tolerância para instrumentos são destinados a medir volumes com grande rigor metrológico (análises quantitativas). Já na classe B os limites de tolerância para instrumentos são destinados a uso rotineiro, no qual seja aceitável menor rigor. 5.4.1 Classe A/AS Os instrumentos volumétricos das classes A e AS possuem limites de erro idênticos, conforme estabelecido pela DIN EM ISO. Geralmente isso se refere somente aos instrumentos volumétricos de vidro. As exceções são alguns balões volumétricos e provetas de plástico, que atendem aos mais altos requerimentos e, portanto, correspondem à classe A. Para os instrumentos volumétricos classe AS, calibrados por vertido (TD, Ex), o “S” adicional significa vertido rápido. Apesar de as normas ISO e ASTM apresentarem tolerâncias diferentes em alguns casos, os limites de erro definidos por ambas são extremamente baixos, e os usuários podem estar seguros de que estão trabalhando com o mais alto grau de exatidão. A farmacopeia americana (USP) utiliza as tolerâncias definidas pela ASTM para classe A. Essas vidrarias designam sempre o mais alto grau de exatidão. 5.4.2 Classe B Os instrumentos volumétricos classe B estão disponíveis em vidro ou plástico. Instrumentos classe B geralmente possuem o dobro dos limites de erro da classe A/AS. Para classe B, instrumentos de medição calibrados por vertido (TD, Ex) não possuem tempo de espera especificado; geralmente, apresentam até o dobro dos limites de erro da classe A/AS. As marcas anelares nos pontos principais são extremamente importantes para o uso em rotina. A leitura do menisco deve sempre ser feita na altura dos olhos do usuário. Nos instrumentos classe A, quando o usuário está realizando a medição na posição correta, a marca anelar é visualizada como uma linha. O tempo de espera é diferente para classe A/AS ou B, e também quando se comparam as normas ISO e ASTM. Essa informação deve estar gravada no instrumento para que os usuários saibam o tempo de espera exigido para cada instrumento. Tipos de materiais de vidro incluem os de classe A e classe B. O recipiente classe A é fabricado com vidros Pyrex, borossilicato ou Kimax, 92 Unidade II para as menores tolerâncias. As tolerâncias da classe B (econômica) são aproximadamente duas vezes superiores às da classe A. A série de normas ISO foi criada pela Organização Internacional de Padronização (ISO) com o objetivo de melhorar a qualidade de produtos e serviços. A ISO é uma das maiores organizações que desenvolvem normas no mundo e foi criada a partir da união da International Federation of the National Standardizing Associations (ISA) e a United Nations Standards Coordinating Committee (UNSCC). Assim, a ISO começou a funcionar oficialmente em 1947. Já a ASTM, originalmente conhecida como American Society for Testing and Materials, fundada em 1898, é um órgão estadunidense de normalização. A ASTM desenvolve e publica normas técnicas para uma ampla gama de materiais, produtos, sistemas e serviços. Na Alemanha, por exemplo, o Deutsche Institut für Normung (DIN; Instituto Alemão de Normatização) é responsável pela edição das normas nacionais. Em regra, as normas DIN são elaboradas e publicadas diretamente em conjunto com o CEN, ou CENELEC, como DIN EN ISO ou DIN EN. 5.5 Calibração do material de vidro volumétrico A calibração dos aparelhos volumétricos é a operação que consiste em graduá‑los, podendo ser efetuada nos próprios estabelecimentos de construção dos aparelhos. A exatidão da calibração dos aparelhos volumétricos ordinários é frequentemente inferior à exigida em certos trabalhos analíticos. Torna‑se, então, necessário recalibrar os referidos aparelhos. A calibração consiste em verificar se os valores nominais das graduações originais correspondem aos volumes verdadeiros dentro dos limites de tolerância admitidos e fazer a respectiva correção, se for o caso. A calibração é efetuada nos laboratórios analíticos (OHLWEILER, 1957). O material de vidro volumétrico é calibrado pela medida da massa do líquido de densidade (geralmente água destilada ou deionizada) e em temperatura conhecida, que é contida no (ou dispensada do) recipiente volumétrico. Conforme dito anteriormente, no mercado existem vários tipos de equipamentos volumétricos, sendo que eles podem ser classificados como equipamentos de precisão com certificado de calibração ou ser vendidos como classe A e B, sendo que a classe A tem maior precisão e deve ser utilizada para análises de alta precisão. Muitos laboratórios compram equipamentos sem certificado e fazem sua própria calibração. Para isso, utilizam as tabelas de tolerância para vidraria classe A, a fim de calibrar e certificar seus equipamentos de precisão analítica. O recipiente classe A é fabricado com vidros Pyrex, borossilicato ou Kimax, para as menores tolerâncias. As tolerâncias da classe B (econômica) são aproximadamente duas vezes superiores às da classe A. 5.5.1 Metodologia Para a calibração da capacidade volumétrica, o principal método utilizado é o processo gravimétrico, que consiste em determinar o volume de água contido ou despejado pela vidraria, sendo esse volume determinado por sua massa específica. Adotando e admitindo que todas as grandezas de influência existentes no processo adotem o mL como unidade de grandeza, consideramos a equação a seguir – ISO 4787[5] – como aquela que descreve a calibração da capacidade volumétrica das vidrarias: 93 QUÍMICA ANALÍTICA V M M x x x tc v w a a p = − − − − −( ) ( ( )) 1 1 1 20 ρ ρ ρ ρ α Para a fórmula descrita, temos que: Mc = massa da vidraria volumétrica com água, em g Mv = massa da vidraria volumétrica vazia, em g ρw = densidade da água a “t” °C, em g/mL ρa = densidade do ar, em g/mL ρp = densidade dos pesos que calibraram a balança, em g/mL α = coeficiente volumétrico de expansão térmica do material da qual é feita a vidraria volumétrica, em °C‑1 t = temperatura da água usada na calibração, em °C Tabela 9 – Densidade da água em diferentes temperaturas T 0C ρ (g/mL) 15 0,9991 16 0,9989 17 0,9988 18 0,9986 19 0,9984 20 0,9982 21 0,9980 22 0,9978 23 0,9975 24 0,9973 25 0,9970 26 0,9968 27 0,9965 28 0,9962 29 0,9959 30 0,9956 Observação Não confundir a fórmula da calibração com a fórmula de correção de volume, na qual a temperatura de uso é diferente da temperatura de calibração. 94 Unidade II 5.5.2 Cuidados a serem tomados durante a calibração Veja a seguir: • Utilizar luvas ao manusear o material que será utilizado na calibração. • Limpar as vidrarias conforme o método da norma NBR 11588 (MB3119) [8]. • Efetuar a climatização do local de operação para estabilização térmica em um período mínimo de três horas. • Manter as vidrarias dentro do laboratório por, no mínimo,duas horas, para climatização. • Determinar a massa específica da água que será utilizada nas calibrações. • Determinar a massa específica do ar com os dados obtidos durante a calibração. • Averiguar se a área do laboratório é de pouco trânsito, pois variações de temperatura comprometem todo o sistema. • Verificar a formação de bolhas de ar dentro das vidrarias e o nivelamento destas. • Centralizar no prato da balança. • Observar se a vidraria ficou molhada acima do traço de marcação. Todo balão calibrado, qualquer que seja sua procedência, deve ser recalibrado antes de ser posto em uso. No momento de se iniciar a calibração, o balão e os aparelhos auxiliares devem estar limpos e secos. A água destilada deve ter permanecido algumas horas na sala de balanças, a fim de adquirir equilíbrio térmico com o ambiente. Deve‑se dispor de um bom termômetro (+/‑ 0,1°C), a fim de determinar a temperatura ambiente e da água. O manuseio do balão e do recipiente com água deve ser reduzido ao mínimo possível para evitar alterações de temperatura. Evitar o erro de paralaxe. O nível de água deve ser lido com o menisco tangenciando o traço de calibração com sua parte inferior, estando o balão em posição vertical. Saiba mais Para saber mais sobre calibrações, acesse: INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO). Coordenação Geral de Acreditação. Orientação para a acreditação de laboratórios na área de volume: documento de caráter orientativo. 2011. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/Sidoq/Arquivos/Cgcre/DOQ/ DOQ‑Cgcre‑27_01.pdf. Acesso em: 23 abr. 2020. 95 QUÍMICA ANALÍTICA 5.5.3 Avaliação dos resultados da calibração O fato de o instrumento ou vidraria ter sido calibrado não significa que estão aptos a serem usados. É necessário avaliar o resultado, caso a calibração tenha sido efetuada no próprio laboratório ou se o material tiver sido calibrado por uma organização externa. Na avaliação do laudo deverá ser verificado se o instrumento ou vidraria está dentro das especificações metrológicas e se o erro médio evidenciado no certificado de calibração é inferior ao erro máximo aceitável para aquele equipamento. Calibrar um instrumento significa identificar desvios e expressá‑los em certificados. Um termômetro não volta corrigido após a calibração, ele retorna com um laudo que verifica a amplitude do erro do instrumento. Todo certificado de calibração é válido apenas para o instrumento de medição, não sendo extensivo a quaisquer outros instrumentos de medição, ainda que similares. Figura 36 – Laudo de calibração As normas mais utilizadas para a definição dos limites de tolerância ou erros máximos para as vidrarias são as definidas pela American Society for Testing and Materials (ASTM). A tabela a seguir indica a tolerância de erro que uma pipeta das classes A e B pode ter segundo a Norma ASTM E 694‑99. 96 Unidade II Tabela 10 – Exemplo de tipo de vidraria classe A e B: ASTM Limite de erro de pipetas Capacidade nominal (mL) Limite de erro (mL) Classe A (+/-) Classe B (+/-) 0,5 0,006 0,012 1 0,006 0,012 2 0,006 0,012 3 0,01 0,02 4 0,01 0,02 5 0,01 0,02 10 0,02 0,04 15 0,03 0,06 20 0,03 0,06 25 0,03 0,06 50 0,05 0,10 100 0,08 0,16 Fonte: ASTM (2005). O analista, ao receber o certificado de calibração, deverá aprovar ou não o utensílio calibrado tomando como referência a avaliação do erro de medição (EM). A avaliação do certificado de calibração de um instrumento deve ser criteriosa. Se o farmacêutico constatar a falta de dados ou informações que possam comprometer a confiabilidade dos resultados apresentados, é necessário solicitar a correção ou um certificado complementar. É importante salientar que no certificado de calibração não deve conter informações sobre validade, pois a determinação do intervalo de calibração é da competência do usuário, e nunca do prestador do serviço. A avaliação da calibração do material volumétrico, atestando que ele cumpre as exigências normativas, deve ser registrada em documento próprio, com a análise conclusiva dos resultados e a aprovação do(a) farmacêutico(a). A definição de erro de medição, de acordo com o VIM 2008, é dada pela diferença entre o valor medido de uma grandeza e um valor de referência. Os principais parâmetros técnicos a avaliar para a aprovação ou não das vidrarias volumétricas são os seguintes: EM = VM – VR EM = erro de medição VM = valor medido VR = valor de referência ou valor nominal declarado para o instrumento 97 QUÍMICA ANALÍTICA Para avaliar se o EM é aceitável, consultam‑se os limites de tolerância definidos nas normas. Exemplo Em uma calibração utilizando um balão volumétrico classe A de volume nominal igual a 500 mL, foram obtidos os seguintes resultados: Resultados da calibração Volume medido = 500,135 mL; incerteza = + 0,008 mL Volume do balão = (500,135 + 0,008) mL Interpretação dos dados Erro da medição (EM) = volume medido ‑ volume nominal = 0,135 mL EM = 500,135 mL – 500 mL = 0,135 mL A tabela da Norma ASTM para o balão classe A de 500 mL diz que o erro máximo permitido é igual a ± 0,12 mL, e para classe B é ± 0,24 mL. Tabela 11 – Norma ASTM E288 para balões volumétricos Capacidade (mL) Tolerância (mL)+- Classe A Classe B 5 0,02 0,04 10 0,02 0,04 25 0,03 0,06 50 0,05 0,10 100 0,08 0,16 250 0,10 0,20 500 0,12 0,24 1000 0,20 0,40 2000 0,30 0,60 4000 0,50 1,00 Como o erro na calibração (=0,135 mL) é maior que o erro máximo permitido, o balão não é mais considerado classe A. Para a classe B, erro máximo é = 0,24 mL. Como o erro na calibração é menor, o balão passa para a classe B e poderá ser utilizado em processos em que seja aceitável essa classe de vidrarias. Logo, o volume do balão = (500,135 + 0,008) mL 98 Unidade II 0,008 mL não é erro, e sim incerteza da medição. A incerteza da medição pode ser entendida como a dúvida em torno do resultado obtido durante a calibração. Por definição, nenhuma medição é 100% exata, mas quanto menor a incerteza de medição ou a dúvida atribuída ao resultado, mais confiável é a medição. Laboratórios de calibração com incertezas menores expressam resultados mais confiáveis que laboratórios de calibração com incertezas maiores. 5.6 Limpeza de vidraria A limpeza adequada de vidrarias e demais instrumentos de laboratório é fundamental por se tratar de instrumentos aplicados em análises que exigem precisão. De acordo com Baccan et al. (2001), todos os equipamentos volumétricos utilizados em uma análise devem estar perfeitamente limpos antes do uso, pois a presença de substâncias gordurosas nas suas paredes internas pode induzir a erros no resultado final. O primeiro passo para realizar uma limpeza correta de vidrarias e de materiais de laboratório é saber quais tipos de substâncias foram utilizadas nos instrumentos. Isso porque existem métodos, produtos e tipos de limpeza específicos para soluções químicas comuns ou orgânicas. O Documento DOQ‑CGCRE‑027, Anexo A, do Inmetro, traz as seguintes recomendações: A1. As impurezas soltas e evidentes são removidas mecanicamente das vidrarias de laboratório, por exemplo, escovando‑se e agitando‑se com água (se necessário limpar com pedaços de papel de filtro). Óleo ou graxa são removidos com solventes apropriados. A2. O recipiente deve estar quase cheio com uma solução aquosa de detergente neutro e ser agitado vigorosamente. Deve ser então enxaguado por repetidas vezes, até que todos os traços do detergente tenham sido removidos. Deve‑se assegurar que as paredes do recipiente estejam suficientemente limpas. A3. Se as paredes não estiverem suficientemente limpas após o tratamento anteriormente descrito, pode ser utilizado outro tipo de produto de limpeza. A4. O recipiente deve ser enxaguado com água destilada e deve‑se, outra vez, assegurar que as paredes estejam suficientemente limpas; caso contrário, o procedimento deve ser repetido (INMETRO, 2011). Como recomendação, os recipienteslimpos, se não forem necessários para uso imediato, devem ser mantidos de forma que não sejam contaminados, por exemplo, mantendo‑os fechados ou emborcados em locais limpos. Como precaução, recomenda‑se não secar vidraria de laboratório à temperatura acima de 50 °C. É possível verificar o estado de limpeza de um aparelho volumétrico enchendo‑o com água destilada e observando o escoamento. Se forem detectadas pequenas gotas ou uma película não uniforme de água aderentes à parede do recipiente, é necessário limpá‑lo novamente. É recomendável a validação de limpeza para a garantia do processo como um todo. 99 QUÍMICA ANALÍTICA 6 VOLUMETRIA Há mais de 200 anos, a volumetria (ou titrimetria) tem sido usada para a realização de análises quantitativas. Por ser considerada como um método primário de análise, é muito utilizada para validar outros métodos secundários. Nos séculos XVIII e XIX, as análises químicas eram realizadas quase exclusivamente por processos gravimétricos e volumétricos. Entretanto, a partir de 1920, a análise quantitativa foi se enriquecendo com a introdução de métodos baseados na medida de propriedades físicas (ópticas, elétricas, térmicas, entre outras) com o uso de instrumentos apropriados, mais complexos que os requeridos pela volumetria. Para que pudessem ser diferenciados, esses novos métodos passaram a ser chamados de métodos instrumentais. Os métodos instrumentais seriam aqueles com uso de equipamentos elétricos para medidas. Essa classificação é considerada inapropriada porque não considera os equipamentos volumétricos, tais como bureta, proveta e pipeta, nem a balança, mesmo eletrônica, como instrumentos, mas, mesmo assim, essa divisão é amplamente difundida e encontrada na literatura (TERRA; ROSSI, 2005). De acordo com Vogel (1981), o termo análise volumétrica aplica‑se à análise quantitativa executada com a determinação do volume de uma solução cuja concentração é exatamente conhecida, necessária para reagir quantitativamente com a solução da substância a ser determinada. As soluções volumétricas de concentração exatamente conhecidas são denominadas soluções‑padrão. A análise volumétrica é conduzida de maneira que a adição da solução‑padrão à solução contendo o constituinte pode ser interrompida ao se verificar que todo o constituinte acabou de reagir (OHLWEILER,1957). A titulação é o processo pelo qual a solução‑padrão é introduzida no meio reagente por meio de uma bureta até que a reação esteja completa. Na análise volumétrica, determina‑se o volume da solução‑padrão consumida na determinação. A seguir, o esquema da aparelhagem usado para a introdução da solução‑padrão no meio reagente: Amostra de concentração desconhecida = titulado Solução de concentração conhecida = titulante Figura 37 – Aparelhagem utilizada na titulação 100 Unidade II Sabendo‑se qual a quantidade da solução‑padrão necessária para reagir totalmente com a amostra e a reação química que ocorre entre as duas espécies, há condições para calcular a concentração da substância analisada. O princípio fundamental da titulometria é o de que o número de equivalentes‑grama do soluto transferidos da solução titulante é igual ao número de equivalentes‑grama do soluto da solução problema (amostra). Isso porque as reações se processam de equivalente para equivalente. Partindo desse princípio, temos: A + B → C, onde A é a amostra, e B o titulante n eqA = n eqB Desse princípio decorre a equação fundamental da titulometria NA . VA = NB . VB Onde: NA = concentração normal da solução problema VA = volume utilizado da solução problema NB = concentração normal da solução titulante VB = volume gasto da solução titulante Observação Número de equivalente é diferente de equivalente‑grama. Veja: n mero de equivalente ne m E Equivalente grama E MM K ú = − = 1 1 Exemplo de cálculo do equivalentes‑grama (E1) Cálculo do equivalente‑grama (E) do H2SO4 Dados: 101 QUÍMICA ANALÍTICA massa molar (MM) do H2SO4 = 98 g/mol O equivalente‑grama é dado por E MM K = K para H2SO4 = 2 (no. H ionizáveis) E g= =98 2 49 Para calcular o número de equivalentes seria necessário conhecer a massa m1 do ácido. É possível converter normalidade (N) em concentração molar (M) pela equação: N = KM A finalização da titulação deve, via de regra, ser identificada por alguma mudança, infalível ao olho, produzida pela própria substância‑padrão ou, mais usualmente, pela adição de um reagente auxiliar conhecido como indicador. Após a reação entre a substância e a solução‑padrão estar praticamente completa, o indicador deverá produzir uma mudança visual (seja uma mudança de cor, seja formação de uma turbidez) no líquido que está sendo titulado. O ponto exato no qual a reação se completa é chamado de ponto de equivalência ou ponto final teórico. O ponto em que isto ocorre é o ponto final da titulação. Esse é o ponto experimental no qual é sinalizado o final da titulação (final da reação entre o titulante ou titulado). O ponto final não coincide, necessariamente, com o ponto de equivalência, que é aquele que corresponderia exatamente às relações estequiométricas que presidem a reação. A diferença entre o ponto final e o ponto de equivalência constitui o erro de titulação, que é tanto menor quanto mais o ponto final se aproxima do ponto de equivalência. O indicador e as condições experimentais devem ser selecionados de modo que a diferença entre o ponto final visível e o ponto de equivalência seja a menor possível. Na determinação do ponto final da titulação deverá ser usado um indicador que apresente mudança de cor, zona de transição, próxima ao pH do ponto de equivalência. Indicadores que apresentem mudança de cor na região de variação brusca do pH da curva de titulação possibilitam a determinação do ponto final. Quanto mais próximo ao pH, no ponto de equivalência, ocorrer a mudança de cor, mais exata será a determinação do ponto final. 102 Unidade II Observação Titulante: substância de concentração conhecida = deve estar na bureta. Titulado: amostra de concentração desconhecida = deve estar no erlenmeyer. 6.1 Indicadores De acordo com Ohlweiler (1957), os indicadores volumétricos podem ser definidos como substâncias que, adicionadas às soluções a serem tituladas, são capazes de acusar o ponto final mediante mudanças de cor ou formação de precipitados. A primeira teoria sobre os indicadores, dita teoria iônica dos indicadores, é creditada a Wilhelm Ostwald (1894) e tem como base a teoria da dissociação eletrolítica iônica dos indicadores. Segundo essa teoria, os indicadores são bases ou ácidos fracos cuja cor das moléculas não dissociadas difere da cor dos respectivos íons. Pela teoria de Ostwald, o indicador na forma ácida (HIn) ou básica (InOH) não dissociada teria uma cor diferente daquela que teriam os seus íons. Figura 38 – Comportamento de indicadores em diferentes pH Um indicador ácido/base é um ácido ou base orgânico fraco cuja forma não dissociada difere da cor de sua base ou ácido conjugado. O comportamento de um indicador do tipo ácido, HIn, é descrito pelo equilíbrio. Veja a seguir: HIn + H2O = In ‑ + H3O + cor ácida cor básica O equilíbrio para um indicador do tipo básico, In, é: 103 QUÍMICA ANALÍTICA In + H2O = InH + + OH– cor básica cor ácida O olho humano não é muito sensível à diferença de cores em uma solução contendo um mistura de HIn e In‑, particularmente quando a razão [HIn]/[In‑] for maior que 10 e menor que 0,1. Consequentemente, a alteração de cor detectada por um observador geralmente ocorre dentro de uma faixa‑limite de razões de concentração de 10 a 0,1 (SKOOG et al., 2006). Bateria Ácido estomacal Limão Soda 0 71 82 93 104 115 126 13 14 SangueTomate OvoCafé Comprimido estomacal Leite Solução amoniacal AlvejanteÁgua Sabonete Limpador de ralo Ácido Neutro Escala de pH Básico Figura 39 – Escala de pH 6.1.1 Indicadores ácidos Possuem hidrogêniosionizáveis na estrutura. Quando o meio está ácido (pH<7), os hidrogênios do indicador são fortemente atraídos pelos grupos OH‑ (hidroxila) para formarem água, e, nesse processo, são liberados os ânions do indicador, que possuem coloração diferente da coloração da molécula. 6.1.2 Indicadores básicos Possuem o grupo ionizável OH‑ (hidroxila), portanto, em meio alcalino (pH>7) as moléculas do indicador são mantidas não ionizadas, e em meio ácido (pH<7) os grupos hidroxila são retirados das moléculas do indicador para a formação de água; nesse processo são liberados os cátions de coloração diferente da coloração da molécula. No entanto, a teoria iônica dos indicadores não oferece explicações sobre o mecanismo pelo qual as cores são produzidas ou deixam de existir. Outra teoria, a teoria cromófora, oferece uma explicação única para a formação das cores, na qual a coloração das substâncias deve‑se à presença de certos grupos de átomos ou ligações duplas nas moléculas. Essa teoria explica a mudança de coloração dos indicadores como devida a um reagrupamento molecular determinado pela variação das condições de pH do meio, o que define o surgimento ou o desaparecimento de grupos cromóforos. A seguir, é possível observar a estrutura química dos indicadores alaranjados de metila e fenolftaleína, na forma ácida e alcalina. 104 Unidade II OH OH HO O ‑O O O O Incolor em meio ácido Rosa em meio básico Figura 40 – Estrutura química da fenolftaleína em meio ácido e básico Muitas substâncias, que ocorrem naturalmente ou são sintéticas, exibem cores que dependem do pH da solução na qual estão dissolvidas. Algumas dessas substâncias, que têm sido utilizadas por séculos para indicar a acidez ou a alcalinidade da água, ainda são empregadas em titulações. 6.1.3 Indicadores ácido/base comuns A lista de indicadores ácido/base é grande e inclui um número significativo de compostos orgânicos. Estão disponíveis indicadores para quase todas as faixas de pH. Na tabela a seguir estão listados alguns indicadores comuns e suas propriedades. Tabela 12 – Alguns indicadores Indicador Cor na solução Ponto de viragemMeio ácido (pH < 7) Meio neutro (pH = 7) Meio básico (pH > 7) Fenolftaleína Incolor Incolor Lilás 8,2 – 10,0 Alaranjado de metila Vermelho Alaranjado Amarelo 3,1 – 4,4 Azul de bromotimol Amarelo Verde Azul 6,0 – 7,6 Tornassol Vermelho Amarelo Azul 5,0 – 8,0 Indicador universal De vermelho a alaranjado Amarelo esverdeado De azul a verde – Fonte: Batista (2019). A figura a seguir mostra um exemplo do comportamento da mudança de cor do indicador azul de bromotimol em diferentes meios. 105 QUÍMICA ANALÍTICA Figura 41 – Azul de bromotimol. Da esquerda para direita, amarelo em meio ácido, verde em meio neutro e azul em meio básico Por que ocorre a viragem? O grupo cromóforo, responsável pela mudança de cor, sofre alteração de acordo com a concentração de H+. A faixa de viragem é o intervalo de duas unidades de pH na qual ocorre a mudança de cor. pH = pKIND ± 1 A viragem ocorre por dois efeitos simultâneos no indicador, um é o efeito do cromóforo e o outro é o do íon comum. 6.1.4 Erros de titulação com indicadores ácido/base De acordo com Skoog et al. (2006), podemos encontrar dois tipos de erros em titulações ácido/base. O primeiro é o erro determinado, que ocorre quando o pH no qual o indicador muda de cor difere do pH do ponto de equivalência. Esse tipo de erro pode geralmente ser minimizado pela escolha cuidadosa do indicador ou fazendo a correção com um indicador branco. O segundo tipo corresponde a um erro indeterminado, que é originado na habilidade limitada da nossa visão em distinguir reprodutivelmente a cor intermediária do indicador. A grandeza desse erro depende da variação do pH por mililitro de reagente no ponto de equivalência, da concentração do indicador e da sensibilidade da visão do analista para as duas cores do indicador. Na média, a incerteza visual para um indicador ácido/base situa‑se na faixa de ±0,5 a ±1 unidade de pH. Essa incerteza pode, frequentemente, ser reduzida para o mínimo de ±0,1 unidade de pH pela comparação da cor da solução que está sendo titulada com a de um padrão de referência contendo quantidades similares de indicador em pH apropriado. Essas incertezas são, é claro, aproximações, que variam consideravelmente de indicador para indicador, como também de pessoa para pessoa. 106 Unidade II 6.2 Reações químicas úteis em volumetria As reações químicas úteis devem atender às seguintes condições para que possam ser utilizadas como base de métodos volumétricos: • Ser rápidas, instantâneas. Quase todas as reações iônicas satisfazem este requisito. Em certos casos, se a reação não for suficientemente rápida, a velocidade da reação pode ser acelerada, aquecendo ou adicionando um catalisador. • Localizar de maneira efetiva o ponto final, ou seja, ele deve ser facilmente observável por alguma modificação das propriedades físicas ou químicas da solução que está sendo titulada. • Possuir uma equação química bem definida. Não devem ocorrer reações secundárias. • Ser praticamente completas quando presentes quantidades equivalentes das substâncias participantes. Não é muito grande o número de reações que podem ser usadas como base de métodos volumétricos, já que elas têm de preencher todos os requisitos citados anteriormente. Um exemplo de uma reação que facilmente atende a esses requisitos é a reação entre o ácido clorídrico e o hidróxido de sódio. HCl(aq)+ NaOH(aq) NaCl(aq) + H2O(l) Trata‑se de uma reação completa, instantânea, simples, cujo ponto final, em uma titulação, é facilmente determinado com o auxílio de um indicador ácido‑base apropriado. De acordo com Baccan et al. (2001), muitas vezes as reações utilizadas em procedimentos volumétricos não preenchem esses requisitos de forma satisfatória. Nessas situações é necessário saber que existe a possibilidade de interferências no resultado final, e que correções precisarão ser efetuadas. Solução-padrão De acordo com Vogel (1981), a solução‑padrão contém um peso exatamente conhecido do reagente num volume definido da solução. Os reagentes com essas características são chamados de padrões primários. A preparação dessas soluções requer, direta ou indiretamente, o uso de um reagente quimicamente puro e com composição perfeitamente definida (BACCAN et al., 2001). A solução‑padrão a ser usada em uma análise volumétrica deve ser cuidadosamente preparada, pois, caso contrário, a determinação resultará em erros. Pode‑se em alguns casos preparar soluções de concentração exatamente conhecidas pesando, com precisão, algumas substâncias muito puras e estáveis e dissolvendo‑as, com um solvente adequado, em balões volumétricos devidamente calibrados. As soluções de padrões primários devem ser preparadas pela dissolução de uma massa exatamente pesada (balança analítica) do soluto em um volume definido (balão volumétrico), permitindo, assim, que a sua concentração seja exatamente calculada. Uma solução‑padrão pode ser obtida de duas maneiras, pelo uso de um padrão primário como soluto e pela padronização de uma solução de concentração aproximadamente conhecida (padrão secundário). 107 QUÍMICA ANALÍTICA O número de padrões primários é muito restrito e frequentemente recorre‑se a padrões secundários. A concentração exata dessas soluções é determinada por comparação com soluções de padrões primários, via titulação. Essa operação é denominada padronização. Por isso, essas soluções podem ser preparadas sem muito rigor com o uso de béqueres, provetas e balanças semianalíticas. 6.3 Padrão primário Padrões primários são reagentes que preenchem todos os requisitos dos reagentes analíticos além de conter uma quantidade conhecida, aproximadamente 100%, da substância principal. São frequentemente preparados e purificados por métodos especiais. De acordo com Vogel (1981), uma substância‑padrão primária deve satisfazer os seguintesrequisitos: • Deve ser de fácil obtenção, purificação, secagem (preferivelmente a 110‑120 ºC) e preservação no estado de pureza (esse requisito não é geralmente satisfeito pelas substâncias hidratadas porque é difícil remover completamente a umidade superficial sem que haja uma decomposição parcial). • Deve ser inalterável ao ar durante a pesagem. Essa condição implica que não seja higroscópica, nem oxidável ao ar e nem afetada pelo dióxido de carbono. O padrão deverá manter a sua composição imutável durante o armazenamento. • A determinação de impurezas deve ser possível e não deve, em geral, exceder a 0,01‑ 0,02%. • Deve ser prontamente solúvel sob as condições em que é utilizada. • A reação com a solução deverá ser estequiométrica e praticamente instantânea. O erro de titulação deverá ser desprezível ou de fácil determinação, como Na2CO3, KHC8H4O4, NaCl, K2Cr2O7, KIO3, KBrO3 e Na2C2O4. 6.4 Padrão secundário Como foi dito anteriormente, na prática, é muito difícil obter um padrão primário ideal. De acordo com Baccan et al. (2001), muitas vezes, a substância que se pretende usar não apresenta as condições necessárias de um padrão primário. Nesse caso, deve‑se preparar uma solução dessa substância com uma concentração próxima da desejada e padronizá‑la contra um padrão. Um padrão secundário é uma substância que pode ser utilizada para padronizações e cujo conteúdo da substância ativa foi estabelecido por comparação com um padrão primário. 6.5 Padronização de soluções A padronização consiste na determinação da concentração real da solução titulante. São possíveis as seguintes maneiras: • Titulando‑se certa massa de um padrão primário adequado com a solução preparada. Exemplo: padronização de uma solução de NaOH contra biftalato ácido de potássio. 108 Unidade II • Titulando‑se certo volume de uma solução de um padrão secundário de concentração conhecida. Exemplo: titulação de uma solução NaOH contra uma solução de ácido clorídrico padronizada. Em uma análise volumétrica ou em uma padronização, deve‑se estimar a grandeza da amostra a ser titulada de modo que seja gasto um volume de titulante de aproximadamente 3/5 do volume total da bureta, uma bureta de 50 mL. Cálculo de 3 5 do volume total da bureta = 50 mL x 3 = 150 ÷ 5 = 30 mL Logo, a titulação deve gastar, no mínimo, 30 mL do titulante nessa bureta. Figura 42 Exemplo de padronização de uma solução 0,2 M de NaOH, utilizando como padrão primário o biftalato ácido de potássio (BFK) (KHC8H4O4): No laboratório: a) Preparar 1 litro de solução de NaOH 0,2 M. b) Pesar 8 g de NaOH. 109 QUÍMICA ANALÍTICA c) Transferir quantitativamente para um balão volumétrico de 1 litro utilizando água destilada isenta de gás carbônico. Pesagem do padrão primário Mesmo sendo o padrão primário uma substância pura, durante o armazenamento e/ou manuseio, pode ser contaminado pela umidade do ar. Devido a esse fato, a pesagem de padrão primário deve ser feita com cuidados especiais de tal forma que a massa seja isenta de umidade. O instrumento utilizado para pesagem é o pesa‑filtro, um pequeno recipiente de vidro com tampa hermética. Figura 43 – Pesa‑filtro Inicialmente, a substância‑padrão é colocada em um pesa‑filtro e submetida à secagem a uma temperatura compatível com a estabilidade da substância, em estufa. Depois o pesa‑filtro é colocado dentro de um dessecador para arrefecer. O pesa‑filtro é então tampado e pesado. Anota‑se a massa (m1). Em seguida ele é destampado, e, rapidamente, uma quantidade da substância é retirada e transferida para um outro recipiente de pesagem, imediatamente tampado e pesado. Anota‑se a massa (m2). Pela diferença das duas massas, determina‑se a massa da substância transferida para o recipiente. A operação de destampar, remover a substância e tampar novamente é feita muito rapidamente, protegendo o conteúdo do pesa‑filtro da umidade. Desse modo, se garante que a massa determinada por diferença fique isenta de umidade. Essa técnica é chamada pesagem por diferença e deve ser usada sempre que um padrão primário for pesado. Observação Evite tocar os objetos secos com os dedos porque quantidades detectáveis de água ou de gordura contidas na pele podem ser transferidas para o objeto. Use pinças, luvas de algodão limpas ou tiras de papel para manipular os objetos secos para pesagem. 110 Unidade II Para esse procedimento é preciso: • Pesar, conforme indicado, cerca de 0,6000 g de biftalato ácido de potássio (BFK), seco em estufa por 2 h a 110 oC. • Anotar todas as casas decimais. • Transferir para um erlenmeyer; adicionar 50 mL de água destilada e 3 gotas de fenolftaleína. • Preencher a bureta com o NaOH 0,2 Mol.L‑1 recém‑preparado e titular o biftalato ácido de potássio (BFK) até obter uma cor levemente rosa. • Anotar o volume. • Calcular o fator de correção (fc). NaOH 0,2 M = Solução a ser padronizada Padrão primárioBFK Figura 44 1 mol de biftalato ácido de potássio (BFK) reage com 1 mol de NaOH. Dado: MM (massa molar) BFK = 204.22 g.mol‑1 e MM NaOH = 40 g.mol‑1. Os fatores de correção das soluções‑padrão são números adimensionais que expressam quantas vezes a normalidade da solução preparada é maior ou menor que a normalidade nominal (teórica). Eles devem ter valores próximos à unidade e devem ser calculados até a terceira casa decimal. 111 QUÍMICA ANALÍTICA Exemplo Para preparar 1 litro de solução 1 mol.L‑1: 1 mol de NaOH = (23+16+1) = 40 g 0,2 mol de NaOH = 8 g Observação O volume deve ser usado em litros: 15,5 mL = 0,0155 L Admitindo‑se, por exemplo, uma massa pesada de 0,6000 g e um volume gasto de 15,5 mL, temos: n mBKF g MM BFK g g mol molBFK = = =− ( ) ( ) , , . , 0 6000 204 22 0 0029381 nBFK = nNaOH Então, podemos ter: nNaOH = MNaOH, VNaOH(l) Substituindo, temos: 0,002938 = Mreal .0,0155 M = 0,1895 Mol.l‑1 Cálculo do fator de correção (Fc): FcNaOH M M real te rica = = = ó 0 1895 0 2 0 998 , , , 3 casas decimais Fc não tem unidade e foi arredondado de 0,9975 para 0,998. Utilizando o fator de correção, é possível saber exatamente qual quantidade de matéria foi realmente pesada de hidróxido de sódio. Uma vez que ocorre absorção de umidade e gás carbônico durante a pesagem, a matéria não atende aos requisitos de solução‑padrão. A partir da padronização, o NaOH 0,2 M está pronto para ser empregado em uma análise volumétrica, e, ao efetuar as contas, a concentração deve ser corrigida utilizando‑se o fator de correção. Nesse exemplo, a concentração correta seria: 112 Unidade II Mreal = Mteórica x Fc Mreal = O,2 . 0,998 Mreal do NaOH = 0,1996 M Mreal é a molaridade obtida experimentalmente, e Mteórica é a concentração objeto de preparação. A padronização deve ser executada em triplicata, e a média do fator de correção calculada e registrada no rótulo do frasco. 6.6 Classificação dos métodos volumétricos As reações fundamentais da análise volumétrica são de dois tipos gerais: reações baseadas na simples combinação de íons com formação de substâncias pouco ionizáveis (água; precipitados; complexos) e reações com transferência de elétrons ou de oxirredução. As reações baseadas na simples combinação, de acordo com o produto obtido, podem ainda ser divididas em reações de neutralização, precipitação, formação de complexos e oxirredução. 6.6.1 Volumetria de neutralização A volumetria de neutralização ou volumetria ácido‑base é um método de análise baseado em reação de neutralização, ou seja, entre os íons H3O + e OH‑: H+ + OH‑ H2O Observação Para efeito de simplificação, em vez de H3O +, escrevemos H+. Neutralização é o termo utilizado na química para indicar uma reação de quantidades estequiométricas de um ácido e de uma base. Ácido + Base Sal + Água Reações de neutralização resultam em variação de pH durante a análise devido ao consumo do cátion hidrônio, responsável pela acidez na solução. Curvas de neutralização De acordo com Vogel (1981), é possívelter uma visão do processo de neutralização estudando as mudanças da concentração do íon hidrogênio durante a titulação. A mudança de pH, próxima ao ponto de equivalência, é muito importante, porque permite a escolha do indicador que produzirá o menor erro de titulação. Denomina‑se curva de titulação a curva lançada em um gráfico no qual na 113 QUÍMICA ANALÍTICA ordenada encontra‑se o pH, e na abscissa a porcentagem de ácido neutralizado ou o número de mL de álcali adicionado. No caso das reações de neutralização, as curvas são obtidas tomando‑se os valores de pH da solução em função do volume do titulante ou da fração titulada. A obtenção dos dados para a construção da curva é feita calculando‑se o pH da solução após cada adição do titulante (BACCAN et al., 2001). Nas figuras a seguir, é possível observar a curva de titulação de um ácido forte com uma base forte e o esquema de aparelhagem para essa titulação: 12 10 8 6 4 2 2 3 4 1 25 50 75 pH da solução Ponto de equivalência Volume de titulante NaOH titulante HCI amostra Figura 45 – Curva de titulação de um ácido forte com uma base forte A força iônica do ácido e da base utilizadas na titulação é que determina o pH no ponto de equivalência. Ao reagir um ácido forte e uma base forte, o sal formado adquire característica neutra, e, portanto, o ponto de equivalência estará próximo a 7,0. A escolha do indicador a ser utilizado deverá levar em conta que a viragem de cor ocorra por volta desse valor de pH. Saiba mais Relembre o conceito de hidrólise salina no link a seguir: CHEMELLO, E. Química virtual. 2011. Disponível em: http://www. quimica.net/emiliano/artigos/2011mar_mp‑hidrolise‑salina.pdf. Acesso em: 5 maio 2020. Ao titular um ácido fraco com uma base forte, podemos observar um comportamento diferente na curva de titulação em função da força da base. Ao reagir um ácido fraco e uma base forte, o sal formado adquire característica básica, e, portanto, o ponto de equivalência estará acima de 7,0 (formação de sal de caráter básico). Observe a curva de titulação e o esquema da aparelhagem a seguir para esse tipo de situação. A escolha do indicador a ser utilizado deverá levar em conta que a viragem de cor ocorre por volta desse valor de pH. 114 Unidade II 12 10 8 6 4 2 2 3 4 1 25 50 75 pH da solução Ponto de equivalência Volume de titulante NaOH titulante CH3COOH amostra Figura 46 – Curva de titulação de um ácido fraco com uma base forte 12 10 8 6 4 2 2 3 4 1 25 50 75 pH da solução Ponto de equivalência Exemplo: NaOH + ácido acetilsalicílico (AAS) Volume de titulante NH3 titulante HCI amostra Figura 47 – Curva de titulação de uma base fraca com um ácido forte Tabela 13 – Indicadores usados frequentemente em volumetria ácido-base Indicador pK ind Zona de viragem Alaranjado de metila 3,7 3,1 ‑ 4,5 Fenolftaleína 9,3 8,3 ‑10,0 A escolha de um desses indicadores vai depender de que tipo de análise ácido‑base vai ser efetuada. Exemplo de aplicação Para esta análise, o ponto de equivalência está dentro da faixa de viragem da fenolftaleína e, portanto, este deverá ser o indicador utilizado. Exemplo de cálculo na volumetria de neutralização 115 QUÍMICA ANALÍTICA Exemplo 1 Supondo‑se que 50 mL de solução de KOH foram titulados com 20 mL de solução volumétrica 0,5 mol/L de HCl, determine a concentração em mol/L do KOH. Foram usadas como indicador 3 gotas de alaranjado de metila. Resolução O titulante foi o HCl (ácido clorídrico), cuja concentração é 0,5 mol/L. HCI M=0,5 Mol/l Vgasto = 20 ml KOH M =? V titulado = 50 ml Figura 48 Supor que, nessa titulação, foram gastos 20 mL de HCl 0,5 mol/l para neutralizar 50 mL de KOH de concentração desconhecida. Então, teremos as seguintes etapas para calcular a concentração da amostra de concentração desconhecida de KOH: a) Escrever a equação que representa a reação de neutralização que ocorreu e balanceá‑la corretamente. As reações de neutralização obedecem ao seguinte esquema: ácido + base → sal + água Nesse caso, ocorreu a seguinte reação: KOH + HCl → KCl + H2O 1 1 116 Unidade II Observe que não há necessidade de balancear a reação. Normalmente, o balanceamento correto da equação é importante porque precisamos observar a proporção estequiométrica entre os reagentes, que, nesse caso, é de 1 : 1. b) Verificar a proporção em mols em uma reação de neutralização: nácido = nbase Como: M n V = logo, n = M.V Então, podemos realizar a seguinte substituição: Substituindo os valores: M V = M V 0,5.20 = M 50 ml M 0,5.20 50 M HCl. HCl KOH KOH KOH KOH KOH = = 0,22 1Mol L. − Observe que não foi necessário passar as unidades dos volumes de mL para L porque elas cancelam‑se na fórmula. Portanto, a concentração inicial da solução KOH titulada é de 0,2 mol/L. Se em vez do volume fosse colocada no recipiente de titulação uma quantidade de massa pesada, seria necessário conhecer a massa molar do titulado e, a partir daí, fazer as devidas substituições. n m g Massa Molar gmol = − ( ) ( . )1 Então, teríamos a seguinte igualdade: mKOH g Massa Molar KOH gmol M VHCl HCl ( ) ( . ) ,− =1 117 QUÍMICA ANALÍTICA Exemplo 2 Determine o volume de solução‑padrão de NaOH 0,100 mol/L necessário para titular 100,00 mL de H2SO4 0,100 mol/L no ponto de equivalência dessa reação. O indicador utilizado foi a fenolftaleína. MNaOH = 0,100 mol/l VNaOH = ?? Fenolftaleína como indicador MH2SO4 = 0,100 mol/l VH2SO4 = 100 ml Figura 49 Resolução a) Escrever a reação química e balancear: H2SO4 (aq) + 2 NaOH (aq) → Na2SO4 (aq) + 2 H2O (l) b) Verificar a proporção em mols e calcular o volume de titulante necessário para atingir o ponto de equivalência: Nesse caso, a relação é de 1 : 2, logo: n° mol NaOH = 2 · n° mol H2SO4 M V = 2.M V 0,100.V = 2.(0,100).10 NaOH NaOH add H2SO4 H2SO4 NaOH 00 V = = 200 mLNaOH 20 0 100, Portanto, para alcançar o ponto de equivalência, foram necessários 200 mL de solução‑padrão de NaOH. 118 Unidade II Lembrete O termo, em química, que indica uma reação de quantidades estequiométricas de um ácido e de uma base é neutralização. 6.6.2 Tipos de titulação Veja a seguir: • Direta: a solução‑padrão é colocada na bureta e adicionada ao titulado no erlenmeyer. Exemplo: HCl(aq) + NaOH(aq) NaCl(aq) + 2H2O(l) • Indireta: o reagente a ser titulado é gerado na solução. Exemplo: 2Cu2+(aq) + 4 I ‑ (aq) 2 CuI (s) + I2(aq) I2(aq) + 2 Na2S2O3(aq) Na2S4O6(aq) + 2NaI(aq) • Retorno: um excesso, conhecido, de uma solução‑padrão é adicionado à solução do analito, e a quantidade excedente (residual) é determinada por uma titulação com uma segunda solução‑padrão. Exemplo: AgNO3 (aq) + Br ‑ (aq ) NO3 ‑ (aq) + AgBr (s) AgNO3 (aq) + KSCN(aq) KNO3 (aq) + AgSCN (s) (residual) Outro exemplo é o que ocorre com o hidróxido de magnésio, que, por ser pouco solúvel, faz com que a determinação do ponto de equivalência seja difícil. Para evitar esse problema, o procedimento adotado é fazer com que a reação de neutralização do hidróxido de magnésio ocorra totalmente por meio de uma quantidade excessiva (perfeitamente conhecida) de solução ácida padrão. Em seguida, o excesso de ácido (que não reagiu com o hidróxido de magnésio) é titulado com uma solução básica padrão. 6.6.3 Volumetria de precipitação A titulometria de precipitação é considerada uma das mais antigas técnicas analíticas, datando de meados de 1800. São reações que se baseiam em outras, sendo que estas produzem os compostos iônicos de solubilidade limitada. Devido à baixa velocidade de formação da maioria dos precipitados, são poucos os agentes precipitantes que podem ser usados em titulometria. Os métodos titulométricos que 119 QUÍMICA ANALÍTICA utilizam o nitrato de prata como solução‑padrão são chamados de métodos argentométricos (argentimentria). Argento vem do latim e significa prata. No caso da argentimetria, o titulante mais empregado é a solução‑padrãode AgNO3 (nitrato de prata). Os métodos argentimétricos compreendem (a) os métodos diretos, nos quais a solução titulante (AgNO3) é adicionada à bureta e transferida diretamente para a solução titulada (método de Mohr e método de Fajans); e (b) os métodos indiretos, nos quais a solução de AgNO3 é adicionada em excesso ao erlenmeyer, e o excesso é titulado com a solução de tiocianato de potássio (método de Volhard). O ponto final pode ser determinado de três formas diferentes: • Formação de um sólido colorido, ou seja, um precipitado (como no método de Mohr). • Formação de um complexo solúvel (como no método de Volhard). • Mudança de cor associada à adsorção de um indicador sobre a superfície de um sólido (como no método de Fajans). Indicadores Os indicadores de ponto final empregados nas titulações argentimétricas podem ser: • Indicadores visuais (químicos): ponto final produzido por um indicador químico que consiste, geralmente, em uma variação de cor ou, ocasionalmente, no aparecimento ou desaparecimento de uma turbidez na solução titulada. Os requisitos para um indicador ser empregado em uma titulação de precipitação são: — a variação de cor deve ocorrer em uma faixa limitada da função p do reagente ou do analito; — a alteração de cor deve acontecer dentro da parte de variação abrupta da curva de titulação do analito. • Potenciométricos: os pontos finais potenciométricos são obtidos pela medida de potencial entre um eletrodo de prata e um eletrodo de referência cujo potencial é constante e independente do reagente adicionado. • Amperométricos: para se obter um ponto final amperométrico, a corrente gerada entre um par de microeletrodos de prata na solução do analito é medida e representada em forma de gráfico em função do volume do reagente. Método de Mohr É uma técnica de volumetria direta que utiliza o AgNO 3 padronizado como titulante. Essa técnica só pode ser efetuada em meio neutro ou levemente alcalino. Podem ser utilizados indicadores tradicionais 120 Unidade II (K2CrO4) ou de adsorção. O emprego desse método vem sendo gradualmente reduzido devido ao desenvolvimento de outras técnicas analíticas mais rápidas e com menores limites de detecção, e pela toxicidade do cromo empregado como indicador. De certo modo, essa técnica, é quase sempre restrita à determinação de cloretos em água potável, amostras de água do mar ou, ainda, em soluções de NaCl previamente preparadas para fins didáticos. Segundo Skoog et al. (2006), na determinação de cloreto, pelo método de Mohr, o ponto final é detectado por meio da formação de um precipitado vermelho entre o indicador K2CrO4 e o AgNO3. Figura 50 – Transição de cores durante a titulação, pelo método de Mohr, até obter o ponto final alaranjado O cromato de sódio pode servir como um indicador para as determinações argentométricas de íons cloreto, brometo e cianeto por meio da reação com íons prata para formar um precipitado vermelho‑tijolo de cromato de prata (Ag2CrO4) na região do ponto de equivalência. Como essa titulação se baseia nas diferenças de solubilidade do AgCl e do Ag2CrO4 (precipitação fracionada), é muito importante a concentração adequada do indicador. Quando se adiciona um íon a uma solução contendo dois outros grupos capazes de formar sais pouco solúveis como o primeiro, o sal que começa a precipitar é aquele cujo produto de solubilidade é passado em primeiro lugar. Se o precipitado formado pelo segundo íon é corado, então, pode servir de indicador para a reação de precipitação do primeiro, desde que se possam ajustar as condições de modo que o composto corado somente comece a se formar depois que o outro tenha sido precipitado completamente. Na prática, o ponto final ocorre um pouco além do ponto de equivalência, devido à necessidade de adicionar excesso de Ag+ para precipitar Ag2CrO4 em quantidade suficiente para ser notado visualmente. Esse método requer que uma titulação em branco seja feita para que o erro cometido na detecção do ponto final possa ser corrigido. O valor gasto na prova do branco obtido deve ser subtraído do valor gasto na titulação. As reações envolvidas são as seguintes: Reação de titulação Ag+ + Cl‑ AgCl(s) Reação com o indicador 121 QUÍMICA ANALÍTICA Ag+ + CrO4 2‑ AgCrO4(s) A concentração da prata na equivalência química em uma titulação do cloreto com o nitrato de prata é dada por: [ ] , . , . /Ag K mol lps + − −= = =18 10 135 1010 5 A concentração de íon cromato necessária para iniciar a formação do cromato de prata sob essas condições pode ser computada a partir da constante de solubilidade para o cromato de prata. [CrO ]= = = 6,6.10 mol/l4 ‑2 ‑3Kps Ag[ ] , . ( . . )+ − − 12 10 1 35 10 12 5 2 A princípio, o íon cromato dever ser adicionado em uma quantidade de modo que o precipitado vermelho apareça apenas após o ponto de equivalência. No entanto, uma concentração de íons cromato de 6,6.–3mol L–1 confere à solução uma cor amarela intensa, de maneira que a formação do cromato de prata vermelho não pode ser prontamente detectada, e, por essa razão, concentrações menores de íons cromato são geralmente utilizadas. Como consequência, um excesso de nitrato de prata é necessário antes que a precipitação se inicie. Um excesso adicional do reagente também deve ser adicionado para produzir cromato de prata suficiente para ser visto. Esses dois fatores geram um erro sistemático positivo no método de Mohr que se torna significante em concentrações de reagentes menores que 0,1 mol L–1. Esse erro pode ser facilmente corrigido realizando a titulação de um branco constituído por uma suspensão de carbonato de cálcio livre de cloreto. pAg+ 4,96 pAg+ = pCI‑ VAg+ Curva de titulação AgNO3 NaCI Figura 51 – Titulação de uma solução de cloreto de sódio pelo método de Mohr 122 Unidade II Observação Branco é uma amostra que contém todos os constituintes, exceto o analito, e deve ser usada durante todas as etapas do procedimento analítico. Existem fatores importantes a serem considerados no método de Mohr, como o pH da solução e a concentração do indicador. A titulação deve ser conduzida em meio neutro ou levemente básico, em pH entre 6,5 e 9. Em soluções ácidas, o cromato reage com os íons hidrogênio, formando o hidrogenocromato (HCrO4 ‑) e dicromato (Cr2O7 2‑) (reação abaixo), ocasionando a diminuição da concentração do CrO4 2‑. Consequentemente, o indicador deixa de funcionar ou há um erro considerável na determinação do ponto de equivalência. 2CrO4 2‑ + 2H+ 2HCrO4 ‑ Cr2O7 2‑ + H2O Por outro lado, em um pH superior a 9, ocorre a precipitação do hidróxido de prata (Ks = 2,3 × 10‑8) (BACCAN et al., 2001), que posteriormente se decompõe em Ag2O e água, conforme equação a seguir: 2Ag+ + 2OH‑ 2AgOH Ag2O + H2O No que diz respeito à concentração do indicador, recomenda‑se usar uma solução de cromato de potássio mais diluída que a solução de cloreto a ser titulada, uma vez que, em elevada concentração, dá à solução a ser titulada uma cor vermelha muito forte, tornando difícil observar o início da precipitação do cromato de prata (JEFFERY et al., 1989). Assim, em soluções mais ácidas, a concentração dos íons cromato é muito pequena para produzir o precipitado nas proximidades do ponto de equivalência. Para que o ponto final seja visualizado, é preciso adicionar um excesso e um titulante, tornando necessária a realização de um branco, que deve ser descontado do resultado da titulação da amostra. O método de Mohr foi descrito pela primeira vez em 1865 por K. F. Mohr, um químico farmacêutico alemão que foi pioneiro no desenvolvimento da titulometria. Com a descoberta de que o Cr(VI) é carcinogênico, atualmente o método de Mohr é raramente empregado. Método de Volhard É uma técnica de volumetria de retorno que utiliza o NaSCN padronizado como titulante. Essa técnica é a única opção para casos em que a amostra apresenta pH ácido. O indicador utilizado é o Fe(NH4)2(SO4)2. Ocorre a titulaçãoda prata em excesso, e, no ponto de viragem, teremos a formação de um complexo solúvel de [FeSCN]2+. O método de Volhard envolve a titulação de íon prata em meio ácido com uma solução‑padrão de tiocianato: Ag+ (residual) + SCN ‑ (aq) AgSCN(s) 123 QUÍMICA ANALÍTICA O excesso de prata é determinado por meio de titulação, com uma solução‑padrão de tiocianato de potássio ou de amônio usando íons ferro (III) como indicador. KSCN Fe+3 (indicador) Ag+excesso Figura 52 O indicador sal de Fe (III) produz uma coloração vermelha com o primeiro excesso de tiocianato: SCN‑ (excesso) + Fe 3+ FeSCN2+(aq) (complexo vermelho) Figura 53 – Transição de cores durante a titulação pelo método de Volhard Nesse tipo de titulação, a mudança de coloração aparece cerca de 1% antes do ponto de equivalência devido à adsorção de íons prata pelo precipitado. A aplicação mais importante do método de Volhard é a determinação indireta de íons halogênios. Uma quantidade exata e em excesso de AgNO3 é adicionada à solução a analisar (que contém, por exemplo, Cl‑ ). Comportamento do indicador: íon Fe3+ em meio ácido 124 Unidade II Ag+ (excesso) + Cl ‑ (aq) AgCl(s) + Ag + (residual) Ag+ (residual) + SCN ‑ AgSCN(s) SCN‑ (excesso) + Fe 3+ FeSCN2+ (aq) (complexo vermelho) A titulação pelo método de Volhard tem de ocorrer em pH ácido para evitar a precipitação de Fe(OH)3(s). O AgCl é mais solúvel do que o AgSCN: Kps AgSCN = 1,1 x 10 ‑12 KpsAgCl = 1,8 x 10 ‑10 (mais solúvel) AgCl(s) + SCN ‑ AgSCN(s) + Cl ‑ A reação anterior ocorre em uma extensão significativa, perto do ponto de equivalência, o que leva a um consumo excessivo de SCN‑ , originando valores de Cl‑ mais baixos do que na realidade. Método de Fajans Trata‑se de um método de titulação direta que emprega o AgNO3 padronizado como titulante. A viragem ocorre pela mudança de cor devido à adsorção dos corantes aniônicos ao adicionar uma gota em excesso do nitrato de prata. Os indicadores de adsorção foram introduzidos pelo químico e físico polonês Kasimir Fajans. São corantes orgânicos, ácidos ou bases fracas (ânionicos ou catiônicos, respectivamente), que acusam o ponto final por meio de uma mudança de coloração sobre o precipitado. A mudança de coloração se deve à adsorção ou à dessorção do corante como consequência de uma modificação da dupla camada elétrica em torno das partículas do precipitado na passagem do ponto estequiométrico. Assim, o aparecimento ou o desaparecimento de uma coloração sobre o precipitado serve para sinalizar o ponto final da titulação. Um exemplo de indicador de adsorção do tipo aniônico é a fluoresceína, que pode ser empregada para acusar o ponto final na titulação de cloreto com nitrato de prata. Em solução aquosa, aquele composto se dissocia parcialmente, fornecendo íons hidrogênio e fluoresceínato; a solução aquosa é verde‑amarelada. Figura 54 – Transição de cores durante a titulação pelo método de Fajans 125 QUÍMICA ANALÍTICA O ponto final é acusado pela mudança de coloração sobre o precipitado, que passa de branco a vermelho em virtude da deposição de fluoresceínato de prata na superfície do precipitado. Trata‑se realmente de um processo de adsorção, pois o produto de solubilidade de fluoresceínato de prata não chega a ser ultrapassado. O processo é reversível, e, como tal, o corante retorna à solução com a adição de excesso de cloreto. Lembrete Os indicadores de ponto final empregados nas titulações argentimétricas podem ser visuais, potenciométricos ou amperométricos. Veja o processo de adsorção da fluoresceína: Na+ Na+ NO3 ‑ Ag+ Ag+ Ag+ Ag+ Ag+ Ag+ Ag+ In‑ In‑ In‑In‑Ag+ NO3 ‑ NO3 ‑ NO3 ‑Na+ Na+ CI‑ CI‑CI‑ CI‑ AgCI AgCI AgCI A) B) C) Figura 55 Ocorrerá adsorção dos íons presentes no titulado pelo precipitado formado. Em A (antes do ponto de equivalência), o AgCl precipitado atrairá o íon cloreto em excesso, e, este, por sua vez, atrairá o sódio em excesso. Em B (ponto de equivalência sem indicador), a primeira gota em excesso de Ag+ irá formar uma camada de cátions adsorvidos pelo precipitado, e, este, por sua vez, atrairá o nitrato em excesso na solução, formando uma segunda camada iônica adsorvida. Em C (ponto de equivalência com indicador), a fluoresceína será atraída preferencialmente pela prata em excesso adsorvida e, com isso, promoverá alteração no meio. 6.6.4 Volumetria de formação de complexos Existem alguns métodos volumétricos baseados em reações de formação de complexos. Um íon metálico reage com um ligante adequado para formar um complexo, e o ponto de equivalência é determinado por um indicador ou por um método instrumental apropriado. A volumetria com formação de complexos, ou complexometria, baseia‑se em reações que envolvem um íon metálico M e um ligante L com formação de um complexo suficientemente estável. O caso mais simples é o de uma reação que origina um complexo do tipo 1 : 1. M+L ML 126 Unidade II De acordo com Baccan et al. (2001), muitos outros íons metálicos formam complexos estáveis, solúveis em água, com um grande número de aminas terciárias contendo grupos carboxílicos. A formação desses complexos serve como base para a titulação complexométrica. Ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) é o quelante mais usado em química analítica. Praticamente todos os elementos da tabela periódica podem ser analisados com EDTA, seja por titulação direta ou sequência de reações indiretas. Em condições adequadas de pH, formam complexos solúveis, extremamente estáveis, com a maioria dos íons metálicos, inclusive os alcalinos terrosos. A seguir, exemplo de EDTA, aminas terciária contendo grupos carboxílicos: OH OH HO O O O O N N OH Figura 56 – EDTA Indicadores para as titulações com EDTA Os indicadores usados na volumetria de complexação, chamados de indicadores metalocrômicos, são agentes complexantes fracos que exibem cores diferentes na forma complexada e na forma livre. Quando esse indiciador é adicionado à solução a ser titulada, ocorre a formação de um complexo colorido com o analito. M+ + In‑ MIn M se refere ao íon metálico, e In ao indicador. As cargas foram omitidas para melhor clareza. O frasco de titulação contém então M e MIn. Quando o titulante é adicionado, ocorre a reação com o metal livre até que, essencialmente, ele acabe, e, nesse ponto, começa a acontecer o deslocamento do metal do complexo MIn. MIn + Y MY + In cor A cor B Isso constitui o ponto final da reação e é responsável pela mudança de cor que sinaliza o fim da titulação. O negro de eriocromo T (negro de solocromo) é um dos mais antigos e mais usados indicadores de complexação. É usado exclusivamente na faixa de pH entre 7 e 11, em que a forma azul do indicador predomina na ausência de íons metálicos. Embora forme complexos vermelhos com aproximadamente 127 QUÍMICA ANALÍTICA trinta metais, somente poucos desses complexos têm a estabilidade necessária para permitir uma mudança de cor apropriada no ponto final de uma titulação direta com o EDTA. O indicador é usado mais frequentemente na titulação direta de Mg+2, Ca+2, Cd+2, Zn+2 e Pb+2. Em solução, o negro de eriocromo T é lentamente oxidado pelo oxigênio dissolvido, e um agente redutor, como o ácido ascórbico, é algumas vezes adicionado para retardar essa reação. Outra maneira de evitar a oxidação é adicionar o negro de eriocromo T sólido na solução exatamente antes de iniciar a titulação. Uma das aplicações da complexometria é na determinação da dureza da água. Historicamente, a dureza da água foi definida em termos da capacidade de cátions presentes na água trocarem com os íons sódio e potássio dos sabões e formarem com os respectivos ânions sais pouco solúveis. Muitos cátions multicarregados compartilham essa propriedade indesejável. Em águas naturais, a concentração dos íons cálcio e magnésio, geralmente, excedem muito a concentração de qualquer outro íon. Consequuentemente, a dureza da água é agora expressa
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