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1 2 Este texto destina-se a vocês, estudantes matriculados no programa de Educação a Distancia da Universidade Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFET-PI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação. O texto está estruturado em cinco unidades. Na primeira, situamos historicamente a Psicolingüística, discutindo o objeto de estudo e a metodologia da área. Na unidade II, abordamos um tema central da Psicolingüística –Aquisição da linguagem – enfatizando teorias que explicam os processos de aquisição da linguagem oral e da linguagem escrita. Na Unidade III, apresentamos reflexões sobre os Fundamentos Psicolingüísticos subjacentes à prática educacional, destacando-se os processos de leitura, de escrita e de construção do conceito de números. Nas unidades IV e V tratamos, respectivamente, da aprendizagem e do ensino da língua escrita. Na Unidade IV, propomos uma discussão sobre os métodos de alfabetização, história e usos funcionais da escrita, conceito de texto e tipologia textual, além da relação entre alfabetização e letramento. Na Unidade V, discutimos a prática docente na alfabetização, apresentando algumas estratégias de ensino e de aprendizagem em relação à prática de leitura e de produção de textos. Desejamos muito sucesso a todos vocês! 3 1 INTRODUÃO À PSICOLINGUÍSTICA 07 1.1 Evolução histórica da Psicolinguística 07 1.1.1 Antecedentes 07 1.1.2 O surgimento da psicolinguística 10 1.2 A definição e o objetivo de estudo da psicolinguística 14 1.3 A metodologia da psicolinguística 18 Referências 21 2 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 24 2.1 Aquisição da linguagem oral: teorias e etapas 26 2.1.1 Teorias da aquisição da linguagem 26 2.1.2 As etapas de aquisição da linguagem 30 2.2 Desenvolvimento da linguagem escrita: ao estudos de Ferreiro e Luria 36 2.3 Relação entre pensamentos e linguagem 50 Referências 53 3 FUNDAMENTOS PSICOLINGÜÍSTICOS SUBJACENTES À PRÁTICA EDUCACIONAL 56 3.1 Aspectos psico-sócio-linguísticos da leitura e da escrita 57 3.1.1 O processo de leitura: concepções, processos e estratégias mentais envolvidos na formação do leitor 57 3.1.2 O processo da escrita: processos e estratégias mentais envolvidos na formação do produtor de texto, a produção textual e os erros ortográficos 61 3.2 Os processos de construção do conceito de número 66 Referências 71 4 APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA 74 4.1 Os métodos de alfabetização:bases teóricas 74 4.2 Escrita: história, expansão e usos funcionais 79 4 4.3 Psicogênese da língua escrita e alfabetização 83 4.4 O texto: conceito, tipologia e diversidade textual 88 4.5 Alfabetização e letramento 93 Referências 98 5 A PRÁTICA DOCENTE NA ALFABETIZAÇÃO 102 5.1 Contextualização da prática de leitura e escrita 102 5.2 A prática de leitura: estratégias de ensino e de aprendizagem 104 5.3 A prática de produção de textos: estratégias de ensino aprendizagem, a intervenção do professor no texto do aluno 113 Referências 125 5 6 1 INTRODUÇÃO À PSICOLINGUÍSTICA 07 1.1 Evolução histórica da Psicolinguística 07 1.1.1 Antecedentes 07 1.1.2 O surgimento da psicolinguística 10 1.2 A definição e o objetivo de estudo da psicolinguística 14 1.3 A metodologia da psicolinguística 18 Referências 21 7 1 INTRODUÇÃO À PSICOLINGUÍSTICA 1.1 Evolução histórica da Psicolinguística Para que possamos entender o objeto e a metodologia da Psicolinguística é necessário conhecermos o referencial histórico do seu surgimento. Quando surgiu a Psicolinguística? Em que contexto? Em que momento histórico ela delimitou-se como ciência? Sob quais condições históricas? Que fatos marcaram seu nascimento? Estas questões serão discutidas nesta unidade, particularmente nesta subunidade. 1.1.1 Antecedentes A Psicolinguística é uma disciplina nova, cuja delimitação data da década de 1950 e origina-se de duas ciências: a Psicologia e a Linguística. Anterior ao surgimento explícito desta ciência, já se constatava a preocupação de linguistas e psicólogos em compreender a relação entre o pensamento/comportamento e a linguagem, resultando numa estreita colaboração entre Psicologia e Linguística. Os estudos advindos dessa colaboração receberam originalmente o nome de Psicologia da Linguagem e representavam uma tentativa de responder as questões comuns às duas disciplinas. De acordo com Balieiro Jr. (2003), havia nesta pré-história da A Psicolinguística origina-se da Psicologia e da Linguística. A Psicologia buscava a Linguística. 8 Psicolinguística dois movimentos opostos: um ia da Psicologia para a Linguística, isto é, os psicólogos manifestavam interesse em compreender os fenômenos da linguagem para entender o funcionamento da mente humana; o outro seguia a direção da Linguística para a Psicologia, quer dizer, os linguistas procuravam apoio na teoria psicológica para compreender como se organizam os dados linguísticos. Ainda segundo o mesmo autor, esse movimento que se verificou da Psicologia para a Linguística expressava duas concepções diferentes através do surgimento de duas correntes opostas: a do mentalismo, característica da psicologia européia, explorava o pensamento através do estudo da linguagem; e a do comportamentalismo, vinda da tradição norte-americana, procurava entender o comportamento linguístico, reduzindo-o a uma série de mecanismos de estímulo-resposta. Neste período, a corrente mentalista perdeu sua importância, e a comportamentalista destacou- se. Quanto ao movimento verificado da Linguística para a Psicologia, destaca-se o fato de que muitos linguistas buscavam apoio nas teorias psicológicas e quanto Wundt, um dos fundadores da Psicologia, formulou a tese de que a linguagem pode ser Desde o começo do século XX, as relações entre Linguística e Psicologia se manifestaram em dois sentidos opostos: da Psicologia para a Linguística e da Linguística para a Psicologia. A Linguística estava à procura da Psicologia. O mentalismo procurava entender o pensamento através do estudo da linguagem. O comportamentalismo reduzia o comportamento linguístico aos mecanismos de estímulo e resposta. O movimento da Psicologia para a Linguística trazia duas concepções diferentes: uma essencialmente mentalista e a outra, essencialmente comportamentalista. A orientação descritiva sincrônica introduzida por Saussure possibilitou o encontro entre Linguística e Psicologia. 9 explicada pelos princípios psicológicos recebeu muito apoio dos linguistas, em especial dos históricos. Apesar de todo esse apoio, não se efetivou uma colaboração entre essas duas áreas. De acordo com Balieiro Jr. (2003) e Melo (1999), um diálogo fecundo, numa base cientifica, entre Linguística e Psicologia somente se efetivou com a introdução da orientação descritiva sincrônica pelos linguistas estruturalistas, liderados por Saussure. Havia nesse período uma preocupação por parte dos linguistas da época, em garantir a autonomia da Linguística frente à Psicologia. Para Balieiro Jr. (2003) foi um período muito rico, em parte pela emergência de dois paradigmas: o estruturalismo na Linguística e o comportamentalismo na Psicologia, ambos operacionalistas que permitiram um relacionamento simétrico entre osdois campos, com estudos e contribuições das duas áreas. Contudo, as características teóricas desses paradigmas dificultaram uma maior colaboração entre esses dois campos de conhecimento. Scliar-Cabral (1991,p.10), ao comentar o afastamento entre a Psicologia e a Linguística, declara: É exatamente a preocupação da autonomia da linguística por um lado, com a delimitação precisa de seu objeto e método por parte de F. de Saussure (Curso de Linguística Geral), e, nos Estados Unidos, a de Bloomfield (inicialmente um mentalista mas posteriormente um behaviorista confesso) e o abandono dos métodos introspectivos na psicologia em favor de um reducionismo de observação dos comportamentos em aberto que levam a um divórcio entre a psicologia e a linguística, por algumas décadas, com raras exceções no que diz respeito ao estudo da linguagem. Muitos linguistas aderiram facilmente às propostas de Wundt. Nesse período emergiram dois paradigmas: o estruturalismo na Linguística, e o comportamentalismo na Psicologia. A orientação descritiva sincrônica introduzida por Saussure possibilitou o encontro entre Linguística e Psicologia. 10 Para Melo (1999), os psicólogos que estudam a linguagem sofreram forte influência da teoria da informação (surgida após a Segunda Guerra Mundial, de Shannon e Weaver que definiam uma unidade de comunicação com base nos seguintes elementos: Fonte → transmissor/codificador → canal → receptor/decodificador → destinação) e da teoria da aprendizagem (tendo como um dos expoentes Skinner, considera que, sendo as respostas verbais subclasse das respostas em geral, podem ser explicadas pelas leis gerais que regulam o estabelecimento de conexões entre estímulo e respostas). Há referência de que o termo psicolinguística foi utilizado pela primeira vez em um artigo de N.H. Proncko, em 1946, referindo-se a uma nova ciência, um campo interdisciplinar que conta com a colaboração da Psicologia e da Linguística (BALIEIRO JR, 2003; MELO, 1999). Todos os elementos e fatos apontados constituem a pré- história dessa ciência, pois referem-se aos antecedentes que marcaram o nascimento da Psicolinguística. 1.1.2 O surgimento da Psicolinguística Embora já se tenha notícia do uso do termo desde 1946, o surgimento explícito e programático da Psicolinguística data da década de 1950. Os marcos iniciais da criação desta nova ciência foram: O “Seminário de Verão de Pesquisa em Ciência Social”, realizado na Universidade Cornell em 1951 e a criação do “Comitê sobre Linguística e Psicologia”, formado por Antes do surgimento explícito da Psicolinguística, já havia preocupação de linguistas e psicólogos para com temas que são objetos desta ciência. A criação da Psicolinguística se deu de forma intencional por uma reunião de especialistas. 11 psicólogos (Osgood, Carrol e Miller) e por linguistas (Sebeok e Lounsbury) e dirigido pelo psicólogo Osgood (BALIEIRO Jr., 2003; MELO, 1999; SCLIAR- CABRAL,1991). Outro marco apontado foi um Segundo Seminário de Verão, realizado em 1953, na Universidade de Indiana, dirigido por Osgood e Sebeok que publicaram o livro Psycholinguistics em 1954, contendo um programa de pesquisa com o objetivo de fazer uma síntese da Psicologia da Aprendizagem, da Teoria da Informação e da Linguística. Estes fatos marcaram o nascimento da Psicolingüística e o início da primeira fase desta nova ciência. O surgimento explícito e programático da Psicolinguística inicia-se no Seminário de Verão da Universidade de Cornell em 1951 e se consolida em 1953 em outro Seminário de Verão na Universidade de Indiana, seguido da publicação de Osgood e Sebeok em 1954. Para Scliar-Cabral (1991), nesta primeira fase percebe- se uma maior receptividade dos psicólogos às contribuições da Linguística do que dos linguistas às da Psicologia. Balieiro Jr. (2003) considera que neste momento a Psicolinguística caracterizava-se como um amplo painel de pesquisas vindas da Psicologia para a Linguística, e vindas da Linguística para a Psicologia, configurando um quadro de dispersão teórica. O termo Psicolinguística começou a circular em 1954, após a publicação da obra de Osgood e Sebeok, nos Estados Unidos. Na primeira fase havia muita dispersão teórica, sem um esforço para definição da Psicolinguística como disciplina. 12 Segundo Scliar- Cabral (1991), em 1957 aparece a obra de Skinner, Verbal behavior, que marca tanto o coroamento quanto o esgotamento da 1ª fase da Psicolinguística. Este teórico desenvolve os princípios do condicionamento operante, apresenta um enfoque puramente linear, concentrando-se apenas no observável. Ele considera que as palavras, frases, sentenças são operantes verbais e, como tal, somente são apreendidas se, após sua emissão, receberem algum reforço. A primeira fase da Psicolinguística estende-se de 1951, ano da sua fundação, a 1957 com o aparecimento da obra Verbal behavior, de Skinner. Também em 1957, o linguista Noam Chomsky publicou o livro Syntatic structures, apresentando os fundamentos da Gramática Gerativa Transformacional. De acordo com Balieiro Jr. (2003), os principais pontos defendidos por Chomsky são: as sentenças faladas derivadas de estruturas profundas através de regras transformacionais, que se organizam numa gramática, esta Gramática Universal (G.U.) é inata aos indivíduos da espécie humana; há distinção entre a competência (conhecimento que um falante/ouvinte ideal tem de sua língua) e a performance (a atividade do falante/ ouvinte numa situação comunicativa concreta). Em 1959, Chomsky publica a resenha do Livro Verbal behavior, de Skinner, na qual tece severas críticas ao operacionalismo vigente nos paradigmas estruturalista e comportamentalista. Estas críticas juntamente com a publicação de Chomsky provocaram uma revolução na A obra de Skinner, Verbal behavior, marca o coroamento e o esgotamento da 1ª. fase da Psicolinguística. Chomsky apresenta os fundamentos da Gramática Gerativa Transformacional no livro Syntatic structures em 1957. Na resenha do livro Verbal behavior, Chomsky faz críticas ao estruturalismo e ao comportamentalismo. 13 Linguística e Psicolinguística da época, caracterizando a 2ª fase desta ciência (SCLIAR-CABRAL, 1991). Dessa forma, a Psicolinguística teve seus fundamentos abalados pela crítica de Chomsky, deu uma guinada, enfraquecendo o comportamentalismo e fortalecendo o mentalismo. A Psicolinguística desta fase, tendo como paradigma central o modelo chomskyano, adotou “uma postura metodológica fortemente racional-dedutiva no design de seus experimentos” (BALIEIRO JR., 2003, p.176). A crítica de Chomsky ao Verbal behavior e a publicação da sua obra Syntatic structures provocaram uma revolução epistemológica e metodológica na Linguística e Psicolinguística da época e caracterizam a 2ª fase da Psicolinguística. O paradigma cientifico descrito predominou até a década de 1960, quando “uma reação salutar se faz sentir não só entre os linguistas, mas também entre os próprios psicolinguistas ao ´imperialismo’ das idéias chomskyanas” (SCLIAR-ABRAL,1991,p.27). As reações ao modelo chomskyano, apontadas pela autora citada, acusam o referido modelo de se ocupar de um falante/ouvinte ideal, a-histórico e descontextualizado e, portanto, não dar conta da competência comunicativa, na qual interferem vários fatores. Estas reações associadas a um clima de efervescência experimental para comprovar a validade da gramática gerativa transformacional deu um novo impulso à Psicolinguística, O modelo chomskyano foi o paradigma teórico central na 2ª fase da Psicolinguística. A 2ª fase da Psicolinguística se estende de 1957 a 1960. As críticas ao modelo chomskyanomarcam o início da 3ª fase da Psicolinguística. A 3ª fase da Psicolinguística caracteriza-se pela busca de modelos holísticos. Na 3ª fase da Psicolinguística emerge o paradigma cognitivo. 14 inaugurando a 3ª fase, caracterizada pela busca de modelos holísticos, mais independizados da subordinação à Linguística [...] (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 28). A ampliação e enriquecimento da Psicolinguística resultantes de contribuições de psicólogos e filósofos da linguagem favorecem a emergência de um novo paradigma cognitivo. Os aportes da teoria linguística perdem o caráter de exclusividade da fase anterior, isto é, a subordinação da Psicolinguística à Linguística encerra-se. Coerente com o novo paradigma, os cognitivistas advogam a subordinação da linguagem a fatores cognitivos mais fundamentais. Balieiro Jr. (2003), assinala que os cognitivistas ampliaram e tornaram mais eclético o campo de estudos da Psicolinguística, aproximando-o das ciências cognitivas, com características marcantes de interdisciplinaridade. A terceira fase da Psicolinguística tem inicio em 1960 com reações ao modelo chomskyano e caracteriza-se pela emergência do paradigma cognitivo. 1.2 A definição e o objeto de estudo da Psicolinguística Como ficou evidenciado, nas discussões sobre a evolução histórica da Psicolinguística, este campo é bastante recente e sua definição e delimitação não se apresentam de forma consensual na literatura. Como é definida a Psicolinguística pelos diferentes teóricos? Parece fora de dúvida que estes a consideram um domínio interdisciplinar. 15 Slama- Cazacu (1979), por exemplo, entende que não devemos considerá-la como um ramo da lingüística ou da psicologia, e sim, como uma disciplina. A referida autora concebe a Psicolinguística como um domínio autônomo e não como ramo de uma das ciências das quais deriva – psicologia ou linguística. Esta autonomia é assegurada pela existência de um objeto específico [...], bem como por uma modalidade de interpretação de fatos particulares (SLAMA-CAZACU, 1979, p.37). Segundo Peterfalvi (1980 apud MELO, 1999, p.13), a Psicolinguística “é uma disciplina relativamente nova, e seria um erro crer que se trata apenas de um termo novo para designar aquilo que se chamava outrora ‘Psicologia da Linguagem’”. A respeito da substituição do termo Psicologia da Linguagem por Psicolinguística, Greene (1980 apud Melo, 1999, p. 13) explica que “o novo termo representa uma verdadeira mudança em relação às abordagens anteriores do comportamento linguístico, uma vez que indica um confronto entre as duas disciplinas: a Linguística e a Psicologia”, mas considera que a Psicolinguística continua sendo uma subdisciplina da Psicologia. Apesar da divergência de pontos de vista, prevalece entre os teóricos a concepção da Psicolinguística como um campo autônomo, de domínio interdisciplinar. A Psicolinguística é concebida como uma disciplina autônoma. 16 Como foi assinalado anteriormente, um dos critérios para assegurar a autonomia da Psicolinguística é a existência de um objeto específico. Convém, então, indagar qual é o objeto de estudo da Psicolinguística. Slama-Cazacu (1979, p. 38) declara que desde o início concebe a Psicolinguistica como um enfoque interdisciplinar, tendo por objeto O fenômeno total da comunicação (com tudo o que ela contém: a relação bilateral entre os participantes, o código- linguístico ou não linguístico –, as complexas determinantes sociais, as organizações estruturais dos signos, da mensagem dos contextos nos quais circulam as mensagens, das pessoas humanas – os participantes em sua totalidade). Melo (1999) anuncia uma tendência da Psicolinguística a rever suas bases, indicando que houve progresso na área. Segundo a autora, a psicolingüística tem manifestado uma preocupação com o tempo, retornando ao tema da gênese. Desse modo, A própria investigação da gênese contribuiu, mais do que nunca, para configurar uma preocupação séria com o tempo: o ponto de partida dos estudos longitudinais não é mais a criança que começa a falar, mas o infante e até mesmo o recém-nascido. Tudo isso prenuncia, então, o início de um novo momento, em que os temas da gênese e do empréstimo confluem para dar lugar a um novo e tardio tema: o da constituição temporal da linguagem. Esta recente disciplina ocupa-se de muitos problemas e questões com predominância das seguintes: a relação entre linguagem e cérebro, as relações entre linguagem e O objeto da Psicolinguística é o fenômeno total da comunicação. A Psicolinguística se ocupa agora de um novo tema: o da constituição temporal da linguagem. 17 pensamento, os sistemas de processamento mental da linguagem, o processamento de unidades amplas da linguagem, como o texto e o discurso e a aprendizagem de outras atividades como a leitura e a escrita (BALIEIRO JR., 2003). O estudo do objeto da Psicolinguística nos impõe a necessidade de compreendermos o significado e a distinção entre os termos muito empregados na discussão dessa temática: comunicação, linguagem, língua e fala. De acordo com Poersch (1990,p.13), “comunicação é uma atividade psicofísica de interatuação intencional de duas mentes” que apresenta as seguintes características: bipolaridade, intencionalidade da fonte, decodificação, existência de uma mensagem, racionalidade e estrutura da mensagem em três níveis. Faraco; Moura (1998, p.15 e 16) estabelecem a seguinte distinção entre linguagem, língua e fala: Linguagem é todo sistema organizado de sinais que servem como meio de comunicação entre os indivíduos. Língua é a linguagem verbal utilizada por um grupo de indivíduos que constitui uma comunidade. Fala é a utilização individual da língua. Desse modo, podemos entender que a linguagem é mais ampla que a língua, pois é o conjunto de recursos e de formas (palavras, gestos, sinais, sons etc.) que o homem dispõe para se comunicar. As diversas linguagem criadas pelo ser humano estão classificadas em verbal , quando utiliza palavras, e não-verbal, quando utiliza outros signos. 18 A língua, por sua vez, é um tipo de linguagem, o único, aliás, que faz uso de palavras e é considerada a principal linguagem dentre as empregadas pelo ser humano. Já a fala é a utilização particular da língua pelo falante. Para dar conta do seu objeto de estudo com todas as questões que ele envolve, a Psicolinguística precisa dispor de uma metodologia adequada. 1.3 A metodologia da Psicolinguística Melo (1999) ao resumir a história da metodologia na área da Psicolinguística, destaca que no início da década de 1970 predominava entre os pesquisadores o método experimental e na metade desta década surgem os estudos naturalistas/ observacionais. Slama-Cazacu (1979, p. 65) assinala que os principais métodos que podem ser utilizados pela Psicolinguística são “a observação (com a ajuda da entrevista e com certos corretivos em confronto com o que se faz habitualmente em Linguística) e a experimentação”. De acordo com Balieiro Jr. (2003, p.183), o método experimental é o mais utilizado em Psicolinguística e consiste “em elaborar hipóteses que sugerem relações causais entre variáveis – a Variável Independente (Vi) causando a Variável Dependente (Vd) – e elaborar experimentos que permitam verificar a existência ou não das relações”. Conforme o mesmo autor, o método experimental apresenta dois problemas: cria situações de caráter artificiais, distanciadas das situações reais da vida das pessoas, além de No início da década de 1970, o método experimental é o predominante. Os métodos naturalistas/observacionais surgem na metade da década de 1970. O método experimental é o mais utilizado em Psicolinguística.19 criar problemas para o design dos experimentos, gerando experimentos bem feitos, mas com pouca relevância teórica, ou, ao contrário, experimentos relevantes teoricamente, mas com conclusões discutivas. Podemos concluir esta exposição ressaltando que a Psicolinguística constitui um campo em evolução. A sua trajetória histórica aponta para um movimento progressivo marcado por mudanças de paradigma (comportamentalista, estruturalista, chomskyano, cognitivo). O momento atual apresenta-se como o reconhecimento de que houve progresso nesta área que constitui um campo autônomo de conhecimento. Acreditamos que a Psicolinguística é uma disciplina que tem importantes contribuições a dar para o professor que se ocupa do ensino da língua materna, em especial, o professor alfabetizador, pois uma das preocupações desta área é o processo de aquisição da linguagem pela criança. Conhecendo como a criança adquiriu a fala, compreendendo este complexo processo, o professor terá a maior chance de ser bem sucedido na tarefa de alfabetizar. A Psicolinguística também se interessa pelos processos mentais relacionados com a produção da linguagem, dando ênfase ao estudo das relações entre pensamento e linguagem e, pelo comportamento humano envolvido no uso da linguagem, ressaltando a importância da interação na construção e uso da linguagem. Todo esse conhecimento produzido pela Psicolinguística constitui importante subsídio ao professor O método experimental é o mais utilizado em Psicolinguística. 20 alfabetizador na medida em que possibilitará ao professor tornar, o seu trabalho mais eficiente, pois saberá definir procedimentos, selecionar material linguístico adequado à realidade de seus alunos. Exercícios 1. Como se caracterizavam as relações entre Linguística e Psicologia no começo do século XX? 2. O que distinguia as correntes do mentalismo e do comportamentalismo? 3. O que possibilitou um diálogo fecundo, numa base científica, entre Linguística e Pedagogia? 4. Que paradigmas emergiram nesse período? 5. Que influências sofreram os psicólogos que estudam a linguagem? 6. Quando o termo Psicolinguística foi utilizado pela 1ª vez? 7. Quais os marcos iniciais da criação da Psicolinguística? 8. Caracterize as três fases da Psicolinguística. 9. Quais os principais pontos defendidos por Chomsky? 10. Apresente uma definição para Psicolinguística. 11. Quais os métodos empregados pela Psicolinguística? 21 Referências BALIEIRO JR., Ari Pedro. Psicolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. V.2. São Paulo: Cortez, 2003. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 1996. FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Gramática – 2º grau. São Paulo: Ática, 1998. MELO, Lélia Erbolato (Org.). Tópicos de psicolinguística aplicada. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. POERSCH, José Marcelino. Pode-se alfabetizar sem conhecimentos de linguística? In: TASCA, Maria; POERSCH, José Marcelino (Orgs.). Suportes linguísticos para alfabetização. Porto Alegre: Sagra, 1990. SCLIAR–CABRAL, Leonor. Introdução à psicolinguística. São Paulo: Ática, 1991. SLAMA-CAZACU, Tatiana. Psicolinguística aplicada ao ensino de línguas. São Paulo: Pioneira, 1979. 22 23 2 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 24 2.1 Aquisição da linguagem oral: teorias e etapas 26 2.1.1 Teorias da aquisição da linguagem 26 2.1.2 As etapas de aquisição da linguagem 30 2.2 Desenvolvimento da linguagem escrita: os estudos de Ferreiro e Luria 36 2.3 Relação entre pensamentos e linguagem 50 Referências 53 24 2 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM A aquisição da linguagem pela criança é um dos principais temas e que vem merecendo muita atenção dos estudiosos nos últimos anos. Sempre houve interesse dos pesquisadores em compreender como a criança adquire a linguagem, o que ela aprende, porém só recentemente temos estudos sistemáticos sobre esta questão. De acordo com Zanini (1990, p.47), aquisição da linguagem é um termo que se refere ao processo pelo qual a criança adquire os sistemas fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático da língua da comunidade em que vive e que lhe permite, gradativamente, aproximar-se da linguagem do adulto. Trata-se de um tema complexo que envolve muitas controvérsias e apesar de ter crescido o número de pesquisas nesta área, as conclusões a que chegaram os estudiosos tem caráter provisório, mas, certamente, poderão oferecer uma rica contribuição ao professor alfabetizador. Na pesquisa em aquisição da linguagem são utilizadas duas metodologias: longitudinal e transversal. No estudo longitudinal acompanha-se o desenvolvimento da linguagem de uma criança por um longo tempo, registrando-se em forma de diário ou em fita magnética (áudio ou vídeo) o que a criança diz em ambiente natural. Na metodologia do tipo transversal faz-se o registro de um número grande de sujeitos, às vezes classificados por faixa etária. Geralmente este tipo de pesquisa é experimental, isto é, As principais metodologias na pesquisa em aquisição da linguagem são: longitudinal e transversal. O estudo da aquisição da linguagem pela criança pode ser feito através da análise de dados naturais e de estudos experimentais. 25 isola-se, controla-se e testam-se as variáveis intervenientes no fato estudado. Scarpa (2003) adverte para o fato de que a Aquisição da Linguagem é uma área heterogênea ou multidisciplinar, de modo que oferece indagações oriundas da Psicologia e da Linguística. Atualmente, alimenta tópicos estudados pela Psicolinguística, e representa área de interesse das ciências cognitivas e da Linguística. Conforme a autora citada, a aquisição da linguagem possui as seguintes subáreas: a) aquisição da língua materna tanto normal quanto com ‘desvio’, recobrindo os componentes ‘tradicionais’ dos estudos da linguagem, como fonologia, semântica e pragmática, sintaxe e morfologia, aspectos comunicativos, interativos e discursivos da aquisição da língua materna. [...]; b) aquisição de segunda língua, quer como bilinguismo infantil ou cultural, quer na verificação dos processos pelos quais se dá a aquisição de segunda língua entre adultos e crianças, seja em situação formal escolar, seja informal de imersão linguística; c) aquisição da escrita, letramento, processo de alfabetização, relação entre a fala e a escrita, entre o sujeito e a escrita nesse processo etc. (SCARPA, 2003, p.205). A investigação acerca da aquisição da linguagem pela criança preocupa-se com várias questões, tais como: quando a linguagem é adquirida, como a criança adquire a linguagem, que estratégias são desenvolvidas para a construção de formas novas, como os fatores ambientais e uma segunda língua influenciam na aquisição da linguagem. As subáreas da Psicolinguística são: aquisição da língua materna, aquisição da segunda língua e aquisição da escrita. 26 É verdade que um grande progresso tem sido verificado neste campo de estudo. As pesquisas feitas até o momento têm revelado muitas descobertas sobre o desenvolvimento linguístico da criança. Contudo, os pesquisadores ainda discutem sobre como a aquisição ocorre. 2.1 Aquisição da linguagem oral: teorias e etapas 2.1.1 Teorias da aquisição da linguagem Como já dissemos, este é um tema central da Psicolinguística e dele tem se ocupado muitos pesquisadores. As abordagens teóricas sobre a aquisição da linguagem expressam o debate sobre o inato e o adquirido,o biológico e o social. Nesse sentido, encontramos na Psicolinguística várias teorias para explicar como a criança adquire a linguagem. Dentre elas, podemos destacar: Behaviorismo, Inatismo, Cognitivismo Construtivista e a Sociointeracionismo. Teoria Behaviorista Esta teoria tem como principal defensor Skinner e postula que a linguagem é adquirida através da experiência. Scarpa (2003, p. 206) ressalta que para esta abordagem a aprendizagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a língua materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e comportamentos, como andar de bicicleta, dançar etc., já que se trata, ao longo do tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. Os behavioristas dão ênfase aos fatores ambientais na aprendizagem da linguagem. A aquisição da linguagem se dá pela associação de estimulo e resposta, imitação e reforço. A oposição à teoria behaviorista de Skinner foi feita por Chomsky. 27 Segundo esta proposta, a criança desenvolve o conhecimento linguístico através de associações de estímulo e resposta, imitação e reforço. Acreditam seus seguidores que a criança adquire a língua através da imitação da língua falada pelo adulto ou dos pais ao produzir um enunciado correto (ZANINI, 1990). Skinner, psicólogo mais influente do behaviorismo considera a linguagem um tipo de comportamento (verbal) e a enquadra na sucessão de contingência de mecanismo de estímulo – resposta – reforço que explicam o condicionamento do comportamento. Teoria Inatista Chomsky, o proponente desta teoria argumenta que a linguagem é inata é, portanto, ao nascer a criança é dotado de uma capacidade especial para adquirir a linguagem e que esta capacidade é específica da espécie humana. Segundo este teórico, a aquisição da linguagem só é possível porque a criança está preparada para processar os dados linguísticos e formar estruturas características da linguagem humana, isto é, há um Dispositivo de Aquisição da Linguagem (DAL) que é alimentado pela fala que a criança ouve e gera uma gramática da língua (MELO, 1999). Nessa perspectiva, o processo de aquisição da linguagem é de natureza maturacional. “A linguagem, específica da espécie, dotação genética e não um conjunto de comportamentos verbais seria adquirida como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente” (SCARPA, 2003, p.206). A aquisição da linguagem independe das variações de estimulação ambiental. Lenneberg foi o principal proponente da idéia de que há um período crítico para a aquisição da linguagem. 28 Chomsky adota uma postura inatista na explicação do processo de aquisição da linguagem. Segundo ele, um dispositivo inato, que elabora hipótese sobre a língua a que a criança está exposta, gera uma gramática da língua nativa da criança. Lenneberg foi outro defensor da explicação da linguagem. Segundo ele, a aquisição da linguagem está relacionada à maturação do cérebro e existe um período crítico para a aquisição da linguagem, compreendido entre os dois anos e a puberdade (ZANINI, 1990; SCARPA, 2003). Esse autor fundamentou em bases biológicas seus argumentos em favor do período crítico para a aquisição da linguagem. Todavia, muitas objeções têm sido levantadas aos seus argumentos. Scarpa (2003) relata casos de crianças com síndrome de down, estudos recentes sobre a suposta sincronia do período crítico com a lateralização hemisférica e sobre dificuldades de aquisição de segunda língua após a adolescência que atestam a insuficiência dos argumentos arrolados em favor da hipótese do “período crítico”. Teoria Cognitivista/ Construtivista Esta abordagem foi desenvolvida com base nos estudos de Jean Piaget e postula que a aquisição da linguagem é dependente do desenvolvimento da inteligência na criança. Para este teórico, a linguagem aparece no final do estágio sensório motor, por volta dos 18 meses e representa uma das atividades simbólicas que se desenvolvem neste período. A abordagem cognitivista construtivista argumenta que há dependência entre linguagem e cognição. A representação simbólica é pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem. 29 De acordo com Piaget, a representação simbólica que se manifesta nas brincadeiras infantis em que um objeto representa outro, é um dos pré-requisitos cognitivos para o desenvolvimento da linguagem. Esta perspectiva teórica contrapõe ao modelo inatista, pois concebe a aquisição da linguagem como resultado da interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilação e acomodações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral, e não como resultado do desencadear de um módulo – ou um órgão – específico para a linguagem (SCARPA, 2003, p. 211). Igualmente ela se contrapõe à explicação behaviorista por considerar que a criança é ativa na construção do conhecimento. Para Piaget, a linguagem é adquirida na interação do sujeito com o meio, através de assimilações e acomodações. Algumas críticas têm sido dirigidas ao modelo piagetiano, argumentado que ele subestima o papel do social e das outras pessoas no desenvolvimento da criança. Teoria Sociointeracionista Nos anos de 1970, as idéias do psicólogo soviético Vygotsky começam a exercer grande influência nos estudos de aquisição da linguagem, representando uma crítica à posição inatista de Chomsky e uma alternativa ao modelo cognitivista de Piaget. A aquisição da linguagem tem origens sociais, externas. 30 Este teórico, em suas elaborações, enfatiza o papel do social na aquisição da linguagem. Embora seja de orientação construtivista como Piaget, Vygotsky difere deste na explicação do desenvolvimento da linguagem, entendendo este processo como tendo origens sociais, externas, nas trocas comunicativas entre a criança e o adulto. Tais estruturas construídas socialmente, ‘externamente’, sofreriam, com o tempo (mais ou menos por volta de 2 anos de idade), um movimento de interiorização e de representação mental do que antes era social e externalizado (SCARPA, 2003, p.213). Esse movimento de interiorização é denominado por Vygotsky de internalização que ocorre através da mediação pelo outro. Os trabalhos de Vygotsky são parte daquilo que tem sido denominado ‘interacionismo social’ e definem a aquisição da linguagem “como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem (e não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhecimento do mundo, passando pelo outro” (SCARPA, 2003, p.214). O interacionismo social distancia-se tanto do modelo piagetiano quanto da visão de Chomsky e considera os fatores sociais, comunicativos e culturais na aquisição da linguagem. 2.1.2 As etapas de aquisição da linguagem Além do interesse em compreender como a aquisição da linguagem ocorre, os estudiosos da área buscam descobrir quando a linguagem é adquirida. Nesse sentido, alguns estudos apontam fases ou estágios de desenvolvimento da linguagem. O interacionismo social considera a interação social e as trocas comunicativas como pré- requisito no desenvolvimento linguístico. 31 Este é um tema que encerra muitas polêmicas e controvérsias e ainda traz muitas questões em aberto. Entretanto, alguns teóricos advertem que apesar dos estágios não serem lineares, a trajetória do desenvolvimento da linguagem parece ser universal e contínua (SCARPA, 2003). Em geral, são apontadas as seguintes etapas de desenvolvimento da linguagem: Balbucio Considerada como a 1ª fase, o balbucio estende-se dos 3-4 meses aos 10-12 meses e caracteriza-se pela produção de sequências de sons que se aproximam da falahumana. No início, os sons que a criança balbucia são universais, não são específicos da língua materna e são compostos de sons labiais. Mais tarde a frequência aumenta e o balbucio começa a ser mais padronizado. As sílabas começam a se estruturar, havendo a discriminação entre consoante e vogal e a repetição ou reduplicação destas. O balbucio começa a diminuir quando a criança produz suas primeiras palavras, embora algumas continuem balbuciando. Enunciados de uma palavra Por volta dos 10-12 meses a criança começa a produzir suas primeiras palavras, ingressando na 2ª fase que se estende até os 18 a 20 meses. O balbucio é a 1ª fase do desenvolvimento da linguagem. Crianças surdas balbuciam, mas não desenvolvem a linguagem. As primeiras palavras emergem entre 10 e 12 meses, em média. 32 As primeiras palavras são constituídas da estrutura CV ou de construções reduplicadas CVCV. São enunciados que valem por uma sentença inteira e, portanto, difíceis de serem interpretados. Considera-se que no início o vocabulário da criança é reduzido, mas entre 16 e 20 meses ocorre um acréscimo considerável. Entre os 18 e 20 meses, a criança começa a combinar as palavras. Enunciados de duas palavras Entre um ano e meio e dois anos, em média, aparecem, na linguagem infantil, os enunciados formados por duas palavras. Inicialmente, elas representam apenas o agrupamento de duas palavras e somente mais tarde é que são ligadas por alguma relação semântica. Estes enunciados são compostos por substantivos, verbos, adjetivos, omitindo-se preposições, conjunções, artigos etc. A estrutura destes enunciados assemelha-se a de um telegrama. Após esta fase, surgem os enunciados com maior número de palavras que vão, aos poucos, se aproximando da fala do adulto. Aos 24 meses, a criança torna-se capaz de observar e interpretar uma figura; dos 2 aos 3 anos há o aparecimento de locuções. Os enunciados de duas palavras têm caráter telegráfico. 33 Segundo Bates e Goodman (1997 apud SCARPA, 2003, p.224), a trajetória do desenvolvimento da linguagem pode ser assim descrita: As crianças começam com balbucio, primeiro com vogais (cerca de 3 a 4 meses, em média), depois com combinações de vogais e consoantes de complexidade crescente (geralmente entre 6 e 12 meses). As primeiras palavras emergem entre 10 e 12 meses, em média, embora a compreensão de palavras possa começar algumas semanas antes. [...] As primeiras combinações de palavras geralmente aparecem entre 18 e 20 meses e, no começo, tendem a ser telegráficas. Lá pelos 24 a 30 meses, há outra espécie de explosão vocabular e aos 2 ou 3 anos e meio, a maioria das crianças normais domina as estruturas sintáticas e morfológicas de suas línguas maternas. Conforme Zanini (1990), considera-se que até mais ou menos cinco anos a criança já experimentou um grande desenvolvimento linguístico, mas alguns aspectos da língua são adquiridos após esta idade, de modo que é na puberdade que se efetiva um domínio linguístico completo. Dentre as aquisições tardias, a referida autora cita a aquisição de orações passivas, de orações relativas e de termos relacionais (mais/menos, grande/pequeno etc.), além da consciência metalinguística definida como “a capacidade do falante de refletir sobre a língua, sobre como as mensagens linguísticas são veiculadas, isto é, o falante se concentra mais na forma do que no conteúdo do material linguístico” (ZANINI, 1990, p.60). Até os cincos anos, a criança experimenta um grande desenvolvimento linguístico. A consciência metalinguística é uma capacidade que emerge por volta dos sete anos. 34 Muito há por se descobrir sobre o complexo processo de desenvolvimento da linguagem. Mas, já é possível afirmar que quando uma criança vai para a escola, ela já fez um enorme percurso no desenvolvimento da linguagem, ou seja, Ela é perfeitamente, proficiente em sua língua materna e continua a aprender outras formas pertencentes a outras modalidades da fala/linguagem, dentro e fora da escola. Isto é, a operar com objetos linguísticos. Assim, a escola vai lhe proporcionando o acesso a outras ‘gramáticas’ pertencentes a modalidades escritas (SCARPA, 2003, p.229). É importante refletirmos sobre a relação existente entre o tema aquisição da linguagem e alfabetização. É inegável que este conhecimento é fundamental para o alfabetizador, pois possibilitará ao professor maior segurança em sua prática pedagógica. Compreender como a linguagem é adquirida é muito importante, pois a concepção do professor a esse respeito, orientará sua prática. Ao aceitar a teoria behaviorista como explicação para a aquisição da linguagem, o professor ignorará a criatividade da criança ao elaborar regras, estratégias e formular hipóteses para aprender a língua materna e reduzirá o ensino a exercícios mecânicos, repetitivos que não permitem que a criança reflita sobre o conhecimento que já tem sobre a língua. Se ao contrário, acredita na tese inatista, segundo a qual a criança nasce com todos os mecanismos necessários para o desenvolvimento da linguagem, o professor irá conceder total autonomia à criança por acreditar que as interferências externas são desnecessárias; por atribuir a aquisição da 35 linguagem a forças inatas, o professor simplifica o processo, desconsiderando as variáveis nele envolvidas. Entretanto, se o professor adota uma posição construtivista ou sociointeracionista, agirá totalmente diferente. A criatividade da criança ao formular hipóteses será valorizada, os processos interacionais serão favorecidos; as atividades de ensino devem possibilitar a reflexão do aluno sobre o conhecimento que já construiu sobre a língua e as alterações e/ou dificuldades na linguagem não são interpretadas como deficiência da criança, mas como obstáculos a serem superados. Igualmente importante para o professor alfabetizador é conhecer as etapas porque passam as crianças na aquisição da linguagem, pois ele precisa saber que consciência da língua seu aluno já desenvolveu, ao entrar para a escola. Isso se justifica pelo fato de que na alfabetização a criança vai se apropriar da linguagem escrita e essa aprendizagem pressupõe um certo domínio do sistema lingüístico. Assim sendo, o alfabetizador precisa possuir conhecimentos sobre aquisição da linguagem para poder decidir sobre o material linguístico a ser adotado, a sequência de apresentação desse material, definir as capacidades e habilidades a serem desenvolvidas etc. Apoiando-nos em Santos (2004) podemos sintetizar as teorias de aquisição, ressaltando que: 1. Para Skinner (teoria behaviorista), o aprendizado linguístico era análogo a qualquer outro aprendizado por reforço e punição. Se uma resposta for reforçada positivamente, a tendência é que o comportamento se mantenha; se for punida, o comportamento é eliminado. 36 2.2 Desenvolvimento da linguagem escrita: os estudos de Ferreiro e Luria Como foi dito anteriormente, ao ingressar na escola, a criança terá acesso a outra modalidade de linguagem: a escrita. Ali ela será submetida ao processo de alfabetização, a fim de que adquira as habilidades de leitura e de escrita. Tradicionalmente, o ensino da leitura e da escrita fixou- se no treinamento das capacidades necessárias para atingir a prontidão ou maturidade para ler e escreve (coordenação motora, discriminação visual e auditiva etc.) e na adoção de um 2. Segundo Chomsky (teoria inatista), o ser humano é dotado de uma gramática inata. A criança tem um dispositivo de aquisição da linguagem (DAL) inato que é ativado e trabalha a partir de sentenças e gera uma gramática da língua à qual a criança está exposta. Esse dispositivo é formado por várias regras ea criança seleciona as regras que funcionam na sua língua e desativa as outras. 3. Para Piaget (cognitivismo/ construtivismo) o conhecimento linguístico de uma criança reflete suas estruturas cognitivas; a criança constrói o conhecimento a partir de sua ação sobre o ambiente; o desenvolvimento cognitivo passa por estágios (sensório- motor, pré-operatório, operações concretas, operações formais). 4. Vygotsky (sociointeracionismo) admite que o desenvolvimento da fala obedece às mesmas leis que regem o desenvolvimento de outras operações mentais; destaca a função social da fala e a importância do outro, do interlocutor, no desenvolvimento da linguagem. A preocupação da escola tradicional era determinar a maturidade da criança, treiná-la no período preparatório, escolher, o melhor método e a cartinha correspondente. 37 método de alfabetização (analítico ou sintético) com a cartilha correspondente. A crítica a essa forma de ensino da escrita vem sendo feita através de estudos realizados por inspiração construtivista, como os de Luria e Vygotsky e Emília Ferreiro e seus colaboradores que provocaram uma revolução, deslocando o foco do adulto, que ensina para a criança que aprende. Em 1930, na Rússia, foi publicada uma pesquisa realizada por Luria, intitulada a pré-história da escrita, na qual ele procura investigar o tipo de conhecimento que as crianças têm sobre a escrita, antes de entrarem na escola, ele estudou, portanto, a “pré-história da escrita”. Vygotsky e Luria concebem a escrita como “uma forma de linguagem, uma prática social própria de membros de uma sociedade letrada” (FONTANA; CRUZ, 1997, p.180), cuja elaboração pela criança tem origem externa, isto é, inicia-se nas relações sociais, com a participação do outro. Luria realizou um estudo experimental sobre a elaboração do simbolismo na escrita, com crianças de diferentes idades que ainda não sabiam ler e escrever, adotando o seguinte procedimento metodológico: solicitava à criança que memorizasse uma série de frases ditadas sem relações semânticas entre elas. Ao constatar a dificuldade da criança em memorizar as sentenças, oferecia uma ajuda para a solução do problema, sugerindo que a criança escrevesse ou registrasse de alguma Os rabiscos não ajudaram na memorização das frases. A crítica à forma de ensinar da escrita foi feita por Luria e Ferreiro. Luria estudou a pré- história da escrita. A lógica da escrita começa a ser elaborada pela mediação do outro. 38 maneira as frases numa folha de papel para ajudar a memorização. Na analise das produções das crianças, Luria e Vygotsky identificaram dois modos de elaboração da escrita: pré-intrumental e instrumental. Conforme Fontana; Cruz (1997) no primeiro modo (pré- instrumental) foram observados dois tipos de elaboração: a utilização de rabiscos mecânicos, sem relação com os conteúdos a serem representados (imitação da escrita do adulto) e registros em forma de marcas topográficas (distribuição dos rabiscos pelo papel), que ajudavam a recordar as frases ou parte delas pela associação à posição no papel. No modo instrumental, a criança procura estabelecer uma diferenciação nas marcas utilizadas. Inicialmente, tenta marcar o ritmo da frase (marcas pequenas para palavras ou frases curtas e marcas grandes para frases longas), mas essa diferenciação não é significativa. Outro critério de diferenciação adotado é o conteúdo das frases (registro de quantidades, tamanho, forma, cor etc. dos elementos em questão). Essa diferenciação já permite a escrita e a leitura do que escreveu. Na sequência a criança produz representações pictográficas e do desenho passa à escrita simbólica. Luria e Vygotsky caracterizaram dois modos de elaboração da escrita: 1. A elaboração pré-instrumental da escrita: os rabiscos mecânicos e as marcas topográficas; As marcas topográficas ainda não são signos, mas são mais que simples rabiscos. O ritmo da frase é uma diferenciação pouco significativa. As diferenciações através do conteúdo das frases produzem uma escrita elementar. Na tentativa de registro de cor, forma, tamanho, quantidade, a criança produz representações pictográficas. 39 2. A elaboração da função instrumental da escrita: a diferenciação das marcas (ritmo da frase, conteúdo das frases, desenho e escrita simbólica). Outra contribuição importante é resultante dos estudos realizados nos anos de 1980 por Emília Ferreiro e Teberosky que lançaram novas luzes sobre a alfabetização. Ferreiro e seus colaboradores, apoiados na teoria piagetiana, concebem a escrita como um objeto de conhecimento e o sujeito assume um papel ativo na elaboração individual da escrita. De acordo com Fontana; Cruz (1997, p.188), A criança, em suas relações com a escrita, vai, ativa e espontaneamente, elaborando e testando hipóteses a respeito de como se escrevem as palavras. Sendo essas hipóteses de natureza cognitiva, elas dependem do desenvolvimento da inteligência da criança. As discrepâncias que a criança percebe entre suas hipóteses e a escrita convencional leva-a a reelaborar hipóteses e, pouco a pouco, apreender a natureza e a lógica desse sistema simbólico. Ferreiro, para estudar a construção da escrita pela criança, utilizou o método clínico, investigou crianças de diferentes classes sociais, de 4 a 6 anos, que ainda não conheciam os princípios da escrita convencional. Nas entrevistas individuais, as crianças foram submetidas a tarefas de leitura e de escrita. Em relação à escrita, privilegiou em seus estudos as produções espontâneas das crianças. O experimentador solicitava que elas escrevessem palavras e A criança constrói a escrita Emília Ferreiro descreveu, no final da década de 1970, a psicogênese da língua escrita. Emilia Ferreiro descobriu que há regularidade na escrita das crianças. 40 frases ditadas por ele e, em seguida, lessem apontando as marcas correspondentes à leitura. Na analise das produções, os pesquisadores observaram regularidade na elaboração da escrita, fortalecendo a convicção de que o desenvolvimento da escrita depende do desenvolvimento cognitivo da criança. Os resultados dessas investigações apontaram um processo evolutivo na apropriação do sistema de escrita e permitiram às pesquisadoras caracterizarem cinco níveis. Nos dois primeiros níveis, chamados pré-silábicos, a criança ainda não compreende a relação existente entre as letras e o aspecto sonoro da fala, isto é, ela não compreende que a escrita representa a fala. No nível 1, ela produz escrita indiferenciada, ou seja, não faz diferenciação entre a grafia de duas palavras, produzindo traços semelhantes para todas as palavras. No nível 2, já se percebe a intenção de criar uma diferenciação entre os grafismos. A criança continua com duas hipóteses: a de quantidade mínima de caracteres ( no mínimo três letras) e a de variedade desses caracteres para que algo possa ser lido. Por ter um repertório de letras reduzido, a criança varia a ordem das letras que dispõe para garantir a diferenciação das escritas que produz. È possível encontramos escritas nesse nível como as apresentadas a seguir: O I A T X V (formiga) T X D V L N (caneta) Então, podemos sintetizar dizendo que, inicialmente, a criança não faz diferenciação entre o sistema de representação Nos níveis pré-silábicos, a criança não compreende a relação entre a escrita e a fala. 41 do desenho (sistema pictográfico) e o da escrita (sistema alfabético), produzindo escritas como as seguintes: (э Ķ (gato ּפ Ί آ� (boi) Escrita pré-silábica- nível 1 Vivendo num mundo urbano, repleto de escrita e de desenho, pela interação com os dois sistemas, a criança vai estabelecer uma diferenciaçãoentre eles, isto é, compreenderá que utilizamos figuras para desenhar e letras para escrever. Isso possibilitará um avanço em relação ao nível anterior, pois a criança descobre que se escreve com letras. Entretanto, as escritas, nesse nível (nível 2), ainda refletem a dificuldade do autor em responder o que a escrita representa e como se dá essa representação. Um salto qualitativo se verifica quando a criança descobre que a escrita representa a fala, passando a formular a hipótese silábica, cuja a característica é a crença de que cada letra representa uma silaba. O nível 3, chamado de silábico, representa um grande progresso na compreensão do sistema de escrita, pois a criança já tenta estabelecer relação entre os sinais gráficos e os sons; ela já formulou a hipótese de que a escrita representa os sons da fala, o que a leva a escrever uma letra para cada sílaba oral, podendo escrever com ou sem valor sonoro No nível silábico a criança escreve uma letra para cada sílaba oral, podendo ter ou não correspondência sonora. 42 (correspondência com o som). Podemos verificar esta hipótese nos exemplos a seguir: T V X (caneta) D T L (formiga) L V N (camelo) • Escrita silábica sem valor sonoro A E A (caneta) F M G (formiga) C M L (camelo) • Escrita silábica com valor sonoro Neste nível, a criança enfrenta muitas situações de conflito ao escrever palavras curtas, conflitos gerados pelo confronto entre a hipótese silábica e a hipótese de quantidade mínima. Para resolver esse conflito, a criança poderá acrescentar mais letras à sua escrita que cumprem apenas a função de completar o número de letras considerado mínimo por ela, como por exemplo: ao grafar a palavra livro, inicialmente escreve I O e em seguida pode acrescentar outras letras, como por exemplo I R O V. Observemos estas duas escritas produzidas por duas crianças; a primeira com sete anos e a segunda com oito anos: Criança 1 Criança 2 T O (ga-to) E U O (ga-to) 43 O O T A (bor-bo-le-ta) B O E A (bor-bo-le-ta) C L O (ca-va-lo) C R O (ca-va-lo) O I (bo-i) T I F (bo-i) As duas crianças trabalham com a hipótese de que cada letra representa uma emissão sonora, isto é, uma silaba oral. Para a criança 1, a vogal “O” serve como “TO” em gato, “BOR” e “BO” em borboleta, “LO” em cavalo e “BO” em boi. A escrita da criança 2 demonstra que a hipótese silábica está conflitando com a hipótese de quantidade mínima de caracteres para que uma escrita possa ser lida (geralmente, o mínimo de três letras). Esse conflito fica evidente na escrita do monossílabo “boi” e do dissílabo “gato”, em que o autor busca uma solução agregando letra sem valor sonoro às palavras. Desse modo, Weisz (2001) assinala que a hipótese silábica representa um grande avanço conceitual, porém gera conflitos cognitivos para o aprendiz, criando suas próprias condições de contradição, ou seja, contradição entre controle silábico e quantidade mínima de letra entre interpretação silábica e escrita produzida pelos adultos. A referida autora destaca que a hipótese silábica é falsa se a compararmos com a concepção adulta de escrita, porém necessária, pois leva a criança a cometer erros construtivos ao escrever, erros que são necessários à construção do conhecimento. No nível 4, convivem na mesma palavra, a hipótese silábica e a hipótese alfabética. 44 Na passagem do nível 3 (silábico) para o nível 5 (alfabético), a criança passa por um nível de transição chamado silábico-alfabético (nível 4), cuja característica principal é adoção, numa mesma palavra, da hipótese silábica e da hipótese alfabética, isto é, numa mesma palavra pode aparecer um som da fala representado por mais de uma letra, enquanto outros sons são registrados com apenas uma letra. Exemplo: CAEO (camelo) e TOAI (tomate) Podemos concluir que a evolução do nível silábico leva a criança a descobrir que na escrita alfabética todos os fonemas devem estar representados, mas até chegar a esse nível de compreensão, ela passa por uma fase de transição (nível silábico alfabético) em que escreve parte da palavra aplicando a hipótese silábica (uma letra para cada silaba) e parte da palavra aplicando a hipótese alfabética (registrando todos os fonemas), como por exemplo: C A U L O (cavalo) P I P C A (pipoca) Finalmente, a criança vence os obstáculos conceituais na luta para compreender a lógica da escrita e atinge o nível 5 chamado de alfabético. Nesse nível, ela compreende o que a escrita representa e como representa e, por isso, é capaz de produzir qualquer escrita, embora ainda não domine as convenções ortográficas. São exemplos de escrita nesse período: No estágio alfabético, a criança descobre o principio que organiza a nossa escrita. 45 CAXORO (cachorro) ROCHO (roxo) XÃO (chão) Nesse nível, cuja a característica é a correspondência entre fonema e grafemas, existe a compreensão de que na escrita alfabética todos os fonemas devem estar representados. Na escola tradicional, por desconhecimento do caráter evolutivo do processo de construção da escrita, as escritas silábica e silábico-alfabética têm sido vistas como patológicas e aos seus autores imputados distúrbios e transtornos de leitura e de escrita. Todavia, os resultados dos estudos da psicogênese da escrita têm mostrado que as dificuldades que surgem durante o processo são mais de natureza conceitual do que perceptual. Precisamos, pois, repensar nossa prática pedagógica a partir desses aportes teóricos. Emilia Ferreiro e seus colaboradores descrevem o processo de desenvolvimento da escrita através dos seguintes níveis: Nível 1 e 2 – pré-silábico Nível 3 – silábico Nível 4 – silábico-alfabético Nível 5- alfabético Podemos resumir o complexo processo de construção da escrita descrito por Ferreiro e seus colaboradores (1985), apoiados em Weisz (2001), da seguinte forma: 46 • Há um processo evolutivo na construção da escrita em que o aprendiz é ativo e se esforça para compreender esse sistema; • Inicialmente faz uma diferenciação entre o sistema de representação da escrita e o sistema de representação do desenho; • Buscando a lógica do sistema de escrita, o sujeito tenta várias abordagens globais até descobrir que a escrita representa o desenho sonoro do nome do objeto (significante) e não o objeto a que se refere (significado); • Na tentativa de descobrir a estrutura do modo de representação da escrita, constrói uma hipótese conceitual que atribui a cada letra escrita uma silaba oral (hipótese silábica); • Essa hipótese gera conflitos cognitivos tanto em relação às informações que o sujeito recebe do mundo quanto em relação às hipóteses que ele próprio constrói (hipóteses de quantidade e variedade mínima de caracteres); • Esses conflitos obrigam o sujeito a encontrar soluções construindo novas hipóteses até descobrir qual a estrutura do modo de representação da escrita alfabética, isto é, a necessidade de que todos os fonemas estejam representados na escrita. Quanto à leitura, os experimentos buscavam compreender os critérios adotados pelas crianças para aceitar ou rejeitar 47 algo que consideram adequado para ler. As crianças foram submetidas a duas situações de leitura. A primeira consistia oferecer às crianças um conjunto de cartões contendo números isolados, conjuntos de números, conjunto de números e letras, letras isoladas, conjuntro de letras iguais, conjunto de letras diferentes etc., solicitando-lhe que separassem os cartões em dois grupos – os que podiam e os que não podiam ser lidos – e explicassem os critérios usados naseleção. A segunda tarefa consistia na apresentação de pranchas com figuras acompanhadas de textos e na solicitação de que lessem o que estava escrito e explicassem como tinham descoberto o que leram. Ao analisarem os resultados das investigações, as pesquisadoras constataram que as crianças constroem critérios de legibilidade e de diferenciação de elementos gráficos (BARROS, 1996). De acordo com a autora citada, mesmo antes de saber ler convencionalmente, as crianças constroem critérios ou hipóteses para distinguir textos que podem ser lidos dos que não podem. Os estudos revelaram que a maioria das crianças utiliza dois critérios de legibilidade: hipótese de quantidade mínima de letras (quantitativo) e hipótese da variedade dos caracteres (qualitativo). Pelo primeiro critério, um texto para ser lido necessita ter uma quantidade mínima de letras, geralmente em torno de três letras. Pelo segundo critério, um texto só pode ser lido se 48 obedecer ao critério de variedade dos caracteres, isto é, mesmo que o texto atenda ao mínimo de três letras, não poderá ser lido se as letras forem iguais. Essas descobertas sobre as hipóteses infantis para interpretação da escrita têm sérias implicações para a prática alfabetizadora. Tradicionalmente utilizou-se como material para alfabetizar as cartilhas cujas lições continham silabas formadas por duas vogais e palavras com sílabas repetidas. Acreditava-se que partindo do simples para o complexo estaríamos facilitando a aprendizagem da leitura. Entretanto os estudos sobre a psicogênese revelaram que esse material pode dificultar a aprendizagem uma vez que, do ponto de vista da criança, essas escritas podem ser consideradas ilegíveis. A respeito do outro critério (diferenciação dos elementos gráficos), a pesquisa a qual estamos nos referindo revelou que a criança iniciante na leitura, além dos critérios de legibilidade constrói critérios para distinguir os elementos gráficos, pois um texto escrito contém grafemos variados que dificultam sua interpretação, tais como: letras, números, desenhos etc. A diferenciação dos elementos gráficos obedece a estágios ou níveis gradativos. No caso do conhecimento das letras, dependente da transmissão cultural, visto que o nome e as funções das letras são arbitrários, Barros (1996) cita quatro níveis identificados nas pesquisas sobre a psicogênese: • Nivel 1 – a criança conhece uma ou duas letras, comumente as iniciais do seu nome, não conhece os Quem foi Luria? Alexander Romanovich Luria foi colaborador de Vygotsky. Nasceu em 1902, em Kazam e faleceu em 1977. Na década de 1920 realizou experimentos sobre o desenvolvimento da escrita e dos conceitos matemáticos na criança. Dedicou-se mais intensamente ao estudo das funções psicológicas relacionadas ao sistema nervoso central. Foi um dos mais importantes neuropsicólogos do mundo (FONTANA; CRUZ,1997) 49 nomes das letras e refere-se a elas pelo seu proprietário, por exemplo, “A letra da Camila” (o “C”); • Nivel 2 – identifica as consoantes e já demonstra conhecimento ao se referir às vogais. Nesse nível já faz comentários do tipo: o “Ca” do cavalo, o “Mo” da Monique; • Nível 3 – já domina os nomes de todas as vogais e de algumas consoantes. Pode-se referir a letra “R”, por exemplo, dizendo: “o erre do Renato e do Ricardo”; • Nível 4 – è capaz de nomear todas as letras do alfabeto e indicar o valor sonoro de algumas. PARA SABER MAIS SOBRE ESTE TEMA: • Leia o livro “O menino que aprendeu a ver”, de Ruth Rocha, no qual ela apresenta as relações de uma criança (João) com a escrita. Analise o texto e discuta com os seus colegas se a relação focalizada trata-se de uma relação de alfabetização, de desenvolvimento da escrita ou dos dois temas. • Leia o livro “Aventura da escrita”, de Lia Zatz (Editora Moderna); • Leia o livro “Marcelo, marmelo, martelo”, de Ruth Rocha (Editora Salamadra); • Assista ao filme “Escrita”, direção de Fernando Passos, 1998, distribuído pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE, São Paulo; • Assista aos programas de vídeo “A construção da escrita” e “Construção da escrita- primeiros passos” da Quem é Emilia Ferreiro? Psicóloga argentina, é doutora pela Universidade de Genebra, tendo sido orientada e colaboradora de Piaget. Realizou suas pesquisas sobre alfabetização principalmente na Argentina e no México, onde mora atualmente e é professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional (FONTANA; CRUZ,1997) 50 série “Processo de Aprendizagem”, modulo 1 do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, do Ministério da Educação. 2.3 Relação entre pensamento e linguagem Este é também um tema bastante importante para a Psicolinguística. Há certa concordância entre psicólogos de que pensamento e linguagem mantêm uma estreita relação, no entanto, eles divergem ao explicar como se dá essa relação. Focalizaremos neste texto, de forma resumida, as perspectivas assumidas por Piaget e Vygotsky. Para Piaget, a linguagem é uma função da inteligência. Até os 2 anos a linguagem quase não tem importância para o desenvolvimento da criança, pois predomina a inteligência sensório-motora. A partir do segundo ano, desenvolve-se a função simbólica e a linguagem integra-se a ela. Barros (1996, p.112) assinala que em seus estudos, através de observações de crianças, Piaget concluiu que o pensamento precede a linguagem, mas esta o influencia profundamente. À medida que a criança se desenvolve, a Quem foi Piaget? Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchatl, na Suíça, e faleceu em 1980, aos 84 anos de idade. Desde criança demonstrava interesse por questões cientificas. Em 1915 formou-se em Ciências Naturais e em 1918, doutorou-se na mesma área. Interessado por filosofia, dedicou sua vida estudando o conhecimento para responder a seguinte questão: como o homem adquire o conhecimento?. Elaborou uma teoria explicativa da gênese do conhecimento do homem que denominou Epistemologia Genética. Para Piaget, o pensamento precede a linguagem, mas no estágio das operações formais à linguagem torna- se, indispensável ao pensamento. 51 necessidade da linguagem para o pensamento vai se tornando mais visível, até a linguagem torna-se indispensável, o que acontece no estágio das operações formais. Vygotsky, ao contrário de Piaget, concebe a linguagem como atividade simbólica construtiva da atividade mental humana. Segundo Fontana; Cruz (1997, p.83), para este teórico a linguagem [...] tem origem e se realiza nas relações entre indivíduos organizados socialmente, é meio de comunicação entre eles, mas também constitui a reflexão, a compreensão e a elaboração das próprias experiências e da consciência de si mesmo. Conforme Barros (1996), ao estudar o desenvolvimento filogenético e ortogenético do pensamento e da linguagem, Vygotsky postula a existência de uma fase pré-verbal no desenvolvimento da inteligência e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem e argumenta que, no desenvolvimento ortogenético, essas linhas se cruzam num determinado momento, dando origem ao pensamento verbal e à fala racional, que predomina nas funções psicológicas superiores. Por considerar a palavra como produção cultural humana, Vygotsky destaca que “é nas nossas relações com o outro, nas nossas interações, que ela vai sendo incorporada a nossas funções biológicas, a nossos modos de perceber e de organizar (conhecer) o mundo” (FONTANA;CRUZ, 1997, p.83). Para Vygotsky, quando pensamento e linguagem se fundem o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional. 52 Exercícios 1. Sobre a aquisiçãoda linguagem, responda: a) O que é, o que estuda e métodos que utiliza; b) Caracterize as principais abordagens teóricas, enfatizando tese e representantes; c) Caracterize os estágios do desenvolvimento linguístico infantil, destacando: denominação, período em que ocorre e manifestações linguísticas da criança. 2. Faça um quadro-resumo apresentando as fases da construção da escrita pela criança e as características de cada uma delas, segundo Emília Ferreiro. Quem foi Vygotsky? Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896, em Orsha, Bielo- Rússia e faleceu em 1934, aos 38 anos, vitima de tuberculose. Formou-se em Direito em 1917 na Universidade de Mouscou e posteriormente cursou Medicina. De 1917 a 1924 lecionou literatura e Psicologia em Gomel. Teve uma vida intelectual e profissional intensa. Fundou e dirigiu o Instituto de Defectologia e dirigiu, ainda um Departamento de Educação para deficientes físicos e mentais. Seu interesse de pesquisa era compreender como nascem e se desenvolvem as funções psicológicas superiores tipicamente humanas. 53 3. Num quadro-resumo, indique as características do processo de apropriação e de elaboração da escrita pela criança, segundo os estudos de Vygotsky e Luria. 4. Como Piaget e Vygotsky explicam a relação entre pensamento e linguagem? Referências BARROS, Célia S. G. Pontos de psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática, 1991. ________. Psicologia e construtivismo. São Paulo: Ática, 1996. COUTINHO, Maria Tereza da C.; MOREIRA, Mercia. Psicologia da educação. Belo Horizonte: Lê, 1993. FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,1997. JOSÉ, Elizabete da; COELHO, Maria Teresa. Problemas de aprendizagem. São Paulo: Ática, 2002. MELO, Lélia Erbolato (Org.). Tópicos de psicolinguística aplicada. São Paulo: Humanistas/FFLCH/USP, 1999. SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à linguistica. Sao Paulo: Contexto, 2004. SCARPA, Ester Mirian, Aquisição da linguagem. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à linguística. V.2. São Paulo: Cortez, 2003. SILVA, Maria Alice S. Souza e. Construindo a leitura e a escrita – reflexões sobre uma prática alternativa em alfabetização. São Paulo: Ática, 2000. ZANINI, Fádia Gonzalez. Aquisição de linguagem e alfabetização. In: TASCA, Maria; POERSCH, José Marcelino (Org.).Suportes linguísticos para a alfabetização. Porto Alegre: Sagra, 1990. WEISZ, Telma. Como se aprende a ler e escrever ou, prontidão, um problema mal colocado. PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES. Brasília: MEC/ SEF, 2001. Módulo 1. 54 55 3 FUNDAMENTOS PSICOLINGUÍSTICOS SUBJACENTES À PRÁTICA EDUCACIONAL 56 3.1 Aspectos psico-sócio-linguísticos da leitura e da escrita 57 3.1.1 O processo de leitura: concepções, processos e estratégias mentais envolvidos na formação do leitor 57 3.1.2 O processo da escrita: processos e estratégias mentais envolvidos na formação do produtor de texto, a produção textual e os erros ortográficos 61 3.2 Os processos de construção do conceito de número 66 Referências 71 56 3 FUNDAMENTOS PSICOLINGUÍSTICOS SUBJACENTES À PRÁTICA EDUCACIONAL Como foi assinalado anteriormente, Emília Ferreiro e seus colaboradores, através de suas investigações, provocaram uma enorme mudança na formação de compreender como a criança aprende a ler e escrever e, consequentemente, na concepção de como ensinar a ler e a escrever Anteriormente acreditava-se que a aquisição da linguagem escrita dependia do desenvolvimento de aptidões perceptuais, viso- motor e da memória, mas com estas descobertas, o processo é comprometido como uma evolução conceitual da criança. Toda essa mudança ocorrida teve implicações pedagógicas, pois exigiu do professor, especialmente do alfabetizador, uma revisão da prática pedagógica e a apropriação de conhecimentos lingüísticos necessários à tarefa de alfabetizar. Segundo Poersch (1990, p.10), a alfabetização é Uma tarefa altamente complexa e sujeita à influência de inúmeras variáveis. Nela interagem diversos fatores – pedagógicos, psíquicos, sociais e linguísticos – cada um dos quais responde parcialmente pela consecução do objeto final: habilidade de ler e escrever. Os estudos de Emilia Ferreiro mudaram a concepção sobre o ensino e a aprendizagem da escrita. Na alfabetização, interagem fatores pedagógicos, psíquicos, sociais e linguísticos. 57 3.1 Aspectos psico-sócio-linguísticos da leitura e da escrita A linguagem é definida “como uma atividade psicofísica de interatuação entre duas mentes” (POERSCH, 1990, p.25) e apresenta aspectos psicolinguísticos e sociolinguísticos com implicações pedagógicas no processo de alfabetização. A psicolinguística envolve-se “com o processo de comunicação, com o ato de fala, com a relação que o emissor e o receptor mantêm com a mensagem nas quatro atividades comunicativo-verbais, tanto orais quanto escritas: fala, audição, leitura e escritura” (op. cit, p.26). Nesse sentido, podemos entender que a leitura e a escritura são processos psicolinguísticos que têm o mesmo ponto de partida e de chegada: a mente, onde se realiza o processo de codificação e de decodificação. “A leitura constitui-se num processo receptivo, enquanto a escritura é um processo produtivo” (POERSCH, 1990, p.26). 3.1.1 O processo psicolinguístico de leitura Os estudiosos do tema assinalam a complexidade do processo de leitura. Figueiredo; Gomes (2007, p.45) destacam que “ler” é compreender o sentido do texto, entendendo-o na sua relação dialética com os diferentes contextos, implica em dialogar com o autor ausente, lendo as palavras e lendo o mundo. A leitura e a escrita são processos psicolinguísticos Ler é compreender o sentido do texto. Duas concepções sobre leitura fundamentam a prática dos professores: a tradicional e a interacionista. 58 Estas mesmas autoras (Figueiredo; Gomes, 2007), identificam duas concepções sobre leitura, que podem fundamentar a prática dos professores. A concepção tradicional, segundo a qual a leitura caracteriza-se por mecanismos que envolvem percepção e memória e a decodificação precede à compreensão leitora, valoriza como metodologia a soletração de palavras e as atividades de leitura são organizadas tendo por base a repetição. A outra concepção, denominada por elas de interacionista, entende a leitura como atividade de busca de significado de um texto que se dá pela interação de vários elementos: o contexto, o gênero textual, o título, as palavras etc. Nesta concepção, os alunos interagem com textos autênticos, em situações reais de uso e a leitura é um processo interativo entre os conhecimentos do leitor e os do texto. Poersch (1990) também ressalta a complexidade da atividade e aponta quatro etapas desse processo: a percepção, a decodificação lexical, a reestruturação da mensagem e a interpretação global do texto (compreensão). Segundo este teórico, a compreensão da leitura é uma operação complexa por envolver muitas variáveis, podendo se destacar dentre elas: Maturidade linguística do leitor (seu conhecimento da língua, sua competência lingüística), seu desenvolvimento mental, seu desenvolvimento sócio-cultural (sua posição em relação à mensagem), a complexidade intrínseca do texto, o teor de informação sintática e semântica (POERSCH, 1990, p.27). Desse modo, é um equivoco pensar que a compreensão de leitura resulta apenas da identificação
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