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0 Desenvolvimento do Pensamento e da Linguagem 1 SUMÁRIO Sumário ............................................................................................................ 1 1 O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS .... 3 2 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PRÓXIMO ............................................. 4 3 A TEORIA DE PIAGET SOBRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DAS CRIANÇAS .................................................................................................................. 5 3.1 ORIGENS DA IMAGEM MENTAL NA IMITAÇÃO SENSÓRIOMOTORA 9 4 TRANSIÇÃO DA INTELIGÊNCIA SENSÓRIO-MOTORA PARA A INTELIGÊNCIA CONCEITUAL ................................................................................. 11 5 A TEORIA DE STERN SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM 12 6 AS RAÍZES GENÉTICAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM ......... 14 7 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................... 16 8 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CONCEITOS CORRELATOS: A INFLUÊNCIA NO TRATO DA LÍNGUA E DA LINGUAGEM...................................... 17 9 RESUMO .................................................................................................. 17 10 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 18 11 O ENSINO DE LP NO BRASIL .............................................................. 19 12 AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OS CONCEITOS RELACIONADOS: A INFLUÊNCIA NO TRATO DA LINGUAGEM ........................... 22 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 31 14 BIBLIOGRÁFIa ...................................................................................... 32 15 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................ 33 16 DISTÚRBIOS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E DA APRENDIZAGEM 33 17 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 33 18 LINGUAGEM ......................................................................................... 34 2 19 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM .............................................. 34 20 BASES BIOLÓGICAS DA LINGUAGEM ............................................... 36 20.1 Etiologia dos distúrbios da linguagem oral e escrita ....................... 37 20.2 Linguagem e epilepsia .................................................................... 37 20.3 Linguagem e autismo ...................................................................... 38 20.4 Aprendizagem ................................................................................. 40 20.5 Desenvolvimento normal ................................................................. 40 20.6 Bases neurobiológicas .................................................................... 41 20.7 Dificuldades de aprendizagem da linguagem escrita na infância .... 42 20.8 Dislexia............................................................................................ 42 20.9 Dislexia e distúrbio da atenção/hiperatividade ................................ 45 20.10 Dislexia e baixo peso ao nascimento .............................................. 45 20.11 Influências genéticas na dislexia ..................................................... 46 20.12 Outras alterações da linguagem escrita - disgrafia e disortografia . 46 20.13 Intervenções ................................................................................... 46 21 CONCLUSÃO ........................................................................................ 47 22 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 48 3 1 O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS Fonte: www.gmnursery.lk A partir do momento que a criança descobre que tudo tem um nome, cada novo objeto que surge representa um problema que a criança resolve atribuindo-lhe um nome. Quando lhe falta à palavra para nomear este novo objeto, a criança recorre ao adulto. Esses significados básicos de palavras assim adquiridos funcionarão como embriões para a formação de novos e mais complexos conceitos. De acordo com Vygotsky, todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade (Luria, 1976). Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. São, isto sim, resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar. Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de como a criança vai aprender a pensar, uma vez que 4 formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança através de palavras (Murray Thomas, 1993). Para Vygotsky, um claro entendimento das relações entre pensamento e língua é necessário para que se entenda o processo de desenvolvimento intelectual. Linguagem não é apenas uma expressão do Pensamento e linguagem e sim o conhecimento adquirido pela criança. Existe uma inter-relação fundamental entre pensamento e linguagem, um proporcionando recursos ao outro. Desta forma a linguagem tem um papel essencial na formação do pensamento e do caráter do indivíduo. 2 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PRÓXIMO Fonte: http://www.helioteixeira.org/ Um dos princípios básicos da teoria de Vygotsky é o conceito de "zona de desenvolvimento próximo". Zona de desenvolvimento próximo representa a diferença entre a capacidade da criança de resolver problemas por si própria e a capacidade de resolvê-los com ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma "zona de desenvolvimento autossuficiente" que abrange todas as funções e atividades que a criança consegue desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. Zona de desenvolvimento próximo, por sua vez, abrange todas as funções e atividades que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se houver ajuda de alguém. Esta pessoa que intervém para orientar a criança pode ser tanto um adulto (pais, professor, 5 responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já tenha desenvolvido a habilidade requerida. Uma analogia interessante nos vem à mente quando pensamos em zona de desenvolvimento próximo. Em mecânica, quando regula-se o ponto de um motor a explosão, este deve ser ajustado ligeiramente à frente do momento de máxima compressão dentro do cilindro, para maximizar a potência e o desempenho. A ideia de zona de desenvolvimento próximo é de grande relevância em todas as áreas educacionais. Uma implicação importante é a de que o aprendizado humano é de natureza social e é parte de um processo em que a criança desenvolve seu intelecto dentro da intelectualidade daqueles que a cercam (Vygotsky, 1978). De acordo com Vygotsky, uma característica essencial do aprendizado é que ele desperta vários processos de desenvolvimento internamente, os quais funcionam apenas quando a criança interage em seu ambiente de convívio. 3 A TEORIA DE PIAGET SOBRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DAS CRIANÇAS Fonte: www.emaze.com/ A psicologia deve muito a Jean Piaget. Não é exagero dizer-se que ele revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento infantis, pois desenvolveu o 6 método clínico de investigação das ideias das crianças que posteriormente tem sido generalizadamente utilizado. Foi o primeiro a estudar sistematicamente a percepção e a lógica infantis; além disso, trouxe ao seu objeto de estudo uma nova abordagem de amplitudee arrojo invulgares. Em lugar de enumerar as deficiências do raciocínio infantil quando comparado com o dos adultos, Piaget centrou a atenção nas características distintivas do pensamento das crianças, quer dizer, centrou o estudo mais sobre o que as crianças têm do que sobre o que lhes falta. Por esta abordagem positiva demonstrou que a diferença entre o pensamento das crianças e dos adultos era mais qualitativa do que quantitativa. Como muitas outras grandes descobertas, a ideia de Piaget é tão simples que parece evidente. Já tinha sido expressa nas palavras de Rousseau, citadas pelo próprio Piaget, segundo as quais uma criança não é um adulto em miniatura e o seu cérebro não é um cérebro de adulto em ponto reduzido. Por detrás desta verdade, que Piaget escorou com provas experimentais, esta outra ideia simples – a ideia de evolução, que ilumina todos os estudos de Piaget com uma luz brilhante. No entanto, apesar de toda a sua grandeza, a obra de Piaget sofre da dualidade comum a todas as obras pioneiras da psicologia contemporânea. Esta clivagem é correlativa da crise que a psicologia está atravessando à medida que se transforma numa ciência no verdadeiro sentido da palavra. A crise decorre da aguda contradição entre a matéria prima factual da ciência e as suas premissas metodológicas e teóricas, que há muito são alvo de disputa entre as concepções materialista e idealista do mundo. Na psicologia, a luta é talvez mais aguda do que em qualquer outra disciplina. Enquanto nos faltou um sistema generalizadamente aceite que incorpore todo o conhecimento Psicológico disponível, qualquer descoberta factual importante conduzirá à criação de uma nova teoria conforme aos fatos novos observados. Freud, Levy-Burl, Bonde, todos eles criaram os seus próprios sistemas de psicologia. A dualidade predominante reflete-se na incongruência entre estas estruturas teóricas, com os seus tons carregados de metafísica e idealismo, e as bases empíricas sobre que foram construídas. Na moderna psicologia fazem-se diariamente grandes descobertas, descobertas essas que, no entanto, logo são envolvidas em teorias ad hoc pré-científicas e semi-metafísicas. Piaget tenta escapar a esta dualidade fatal atendo-se aos fatos. Evita deliberadamente fazer generalizações mesmo no seu próprio campo de estudo, pondo 7 especial cuidado em não invadir os domínios correlatos da lógica, da teoria do conhecimento da História da filosofia. Para ele, o empirismo puro parece-lhe o único terreno seguro. O seu livro, escreve ele, é, antes do mais, e acima de tudo, uma coleção de fatos e documentos. Os elos que unem entre si os diversos capítulos são os elos fornecidos por um método único a várias descobertas e de maneira nenhuma os de uma exposição sistemática. Na verdade, o seu forte consiste em desenterrar novos fatos, analisá-los e classificá-los penosamente, quer dizer, na capacidade de escutar a sua mensagem, como dizia Claparède. Das páginas de Piaget cai uma avalanche de grandes e pequenos fatos sobre a psicologia infantil. O seu método clínico revela-se como uma ferramenta verdadeiramente inestimável para o estudo dos todos estruturais complexos do pensamento infantil nas suas transformações genéticas. É um método que unifica as suas diversas investigações e nos proporciona um quadro coerente, pormenorizado e vivo do pensamento das crianças. Os novos fatos e o novo método conduzem-nos a muitos problemas; alguns são inteiramente novos para a psicologia científica, outros aparecem-nos a uma luz diferente. Os problemas dão origem a teorias, apesar de Piaget estar determinado a evita-las atendo-se estreitamente aos fatos experimentais – e passando, de momento, por cima do fato de que a própria escolha das experiências é determinada por certas hipóteses. Mas os fatos são sempre examinados à luz de qualquer teoria, não podendo por conseguinte ser totalmente destrinçados da filosofia. Tal é particularmente verdade para os fatos relativos ao pensamento. Segundo Piaget, o elo que liga todas as características específicas da lógica infantil é o egocentrismo do pensamento das crianças. Ele reporta todas as outras características que descobriu, quais sejam, o realismo intelectual, o sincretismo e a dificuldade de compreender as relações, a este traço nuclear e descreve o egocentrismo como ocupando uma posição intermédia, genética, estrutural e funcionalmente, entre o pensamento artístico e o pensamento orientado. A ideia de polaridade do pensamento orientado e não orientado tomada de empréstimo à psicanálise. Diz Piaget: O pensamento orientado é consciente, isto é, prossegue objetivos presentes no espírito de quem pensa, É inteligente, isto é, encontra-se adaptado a realidade e esforça-se por influenciá-la. É suscetível de verdade e erro ... e pode ser comunicado através da linguagem. O pensamento 8 autístico é subconsciente, isto é, os objetivos que prossegue e os problemas que põe a si próprio não se encontram presentes na consciência. Não se encontra adaptado à realidade externa, antes cria para si próprio uma realidade de imaginação ou sonhos. Tende, não a estabelecer verdades, mas a recompensar desejos e permanece estritamente individual e incomunicável enquanto tal, por meio da linguagem, visto que opera primordialmente por meio de imagens e, para ser comunicado, tem que recorrer a métodos indiretos, evocando, por meio de símbolos e mitos, os sentimentos que o guiam. O pensamento orientado é social. À medida que se desenvolve vai sendo progressivamente influenciado pelas leis da experiência e da lógica propriamente dita. O pensamento autístico, pelo contrário, é individualista e obedece a um conjunto de leis especiais que lhe são próprias. Entre estes dois modos de pensamento contrastantes: há muitas variedades no que respeita ao seu grau de comunicabilidade. Estas variedades intermédias obedecerão necessariamente a uma lógica especial, que também é uma lógica intermédia entre a lógica do autismo e a lógica da inteligência. Propomos dar o nome de pensamento egocêntrico à principal forma intermédia. Embora a sua função principal continue a ser a satisfação das necessidades pessoais, já engloba em si algumas adaptações mentais, um pouco da orientação para a realidade característica do pensamento dos adultos. O pensamento egocêntrico das crianças “situa-se a meio caminho entre o autismo no sentido estrito da palavra e o pensamento socializado”. É esta a hipótese de base de Piaget. É importante notar que através de toda a sua obra Piaget sublinha com mais intensidade os traços que são comuns ao pensamento egocêntrico e ao autismo do que os traços comuns que os distinguem. É claro que, do ponto de vista genético, temos que partir da atividade da criança para podermos compreender o seu pensamento; e essa atividade é incontestavelmente egocêntrica e egotista. O instinto social sob a sua forma bem definida só se desenvolve mais tarde. O primeiro período crítico a este respeito só ocorre por volta dos sete ou oito anos de idade. Antes desta idade, Piaget tende a ver o egocentrismo como algo que impregna tudo. Considera direta ou indiretamente egocêntricos todos os fenômenos da lógica infantil na sua rica variedade. Do sincretismo, importante expressão do egocentrismo, diz inequivocamente que 9 impregna todo o pensamento da criança, tanto na sua esfera verbal, como na sua esfera sensorial Após os sete ou oito anos, quando o pensamento socializado começa a ganhar forma, os traços egocêntricos não desaparecem instantaneamente. Desaparecem das operações sensoriais da criança, mas continuam cristalizados na área mais abstrata do pensamento puramente verbal. A sua concepção da predominância do egocentrismo na infância leva Piaget a concluir que o egocentrismo do pensamento se encontra tão intimamente relacionado com a naturezapsíquica da criança que é impermeável à experiência. As influências a que os adultos submetem as crianças não se encontram nestas como se tratasse de uma placa fotográfica: são assimiladas, quer dizer, são deformadas pelo ser vivo que as sofre e implantam-se na sua própria substância. É esta substância psicológica da criança, ou, por outras palavras, a estrutura e o funcionamento característicos do pensamento da criança que procuramos descrever e em certa medida explicar. 3.1 ORIGENS DA IMAGEM MENTAL NA IMITAÇÃO SENSÓRIOMOTORA Fonte: www.domtiton.com.br/ A investigação sobre as origens sensório-motoras da imagem mental revela que ela resulta de um longo processo evolutivo da atividade imitativa, polo de acomodação da inteligência. A pesquisa sobre a “Gênese da Imitação” (1935, 1945) 10 mostra que essa atividade, desde os primeiros meses de vida da criança, evolui progressivamente na direção da imitação diferida, e esta, na direção da imagem mental. A função da imitação é, desde o começo, reproduzir ou figurar os caracteres particulares dos objetos, cujo desenvolvimento ocorre por influência do esquematismo sensório-motor e, a seguir, pelo esquematismo conceptual. Como mostramos em trabalhos anteriores (Dongo Montoya, 1998a, 1998b, 2005), o nascimento da imagem, para Piaget, está atrelado ao nascimento do pensamento enquanto coordenação interna de esquemas, de tal maneira que até mesmo o desenvolvimento futuro de cada um desses dois elementos depende das suas relações recíprocas e indissolúveis: o primeiro (o pensamento) é fonte de mobilidade e de transformação e, esta última (a imagem) é fonte de figuração simbólica. Esse processo construtivo evidencia que não há nada de lacunar na explicação da função simbólica, por parte de Piaget, como alguns dos seus críticos insinuam; pelo contrário, os novos dados experimentais e a própria consistência explicativa mostram que há transformações progressivas, que envolvem reconstruções estruturais e continuidade funcional, no acabamento e no subsequente desenvolvimento dessa função. Assim, o duplo processo de interiorização da coordenação dos esquemas sensório-motores e da atividade imitativa é condição prévia para a constituição da função simbólica, isto é, da capacidade do sujeito de diferenciar significantes de significados. A imagem mental se constitui como significante que se reporta a uma situação ou a um objeto particular, sem esquecer que esse objeto também está relacionado a um esquema conceptual ou pré-conceitual. O símbolo lúdico implica também diferenciação de um significante (gesto ou objeto exterior) que representa um significante (objeto ausente), o qual é reportado por uma imagem. O desenho, enquanto figuração gráfica, reporta-se a um objeto ausente, mediado pela imagem que o sujeito constitui desse objeto. A linguagem, enquanto sistema de signos, implica significantes (gestos ou palavras articuladas) que se reportam a objetos mediados por conceitos ou “pré-conceitos”, os quais se apoiam, sobretudo nas fases inicias, nas imagens mentais. A aquisição da linguagem encontra-se, portanto, atrelada à constituição da capacidade humana de representar, isto é, de diferenciar significantes e significados, e por isso, ao exercício da função simbólica. Isso não significa que a linguagem, uma vez adquirida, possa contribuir, decididamente, em troca, para a evolução da função 11 simbólica em seu conjunto e particularmente para a evolução do pensamento conceptual. 4 TRANSIÇÃO DA INTELIGÊNCIA SENSÓRIO-MOTORA PARA A INTELIGÊNCIA CONCEITUAL Na pesquisa sobre a transição dos esquemas sensório-motores para os esquemas conceptuais, Piaget (1945) mostra que os primeiros “esquemas verbais” da criança refletem o uso da linguagem, a qual se reporta a objetos exteriores assimilados em função dos esquemas sensório-motores em via de interiorização ou de conceptualização. “A denominação, como já se verificou pelas introduções precedentes, não é a simples atribuição de um nome, mas o enunciado de uma ação possível: a palavra se limita quase a traduzir, neste nível, a organização de esquemas sensório motores que poderiam passar sem ela” (Piaget, 1978, p.285). É evidente que a linguagem, nesse nível inicial, participa no processo de socialização do pensamento, visto que permite trocar informações e colocar em correspondência pontos de vista, e nesse sentido possibilita o processo de conceptualização. Entretanto, esse processo não é de uma via somente, pois ele possibilita, reciprocamente, o desenvolvimento da competência linguística. Sobre isso, Piaget assim se manifesta: Mas é claro que perdura o problema de compreender como a linguagem permite a construção dos conceitos, pois a relação é naturalmente recíproca e a possibilidade de construir representações conceptuais é uma das condições necessárias para a aquisição da linguagem (1978, p. 285). Na passagem dos esquemas sensório-motores para os esquemas conceituais, Piaget não deixa de outorgar a importância devida à linguagem, sobretudo na atividade de narrativa do sujeito; porém, a narrativa não explica a própria novidade construtiva da estrutura conceptual do pensamento, pois esta é produto da reorganização dos esquemas interiorizados (abstrações reflexivas). A narrativa, embora seja um intermediário indispensável como meio de evocação e de reconstituição, ela somente se inicia no limite superior da produção dos primeiros 12 esquemas verbais, quando da produção dos primeiros “pré-conceitos” e transduções da criança. Se a estrutura do pensamento não deriva da estrutura da linguagem, isso não leva a subestimar o papel da linguagem na construção de representações propriamente ditas. Por isso, Piaget, ao questionar-se sobre a passagem da linguagem ligada ao ato imediato e presente (primeiros esquemas verbais) para a construção de representações verbais propriamente ditas (de juízos de constatação e não mais apenas de juízos de ação), responde que a narrativa constitui um intermediário indispensável como meio de evocação e de reconstituição. 5 A TEORIA DE STERN SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Fonte: http://www.biografiasyvidas.com/ A parte do sistema de Wilhelm Stern que é mais conhecida e que tem vindo a ganhar terreno com o passar dos anos, é a sua concepção intelectualista sobre o desenvolvimento da linguagem na criança. Contudo, é esta mesma concepção que mais claramente revela as limitações e as incoerências do personalismo filosófico e psicológico de Stern, os seus fundamentos idealistas e a sua ausência de validade científica. É o próprio Stern quem descreve o seu ponto de vista como “personalista- 13 genético”. Analisaremos o princípio personalista mais à frente. Para já, vamos ver como Stern trata do aspecto genético. Afirmaremos já à partida que esta teoria, tal como todas as teorias intelectualistas, é, pela sua própria natureza, anti-genética. Stern estabelece uma distinção entre três raízes da linguagem: a tendência expressiva, a tendência social e a tendência “intencional”. Enquanto as duas primeiras estão também subjacentes aos rudimentos de linguagem observados nos animais, a terceira é especificamente humana. Stern define intencionalidade neste sentido como uma orientação para certo conteúdo, ou significado. “Em determinado estádio do seu desenvolvimento psíquico”, afirma ele, “o homem adquire a capacidade de significar algo proferindo palavras, de se referir a algo objetivo”. Em substância, tais atos intencionais são já atos de pensamento; o seu surgimento denota uma intelectualizarão e uma objetificação do discurso. Em consonância com certo número de autores que representam a nova psicologia do pensamento, embora em menor grau do que alguns deles, Stern sublinha a importância do fator no desenvolvimento da linguagem. Não temos nada a obstar à afirmaçãosegundo a qual a linguagem humana desenvolvida possui um significado objetivo, pressupondo portanto certo grau de desenvolvimento do pensamento, e estamos de acordo em que é necessário tomar em linha de conta a relação estreita que existe entre a linguagem e o pensamento lógico. O problema está em que Stern encara a intencionalidade característica do discurso desenvolvido, que exige explicação genética (isto é, que exige se explique como foi gerada no processo evolutivo), como uma das raízes do desenvolvimento da linguagem, como uma força motora, como uma tendência inata, quase como um impulso, mas, de qualquer forma como algo primordial, geneticamente equiparada às tendências expressiva e comunicativa – as quais na verdade são detectáveis já nos primeiros estádios da linguagem. Ao ver a intencionalidade desta maneira (“die intentionale Triebfeder de Sprachdranges”), substitui a explicação genética por uma explicação intelectualista. Este método de explicar uma coisa pela própria coisa que há que explicar é o erro fundamental de todas as teorias intelectualistas e, em particular, da de Stern – daí a sua vacuidade geral e o seu caráter anti-genético (pois se relegam para os primeiros estádios de desenvolvimento da linguagem características que pertencem aos seus estádios mais avançados) Stern responde à questão de como e porque a 14 linguagem adquire significado afirmando. a linguagem adquire significado pela sua tendência intencional, isto é, pela tendência à significação. Isto faz-nos recordar o médico de Molière que explicava os efeitos soporíferos do ópio pelas suas propriedades dormitivas. Da famosa descrição que Stern nos dá da grande descoberta feita pelas crianças por volta do ano e meio ou dois anos de idade podemos ver a que exageros pode conduzir uma acentuação exagerada dos aspectos lógicos. Por essa idade, a criança descobre pela primeira vez que cada objeto tem o seu símbolo permanente, uma configuração sonora que o identifica – quer dizer, que cada coisa tem o seu significado. Stern crê que, pelo segundo ano da sua vida, uma criança pode tomar consciência dos símbolos e da sua necessidade e considera que esta descoberta é já um processo de pensamento no sentido próprio do termo: A compreensão da relação entre o signo e o significado que desponta na criança por esta altura é algo diferente em princípio da simples utilização de imagens sonoras, de imagens de objetos e da sua associação. É a exigência de que todos os objetos, sejam eles quais forem, tenham o seu nome próprio pode considerar-se como uma verdadeira generalização levada a cabo pela criança. 6 AS RAÍZES GENÉTICAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM O fato mais importante posto a nu pelo estudo genético do pensamento e a linguagem é o fato de a relação entre ambas passar por muitas alterações; os progressos no pensamento e na linguagem não seguem trajetórias paralelas: as suas curvas de desenvolvimento cruzam-se repetidas vezes, podem aproximar-se e correr lado a lado, podem até fundir-se por momentos, mas acabam por se afastar de novo. Isto aplica-se tanto ao desenvolvimento filogenético como ao ontogenético. Nos animais, o pensamento e a linguagem têm várias raízes e desenvolvem- se segundo diferentes trajetórias de desenvolvimento. Este fato é confirmado pelos estudos recentes de Koehler, Yerkes e outros sobre os macacos. Koehler provou que o surgimento de um intelecto embrionário nos animais, isto é, o aparecimento de pensamento no sentido próprio do termo – não se encontra de maneira nenhuma relacionado com a linguagem. As “invenções” dos macacos na execução e utilização de instrumentos, ou no capítulo da descoberta de caminhos indiretos para a solução de determinados problemas, embora sejam sem sombra de dúvida pensamento 15 embrionário, pertencem a uma fase pré-linguística do desenvolvimento do pensamento. Na opinião de Koehler, as suas investigações mostram que o chimpanzé evidencia um esboço de comportamento intelectual do mesmo gênero e do mesmo tipo que o do homem. São a ausência de linguagem. “Esse instrumento técnico auxiliar infinitamente valioso”, e a pobreza das imagens, “esse material intelectual extremamente importante”, que explicam a tremenda diferença existente entre os antropoides e os homens mais primitivos “e vedam ao chimpanzé o menor desenvolvimento cultural”. Vigora considerável desacordo entre os psicólogos das diferentes escolas acerca da interpretação teórica das descobertas de Koehler. A massa de literatura crítica a que estes estudos deram origem representa uma grande variedade de pontos de vista o que torna tanto mais significativo o ninguém contestar os fatos ou a dedução que mais particularmente nos interessa: a independência entre as ações do chimpanzé e a linguagem. Isto é admitido de boa mente, mesmo pelos psicólogos que, como Thorndyke e Borovski. Nada veem nas ações do chimpanzé para lá dos mecanismos instintuais e da aprendizagem por “tentativas e erros”, “nada mais, salvo o já conhecido processo de formação de hábitos” e pelos introspeccionistas que fogem a rebaixar o intelecto ao nível do comportamento dos macacos, mesmo dos mais avançados. Buehler diz com muito acerto que as ações dos chimpanzés não têm qualquer relação com a linguagem; e que, no homem, o pensamento mobilizado pela utilização dos utensílios (Werkzeugdenken) também tem uma relação muito mais tênue com a linguagem e com os conceitos do que qualquer outra forma de pensamento. BIBLIOGRAFIAS Banks-Leite, L. (1997). As questões linguísticas na obra de Piaget: apontamentos para uma reflexão crítica. Em L.Banks-Leite (Org.). Percursos piagetianos (pp.207-223). São Paulo: Cortez. Bronckart, J. P. (2000). El problema de la consciência como “analizador” de las epistemologias de Vygotsky y de Piaget. Em E. Serrat, S. Aznar, (Org.). 16 Piaget y Vigotski ante el siglo XXI: referentes de actualidade (pp.15-41). Girona: Horsori. Dongo Montoya, A. O. (1998a, set./out.). L’image mental et la construction de la pensée chez l’enfant. Bulletin de Psychologie, 51(5), 529-535. Dongo Montoya, A. O. (1998b). Representação imagética e construção do conhecimento na criança. Tese (Livre Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 119-127, jan./abr. 2006. Docência). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, Marília. Dongo Montoya, A. O. (2005). Piaget: imagem mental e construção do conhecimento. São Paulo: EDUNESP. Ferreiro, E. (1971). Les relations temporelles dans le langage de l’enfant. Geneve: DROZ. Piaget, J. (1969). A explicação em Psicologia e o paralelismo psico- fisiológico. Em P. Fraisse, J. Piaget. Tratado de Psicologia Experimental. (Vol.1) (pp.121-152) Rio de Janeiro: Forense. Piaget, J. (1978). A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de janeiro: Guanabara-Koogan. Piaget, J. (1999). O pensamento e a linguagem na criança. São Paulo:Martins Fontes. Pocker, R. (2001). Troca simbólica e desenvolvimento cognitivo em crianças surdas: uma proposta de intervenção educacional. Tese de Doutorado Não-Publicada. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília. Rodrigues, B. I. (2000). Desenvolvimento da noção temporal por meio da narrativa oral segundo a teoria piagetiana. Dissertação de Mestrado Não- Publicada. Programa de Pós-Graduação em Ensino-Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília. Vygotsky, L. S. (1991). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 7 LEITURA COMPLEMENTAR Nome do autor: Shirlei Aparecida Doretto 17 Disponível em: http://www. encontrosdevista.c om.br/ Ar tig o s/09_ Shirlei_Ap_Doretto_e_Adriana_Beloti_Concep%C3%A7%C3%B5es_de_linguagem_ e_conceitos_correlatos.pdf Data de acesso:24/07/2016 8 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CONCEITOS CORRELATOS: A INFLUÊNCIA NO TRATO DA LÍNGUA E DA LINGUAGEM 9 RESUMO Quando se trata de educação pela linguagem, devemos considerar as diferentes concepções que permearam e permeiam o ensino de Língua Portuguesa e os documentos oficiais que retratam as principais tendências linguísticas de cada período e orientam, oficialmente, o trabalho com a linguagem nas escolas. Assim, tendo como sustentação teórica as discussões de Antunes (2003), Possenti (1996), Travaglia (1996), Geraldi (2004), Bakhtin/Volochínov (2006), entre outros, objetivamos, neste artigo, discutir a respeito das concepções de linguagem e os conceitos subjacentes a cada uma delas e, ainda, apresentar um quadro síntese de conceitos relacionados a essas concepções, a fim de ilustrar nossas discussões. Nesse sentido, faremos, primeiramente, uma contextualização da história do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, a fim de relacionar esse percurso histórico às LDBs n. 4024/61, 5692/71 e 9394/96 e às correntes linguísticas predominantes em cada momento. Em seguida, discorreremos sobre as concepções de linguagem e os conceitos relacionados com cada tendência. Por fim, apresentaremos, de maneira sintética e metodologicamente simples, um quadro síntese de tais noções. Acreditamos que discutir esse tema é importante, pois seu reflexo está presente em todas as práticas pedagógicas, as quais resultam das opções teórica e metodológica adotadas para sustentar o desenvolvimento das atividades relacionadas à língua e à linguagem. PALAVRAS-CHAVE: Concepção de linguagem; ensino de Língua Portuguesa; sociointeracionismo. 18 10 INTRODUÇÃO Considerar que a linguagem está presente, de maneira geral, em toda nossa vida, isto é, que nos constituímos como sujeitos na e pela linguagem, leva-nos a refletir sobre as diferentes concepções que nortearam e norteiam o ensino. Quando pensamos, ainda, no trabalho com a Língua Portuguesa, além da própria concepção de ensino e aprendizagem, a concepção de linguagem é de suma importância, uma vez que seu reflexo está presente em outros conceitos relacionados à educação, como, por exemplo, os de língua, gramática, sujeito, texto e sentido, leitura, produção textual, oralidade, variedade linguística, norma, entre outros, tornando-se, assim, um dos principais norteadores do trabalho docente. Isso porque o objeto de trabalho e estudo dessa disciplina é justamente a linguagem, em suas mais variadas possibilidades de manifestação. Discutir as concepções de linguagem e os conceitos subjacentes a tais concepções, embora sejam constantemente abordados por diversos outros trabalhos, é relevante, pois nosso principal objetivo, neste texto, é apresentar um quadro síntese de conceitos relacionados às concepções de linguagem, a fim de ilustrar nossas discussões, considerando que o tema permeia todo o trabalho com a linguagem e afeta, diretamente, as possibilidades e os resultados dos processos de ensino e de aprendizagem de língua. O quadro não se limita aos conceitos de gramática, língua e linguagem. Nosso esforço foi no sentido de ampliar essas noções. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabeleceu, nas últimas quatro décadas, o norte para o trabalho com a Língua Portuguesa nas escolas brasileiras. Assim, cada Lei desse período, pela concepção de linguagem que apresentava, dava os encaminhamentos principais para esse trabalho. As concepções teóricas e metodológicas de cada documento norteador estão diretamente relacionadas às tendências pedagógicas e correntes linguísticas, as quais embasam o estudo e o trabalho com a linguagem. Para tratarmos, especificamente, das concepções de linguagem, julgamos ser necessário, primeiramente, oferecer uma contextualização da história do ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Acreditamos ser relevante essa abordagem porque esse percurso histórico está diretamente relacionado às correntes linguísticas e sua identificação contribui para compreender as mudanças em relação às concepções de 19 língua e linguagem, que são, justamente, os objetos de estudo e trabalho da disciplina de Língua Portuguesa (LP). Nesse sentido, apresentaremos, inicialmente, norteado pelas DCEs do Paraná (2008), um histórico do ensino de LP no Brasil, relacionado às LDBs e às correntes linguísticas predominantes em cada período. Em seguida, discorreremos sobre as concepções de linguagem e os conceitos relacionados a cada tendência. Nosso principal objetivo neste texto, o quadro síntese de tais noções, será apresentado ao final dessa seção, de maneira sintética, sistematizada e metodologicamente simples. 11 O ENSINO DE LP NO BRASIL Os caminhos percorridos pelo ensino de LP no Brasil tiveram início com a educação jesuítica, cujo objetivo era “alfabetizar” e “catequizar” os indígenas. O trabalho educacional daquele período estava atrelado à concepção de linguagem como expressão do pensamento. O ensino de LP limitava-se às escolas de ler e escrever, mantidas pelos jesuítas. Nos cursos chamados secundários, eram estudados gramática latina, retórica e grandes autores clássicos. Durante o período colonial, a língua mais utilizada no Brasil era o Tupi. Depois, dada a interação dos colonizados e colonizadores, passou-se a ter a Língua Geral (o Tupi-Guarani). Somente com a expulsão dos jesuítas em 1759, pelo Marquês de Pombal, é que a Língua Portuguesa se tornou o idioma oficial do Brasil e, então, obrigatório o seu ensino. Essa mudança também revolucionou a educação brasileira, entretanto, os objetivos escolares continuavam os mesmos: hierarquizar e elitizar ainda mais a sociedade, pois havia um privilégio ao ensino destinado à burguesia, ou seja, predomínio da norma culta, da língua usada pelos clássicos. A disciplina de LP só foi introduzida nos currículos escolares brasileiros nas últimas décadas do século XIX, sendo ensinada segundo os moldes do ensino do Latim: fragmentando-se na gramática, retórica e poética. Nos anos 1960, com a LDB n. 4024/61, o foco principal do ensino de LP estava na gramática prescritiva ou tradicional, mantendo a tradição da gramática, da retórica e da poética. Quando trata da educação primária, por exemplo, a referida Lei, inclusive, afirma que o objetivo, entre outros, é desenvolver o raciocínio e atividades de expressão da criança e proporcionar sua integração nos meios físico e social. 20 Assim, há o predomínio, ainda, da concepção de linguagem como expressão do pensamento. Em relação ao nível “formação do magistério”, a tônica estava no desenvolvimento de conhecimentos técnicos relativos à educação infantil. Nessa década, acreditava-se que valorizar a criatividade seria suficiente para desenvolver a eficiência da comunicação e da expressão do aluno. O predomínio da gramática prescritiva ainda era visto como adequado, já que grande parte dos alunos que frequentavam a escola era oriunda das camadas mais privilegiadas da sociedade, isto é, falava uma variedade linguística próxima da considerada como língua padrão, a língua de prestígio do período. Além disso, as concepções de mundo e de língua desses estudantes eram próximas daquelas apresentadas nos materiais didáticos. Em síntese, o objetivo e o foco estavam na ortografia, vista como o conhecimento que levaria o aluno a desenvolver competências linguísticas. Ainda na década de 60, com o predomínio da gramática prescritiva e com certa “democratização” do ensino, que levou estudantes de outras classes sociais à escola, houve, também, um conflito entre a linguagem ensinada na escola, que é a norma das classes privilegiadas, e a linguagem das camadas populares, quando se desconsiderava a oralidade e as variedades linguísticas, por exemplo. De acordo com Soares (1986), o ensino era baseado no reconhecimento da língua considerada como legítima, aquela que segueas regras da norma culta. Para os alunos pertencentes às classes dominantes, essa “didática do reconhecimento” tem, como efeito, o aperfeiçoamento do conhecimento [...], que já possuem, da língua “legítima”; para os alunos pertencentes às camadas populares, essa “didática do reconhecimento” não ultrapassa seus próprios limites, porque, na aprendizagem da língua, reconhecer não leva a conhecer. Em outras palavras: a escola leva os alunos pertencentes às camadas populares a reconhecer que existe uma maneira de falar e escrever considerada “legítima”, diferente daquela que dominam, mas não os leva a conhecer essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber produzi-la e consumi-la. (SOARES, 1986, p. 63). A partir da década de 70, com a LDB n. 5692/71, que vincula o ensino à qualificação para o trabalho, sustentado por uma pedagogia tecnicista, o ensino de LP pauta-se na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, cujo objeto é a língua como código, tendo um viés mais pragmático e utilitário em detrimento do aprimoramento das capacidades linguísticas do falante. Essa mudança se deu a partir dos estudos de Ferdinand de Saussure, que estabeleceu a dicotomia língua x fala, dedicando-se ao estudo da língua e concebendo-a como estrutura, passível de 21 descrição. Nessa época e por essa concepção de língua, a Teoria da Comunicação, enunciada por Roman Jakobson, estruturalista funcionalista,4 também passou a sustentar o ensino de LP nas escolas. Embora tenha havido mudança, o ensino de LP ainda continuou, de certa forma, elitizado, pois persistia o ensino da gramática prescritiva, priorizando as descrições sintáticas e morfológicas, as atividades que enfatizavam ações repetitivas e paradigmáticas e as produções textuais baseadas nas tipologias: narração, dissertação e descrição. Dessa forma, cristalizou-se, pelo fato de prevalecer uma tendência gramatical positivista, a chamada gramática descritiva. Nas correntes linguísticas, esse período é chamado de estruturalismo, o qual é dividido em funcionalismo, tendo como principais representantes Sapir, Halliday, Bühler, Jakbson e Troubetskoï, e formalismo, com Bloomfield, Haris e Chomsky como principais nomes dessa tendência dos estudos linguísticos. Ambas as vertentes, funcionalista e formalista, são estruturalistas, ou seja, priorizam o estudo da estrutura linguística, procedendo à descrição dos elementos: fonemas – morfemas – palavras – frases – discursos. A diferença é que a primeira preocupa-se, também, com a função (daí os principais representantes difundirem as chamadas teorias das funções da linguagem) e a segunda dedica-se, especialmente, à forma. A partir dos anos 1980, com a difusão de novas tendências linguísticas, como a Sociolinguística, a Pragmática (já a partir dos anos 60/70), a Análise de Discurso, a Semântica e a Linguística Textual, reunidas as três últimas sob o rótulo de linguísticas discursivas, o ensino de LP passa a ser questionado e repensado, refletindo-se sobre a eficácia do ensino gramatical, apenas, da forma como vinha sendo trabalhado. Entretanto, os Livros Didáticos (LD), um dos principais instrumentos de trabalho dos professores, continuavam materializando a concepção tradicional de ensino. Todas essas correntes linguísticas contribuem, então, para uma mudança na concepção de linguagem e, portanto, no norte para o trabalho com a LP nas escolas. A linguagem passa a ser vista como sendo social e de caráter dialógico, interacional. Nesse sentido, os textos são considerados polifônicos, a língua não é mais usada apenas para a comunicação, mas, também, para estabelecer os processos de interação. Assim, a partir dos anos 1980, período já bastante rico em produções relativas à linguagem, em especial com as contribuições de Mikhail Bakhtin/Volochínov aos estudos da linguagem (com textos como Marxismo e Filosofia da Linguagem e 22 Estética da Criação Verbal) e, especificamente, a partir da década de 90, com a LDB n. 9394/96, o foco de estudo da disciplina de LP passou a ser uma gramática internalizada, com base no texto, refletindo uma concepção de linguagem como processo de interação. Feita essa retomada do ensino de LP no Brasil, a qual nos dá condições de relacionar o processo pelo qual essa disciplina passou às LDBs e às correntes linguísticas de cada período, discorreremos, a partir de agora, sobre as três concepções de linguagem que sustentam o trabalho com esse objeto de ensino e, consequentemente, sobre os conceitos subjacentes a cada concepção. 12 AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OS CONCEITOS RELACIONADOS: A INFLUÊNCIA NO TRATO DA LINGUAGEM Nossa base teórica para as discussões a serem empreendidas a partir deste momento são, destacadamente, os trabalhos de João Wanderley Geraldi, Luiz Carlos Cagliari, Luiz Carlos Travaglia, Alba Maria Perfeito, Sírio Possenti, Marilurdes Zanini e Mikhail Bakhtin/Volochínov. Mikhail Bakhtin/Volochínov, em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (2006), no capítulo 5 (Língua, fala e enunciação), discorre, primeiramente, sobre duas noções que podemos relacionar às concepções de linguagem: subjetivismo individualista e objetivismo abstrato, as quais não rejeita totalmente, mas resinificadas, explicando todo o desenvolvimento dessas concepções até explicitar o posicionamento que defende: uma teoria enunciativo-discursiva de linguagem, concebendo-a como processo de interação. Partilhamos, aqui, do posicionamento de Bakhtin/Volochínov por entendermos o interacionismo como social e dialético e, também, por admitirmos que as atividades humanas organizam-se a partir da linguagem, caracterizando o interacionismo, então, como sociodiscursivo, conforme pondera Bronckart: Decorre da abordagem desenvolvida que a linguagem humana se apresenta, inicialmente, como uma produção interativa associada às atividades sociais, sendo ela o instrumento pelo qual os interactantes, intencionalmente, emitem pretensões à validade relativas às propriedades do meio em que essa atividade se desenvolve. A linguagem é, portanto, primariamente, uma característica da atividade social humana, cuja função maior é de ordem comunicativa ou pragmática (BRONCKART, 2003, p. 34). 23 No que se refere à primeira vertente, o subjetivismo individualista, a linguagem está associada à constituição de um sujeito único, centro e controlador de todo o dizer, ou seja, é encarada como expressão do pensamento consciente e, assim, a teoria dessa corrente prega que “quem não escreve bem é porque não pensa bem”. Acreditamos que essa concepção não contemple todas as características da língua, pois está associada ao subjetivismo psicológico, que pressupõe um mundo criado a partir de uma consciência autônoma, de um único sujeito detentor de todo o conhecimento. Embora a linguagem seja, também, “expressão do pensamento”, ela exterioriza-se a partir da linguagem externa, isto é, da interação verbal. Segundo Bakhtin (2006), “não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina a sua orientação” (p. 116, grifos do autor). Conforme afirmamos acima, essa concepção permeia a LDB n. 4024/61, a qual argumenta que “conhecer língua materna, muito mais que se valer de termos sofisticados pela erudição, era conhecer as normas que regiam a língua. Assim, conhecer língua significava dominar a gramática da língua: sua história e suas normas” (ZANINI, 1999, p. 80). A prática docente priorizava o ensino de conceitos básicos e normativos da gramática da língua materna, voltados para o domínio da metalinguagem, isto é, partindo-se das regras para se chegar aos exemplos. A concepção de gramática dessa tendência é a gramática prescritiva ou tradicional (GT): conjunto de regras que devem ser seguidas, que corresponde ao conjunto de todas as regras e normas impostaspara falar e escrever bem, de acordo com a norma culta, com os clássicos. É um depósito imutável de regras gramaticais. Assim, é insensível à realidade, pois não considera os contextos de uso. A função da língua, então, é exteriorizar um pensamento, ou seja, materializá-lo gráfica ou fonicamente, com o predomínio do eu. Ler, nessa perspectiva, é reconhecer o pensamento do autor do texto, ou seja, decodificar imediatamente os sinais linguísticos que devem ser transparentes para o leitor. “A leitura é vista, também, tradicional e prioritariamente, como extração de sentidos, fixados pelo autor do texto ou por um leitor autorizado” (PERFEITO, 2005, p. 31). Logo, o texto apresenta, sempre, um único sentido possível, já dado, pronto e acabado. “O sujeito é psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações” (KOCH, 2003, p. 13). A linguagem é considerada dom e, portanto, o sujeito pode 24 controlar o êxito e a boa comunicação. Decorrente da própria concepção de linguagem, produzir textos é colocar o pensamento em forma de linguagem e seguir as regras impostas pela gramática prescritiva, buscando, além da perfeição gramatical, a coerência entre os aspectos lógicos e sintáticos. O trabalho com a oralidade quase não acontece, pois ela é considerada como idêntica à escrita. Ressaltamos, entretanto, que entendemos a oralidade e a escrita como relacionadas, cada uma com sua especificidade, tendo como diferença a recepção: a fala acontece em “situação de copresença”, enquanto na escrita a “recepção é adiada” (ANTUNES, 2003, p. 51). Exclui também as variedades linguísticas, pois tudo o que foge à norma culta é considerado errado e deficiente. Pelo fato de as variedades linguísticas acontecerem na linguagem em uso, em funcionamento, e essa perspectiva não ser considerada, as variedades também não são vistas como possíveis de acontecerem. As principais atividades são os questionamentos acerca de conceitos e definições dados pela GT (o que é verbo; o que o autor quis dizer; escreva corretamente; classifique as palavras...). A segunda perspectiva abordada por Bakhtin/Volochínov toma a linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, liga-se aos pressupostos do objetivismo abstrato, cuja teoria defende que a linguagem é apenas transmissão autômata de mensagens de um emissor a um receptor, ambos isolados social e historicamente. A nossa negação a essa linha, adotada de forma única e exclusiva, justifica-se por não acreditarmos que os indivíduos encaixem-se em situações de comunicação e estruturas prontas, fixas e sempre definidas, tampouco, se adequem a uma estrutura idealista. Essa concepção de linguagem está contida na LDB n. 5692/71, que passa a nortear o ensino de LP a partir da década de 70. Por essa vertente, a linguagem é entendida como meio objetivo para a comunicação e a “língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Além disso, a linguagem é tomada como pronta e acabada, exterior ao indivíduo. A língua é estudada isolada do seu uso, sem considerar os interlocutores, a situação e o momento histórico. É uma visão de língua inseparável de sua forma. Essa perspectiva “deixava clara uma concepção de linguagem que previa um sujeito capaz de internalizar o saber, que estava fora dele, 25 por meio da repetição, de exercícios que estimulassem a resposta, de forma que ele seguisse o modelo” (ZANINI, 1999, p. 81). O exemplo representativo desse período é a Teoria da Comunicação proposta por Roman Jakobson, que postula, então, a partir dos seis elementos que constituem o ato de comunicação, as seis funções da linguagem. Destacamos, entretanto, que Jakobson considera apenas as seis funções de acordo com o foco em um ou outro elemento desse processo comunicativo, sem considerar a função performativa da linguagem, que é possível de ser estudada a partir da Teoria dos Atos de Fala, enunciada por Austin e difundida por Searle, considerando o ato de fala perlocucionário, isto é, a linguagem é usada, também, para fazer-fazer, como uma forma de ação e não apenas de representação da realidade (exemplo do padre que diz: “eu vos declaro marido e mulher”, esse enunciado não é usado apenas para informar, mas para realizar um tipo de ação: diz e faz). A gramática desse período é a descritiva: conjunto de regras que são seguidas. Procede-se à “descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função” (TRAVAGLIA, 1996, p. 27); corresponde ao conjunto de regras sobre o funcionamento da língua nos mais diversos aspectos ou níveis (variedades), baseado no que é consenso social; é uma produção em grupo, que descreve as regras utilizadas pela sociedade, na qual cada sujeito, individualmente, busca o código adequado à situação. A linguagem não é mais dom, mas competência. A função da língua é transmitir informações (codificar), portanto, há o predomínio do tu, pois o principal objetivo é usar a língua para estabelecer uma comunicação com um receptor. A leitura5 é concebida como interpretação do código de comunicação, como um produto pronto e acabado, signos linguísticos produzidos por um emissor a serem decodificados por um receptor. O sujeito, determinado e assujeitado pelo sistema, tem uma intenção e, ao codificar sua mensagem, espera que seu receptor decodifique-a exatamente da maneira que foi intencionalizada. Em relação à escrita, as produções decorrem de atividades que servem como pretextos para escrever, sendo vista, portanto, como consequência de outra atividade. Produzir textos, então, é seguir os modelos já existentes, que se baseavam nas tipologias textuais: narração, descrição e dissertação. A oralidade começa a ser considerada em uma abordagem sincrônica, mas ainda há uma predominância da língua escrita. Nesse sentido, reconhece as 26 variedades linguísticas durante o uso da língua pelo falante. Esse reconhecimento, entretanto, é apenas teórico, pois não é considerado como, de fato, possível, já que, também, não considera as reais situações de uso da linguagem. Nesse período, os Livros Didáticos ganham espaço e se tornam grandes artefatos nos processos de ensino e de aprendizagem, por apresentarem exercícios prontos de siga o modelo, complete, descrição de estrutura, forma, código, típicos da gramática descritiva, predominante nessa tendência. A partir dos anos 1980, com o avanço dos estudos sobre a linguagem, a concepção desse objeto começa a ganhar nova configuração e, por isso, dar novos caminhos e possibilidades para os processos de ensino e de aprendizagem de LP. Pretendia-se, “que o professor assumisse uma postura mais coerente com os rumos da própria história do País, uma postura de entender a gramática de forma necessária e contextualizada. [...] O contexto passa a ser referência para que o uso da língua, de certo e errado, passe a ser respeitado nas suas várias possibilidades, atribuindo-lhe uma perspectiva de adequação e de inadequação” (ZANINI, 1999, p. 82). É na LDB n. 9394/96 que essa nova vertente se consolida e se oficializa. Esse documento não bane a gramática, o conhecimento das normas que regem a Língua Portuguesa, mas defende que haja condições para que todos os estudantes tenham oportunidade de aproximação e apropriação da norma culta da língua. Ressaltamos, nesse momento, que houve um período de interpretações equivocadas a respeito dessa nova tendência linguística, entendendo-se que não se deveria trabalhar e ensinar a gramática normativa nas escolas e, então, o trabalho com a língua passou a acontecer apenas no nível dos “sentidos”, uma espécie de “vale tudo”, qualquer interpretação. Não concordamos com esse posicionamento, pois entendemos que a gramática normativa é extremamente necessáriapara as leituras e compreensões possíveis dos diversos textos com os quais temos contato no cotidiano, logo, a discussão deve girar em torno do como se trabalhar com os elementos linguísticos relacionados aos discursivos e, assim, não pautar o ensino apenas no tradicionalismo, mas usar as contribuições dessa vertente a favor do desenvolvimento das competências e habilidades linguísticas e discursivas. Portanto, gramática é necessário. Para nós, a linguagem existe, sim, enquanto atividade e processo de interação dos sujeitos sócio, histórico e ideologicamente constituídos, pressupondo, então, 27 transformação. Para Bakhtin/Volochínov (2006), há uma teoria enunciativo-discursiva de linguagem, em oposição às duas correntes filosófico-linguísticas, o subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato. Ambas tomam a enunciação monológica, sem considerar as relações sociais e culturais, como ponto de partida e, por isso, são consideradas inadequadas, uma vez que: [...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 127, grifos do autor). Dessa forma, a linguagem como processo de interação é possibilitada pelos enunciados. Logo, a língua aparece em contextos de enunciação definidos, remetendo, sempre, a contextos ideológicos, o que corrobora o posicionamento de que nenhuma palavra é neutra, mas sempre já carregada de sentido, tanto pelo locutor quanto pelo interlocutor, caracterizando-se enquanto “ponte”: “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. [...] A língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 99, grifos do autor). De acordo com a terceira vertente, então, o ato de fala ou, ainda, a enunciação, em si, não pode ser encarada como individual, unicamente do ponto de vista da norma, mas, ao contrário, “a enunciação é de natureza social” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p. 113, grifos do autor), de relação dialógica e seu elemento principal é a interação verbal. Além disso, toda palavra é ideológica e sua materialização está diretamente relacionada à evolução ideológica: a “linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico” dos sujeitos e “dos outros e é para os outros e com os outros que ela se constitui” e, ainda, “não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas” (GERALDI, 1997, p. 6), ou seja, um sujeito histórico, social e ideologicamente constituído, de cuja perspectiva partilhamos. Assim, a linguagem é vista como processo de interação, a língua é usada não apenas para a comunicação, mas, também, para estabelecer a interação social (agir sobre, agir entre). O indivíduo realiza ações, atua sobre o interlocutor. Considera-se os contextos social, histórico e ideológico. “A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentidos entre 28 interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 1996, p. 23). Logo, a língua não deixa de ser expressão e comunicação, mas, além disso, passa a ser uma atividade sociointerativa. A gramática que marca essa terceira vertente é a internalizada: conjunto de regras que o falante domina e utiliza para interagir com os demais interlocutores nas situações reais de comunicação. Considera-se a gramática como contextualizada, implicando em um ensino não normativista nem descritivista. Ela toma o texto como objeto de estudo, considerando-o a partir dos gêneros discursivos. A função da língua é realizar ações, agir sobre o outro e, dessa forma, o predomínio está nas interações verbais sociais. “A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos (KOCH; ELIAS, 2010, p. 11, grifos do autor). Assim, ler é relacionar o texto com os diversos contextos que o cercam. Logo, nenhum texto tem um único sentido possível, ao contrário, os sentidos são coproduzidos pelos sujeitos leitores em cada situação de leitura, considerando os contextos sociais, históricos e ideológicos, tanto da produção quanto da circulação e da recepção. Não dizemos, com isso, que todas e quaisquer leituras sejam possíveis. Não. Mas pode haver várias, de diferentes perspectivas, em determinados textos e em determinadas condições de recepção. O texto sempre nos deixa as “margens” possíveis de sua leitura, para interpretá-lo e compreendê-lo. Buscamos, então, chegar à compreensão: além de decodificar e interpretar, compreender o texto, agir sobre ele, estabelecer relações críticas sobre/com o conteúdo lido. De acordo com Orlandi (1988, p. 115), portanto, uma leitura que chegue ao nível compreensível, ou seja, quando há “atribuição de sentidos considerando o processo de significação no contexto de situação, colocando- se em relação enunciado/enunciação”. O sujeito, visto como psicossocial, ativo na produção de sentidos, construído na e pela linguagem, deixa de ser totalmente consciente e dono de sua vontade, passando a ocupar posições sujeito determinadas conforme as formações discursivas6 nas quais se insere em cada situação. Assim, a escrita é entendida como trabalho, com reais necessidades para o aluno escrever. É um trabalho consciente, com finalidade, interlocutores e gênero discursivo definidos. A oralidade, nessa perspectiva, é tida como tão importante quanto a escrita, pois a adequação de ambas depende da situação real de interação comunicativa. As variedades linguísticas são 29 consideradas e entendidas, levando-se em conta o contexto, os objetivos e as circunstâncias (o que, para quem, para que, quando, onde... os textos são produzidos). As atividades de estudo de LP consideram o funcionamento textual, discursivo, pragmático, sintático e semântico dos textos, trabalham com a produção dos efeitos de sentido, com o uso real da língua. Após fazermos esses apontamentos acerca dos conceitos relacionados à linguagem, temos condições de discutir, mais especificamente, sobre as implicações que tais conceitos têm no ensino de LP. Como afirma Geraldi (2004, p. 45), “uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um „novo conteúdo ‟de ensino”. Portanto, a discussão sobre tal concepção é de fundamental importância e relevância para o trabalho de LP e sua relação com os processos de ensino e de aprendizagem desse objeto é evidente e intrínseca. Na esteira dos postulados de Possenti (1996), em relação ao ensino de língua na escola, necessitamos, inicialmente, questionar a concepção de língua em que estão baseadas as práticas docentes e os livros didáticos, já que esse material é muito presente nas salas de aula. Sabemos que, geralmente, o conceito utilizado por esse material é aquele que toma a língua como algo uniforme, imutável e que considera apenas uma das variedades linguísticas: a norma culta. Essa visão exclui as outras formas de falar, não as considerando como adequadas ou inadequadas aos contextos de uso, mas como erradas e deficientes, portanto, não pertencentes à língua. Essa perspectiva interfere diretamente na prática de ensino dos professores de LP, pois toda e qualquer variação é vista como desvio e aquele que fala de maneira “diferente” falaria errado. Logo, extremamente elitista. Para nós, a língua é produto de um trabalho social, histórico e ideológico de determinada comunidade. Geraldi (2005) afirma que a: [...] língua, enquanto produto desse trabalhosocial, enquanto fenômeno sociológico e histórico, está sempre sendo retomada pela comunidade de falantes. E ao retomar, retoma aquilo que está estabilizado e que se desestabiliza na concretude do discurso, nos processos interativos de uso dessa língua (p. 78). Outro questionamento está vinculado à concepção de linguagem em que se baseia o ensino de LP centrado nas gramáticas. Na gramática prescritiva, que é ainda muito presente nas salas de aula, a linguagem é resumida à dimensão formal, a um 30 conjunto de regras e normas e a uma metalinguagem. Conforme Antunes (2003), é possível observarmos um ensino de gramática “descontextualizada”, “fragmentada”, “irrelevante”, “excêntrica”, “inflexível”, “voltada para a nomenclatura e classificação” (p. 31-32). Não acreditamos que a gramática normativa não precise ou não deva ser trabalhada na escola. Ao contrário. Defendemos que deve, sim, haver um trabalho sustentado por essa gramática, pois, além de ser direito dos cidadãos terem contato, conhecerem e aprenderem determinada variedade linguística, para o desenvolvimento de um ensino sustentado pelas propostas dos gêneros discursivos ou pela vertente da análise linguística, por exemplo, não nos basta apenas o conhecimento superficial da língua, mas é necessário o conhecimento e o domínio da gramática para termos condições de desenvolver um trabalho efetivo em relação aos aspectos linguísticos e discursivos. Nesse sentido, o que deve estar em foco, então, é a metodologia e a forma como a gramática será trabalhada, para que o professor não considere apenas a possibilidade tradicional, como um fim em si mesmo, mas vá além do tradicionalismo exclusivo. Ainda segundo Possenti (1996), o objetivo da escola é ensinar o dialeto padrão e qualquer outra hipótese seria um equívoco político e pedagógico. Porém, a questão crucial é discutir como realizar tal ensino, sabendo que a gramática prescritiva, pura e simplesmente, não é suficiente para se atingir o objetivo de desenvolver competências e habilidades linguísticas e discursivas. Dessa forma, afirma que uma distinção clara entre os três conceitos de gramática - prescritiva, descritiva e internalizada - eliminará a ilusão de que gramática significa uma coisa só ou que a língua é uma estrutura uniforme. Para o autor (1996, p. 86), “ensinar gramática é ensinar a língua em toda sua variedade de usos, e ensinar regras é ensinar o domínio do uso”. Assim, “aprender uma língua é aprender a dizer a mesma coisa de muitas formas” (p. 92). Sustentados, portanto, por uma concepção de linguagem como processo de interação, teremos condições de transitar por todas as concepções e utilizar o que se torna relevante a cada objeto e objetivo de ensino. Assim, o trabalho com a LP que defendemos e propomos é fruto de nossas concepções de linguagem e língua (sustentadas, principalmente, pelos estudos de Bakhtin) e de ensino de língua (baseado em autores como Geraldi, Possenti, Travaglia, Antunes, entre outros). Um trabalho que, relacionando o linguístico e o discursivo, trate a linguagem como processo de interação, a língua em uso, enfim, que considere os sujeitos como sócio, 31 histórico e ideologicamente constituídos, que se constituem como tais na e pela linguagem e se tornam reais nos e dos processos de ensino e aprendizagem. Diante do exposto, esperamos ter deixado claro nosso posicionamento em relação ao trabalho com a LP nas escolas e, em especial, a grande importância do conhecimento das três concepções de linguagem para tal trabalho. Assim, apresentamos abaixo o quadro síntese sobre nossas discussões, elaborado com base em Geraldi (2004), Cagliari (1989), Travaglia (1996), Perfeito (2005), Possenti (1996), Bakhtin/Volochínov (2006) e Koch (2003), entre outros. 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fazer parte das relações humanas, a linguagem, em suas diferentes formas de manifestação, revela opções políticas e ideológicas e, também, na sala de aula, opções teóricas e metodológicas. Assim, não só o conhecimento, mas também a prática consciente dos postulados teóricos referentes a cada concepção proporcionam o transitar entre elas, aproveitando, em relação ao ensino de língua, as contribuições relevantes e significativas de cada concepção de linguagem. O professor, então, não trabalhará somente com exercícios estruturais, mas com diferentes atividades adequadas aos objetos, objetivos e circunstâncias. Além desse saber transitar consciente, defendemos que resultados positivos aparecem desde que haja a prevalência de uma perspectiva que leve em consideração o sujeito que se constitui na e pelas relações verbo-sociais – a sociointeracionista, pois “não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas. [...] O domínio de uma língua, repito, é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas” (POSSENTI, 1996, p. 47, grifos do autor). A fim, então, de contribuir com a reflexão sobre a prática docente, apresentamos a tabela síntese de alguns conceitos relacionados aos processos de ensino e de aprendizagem, mas não de todos, pois compartilhamos a opinião de que as atividades relacionadas a tais práticas são impossíveis de se esgotarem em uma discussão como a apresentada, dados nossos objetivos. Embora, também acreditemos que ela possa se constituir em um momento de reflexão dessas práticas, uma vez que constitui, de forma concreta e metodologicamente simples, uma 32 ilustração das opções teóricas e metodológicas de professores no decorrer das últimas cinco décadas. 14 BIBLIOGRÁFIA ____. In: XAVIER, A. C.; CORTEZ, S. (Orgs.). Conversas com Linguistas: virtudes e controvérsias da linguística. 2ª impr. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ANTUNES, I. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2006. BRONCKART, J-P. Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismo sócio discursivo. Tradução Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 2003. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Linguística. São Paulo: _____, 1989. GERALDI, J. W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na Sala de Aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2004, pp. 39- 46. KOCH, I. G. V. Desvendando os Segredos do Texto. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. 3ª ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Língua Portuguesa. Curitiba, 2008. PERFEITO, A. M. Concepções de Linguagem, Teorias Subjacentes e Ensino de Língua Portuguesa. In: RITTER, L. C. R.; SANTOS, A. R. (Orgs.). Concepções de Linguagem e Ensino de Língua Portuguesa. Coleção Formação de Professores EAD, n. 18. Maringá: Eduem, 2005, v. 1, pp. 27- 79. POSSENTI, S. Por que (não) Ensinar Gramática na Escola. Campinas, SP: ALB: Mercado de Letras, 1996. SOARES, M. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986. 33 TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática. São Paulo: Cortez, 1996. ZANINI, M. Uma Visão Panorâmica da Teoria e da Prática do Ensino de Língua Materna. In. Acta Scientiarum, 21(1), Maringá, 1999, pp. 79- 88. 15 LEITURA COMPLEMENTAR Nome: Carolina R. Schirmer, Denise R. Fontoura e Magda L. Nunes Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jped/v80n2s0/v80n2Sa11.pdf Data de acesso: 24/07/2016 16 DISTÚRBIOS DA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E DA APRENDIZAGEM 17 INTRODUÇÃO Grande parte das queixas relatadas na clínica pediátrica, neurológica, neuropsicológica e fonoaudiologia infantil refere-se a alterações no processo de aprendizagem e/ou atraso na aquisição da linguagem. Acredita-seque as dificuldades de aprendizagem estejam intimamente relacionadas a história prévia de atraso na aquisição da linguagem. As dificuldades de linguagem referem-se a alterações no processo de desenvolvimento da expressão e recepção verbal e/ou escrita. Por isso, a necessidade de identificação precoce dessas alterações no curso normal do desenvolvimento evita posteriores consequências educacionais e sociais desfavoráveis. O objetivo deste estudo é instrumentalizar os profissionais da saúde, em especial o pediatra, para que possam agir no diagnóstico e na prevenção primária dos distúrbios de linguagem oral e escrita. Para tornar a leitura mais didática, enfocamos inicialmente o processo normal de desenvolvimento da linguagem, as causas neurobiológicas e ambientais dessas alterações, tentando relacioná-las com suas implicações nas diversas fases do desenvolvimento. Ao final de cada tópico, descreve-se uma breve abordagem terapêutica. 34 18 LINGUAGEM A linguagem é um exemplo de função cortical superior, e seu desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomofuncional geneticamente determinada e, por outro, em um estímulo verbal que depende do ambiente. Serve de veículo para a comunicação, ou seja, constitui um instrumento social usado em interações visando à comunicação. Desta forma, deve ser considerada mais como uma força dinâmica ou processo do que como um produto. Pode ser definida como um sistema convencional de símbolos arbitrários que são combinados de modo sistemático e orientado para armazenar e trocar informações. 19 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Muito antes de começar a falar, a criança está habilitada a usar o olhar, a expressão facial e o gesto para comunicar-se com os outros. Tem também capacidade para discriminar precocemente os sons da fala. A aprendizagem do código linguístico se baseia no conhecimento adquirido em relação a objetos, ações, locais, propriedades, etc. Resulta da interação complexa entre as capacidades biológicas inatas e a estimulação ambiental e evolui de acordo com a progressão do desenvolvimento neuropsicomotor. Apesar de não estar completamente esclarecido o grau de eficácia com que a linguagem é adquirida, sabe-se que as crianças de diferentes culturas parecem seguir o mesmo percurso global de desenvolvimento da linguagem. Ainda antes de nascer, elas iniciam a aprendizagem dos sons da sua língua nativa e desde os primeiros meses distinguem-na de línguas estrangeiras. No desenvolvimento da linguagem, duas fases distintas podem ser reconhecidas: a pré-lingüística, em que são vocalizados apenas fonemas (sem palavras) e que persiste até aos 11-12 meses; e, logo a seguir, a fase lingüística, quando a criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Posteriormente, a criança progride na escalada de complexidade da expressão. Este processo é contínuo e ocorre de forma ordenada e seqüencial, com sobreposição considerável entre as diferentes etapas deste desenvolvimento (Tabela 1). O processo de aquisição da linguagem envolve o desenvolvimento de quatro sistemas 35 interdependentes: o pragmático, que se refere ao uso comunicativo da linguagem num contexto social; o fonológico, envolvendo a percepção e a produção de sons para formar palavras; o semântico, respeitando as palavras e seu significado; e o gramatical, compreendendo as regras sintáticas e morfológicas para combinar palavras em frases compreensíveis. Os sistemas fonológico e gramatical conferem à linguagem a sua forma. O sistema pragmático descreve o modo como a linguagem deve ser adaptada a situações sociais específicas, transmitindo emoções e enfatizando significados5. A intenção de comunicar-se pode ser demonstrada de forma não-verbal através da expressão facial, sinais, e também quando a criança começa a responder, esperar pela vez, questionar e argumentar. Essa competência comunicativa reflete a noção de que o conhecimento da adequação da linguagem a determinada situação e a 36 aprendizagem das regras sociais de comunicação é tão importante quanto o conhecimento semântico e gramatical. 20 BASES BIOLÓGICAS DA LINGUAGEM O processo da linguagem é bastante complexo e envolve uma rede de neurônios distribuída entre diferentes regiões cerebrais. Em contato com os sons do ambiente, a fala engloba múltiplos sons que ocorrem simultaneamente, em várias freqüências e com rápidas transições entre estas. O ouvido tem de sintonizar este sinal auditivo complexo, decodificá-lo e transformá-lo em impulsos elétricos, os quais são conduzidos por células nervosas à área auditiva do córtex cerebral, no lobo temporal. O logo, então, reprocessa os impulsos, transmite-os às áreas da linguagem e provavelmente armazena a versão do sinal acústico por um certo período de tempo. A área de Wernicke, situada no lobo temporal, reconhece o padrão de sinais auditivos e interpreta-os até obter conceitos ou pensamentos, ativando um grupo distinto de neurônios para diferentes sinais. Ao mesmo tempo, são ativados neurônios na porção inferior do lobo temporal, os quais formam uma imagem do que se ouviu, e outros no lobo parietal, que armazenam conceitos relacionados. De acordo com este modelo, a rede neuronal envolvida forma uma complexa central de processamento. Para verbalizar um pensamento, acontece o inverso. Inicialmente, é ativada uma representação interna do assunto, que é canalizada para a área de Broca, na porção inferior do lobo frontal, e convertida nos padrões de ativação neuronal necessários à produção da fala. Também estão envolvidas na linguagem áreas de controle motor e as responsáveis pela memória. O cérebro é um órgão dinâmico que se adapta constantemente a novas informações. Como resultado, as áreas envolvidas na linguagem de um adulto podem não ser as mesmas envolvidas na criança, e é possível que algumas zonas do cérebro sejam usadas apenas durante o período de desenvolvimento da linguagem. Acredita-se que o hemisfério esquerdo seja dominante para a linguagem em cerca de 90% da população; contudo, o hemisfério direito participa do processamento, principalmente nos aspectos da pragmática. 37 20.1 Etiologia dos distúrbios da linguagem oral e escrita A fala caracteriza-se habitualmente quanto à articulação, ressonância, voz, fluência/ritmo e prosódia. As alterações da linguagem situam-se entre os mais freqüentes problemas do desenvolvimento, atingindo 3 a 15% das crianças, e podem ser classificadas em atraso, dissociação e desvio (Tabela 2). A etiologia das dificuldades de linguagem e aprendizagem é diversa e pode envolver fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura familiar relacional), ocorrendo, na maioria das vezes, uma inter-relação entre todos esses fatores. Sabe-se que as dificuldades de aprendizagem também podem ocorrer em concomitância com outras condições desfavoráveis (retardo mental, distúrbio emocional, problemas sensório-motores) ou, ainda, ser acentuadas por influências externas, como, por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada (Tabela 3). 20.2 Linguagem e epilepsia Os efeitos da epilepsia, das crises convulsivas e das descargas eletroencefalográficas sobre a linguagem têm sido discutidos em diversos estudos. Pode-se dizer que três são os distúrbios mais relatados em pacientes epilépticos: as disfasias do desenvolvimento associadas a epilepsia; as afasias críticas (agudas), onde ocorre uma alteração transitória da função cognitiva; e a afasia epiléptica 38 adquirida (síndrome de Landau-Kleffner). A afasia epiléptica adquirida é caracterizada pela deterioração da linguagem na infância associada a crises ou atividade eletroencefalográfica epileptiforme anormal. Esse tipo de afasia muitas vezes é confundido com síndrome autística ou deficiência auditiva. Além da deterioração
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