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Teoria Descolonial de Frantz Fanon: Anti-racismo, novo humanismo e luta
Article · December 2015
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Latin American Feminisms & Social Transformation from Below View project
Teoria Decolonial e Racismo de Estado View project
Juliana Moreira Streva
Freie Universität Berlin
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Conversações: Política, Teoria e Direito
Cadernos do Seminário da Pós 2015
Revista Discente da Pós Graduação - PUC-Rio
ISSN 21769826
STREVA, Juliana Moreira. Teoria Descolonial de Frantz Fanon: anti-racismo, novo humanismo e luta. In Conversações: Política, Teoria e Direito -
Revista Discente da Pós Graduação - PUC-Rio. Cadernos do Seminário da Pós 2015. ISSN 21769826. pp. 120-150. Versão Revisada.
TEORIA DESCOLONIAL DE FRANTZ FANON: ANTI-RACISMO, NOVO HUMANISMO
E LUTA
Por Juliana Moreira Streva*
Resumo
O presente estudo visa desenvolver uma leitura de conceitos centrais presentes nas duas principais
obras de Frantz Fanon: Peau noire, masques blancs (1951) e Les Damnés de la terre (1961) – que
são respectivamente o primeiro e o último livros publicados. Para tal desafio, será empreendida de
forma introdutória uma breve apresentação do autor, abordando alguns marcos biográficos de
influência em seus escritos. Posteriormente, realizaremos um panorama geral de sua teoria em três
tópicos. Primeiramente, abordaremos o complexo de inferiorização, a dupla consciência e questão
da objetificação do corpo negro. Em um segundo momento, a proposição de um humanismo
revolucionário. Por fim, adentraremos no polêmico tópico da descolonização violenta e o debate
existente na literatura.
Palavras-chave: Frantz Fanon; Racismo Colonial; Subjetividade Negra; Humanismo;
Descolonização Violenta.
* Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, 2014-2016.
1
Conversações: Política, Teoria e Direito
Cadernos do Seminário da Pós 2015
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Introdução
O que é que vocês esperavam quando tiraram a mordaça que fechava essas bocas
negras? Que elas entoassem hinos de louvação? Que as cabeças que nossos pais
curvavam até o chão pela força, quando se erguessem, revelassem adoração nos
olhos?
SARTRE, Jean-Paul1
O presente artigo faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento e pretende abordar o
pensamento descolonial do pensador Frantz Fanon. Segundo Homi Bhabha, Fanon teria sido o autor
que trabalhou os temas da raça e do racismo, assim como do colonialismo e da identidade cultural,
com maior profundidade e poesia do que qualquer outro.2 Apesar disso, o seu pensamento segue
sendo pouco visitado e debatido no meio acadêmico brasileiro, fazendo necessária uma breve
apresentação de sua trajetória como psiquiatra-filósofo e teórico-revolucionário, considerado por
Angela Davis como "o teórico do racismo e do colonialismo mais interessante deste século"3 e por
Gordon Lewis como "o maior crítico da raça e teórico da liberação do século XX"4.
Sua carreira literária começou de forma silenciosa por meio do ensaio "A experiência vivida
do homem negro", publicado no jornal Esprit em maio de 1951. Este artigo viria futuramente a
integrar o seu primeiro livro publicado, Peau noire, masques blancs. A segunda contribuição de
Fanon para o jornal foi em fevereiro de 1952, momento no qual o seu artigo intitulado "Síndrome
Norte-Africana" foi publicado como parte do dossiê "O proletariado Norte-Africano na França".
Insta esclarecer que o jornal Esprit tinha conexões próximas com o Editorial Seuil, editorial este
responsável por publicar o seu primeiro livro no verão de 1952.5 Devido a sua morte precoce aos
1 SARTRE, prefácio à Anthologie de la poésie nègre et malgache apud FANON, Frantz. Pele negra máscaras
brancas (1952). Título original: "Peau noire, masques blancs". Salvador: EDUFBA, 2008. p. 43. Este livro de Fanon
será mencionado nas próximas citações como "FANON, Frantz. op. cit., 1952" devido a data da primeira publicação.
2 BHABHA, Homi. Remembering Fanon: Self, Psyche, and the Colonial Condition. In: GIBSON, Nigel C. (ed.).
Rethinking Fanon - The Continuing Dialogue. New York: Humanity Books, 1999. p. 193.
3 DAVIS, Angela. Comentário de contra-capa. In: FANON, Frantz. The Wretched of the Earth (1961). Translation by
Richard Philcox, with commentary by Jean-Paul Sartre and Homi K. Bhabha. New York: Grove Press, 2004. 
4 GORDON, Lewis R. Fanon, Philosophy, and Racism. In: BABBITT, Susan E. e CAMPBELL, Sue (ed.). Racism
and Philosophy. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1999. p. 36.
5 Em 1952, Fanon, aos seus vinte e sete anos, publica seu primeiro livro Peau noire, masques blancs escrito quando
tinha vinte e cinco anos como tese de doutorado em psiquiatria. Contudo, a obra foi recusada pelos membros da
comissão julgadora por não apresentar uma abordagem “positivista” no estudo da psiquiatria, exigindo mais bases
físicas para os fenômenos psicológicos. Fanon, então, escreveu sua tese intitulada Troubles mentaux et syndromespsychiatriques dans l’hérédo-dégénérationspino-cérébelleuse. Un cas de maladie de Friedreich avec délire de
possession. GORDON, Lewis R. op. cit., 2008. p. 13. WALLERSTEIN, Immanuel. op. cit. p. 3. MACEY, David.
op. cit. p. 488. 
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Conversações: Política, Teoria e Direito
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trinta e seis anos, Fanon publicou apenas quatro livros com a sua autoria6, considerados todos
pilares filosóficos da Diáspora Africana. O presente trabalho abordará principalmente o seu
primeiro livro (1952) e o último (1961), publicado postumamente e escrito durante o período de dez
semanas nos quais já sofria de leucemia, chamado Les Damnés de la terre.7
É possível afirmar que sua obra não se enquadraria em uma classificação tradicional
segregadora dos saberes referentes a medicina, filosofia ou sociologia, por exemplo. Isto pois Fanon
performou como psiquiatra, revolucionário, teórico social e filósofo ao mesmo tempo. Somado a
isso, o trabalho de Fanon pode ser considerado único devido a maneira pela qual o pensador mistura
o detalhe empírico, a linguagem poética e o engajamento teórico com as principais metanarrativas
da servidão humana e da liberdade, formulando uma percepção crítica do colonialismo e da
condição pós-colonial. 
Nascido na ilha de Martiníca em 1925, o trabalho interdisciplinar fanoniano foi marcado
diretamente por sua experiência pessoal. Após completar seus estudos em psiquiatria e filosofia na
França, em 1953 foi nomeado diretor do Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville na
Argélia – hoje renomeado como Hospital Frantz Fanon. Devido as histórias de torturas
recorrentemente contadas pelos doentes argelinos, Fanon teria pedido demissão e ido para Tunísia
trabalhar com o Gouvernement Provisoire de la Révolution Algérienne (GPRA).8 
Apesar de ter vivenciado uma vida consideravelmente curta, o pensador martinicano lutou
junto às forças de resistência no norte da África, assim como também na Europa durante a Segunda
Guerra Mundial, ocasião em que foi por duas vezes condecorado por bravura. Sob este plano
biográfico, as experiências do nazismo e do colonialismo constituem experiências fundadoras,
6 Peau noire, masques blancs (1952) e L’an V de la révolution algérienne (1959), subseqüentemente lançado como
Sociologie d’une révolution: l’an V de la révolution algérienne, foram publicados em vida, já Les Damnés de la
terre foi pubicado em 1961, no mesmo ano de sua morte. A esposa de Fanon, Marie-Josèphe Dublé, editou
postumamente uma antologia de seus escritos intitulada Pour la révolution africaine (1964). GORDON, Lewis R.
op. cit., 2008. p. 12. 
7 O título do livro Les Damnés de la terre faz alusão ao poema nomeado L'Internationale (1871) de Eugène Edine
Pottier. A primeira frase do poema já demonstra a relação: "Debout, les damnés de la terre" e depois, nas linhas
finais: "C'est la lutte finale / Groupons-nous et demain / L'Internationale / Sera la genre humain". GORDON, Lewis
R. op. cit., 2008. p. 90, nota de rodapé nº 35. Além dessa alusão óbvia, há uma não tão óbvia. Escrito em 1938 ou
1939 por Jacques Roumain, Sales nègres foi primeiramente citado por Fanon em 1958, mas ele havia citado outro
poema dele em Peau noire: "Et nous voici debout / Tous les damnés de la terre / tous les justiciers / marchant à
l'assaut de vos casernes / et vos banques / comme une forêt de torches funèbres / pour en finir / une fois / pour
toutes / avec ce monde / de nègres / de niggers / de sales nègres". Jacques Roumain, 'Sales Nègres', in La Montagne
ensorcelée, Paris: Messidor, 1987, pp. 150, 155-6 apud MACEY, David. op. cit. p. 175-176. 
8 GORDON, Lewis R. op. cit., 1999. p. 36. MACEY, David. Frantz Fanon, A Biography. London, New York: Verso,
2000. p. 7. GORDON, Lewis R. Prefácio. In: FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA,
2008. p. 11-12. WALLERSTEIN, Immanuel. Ler Fanon no século XXI. Tradução de António Sousa Ribeiro. Revista
Crítica de Ciências Sociais, 82, Setembro 2008. p. 4. 
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podendo ser interpretadas como chaves de leitura de toda a sua vida, trabalho e linguagem.9 
Diferentemente de outras figuras revolucionárias, Fanon não morreu em combate ou
assassinado – ainda que tenha sobrevivido a pelo menos uma tentativa de assassinato –, mas faleceu
devido a leucemia em um hospital nos Estados Unidos, no dia 6 de dezembro de 1961, aos trinta e
seis anos. Seu corpo foi imediatamente transferido para Tunisia e consecutivamente enterrado no
território liberado da Argélia.10 Em seu enterro, o Vice-Presidente do GPRA, Belkacem Krim, falou
suas últimas palavras a Fanon: "Ainda que você esteja morto, sua memória viverá e será sempre
evocada como a figura mais nobre de nossa Revolução"; e, por fim: "Você devotou sua vida para as
causas da liberdade, dignidade, justiça e o bem. Você sempre será um exemplo vivo. Descanse em
paz. Argélia não esquecerá de você."11
9 MALDONATO-TORRES, Nelson. Epistemology, Ethics, and the Time/Space of Decolonization: Perspectives from
the Caribbean and The Latina/o Americas. In: Decolonizing Epistemologies – Latina/o Theology and Philosophy.
New York: Fordham University Press, 2012. p. 195. SEKYI-OTU, Ato. Fanon's Dialectic of Experience.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1996. p. 12. MBEMBE, Achille. A universalidade de Frantz
Fanon. Cidade do Cabo (África do Sul), 2 de Setembro de 2011. Este artigo é o prefácio do livro de Frantz Fanon
Œuvres, publicado pela La Découverte em outubro de 2011, em homenagem do cinquagésimo aniversário da morte
de Frantz Fanon. p. 1. A memória sobre os escritos de Fanon beira ao mítico, pois ou ele é reverenciado como um
espírito profético da liberação do Terceiro Mundo, ou ele é injuriado como um "anjo exterminador, a inspiração para
a violência do movimento Black Power". Nesse sentido, as leituras realizadas dos escritos de Fanon em muito
divergem devido a perspectiva tomada, apresentando fortes diferenças a do "Fanon pós-colonial" e a do "Fanon
revolucionário". Enquanto a leitura categorizada como "Terceiro Mundo" ignora profundamente o Fanon de Peau
noir, masques blanc, centralizando os seus estudos em Les Damnés de la terre, as leituras pós-coloniais realizam o
inverso, isso é, concentram-se quase exclusivamente no primeiro livro, evitando a questão da violência trazida no
segundo. BHABHA, Homi. op. cit, 1999. p. 180. Segundo Lewis Gordon, os estudos sobre Fanon passaram por 5
estágios de desenvolvimento: i) movimento reacionário que tomava Fanon e seu pensamento ou por monstro ou por
salvador; foi ocasionado por Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Hannah Arendt, etc; ii) o
segundo movimento foca na significância de Fanon para a teoria política, iniciado por Renate Zahar, com a obra
Kolonialismus und Entfremdung: Zur politischen Theorie Frantz Fanon, publicado em Frankfurt em 1969; esse
estágio deve o seu estouro na década de 70 com os excelentes trabalhos de C.L.R. James, Ato Sekyi-Otu, Pietro
Clemente e Emmanuel Hansen; iii) terceiro movimento é referente à biografia da vida de Fanon como
revolucionário e intelectual – David Caute, Peter Geismar e Irene Gendzier; iv) quarto momento acompanha a onda
dos estudos pós-coloniais na academia – Edward Said, Homi Bhabha, Benita Parry; v) estágio atual (do momento
do texto, isto é, em 1999), tem sua raiz na metade da década de 80. A primeira maior obra desse período é de
Hussein Abdilahi Bulhan, Frantz Fanon and the Psychology of Opression (1985), seguido de Fanon: A Critical
Reader - obra que apresentou a primeira coletania de estudos filosóficos sobre Fanon de uma variedade de
perspectivas disciplinares, a discussãoda Sylvia Wynter sobre Fanon, o livro de Ato Sekyi-Otu chamado Fanon's
Dialectic of Experience, dentre outros. Ver GORDON, Lewis R. op. cit., 2008. p. 39-40. MACEY, David. op. cit. p.
27.
10 Frantz Fanon foi hospitalizado no Washington's National Health Institute em setembro de 1961. A decisão de
transferi-lo para esta unidade foi tomada depois de consultar figuras proeminentes do mundo médico. Durante a sua
hospitalização em Washington até a sua morte, Fanon esteve cercado pela solicitude e pela presença de diplomatas
africanos, ativistas negros dos Estados Unidos, sua esposa e seu filho, dentre outros. Ver MACEY, David. op. cit. p.
2-3 e 486. Há quem defenda que Fanon teria morrido de uma pneumonia relativa a leucemia, que teria sido
contraída quando agentes da CIA o seguraram para interrogatório por 10 dias sem tratamento. Ver GORDON, Lewis
R. op. cit., 1999. p. 37; GORDON, Lewis R. op, cit., 2008. p. 12. Wallerstein apresenta ainda a informação de que
Fanon teria primeiro buscado tratamento na União Soviética e, depois, aos Estados Unidos. WALLERSTEIN,
Immanuel. op. cit. p. 4.
11 'Un Example toujours vivant', El Moudjahid, 21 de dezembro de 1961, pp. 648-9 apud Ibidem. p. 4-5. Apesar do
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Assim que sua morte foi anunciada em Paris, os estoques de Les Damnés de la terre foram
apreendidos pela polícia nas editoras e livrarias sob o argumento de que tal livro era uma ameaça a
segurança nacional. No dia 3 de julho de 1962, apenas alguns meses depois de seu falecimento, a
independência da Argélia foi formalmente proclamada, após oito anos de guerra que resultou em
"um milhão de mortos, dois milhões de homens, mulheres e crianças em campos, ataques policiais e
tortura".12 
Há muito para se mencionar sobre a vida de Frantz Fanon, como se pode constatar nas mais
de seiscentas páginas da biografia escrita por David Macey, por exemplo. Contudo, devido ao
objetivo ousado do presente artigo de apresentar um panorama geral de sua teoria descolonial,
teremos de nos limitar as informações por ora apresentadas. Mencionamos, por fim, que através de
sua obra e da sua vida, Fanon teria influenciado profundamente movimentos negros de resistência,
como os Black Panthers nos Estados Unidos, assim como pensadores brasileiros, como Abdias do
Nascimento, Alberto Guerreiro Ramos, Paulo Freire e o cineasta Glauber Rocha.13 
Tendo a concretude biográfica-existencial de Fanon em mente, passaremos à análise de
conceitos considerados pelo presente artigo como marcos teóricos de seu pensamento. Tal
desenvolvimento teórico será dividido em três momentos: i) complexo de inferioridade, dupla
consciência e objetificação; ii) humanismo revolucionário; iii) descolonização e violência.
discurso de Fanon seria sempre lembrado pela Argélia, David Macey mostra que de certa forma, ao longo do tempo,
a Argélia se esqueceu de Fanon. Os livros padrões de história estudados pelas crianças na Argélia contém fotografias
e pequenas biografias dos heróis da revolução, mas Fanon não é considerado dentre eles (Gilles Manceron e Hassan
Remanoun, D'une Rive à l'autre: la guerre d'Algérie de la mémoire à l'histoire, Paris: Syros, 1993, p. 227.). Para a
juventude da Argélia, Fanon não é mais do que um nome inscrito nas cartas capitais dos prédios públicos e nas
placas de rua (F. Kader, 'Le Visionnaire d'un monde nouveau', El Moudjahid, 14 de outubro de 1982.). A França
também tentou esquecer de Fanon para apagar as atrocidades ocorridas na guerra. O filme A Batalha de Argélia de
Gillo Pontecorvo feito em 1966 ganhou o grande prêmio do festival internacional de Veneza. Foi um sucesso
popular em Argélia, mas não teve autorização para exibição na França até 1970. Apenas em outubro de 1971 que o
filme finalmente foi exibido em Paris. Apud MACEY, David. op. cit. p. 6-8 e 15-16.
12 François Maspero, Tribune socialiste, 16 de dezembro de 1961: L'Humanité, 11 de dezembro de 1961 apud
MACEY, David. op. cit. p. 6, 15, 487 e 493.
13 Durante as décadas de 1960 e 1970, diferentemente dos Estados Unidos, que mal se podia mencionar o trabalho de
Fanon, a América Latina se abria para a sua leitura. No Chile, por exemplo, as ideias de Fanon estavam sendo
ensinadas nas salas de aula, e uma leitura cuidadosa da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire revela o quanto essa
obra sofreu a influência de Fanon. Nos anos de 1990 era possível estudar Fanon e Freire em cursos como Teologia
Política, Filosofia da Libertação e Pensamento Social e Político, e os estudiosos em todo o mundo estão agora
compreendendo a relação entre Fanon e outros intelectuais brasileiros. BHABHA, Homi. Foreword. In: FANON,
Frantz. The Wretched of the Earth (1961). Translation by Richard Philcox, with commentary by Jean-Paul Sartre and
Homi K. Bhabha. New York: Grove Press, 2004. p. xxviii. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A recepção de
Fanon no Brasil e a identidade negra. In: ALMEIDA, Júlia; MIGLIEVICH-RIBEIRO, Adelia; e GOMES, Heloisa
Toller (org.). Crítica Pós-Colonial: panorama de leituras contemporâneas. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 41-42 e
44. WALLERSTEIN, Immanuel. op. cit. p. 4. GORDON, Lewis R. op. cit, 2008. p. 11. 
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I. O Corpo Negro e a Vivência Negra: Dupla Consciência e Objetificação
O livro Peau noire, masques blancs trata de uma intensa análise da vivência negra diante da
colonização e dos seus remanescentes efeitos e práticas. Tal obra percorre da terminologia médica à
poesia, da análise histórica de textos à filosofia.14 Será através do mencionado livro principalmente,
como também de Les Damnés de la terre, que trabalhar-se-á a noção do complexo de inferioridade
produzida pelo colono e experienciada pelo "homem"15 negro, a dupla consciência da vivência
negra e a objetificação.16
I.I A produção da inferioridade (do racismo)
Segundo Fanon: "[a] inferiorização é o correlato nativo da superiorização europeia". E
acrescenta logo em seguida: "precisamos ter a coragem de dizer: é o racista que cria o
inferiorizado" (itálico do original).17 A partir destes trechos, podemos perceber que tanto a
inferiorização quanto o sentimento de superioridade não são referentes a uma questão essencialista
ou pré-determinada de um grupo, mas sim construções socio-culturais produzidas na colonização e
mantidas como estrutura social:
O homem branco está preso na sua brancura. O homem negro está preso na sua
negritude/negridão. [...] A nossa única preocupação é colocar um fim nesse círculo
vicioso. É um fato que os brancos se sentem superiores aos negros. É um outro fato
que os negros querem provar a todo custo aos brancos a riqueza de seu
pensamento, o igual valor de sua inteligência. A civilização branca e a cultura
europeia impuseram um desvio existencial ao homem negro. Nós vamos
14 RABAKA, Reiland. Antiracist Fanonism – Unmasking Blackness, Unmasking Whiteness: Fanon's Psycho-
Sociopolitical Existential Phenomenology of Race and Contributions to Revolutionary Blackness and Critical Race
Theory. In: Forms of Fanonism: Frantz Fanon's Critical Theory and the Dialectics of Decolonization. New York:
Lexington Books, 2010. p. 49-50. 
15 Cabe apontar que Fanon constantemente emprega a palavra "homem" para contar a qualidade fenomenológica da
humanidade, incluindo o homem e a mulher e, por essa razão, ignora a questão da diferença de gênero. Contudo,
apesar de sempre mencionar o "homem" para referir-se à humanidade, Fanon propõe um novo humanismo que
permitiria pensar o humano fora da categoria "homem", por buscar uma inovação e uma abertura das antigas formas
de humanidade já constituídas, conforme destaca Butler.Tal questão também foi apontada por Sylvia Wynter e
Homi Bhabha. Para mais informações sobre o tema, ver BUTLER, Judith. Violence, non-violence: Sartre, à propos
de Fanon. Traduit de l’américain par Ivan Ascher, Actuel Marx, vol. 1, n° 55, 2014. p. 31. BHABHA, Homi. Op.
Cit., 1999. p. 195. WYNTER, Sylvia e MCKITTRICK, Katherine. Unparalleled Catastrophe for Our Species? In:
MCKITTRICK, Katherine (org.). Sylvia Wynter - On Being Human as Praxis. Durham and London: Duke
University Press, 2015. p. 21-24 e 33-34.
16 BUTLER, Judith. Op. Cit., p. 32.
17 FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas (1952). Título original: "Peau noire, masques blancs". Salvador:
EDUFBA, 2008. p. 27, 90 e 101. Nas próximas menções, o livro será referido pela data da primeira publicação
original (1952). PESÁNTEZ, Catalina León. Aimé Césaire y la constituición de los sujetos modernos de la
colonización. In El color de la razón – Pensamiento crítico en las Américas. Universidad Andina Simón Bolívar,
Sede Equador: Corporación Editora Nacional Roca, 2013. p. 97.
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demonstrar que a chamada alma negra é uma construção do homem branco.18
O pensador martinicano ressalta em seu primeiro livro que o racismo e o colonialismo
deveriam ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele.19 O ponto
reforçado constantemente por Fanon é que toda a ideia de raça e de superioridade, assim como de
inferioridade, advêm de uma construção artificial, cultural e social – e não no sentido de uma
verdade empírica ou biológica. Tal construção é nomeada de "sociogeny" e trabalhada com
profundida pela autora jamaicana Sylvia Wynter em Towards the Sociogenic Principle: Fanon, The
Puzzle of Conscious Experience, of “Identity” and What it’s Like to be “Black”.20 
Dando prosseguimento a construção colonial, no livro Les Damnés de la terre Fanon expõe
que o mundo colonial é compartimentarizado em dois: entre os colonos e os colonizados. O setor
dos colonizados é apresentado como um lugar vergonhoso/desonroso habitado por pessoas
desonrosas/vergonhosas. Em uma descrição realizada em 1961, que poderia ter sido realizada nos
dias de hoje, Fanon descreve uma cidade dividida na qual o setor dos colonizados muito lembra a
uma periferia ou favela brasileira: "É um mundo com nenhum espaço, as pessoas se pilham umas
em cima das outras, os barracos se ajuntam e se apertam fortemente. O setor dos colonizados é um
setor esfomeado, faminto por pão, carne, calçados, carvão e luz."21 Além do abandono oficial de tal
espacialidade, o autor também aborda a desvalorização da vida dos corpos que habitam tais regiões:
"Nascemos em qualquer lugar, de qualquer jeito. Morremos em qualquer lugar, de qualquer jeito."22 
Esse mundo dividido em dois é fragmentado, primeiramente e principalmente, pela noção
construída por meio do discurso colonizador referente a diferentes "raças" que cada um pertenceria.
Assim, o "nativo" é declarado pelo colonizador como impenetrável pela ética, vislumbrado não
apenas pela ausência total de valores como também pela negação destes. Em outras palavras, ele é
tido como o mal absoluto e para este "tipo" de pessoa, destina-se o mesmo tipo de local e de vida.
Por consequência dessa divisão maniqueísta de mundo, a conclusão lógica é a desumanização do
sujeito colonizado, juntamente com a profunda desigualdade econômica do contexto colonial e as
18 FANON, Frantz. Op. Cit., 1952. p. xiii, xiv e xviii.
19 Ibidem. p. 28, 33 e 40.
20 WYNTER, Sylvia. Towards the Sociogenic Principle: Fanon, The Puzzle of Conscious Experience, of “Identity”
and What it’s Like to be “Black”. Collection of essay National Identity and Sociopolitical Change: Latin America
Between Marginizalization and Integration, edited by Mercedes Durán-Cogan and Antonio Gómez-Moriana,
University of Minnesota Press, 1999. p. 19 e 28.
21 FANON, Frantz. The Wretched of the Earth (1961). Tradução por Richard Philcox, com comentário de Jean-Paul
Sartre e Homi K. Bhabha. Título original: "Les Damnés de la terre". New York: Grove Press, 2004 . p. 4. Este livro
será designado nas próximas notas como "FANON, Frantz. op. cit., 1961" devido a data da primeira publicação.
22 Ibidem. p. 4.
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enormes disparidades dos estilos de vida que evidenciam a realidade (des)humana existente. Os
colonizadores retiram à força o valor mais essencial para o povo colonizado, que é a sua terra,
através da qual poderia sobreviver.23 
Para Fanon, esse processo de inferiorização é produzido por meio de um duplo
movimento. Inicialmente, o corpo negro passa pelo processo econômico – perda da sua terra,
autonomia, trabalho – que é epidermizado – justificação relativa à cor da pele. Somado a isso, há o
segundo mecanismo, referente à linguagem, pela qual o(a) colonizado(a) recém-chegado,
sequestrado de sua terra e enviado forçadamente à outra, é obrigado a adotar uma linguagem
diferente daquela da coletividade em que nasceu, o que representa por si um deslocamento, isto é,
uma imposição de assumir uma cultura, de suportar o peso do que chamam de "civilização".24 
Cabe esclarecer que não é o objetivo do trabalho de Fanon provar ou reforça a igualdade entre
o ser humano negro e branco, tarefa que não é tida como preocupação nem pelo pensador da
Martiníca, nem pelo presente estudo. O resultado almejado seria o de contribuir para a liberação do
arsenal de complexos germinados no seio da situação colonial. O(a) negro(a) não deve ser colocado
no dilema de branquear ou desaparecer, mas sim tomar consciência de novas possibilidades de
existir. Em uma sociedade que afirma a superioridade de uma raça e, consequentemente, cria
dificuldades por causa da cor de pele, Fanon não pretende meramente dissuadir o indivíduo negro
que encontra em seus sonhos a expressão de um desejo inconsciente de mudar a sua cor, mas ao
contrário. Fanon busca primeiramente esclarecer as causas desse desejo e, assim, "torná-lo capaz de
escolher a ação (ou a passividade) a respeito da verdadeira origem do conflito, isto é, as estruturas
sociais".25 Contudo, devemos reconhecer que este movimento de transformação não deve ser de
forma alguma interpretado como um movimento cabido apenas aos corpos colonizados. Nestes
termos, passaremos agora ao diálogo entre Fanon e Du Bois, enfrentando de início a noção referente
ao "problema do negro".
I.II Fanon e W.E.B. Du Bois: a dupla (ou tripla) consciência
Em 1903, meio século antes de Fanon, W.E.B. Du Bois – que vivia nos Estados Unidos no
qual a segregação racial vigorava institucionalmente – aponta nas primeiras linhas do livro The
Souls of Black Folks o fato de que os racistas tratariam os negros como um problema ao invés de
23 Ibidem. p. 5-7 e 9.
24 Ibidem. p. 28, 33 e 40.
25 Ibidem. p. 44, 95-96.
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reconhecer o problema enfrentado pelos negros. Diferentemente de que o senso comum da época
costumava afirmar, Du Bois esclarece que não há algo intrinsecamente errado com as pessoas
negras, mas há um problema localizado no sistema social no qual vivemos.26 
Fanon buscou avançar em tal pensamento e romper, junto com Du Bois, com a visão
essencialista de que o(a) negro(a) seria sui generis algo, se aproximando da percepção
existencialista, segundo a qual a cor e a raça não são essências de alguém, mas produtos da
existência e da situação na qual vivemos.
Sobre a colonização, Du Bois reconhece a escravização do(a) negro(a) como a soma da
perversidade,a causa de toda tristeza, a raiz de todo preconceito,27 apontando que o problema
permanece na sociedade após a colonização e após a escravização. Isso pode ser percebido na
seguinte passagem:
[...] sussurros e avisos vieram pelos quatro ventos: Ei! nós estamos adoentados e
morrendo, chamando os anfitriões negros; nós não sabemos escrever, nosso voto é
em vão; para que seria necessária a educação se devemos cozinhar e servir? E a
Nação ecoou e reforçou esta autocrítica, dizendo: Estejam contentes por serem
serventes e nada mais; para que uma cultura superior para um meio-homem (half-
man)? [...] a clara percepção das responsabilidades sociais dos Negros e a sóbria
compreensão do significado de progresso.28
Nestes termos, Du Bois aborda a questão da duplicidade vivida pela pessoa negra, de se
sentir two-ness, um Americano e um negro, como se isso implicasse em ter duas almas, duas formas
de pensamento, dois esforços inconciliáveis; "dois ideais em guerra em um só corpo escuro, cuja
força tenaz é apenas o que o impede de se dilacerar".29 Fanon o acompanha em seus escritos,
mostrando que de um dia para o outro, o(a) negro(a) teve que se situar em dois sistemas de
referência a ele(a) imposto. Ontologicamente, o ser negro diante do branco (ser-para-o-outro). E em
sua metafísica, isto é, seus costumes e referências que foram abolidos por estarem supostamente em
contradição com uma "civilização" que lhe foi imposta e que não conhecia.30
26 DU BOIS, W.E.B. The Souls of Black Folk. New York: Dover Publications, 1994. p. 1; Ibidem. p. 118. MACEY,
David. op. cit. p. 163; GORDON, Lewis R. op. cit., 2008. p. 87; op. cit., 1997. p. 69; GORDON, Lewis R. op. cit.,
1999. p. 47.
27 DU BOIS, W.E.B. op. cit. p. 4.
28 No idioma original: "[...] whisperings and portents came borne upon the four winds: Lo! we are diseased and dying,
cried the dark hosts; we cannot write, our voting is vain; what need of education, since we must cook and serve?
And the Nation echoed and enforced this self-criticism, saying: Be content to be servants, and nothing more; what
need of higher culture for half-men? [...] the cleared perception of the Negroes' social responsabilities, and the
sobering realization of the meaning of progress" (tradução livre). DU BOIS, W.E.B. op. cit. p. 6.
29 No idioma original: "one ever feels his two-ness, - an American, a Negro; two souls, two thoughts, two unreconciled
strivings; two warring ideals in one dark body, whose dogged strength alone keeps it from being torn asunder"
(tradução livre). DU BOIS, W.E.B. op. cit. p. 2. 
30 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 104. Segundo Mignolo, o pensamento descolonial significa habitar e pensar na
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Segundo Fanon, a pessoa só é considerada humana na medida em que é reconhecida pelo
outro. É deste outro, do reconhecimento do outro, que dependem seu valor e sua realidade humana.
É neste outro que se condensa o sentido de sua vida.31 Sob este viés, Lewis Gordon, no prefácio da
versão em inglês do livro Peau noire, esclarece sobre a dialética entre o Eu e o Outro:
A liberdade requer um mundo de outros. Mas o que acontece quando os outros não
nos oferecem reconhecimento? Um dos desafios instigantes de Fanon para o
mundo moderno aparece aqui. Na maioria das discussões sobre racismo e
colonialismo, há uma crítica da alteridade, da possibilidade de tornar-se o Outro.
Fanon, entretanto, argumenta que o racismo força um grupo de pessoas a sair da
relação dialética entre o Eu e o Outro, uma relação que é a base da vida ética. A
conseqüência é que quase tudo é permitido contra tais pessoas, e, como a violenta
história do racismo e da escravidão revela, tal licença é freqüentemente aceita com
um zelo sádico. A luta contra o racismo anti-negro não é, portanto, contra ser o
Outro. É uma luta para entrar na dialética do Eu e do Outro.32
Dando prosseguimento ao assunto, Du Bois reconhece que o problema do século XX é o
problema da separação de cores, chamada de color-line, que implica na relação entre negros(as) e
as raças mais claras.33 Fanon, no capítulo A experiência vivida do negro, mantém o questionamento
de tal problema, e diz que "[o] negro em seu país, em pleno século XX, ignora o momento em que
sua inferioridade passa pelo crivo do outro [...]. Juntos protestamos e afirmamos a igualdade dos
homens diante do mundo".34 Nesse sentido, Homi Bhabha explica que o "Outro" implica em um
processo de substituição que insere o normativo, isto é, um lugar normalizador para o sujeito,
gerador do vazio e da náusea.35 
Sobre a náusea e a relação Eu-e-Outro, mencionamos o movimento fanoniano de ir nas
entranhas de sua experiência pessoal – na primeira pessoa – e relatar acontecimentos pelos quais
passou por ser um homem negro diante do branco. Fanon traz o peso do olhar branco opressor, que
dificulta a elaboração do seu próprio esquema corporal, por se limitar a uma negação constante (o
"não" branco). Aqui, ele deixa o esquema da bipartição, da dupla consciência, e se alonga até
mesmo para uma noção tripla. Para ilustrar isso, é trazida a narrativa dolorosa de ser visto pelo
fronteira – na linha divisória que separa e unifica a modernidade e a colonialidade; que significa exterioridade.
Exterioridade não é o fora, mas o fora construído de dentro em um processo de construir-se como dentro.
Exterioridade é a morada da população do mundo que não pertence ao que chamam de "civilização" e "democracia".
Assim, modernidade é o discurso que define sua interioridade ao criar a diferença de ser marginalizado e eliminado.
MIGNOLO, Walter. Decolonizing Western Epistemology/Building Decolonial Epistemologies. In: Decolonizing
Epistemologies - Latina/o Theology and Philosophy. New York: Fordham University Press, 2012. p. 26.
31 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 180.
32 GORDON, Lewis R. op. cit., 2008. p. 16. 
33 DU BOIS, W.E.B. op. cit. p. 9.
34 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 104.
35 BHABHA, Homi. op. cit., 1999. p. 189.
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outro, pelo "Olhe, um preto!" que deixa de ser divertido e passa a ser doloroso para o autor. Faz-se
necessário citar o trecho do livro devido a potência de suas palavras:
"Mamãe, olhe um preto, estou com medo!" Medo! Medo! Agora eles estão
começando a ter medo de mim. Quis gargalhar até sufocar, mas isso tornou-se
impossível. Eu não aguentava mais [...]. Então o esquema corporal, atacado em
vários pontos, desmoronou, cedendo lugar a um esquema epidérmico racial. No
movimento, não se tratava mais de um conhecimento de meu corpo na terceira
pessoa, mas em tripla pessoa. No trem, ao invés de um lugar, deixavam-me dois,
três lugares. Eu já não me divertia mais. Eu era incapaz de descobrir as
coordenadas febris do mundo. Eu existia em triplo: ocupava determinado lugar. Ia
ao encontro do outro... e o outro, evanescente, hostil mas não opaco, transparente,
ausente, desaparecia. A náusea...36
Conforme explica Rabaka, a voz da criança branca ecoa a internalização do racismo anti-
negro e o medo expressado ao vê-lo evidencia a quase inexistência de interações ou relações
interraciais em um mundo racista anti-negro. A criança vai da ingênua observação da pigmentação
da pele – que inicialmente diverte Fanon – ao violento momento de perda completa de inocência
racial – se é que tal coisa existe em um mundo racista –, ao evidenciar o racismo internalizado.37 
Pierre Macherey interpreta o trecho acima citado evidenciando que neste momento emerge a
duplicidade introduzida por Du Bois que consiste no sentimento de não ser um sujeito como os
outros. Isto é, por ser um sujeito com algo a mais ou a menos, que é a cor, uma característicaconotada negativamente, como a ausência da não coloração (o "não" branco). Em sua leitura, este
sujeito, por ser negro, diferentemente dos outros, é constituído como tal devido ao olhar na ordem
do visível. Não se é negro sozinho, em face a si mesmo, mas em uma estrutura própria da sociedade
colonial na qual se instala uma forma de dominação que situa o branco como uma posição
superior.38
Lewis Gordon, em Fanon, Philosophy, and Racism, explica que o negro é invisibilizado
devido a forma pela qual ele é "visto". Há, portanto, uma perversidade em relação ao negro no "ver
invisibilizado", isto é, uma forma de "ausência presente" (o não branco). Segundo Gordon, isso
pode ser nomeado como um anonimato pervertido, o que em outras palavras ser anônimo significa
literalmente ser sem nome, representando assim uma forma de anonimato que constitui formas de
fechamento.39 Em Existential Dynamics of Theorizing Black Invisibility, prossegue e explica a
36 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 105; Black skin, white masks. Translated by Richard Philcox. New York: Grove
Press, 2008. p. 91-92.
37 RABAKA, Reiland. op. cit., p. 56 e 58.
38 MACHEREY, Pierre. Figures de l'assujettissement: "Tiens, un nègre!": être (un) noir (Fanon). In: Le sujet des
normes. Paris: Éditions Amsterdam, 2014. p. 68-70 e 77.
39 GORDON, Lewis R. op. cit., 1999. p. 42.
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conexão da coisificação com a invisibilidade negra, alegando que "[v]er o(a) negro(a) como uma
coisa demanda a invisibilidade da perspectiva negra".40 Assim, o corpo negro é confrontado com a
situação da sua ausência: por um lado, a presença negra é entendida como a ausência, por outro
lado, a presença branca é vislumbrada como a presença, o que desencadeia uma lógica enviesada.
Logo, regras que são aplicadas aos corpos brancos mudam quando aplicadas aos corpos negros em
um mundo anti-negro.
Como fruto desse fechamento, dessa invisibilização e da estigmatização do negro, surge a
náusea. Nas palavras de Fanon: "A vergonha. A vergonha e o desprezo de si. A náusea. Quando me
amam, dizem que o fazem apesar da minha cor. Quando me detestam, acrescentam que não é pela
minha cor. Aqui ou ali, sou prisioneiro do círculo infernal."41 Ao ser atingido pela violência do
racismo, Fanon se encontra em um abismo da sua dupla consciência e escreve sobre esse efeito
violento em seu corpo: 
Meu corpo era devolvido, desancado, desconjuntado, demolido, todo enlutado,
naquele dia branco de inverno. O preto é um animal, o preto é ruim, o preto é
malvado, o preto é feio; olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme
porque sente frio, o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio,
um frio que morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme
de raiva [...].42
Ao interpretar este trecho, Homi Bhabha aponta que "[o] olhar do homem branco quebra o
corpo do homem negro e em um ato de violência epistêmica e o seu próprio escopo de referência é
transgredido, o seu campo de visão deturpado".43 No mesmo sentido, Diana Fuss destaca que o
processo violento colonial faz com que o negro comece e termine violentamente fragmentado,
sendo sempre o não-branco, já o branco nunca é o não-negro, pois é construído de forma a se
considerar elevado à própria noção da categoria de "raça".44
I.III Fanon e Aimé Césaire: coisificação e objetificação
No primeiro trecho citado no livro Peau noire, Aimé Césaire45 – poeta também da Martiníca –
40 GORDON, Lewis R.. Existential Dynamics of Theorizing Black Invisibility. In: GORDON, Lewis R. (ed.).
Existence in Black: An Anthology of Black Existential Philosophy. New York: Routledge, 1997. p. 73.
41 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 109.
42 Ibidem. p. 107.
43 BHABHA, Homi. op. cit. 1999. p. 184.
44 FUSS, Diana. Interior Colonies: Frantz Fanon and the Politics of Identification. In: GIBSON, Nigel C. (ed.).
Rethinking Fanon – The Continuing Dialogue. New York: Humanity Books, 1999. p. 297.
45 AIMÉ, Césaire. Discourse on Colonialism (1950). Título original: "Discours sur le Colonialisme". Translated by
Joan Pinkham. Nova Iorque: Monthly Review Press, 2000. Aimé Césaire nasceu em 26 de junho de 1913 em Basse-
Terre (Martinica) e morreu em 17 de abril de 2008 em Fort-de-France. Ele é um dos intelectuais negros que, de
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reflete acerca do fato de que milhões de homens teriam sido invadidos pelo medo, pelo complexo
de inferioridade, pelo desespero e servilismo do negro colonizado. Compreende-se assim que dois
anos antes da publicação do primeiro livro de Fanon, Césaire refletia em Discours sur le
Colonialisme sobre a questão negra colonial e apresentava em sua obra. A equação de Césaire
"colonização = coisificação" parece também ecoar no pensamento e escrita de Fanon.46
Segundo Césaire, não há nenhum contato humano entre colonizador e colonizado, mas tão
somente relações de dominação e submissão, que transforma o colonizado em um mero instrumento
de produção, de trabalho forçado, através de intimidação, pressão, desconfiança, desprezo e polícia.
Por meio dessa relação, os seres colonizados foram constantemente coisificados, tendo a suas
"culturas espezinhadas, de instituições minadas, de terras confiscadas, de religiões assassinadas, de
magnificências artísticas aniquiladas, de extraordinárias possibilidades suprimidas"47 (itálico do
original). Ele escreve, portanto, sobre milhares de pessoas que foram arrancadas de seus deuses, de
sua terra, dos seus hábitos, isto é, de suas vidas.
Prosseguindo com tal problema, Fanon se questiona sobre o racismo, caminhando em direção
ao coração da questão. Isto implica em não se perguntar se o conceito de raça é ou não defensável,
mas sim: O que o racismo faz com as pessoas? Tendo em mente esta pergunta, Fanon sustenta que o
racismo objetifica, noção muito aproximada da coisificação abordada por Césaire. Fanon denuncia:
"Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia de desejo de
estar na origem do mundo, e eis que me descubro em meio a outros objetos."48
Ao interpretar Frantz Fanon, Richard Schmitt, em seu artigo Racism and Objectification:
Reflections on Themes from Fanon, argumenta que a objetificação não deve ser entendida no
sentido de transformar pessoas em coisas, ou deprivá-las de sua liberdade, mas de forma mais
profunda e complexa, como uma recusa cuidadosa e sistematicamente orquestrada de relações
genuinamente humanas. Segundo ele, não é imediatamente claro o que "objetificação" possa
significar.49
diferentes formas, lutou contra a alienação cultural imposta pelo colonialismo francês. Junto a outros estudos nas
Antillas, da Guiana Francesa e da África fundaram o período intitulado "El estudiante negro", em cujas páginas
Césaire, pela primeira vez, elaborou o conceito de "negritude" como uma resposta à dominação colonial e como uma
forma de resgatar a cultura africana, desprestigiada pelo racismo surgido da opressão colonial. Ver PESÁNTEZ,
Catalina León. op. cit. p. 95.
46 AIMÉ, Césaire. op. cit. p. 42.
47 Ibidem. p. 43.
48 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 103. SCHMITT, Richard. Racism and Objectification: Reflections on Themes
from Fanon. In: GORDON, Lewis R.; SHARPLEY-WHITING, T. Denean; WHITE, Renée T. (ed.). Fanon: A
Critical Reader. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers Inc., 1996. p. 35.
49 SCHMITT, Richard. op. cit. p. 36-38.
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Achille Mbembe, no prefácio do livro Œuvres de Frantz Fanon, apresenta a interpretação do
conceitode objetificação, alegando que o racismo colonial visa "anestesiar os sentidos e [...]
transformar o corpo do colonizado em coisa, cuja rigidez lembra a do cadáver".50 Por outro lado,
Richard Schmitt toma o termo objetificação em sua literalidade e explica que a objetificação seria
um projeto impossível, tendo em vista que seres humanos não são coisas e só podem tornar-se
coisas ao morrer. Logo, segundo ele, a objetificação não significaria transformar pessoas em objetos
– pois isto não pode ser realizado –, mas agir como se assim o fossem, e ainda, forçá-las a aceitar
esta posição de coisa, pelo menos em relação ao opressor.51 
Percebe-se assim que a interpretação dos dois autores não se opõe. Enquanto o primeiro
permanece na ideia da objetificação colonial como uma relação que mata em vida, transformando o
corpo dos sujeitos colonizados em corpos enrijecidos como os de um cadáver; o segundo vai pelo
viés mais literal e explica que os sujeitos não são ipsi literis transformados em objetos, mas sim
tratados como se o fossem, em uma relação que se recusa a reconhecer sua humanidade. 
Após apresentar essa rede colonial opressora e objetificante que submete o negro e a negra ao
status inferiorizado de coisa, Fanon segue se questionando, afinal, se o racismo objetifica o sujeito
colonizado, como seria possível fugir dessa objetificação? Visando refletir sobre isso, Fanon
escreve:
Nessa época, desorientado, incapaz de estar no espaço aberto com o outro, com o
branco que impiedosamente me aprisionava, eu me distanciei para longe, para
muito longe do meu estar-aqui, constituindo-me como objeto. O que é que isso
significava para mim, senão um desalojamento, uma extirpação, uma hemorragia
que coagulava sangue negro sobre todo o meu corpo? [...] Queria ser homem, nada
mais do que um homem. Alguns me associavam aos meus ancestrais escravizados,
linchados: decidi assumir.52 
Compreende-se, então, que a problemática da alienação da pessoa negra não é relativa à uma
questão individual e não pode ser explicada puramente em termos ontológicos comuns ao
paradigma psicoanalítico, que busca adaptar o indivíduo à sociedade. Pelo contrário, esse processo
alienador demanda uma outra forma de compreensão baseada no coletivo e nos modos de "ser
humano" socializados (sociogeny), o que requer, portanto, um sociodiagnóstico, isto é, uma
50 MBEMBE, Achille. op. cit. p. 2.
51 SCHMITT, Richard. op. cit. p. 39. O racismo aparece através de diferentes formas de expressão inseridas em uma
larga gama de práticas e instituições, como por exemplo: i) infantilização; ii) difamação – tidos como defeituosos,
com falta de habilidade; iii) desconfiança; iv) ridicularização; v) exclusão; vi) invisibilização; vii) bode expiatório –
grupo que deve sofrer no lugar dos outros; viii) violência. Todas essas formas específicas de racismo, segundo a
leitura de Richard Schmitt, seriam meios para o fim geral que é a objetificação. Logo, o racismo é uma complexa e
poderosa rede de estruturas que impõe relações objetificantes. SCHMITT, Richard. op. cit. p. 41.
52 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 106.
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transformação social.53 Assim, sobre esse reconhecimento do problema e a decisão de se assumir
como forma de resistência e de afirmação da negritude, analisaremos agora a questão do ser negro,
isto é, da subjetividade negra como elemento transformador de luta. 
II. A Subjetividade e o Humanismo revolucionário de Fanon
No início do livro Peau noire, masques blancs, Fanon anuncia de onde fala e arrebata que
não vem armado de verdades, mas sim de coisas que precisam ser ditas. Segundo ele, uma única
linha seria suficiente e esta seria a pergunta: "O que o homem negro quer?".54 Essa passagem revela
um desafio provocativo da interseção da filosofia e do racismo, pois ao levantar a questão do
desejo, Fanon também levanta a questão da subjetividade negra. Assim, desde o início de seus
trabalhos escritos, a questão principal foi a de liberar novas possibilidades para a existência humana
e para a história aprisionada pela experiência de colonização e da consciência racializada. 55 
A escravização e a colonização foram e ainda são tão brutais que formam uma espécie de
trauma ou até mesmo de aniquilação. Peau noire, masques blancs pode ser descrito como uma
análise da situação do autor ou de estar-no-mundo (being-in-the-world), somado a uma proposta de
autenticidade negra no mundo branco.56 Conforme destaca Achille Mbembe, para um colonizado
“viver não é incarnar valores, inserir-se no desenvolvimento coerente e fecundo de um mundo”,
mas tão somente “não morrer”.57 
Segundo a leitura de Diana Fuss em Interior Colonies: Frantz Fanon and the Politics of
Identification, o colonialismo funciona em parte como o policiamento das fronteiras da
inteligibilidade cultural, legislando e regulando quais identidades alcançam a completa significação
cultural e quais não. Para o homem negro, as implicações da sua exclusão do plano da simbolização
cultural são imediatas e devastadoras.58 
Tão devastadoras que, como explicitado por Reiland Rabaka, Fanon observa como a defesa
da superioridade branca também impactou a concepção dos negros de si mesmos, especialmente ao
53 WYNTER, Sylvia. op. cit. p. 12.
54 FANON, Frantz. Black skin, white masks. Translated by Richard Philcox. New York: Grove Press, 2008. p. xi-xii.
55 SEKYI-OTU, Ato. op. cit. p. 17. GORDON, Lewis R. op. cit., 1999. p. 38. GORDON, Lewis R. op. cit. 1997. p. 77.
56 MACEY, David. op. cit. p. 166. Além da escravização e colonização, Fanon aproxima a questão judaica com o
passado pelos negros, relatando que aprendeu com o seu professor de filosofia de origem antilhana que quando estão
falando sobre os judeus – holocausto, racismo de Estado, discriminação, genocídio e desumanização – estão falando
dos negros também. Citando a obra Réflexions sur la question juive de Jean-Paul Sartre, Fanon une a questão negra a
questão judia, considerado por ele seu "irmão por infortúnio" escreve: "[o] judeu e eu: não satisfeito em me
racializar, por um acaso feliz eu me humanizava." FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 108 e 112. 
57 MBEMBE, Achille. op. cit.. p. 2.
58 FUSS, Diana. op. cit. p. 296.
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considerar a colonização racial das vidas negras e das experiências vividas.59 Ainda de acordo com a
leitura de Rabaka, a criação racial imperialista e colonizadora de super-humanos e sub-humanos,
além de impactar profundamente os negros, também apresenta conseqüências para os brancos:
muitos perderam, em variadas instâncias, a sua própria humanidade.60 
O humanismo revolucionário de Fanon busca, portanto, romper radicalmente com o
humanismo racista europeu, que nunca foi ou tem sido um verdadeiro humanismo no mundo, mas
tão somente tem criado e re-criado, deliberadamente e sistematicamente, escravos e monstros.61
Conforme analisa Judith Butler, esse sofrimento gerado pelo colonialismo deve ser situado
politicamente, constituindo tal sofrimento uma fonte para os movimentos políticos. Compreende-se
assim como essas feridas atuam de duas formas diferentes: tanto como efeitos de atos criminosos
por um lado, como motores da história por outro lado.62 
Nesse sentido, buscando romper com essa lógica mortífera e desumanizadora, Fanon
reinvidica a negritude como possível saída, movimento pelo qual faz o seu sangue, que estava
dividido em três partes, voltar a correr em suas veias, recuperando as "artérias do mundo
arrancadas, desmanteladas, desenraizadas".63 É através dessa proposta que Fanon defende a
afirmação, de fazer-se conhecer, ressignificandoo conceito racial empregado para oprimir,
objetificar e inferiorizar.
Como assim? Quando então eu tinha todos os motivos para odiar, detestar,
rejeitavam-me? Quando então devia ser adulado, solicitado, recusavam qualquer
reconhecimento? Desde que era impossível livrar-me de um complexo inato, decidi
me afirmar como Negro. Uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só havia
uma solução: fazer-me conhecer.64 
Por meio deste movimento, Fanon busca desconstruir o mito essencialista do negro, o peso
que o negro carrega, a desconfiança que recebe por sua cor. Fanon, médico-psiquiatra, escreve: "[o]
médico negro não saberá jamais a que ponto sua posição está próxima do descrédito".65 Em outras
palavras, se um negro falhar, este não seria apenas o seu fim, como também o fim para os outros
que o seguiam, pois é tido com desconfiança e como representativo de um grupo. 
O pensador se abraça, portanto, na afirmação da negritude como saída e possível forma de
59 RABAKA, Reiland. op. cit. p. 65.
60 Ibidem. p. 67.
61 Ibidem. p. 70.
62 BUTLER, Judith. op. cit. p. 20.
63 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 115.
64 Ibidem. p. 108.
65 Ibidem. p. 109.
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desconstrução desse sistema social de inferiorização do negro, e para isso, enfrenta o escrito de
Sartre em Orphée Noir, trecho este que teria inicialmente causado grande desilusão em Fanon:
De fato, a negritude aparece como o tempo fraco de uma progressão dialética: a
afirmação teórica e prática da supremacia do branco é a tese; a posição da
negritude como valor antitético é o momento da negatividade. Mas este momento
negativo não é autosuficiente, e os negros que o utilizam o sabem bem; sabem que
ele visa a preparação da síntese ou a realização do humano em uma sociedade sem
raças. Assim, a negritude existe para se destruir; é passagem e ponto de chegada,
meio e não fim último.66 
Em contraponto a isso, Fanon esclarece que, ao salientar o lado negativo, Sartre teria se
esquecido que esta negatividade tira o seu valor de um absoluto quase substancial. Ainda que
reconheça que a obra de Sartre seja um marco do intelectualismo do existir negro, aponta o erro
cometido pelo existencialista francês por sua demasiada ousadia de tentar, não apenas chegar à
fonte da fonte, mas também secá-la. Fanon escreve que Jean-Paul Sartre "se esqueceu que o negro
sofre em seu corpo de outro modo que o branco" e acrescenta que "[e]ntre o branco e eu, há
irremediavelmente uma relação [sic] de transcendência".67
Ao mesmo tempo que reconhece esse "golpe imperdoável" de Sartre, Fanon afirma ter sido
por ele profundamente influenciado, principalmente acerca da noção de existencialismo que, na
conferência de 1946 intitulada O existencialismo é um humanismo, Sartre pontua a defesa nuclear
do existencialismo na ideia de que a existência precede a essência.68 Assim, em um pensamento
profundamente existencialista, Fanon rompe com a visão da negatividade, do "não" branco, "não"
europeu, de ser sobredeterminado pelo exterior, isto é, da situação de ser escravo da "ideia" que os
outros fazem do negro. Anuncia que a sua consciência negra não se assume pela falta de algo, ou a
qualquer negatividade, mas, pelo contrário, pela positividade, pela afirmação. Almeja, portanto,
uma consciência que ignora as essências ou pré-determinações do ser, e que se engaje na
experiência, afirmando que a "pele negra não é depositária de valores específicos".69 Fanon almeja
assim libertar "o homem", tornando-o livre dos estigmas, das cores, das "raças":
O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais nada menos, liberar o
homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o
branco e o negro. Tenazmente, questionaremos as duas metafísicas e veremos que
elas são frequentemente [sic] muito destrutivas. Não sentiremos nenhuma piedade
66 SARTRE, Jean-Paul, "Orphée Noir", prefácio à Anthologie de la poésie nègre et malgache, pp. XL e sqq. apud
FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 121.
67 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 121 e 124.
68 SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é humanismo. Trad. Rita Correia Guedes. Paris: Les Éditions Nagel, 1970.
p. 3.
69 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 108, 122 e 188.
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dos antigos governantes, dos antigos missionários. Para nós, aquele que adora o
preto é tão “doente” quanto aquele que o execra. Inversamente, o negro que quer
embranquecer a raça é tão infeliz quanto aquele que prega o ódio ao branco. Em
termos absolutos, o negro não é mais amável do que o tcheco, na verdade trata-se
de deixar o homem livre.70 
Na conclusão de seu primeiro livro, Fanon esclarece que não está ingenuamente defendendo
que a realidade mudará apenas através de um apelo à razão ou ao respeito, mas tão somente através
da luta que combata a exploração, a miséria e a fome. Nesse sentido, "o negro tem um passado a
valorizar e uma revanche a encaminhar".71 Fanon escreve: "Desperto um dia em um mundo onde as
coisas machucam; um mundo onde exigem que eu lute; um mundo onde sempre estão em jogo o
aniquilamento ou a vitória"; e ele, então, escolhe a luta, reconhecendo como único direito o de
"exigir do outro um comportamento humano".72
Essa humanidade está presente no desejo, na procura, no querer. Esclarece assim que não
existe um mundo branco, ou uma ética branca, somente há "de um lado ou do outro do mundo,
homens que procuram". Fanon introduz a invenção na existência, buscando não ser o "escravo da
escravidão que desumanizou" seus pais, mas sim o mais solto e livre possível, pois, segundo ele, o
destino do homem é ser livre. 
Sobre a escravização e a desumanização, Fanon se opõe ao humanismo europeu e pede pelo
fim da dominação do homem pelo homem que define o colonialismo,73 buscando, assim, um novo
humanismo:
A desgraça do homem de cor é ter sido escravizado. A desgraça e a desumanidade
do branco consistem em ter matado o homem em algum lugar. Consiste, ainda hoje,
em organizar racionalmente essa desumanização. Mas, eu, homem de cor, na
medida em que me é possível existir absolutamente, não tenho o direito de me
enquadrar em um mundo de reparações retroativas. Eu, homem de cor, só quero
uma coisa: Que jamais o instrumento domine o homem. Que cesse para sempre a
servidão do homem pelo homem.74
Fanon grita pedindo pelo rompimento da história de dominação e opressão de um ser humano
ao outro, visando afastar as vozes do passado que enalteciam a desumanização, em busca de
estabelecer o início de uma verdadeira comunicação, desalienada, em prol da liberdade. Neste
70 Ibidem. p. 26.
71 Ibidem. p. 187.
72 Ibidem. p. 189.
73 BERNASCONI, Robert. Casting the Slough: Fanon's New Humanism for a New Humanity. In: GORDON, Lewis
R.; SHARPLEY-WHITING, T. Denean; WHITE, Renée T. (ed.). Fanon: A Critical Reader. Cambridge,
Massachusetts: Blackwell Publishers Inc., 1996. p. 117.
74 FANON, Frantz. op. cit., 1952. p. 190-191.
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sentido, ele deixa de lado as questões de superioridade ou inferioridade, voltando a sua atenção para
a importância de sensibilizar o outro, sentir o outro, revelar-se outro. Encerra esse hino à liberdade
com a sua última prece: "Ó meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!".75 
No mesmo sentido do já afirmado no livro Peau noire, masques blanc, Fanon reforça em
Les Damnés de la terre que é o "colonizador que fabricou e continua a fabricar o sujeito
colonizado" (itálico da versão original).76 A descolonização tem como objetivo alterar
fundamentalmente o sere transformar o espectador esmagado em um estado não-essencial (o
sujeito colonizado) em um ator privilegiado de transformação. Busca-se assim adicionar um novo
ritmo, uma nova geração de pessoas, com uma nova linguagem e um novo humanismo. A
descolonização seria, portanto, a criação de um novo ser humano, capaz de transformar a "coisa
colonizada" em ser humano por meio de um processo de liberação.77
Na conclusão de Les Damnés de la terre, reconhece que tal desafio exige uma genuína
inspiração de pensar em algo novo, ao invés de seguir os passos de uma Europa que não deu certo
em termos humanos.78 Ele nos convida ao esforço de reinventar um novo humano completo, algo
que não tinha sido alcançado até então. Em suas próprias palavras, a "[h]umanidade espera outras
coisas de nós além dessa competição grotesca e obscena" e acrescenta que "se nós quisermos que a
humanidade dê um passo a mais, se nós quisermos levá-la a um outro nível do qual a Europa o
colocou, então nós devemos inovar, nós devemos ser pioneiros".79
Na última frase do livro, Fanon, olhando para o futuro, almeja a construção de um novo
começo, escrito por ele literalmente em francês como a criação de uma nova pele (" il faut faire
peau neuve"), simbolizando o desaparecimento do racismo e das noções pré-estabelecidas,
juntamente com o desenvolvimento de diferentes formas de pensar e, por fim, com o empenho de
criar um novo humano. Reconhece, portanto, que para o desaparecimento do colonialismo faz
necessário não apenas o desaparecimento do colonizador, como também do colonizado.80 
Prossegue assim, conforme a sua prece final do primeiro livro, um homem que interroga e
questiona, em busca do novo humanismo. Não busca, portanto, um reconhecimento da identidade
nacional ou do gênero, mas sobretudo um ato coletivo de reconhecimento que concederá a toda
75 Ibidem. p. 191. MACEY, David. op. cit. p. 183-184.
76 FANON, Frantz. op. cit., 1961. p. 2.
77 Ibidem. p. 2.
78 Ibidem. p. 236.
79 Ibidem. p. 239.
80 Ibidem. p. 239. BERNASCONI, Robert. op. cit. p. 113.
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consciência um status infinitamente aberto ou indeterminado – um corpo que se abre e se questiona
–, engajada na luta pelo reconhecimento da dimensão aberta de todas as consciências corporais.
Conforme interpreta Judith Butler, este novo humanismo não mais pensaria o humano à partir da
imagem do "homem". Isto pois Fanon não diz que a descolonização trará uma nova versão do
homem – figura recorrentemente utilizada pelo autor. Neste momento, podemos perceber uma
importante mudança, tendo em vista que a descolonização trará uma nova versão aberta da
humanidade em todas as suas categorias opressoras socialmente construídas, inaugurará uma nova
universalidade que jamais foi estabelecida nesta terra condenada, abandonando antigos conceitos e
práticas opressoras em busca de liberdade.81 
III. Violência Descolonial
Segundo Fanon, assim que o sujeito colonizado se dá conta que a sua vida, a sua respiração
e a batida do seu coração valem tanto quanto as do colonizador, ocorreria a redescoberta de sua
humanidade e daria-se início à resistência frente tamanha violência. Esta resistência é chamada de
descolonização. Assim, o movimento de descolonização se iniciaria a partir do primeiro dia em que
houvesse o pleito básico dos sujeitos colonizados, pois este fato evidenciaria a necessidade de
mudanças.82
Independente do nome utilizado, o processo de descolonização é, segundo Fanon, sempre
violento e apresenta como prova de seu sucesso a mudança do tecido social transformado de dentro
para fora. Logo, a descolonização é vista como um processo histórico que busca mudar a ordem do
mundo, sendo, necessariamente uma agenda para a total desordem. Em outras palavras, a
"descolonização é o encontro entre duas forças completamente antagonistas que de fato possuem
suas singularidades através do tipo de despersonalização ocultada e nutrida pela situação colonial".
É através da contra-violência dos colonizados ao regime colonial que eles conseguirão se liberar.83 
81 BUTLER, Judith. op. cit. p. 31 e 33.
82 FANON, Frantz. op. cit, 1961. p. 1-2.
83 Ao explicar que o mundo colonial é um mundo compartimentarizado, isto é, dividido em dois, Fanon aborda o papel
da polícia ou do soldado como o porta-voz dos colonizadores, o agente legítimo do regime de opressão das colônias.
Percebe-se que desde o período colonial, a proximidade e a constante intervenção da polícia e da força militar
submete o colonizado ao escrutínio próximo, sendo contido pela violência das batidas de rifles e das bombas. É
através da linguagem da pura violência que os agentes de governo lidam com os colonizados, não aliviando ou
escondendo a opressão e a dominação, mas trazendo a violência dentro das casas e mentes desses sujeitos. Logo, os
colonizados foram preparados para a violência, estando em constante vigília, devido a confusão gerada pelos
inumeráveis sinais do mundo colonial, que impossibilita saber se está dentro ou fora da linha. Confrontado por um
mundo configurado pelo colonizador, o sujeito colonizado está sempre "presumidamente culpado". Ibidem. p. 3-4 e
16. BHABHA, Homi. op. cit., 2004. p. xxxvii. FANON, Frantz. op. cit, 1961. p. 1-2, 8, 10, 44, 46 e 90.
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Sobre a questão mais polêmica do livro relacionada a possível necessidade da violência para
o processo de descolonização, Fanon escreve que o colonizado que pega em armas não o faz apenas
por estar morrendo de fome ou testemunhando a desintegração completa de sua sociedade, mas
também pelo tratamento que o colonizador lhe confere ao tratá-lo como animal.84 E escreve: 
O povo que luta, o povo que, graças à luta, coordena esta nova realidade e a
conhece, avança, liberto do colonialismo, prevenido de antemão contra todas [sic]
as tentativas de mistificação, contra todos os hinos à nação. Só a violência exercida
pelo povo, violência organizada e aclarada pela direção, permite que as massas
decifrem a realidade social, fornecendo lhes a chave dessa realidade. Sem esta luta,
sem este [sic] conhecimento na praxis, há apenas carnaval e charanga. Um mínimo
de readaptação, algumas reformas no alto, uma bandeira e, em baixo, a massa
indivisa, sempre "medievalesca", que continua seu movimento perpétuo.85
Faz-se necessário, assim, analisar mais detidamente as divergências acerca da questão da
violência em Fanon. Afinal de contas, a ideia de que uma transformação social fundamental
dependente da violência não é de forma alguma nova ou inaugurada por Fanon, mas faz parte das
tradições emancipatórias radicais do século XIX. O que teria trazido tamanho holofote a Fanon é,
conforme esclarece Immanuel Wallerstein, que a noção de violência após o período de 1945 torna-
se problemática como recomendação política.86 O que teria conferido ao livro tamanha força e
atenção, tanto admirativa como condenatória, seria o capítulo inicial do livro chamado De la
violence. Tal capítulo fez com que estudiosos e leitores se perguntassem se tal violência seria uma
observação analítica ou uma recomendação política feita por Fanon – a resposta para tal questão,
segundo Wallerstein, seria a mistura de ambas as coisas, tanto da descrição como da prescrição.
Segundo Jean-Paul Sartre, no prefácio de Les Damnés de la terre, a violência colonial não
busca apenas manter os homens escravizados a uma respeitosa distancia, mas teria como objetivo
também a sua desumanização. O que resulta desse processo não é nem um homem, nem um
selvagem, mas o "nativo". Sartre escreve voltando o seu discurso nitidamente aos europeus,
mencionando queo livro de Fanon é escandaloso e deve ser lido. 
Para Sartre, Fanon mostra com clareza que a violência irreprimível não é uma tempestade
num copo d'água, muito menos o retorno ao instinto selvagem, nem uma conseqüência do
84 FANON, Frantz. op. cit, 1961. p. 89.
85 FANON, Frantz. Os Condenados da Terra (1961). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 120. 
86 WALLERSTEIN, Immanuel. op. cit. p. 5-6. Wallerstein traz a informação que Ferhat Abbas, o primeiro presidente
do GPRA, tinha passado os primeiros trinta anos da sua vida política como reformista, acabando por admitir
que ele e o seu movimento não tinham chegado a lugar algum. Concluiu, assim, de que a insurreição violenta
era a única tática que fazia sentido se a Argélia não queria continuar a ser uma colônia “escravizada” para
sempre.
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ressentimento; mas trata-se do homem reconstruindo ele mesmo. De acordo com o seu prefácio,
quando o governo que você votou e o exército de seu país cometem um "genocídio", sem hesitação
nem remorso, ou você seria vítima ou, se nada fizer, seria também um torturador. Ele prossegue na
mesma linha, defendendo que se um regime inteiro é governado através da opressão de milhares de
anos, a passividade não teria outro propósito a não ser aproximar os passivistas ao lado dos
opressores. Falando diretamente com o europeu, Sartre não mede suas palavras ao escrever: "Você
sabe muito bem que nós somos exploradores. Você sabe muito bem que pegamos o ouro e minerais
e depois óleo dos 'novos continentes' e enviamos para as velhas metrópoles."87 Conclui assim que a
única transformação possível para reconstruir si mesmo em um governo opressor é através da
violência.88
Hannah Arendt, no capítulo I de seu livro On Violence de 1969, adentra na análise da
violência em Fanon através do prefácio do Sartre inicialmente, e não propriamente do texto de
Fanon. Neste momento, ela aborda o movimento de resistência não violenta dos Estados Unidos do
qual parte teria passado a "glorificar" a violência, assim como os camponeses argelinos de Fanon.89
No capítulo III do livro, Arendt classifica Fanon como um dos autores de peso que glorificaram a
violência, motivado por desmascarar a hipocrisia do inimigo, hipocrisia esta que lhe permitiria
governar sem o emprego de meios violentos. 
Ora, de forma aqui lida como equivocada, Arendt insere a questão da violência fanoniana
como uma forma de reação diante a uma determinada "hipocrisia" operada por manipulações.
Contudo, o contexto no qual Fanon escrevia em nada se relacionava a um governo de manipulações
e hipocrisias, mas tratava-se de um governo que continuamente e incessantemente fazia uso da
violência e repressão na Argélia. Arendt ainda alega que as palavras de Fanon fazem referência à
fraternidade dos campos de batalha que constituiria a morte como um fator potente – momento no
qual afirma que a morte talvez seja a experiência mais antipolítica existente. 90 
Acompanho as ponderações que problematizam a interpretação realizada por Arendt e o seu
silenciamento sobre o contexto real dos escritos de Fanon – isto é, a pura violência colonial da
Argélia, que não governa por "manipulações", mas através da violência real desumanizadora.
Segundo Macey, não faz sentido esta critica direcionada ao Fanon pela sua defesa da violência, pois
87 SARTRE, Jean-Paul. Preface. In: FANON, Frantz. The Wretched of the Earth (1961). Translation by Richard
Philcox, with commentary by Jean-Paul Sartre and Homi K. Bhabha. New York: Grove Press, 2004. p. lviii.
88 Ibidem. p. xliv- xlv, xlix,. l e lv. .
89 ARENDT, Hannah. On Violence. New York: Harcourt Brace Jovanovich Publishers, 1969/1970. p. 12-21.
90 Ibidem. p. 65-69.
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ele sequer precisava defendê-la, tendo em visto que "[a] ALN estava lutando uma guerra e os
exércitos não precisam normalmente justificar a sua violência. Em 1961, a violência estava em todo
lugar".91 
Tony Martin critica a tendência de alguns críticos de interpretar Fanon como um escritor
parecido com Sorel, isto é, como um defensor da violência – como faz literalmente Hannah Arendt.
Segundo Martin, a sensibilidade de Fanon ao sofrimento humano brota nos lugares mais
inesperados, sendo ele uma pessoa que abomina a violência ainda quando reconhece que ela pode
ser um mal necessário em algumas circunstâncias. Fundamentando o seu argumento, Martin destaca
frase na qual Fanon defende que nenhuma morte humana é necessária para o triunfo da liberdade,
argumento que põe em xeque a ideia desenvolvida por Arendt de que Fanon defenderia a morte
como um fator político de potência. Martin explica que talvez o testemunho mais eloquente da
perversidade do colonialismo francês seja demonstrado pelo fato de que conseguiu levar um homem
que almejava a justiça e um verdadeiro humanismo, como Fanon, a inescapável conclusão que a
violência seria a única resposta.92 
Para Homi Bhabha, Arendt estaria no máximo parcialmente correta em sua leitura de
Fanon, tendo em vista que Fanon seria cauteloso no que tange a mencionada celebração da
violência, pois o ódio não estava em sua agenda. O que Fanon almejava era um processo de
libertação que possibilitasse a criação de um novo humanismo, desconstruindo a desumanização e
domínio colonial.93 Bhabha prossegue analisando o prefácio de Sartre – ponto principal das criticas
de Arendt –, apontando que Sartre deixa de lado as piedades e vaidades do universalismo iluminista
europeu para revelar a tolerância de ideias e práticas racistas. Ele desmistifica, assim, o humanismo
europeu enquanto justifica o uso da violência para recuperar o pleito ontológico de humanidade
para aqueles tratados como sub-humanos.94
De um lado, Arendt defende que a violência de Fanon leva à morte da política. Por outro
lado, Sartre interpreta que a violência desenha a primeira respiração da liberdade humana. Homi
Bhabha, contudo, propõe uma nova leitura. Sob a sua lente, a violência fanoniana seria "parte da
luta por sobrevivência psico-afetiva e da busca do agenciamento humano no meio da agonia da
opressão". Diferentemente do interpretado por Sartre e Arendt, Bhabha defende que Fanon não
91 MACEY, David. op. cit. p. 470.
92 MARTIN, Tony. Rescuing Fanon from the Critics. In: GIBSON, Nigel C. (ed.). Rethinking Fanon – The Continuing
Dialogue. New York: Humanity Books, 1999. p. 84-85
93 BHABHA, Homi. op. cit. p. xxxv-xxxvi.
94 Ibidem. p. xxxvi.
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oferece uma clara opção entre a vida e a morte, escravidão ou liberdade, pois confronta a condição
colonial na condição de vida-em-morte. A fenomenologia da violência de Fanon concebe o
colonizado – corpo, alma, cultura, comunidade, história – em um processo de "continua agonia ao
invés de total desaparecimento".95 Bhabha defende que ao mesmo tempo que a violência é feita ao
Outro – a um outro que oprime, que representa esta opressão ou que é dela um cúmplice –, cria-se
também um terreno para se auto-inventar, para a criação de uma nova noção de humano que não
dependerá da opressão ou da violência racial ou colonial. 
Acompanhando a argumentação de Sartre e posteriormente de Bhabha sobre Fanon, Judith
Butler se questiona sobre a violência e o seu papel na constituição do humano.96 Segundo a autora,
pela argumentação de Sartre, a violência da insurreição colonial deriva da violência de Estado,
fazendo com que a violência revolucionária seja um efeito de uma opressão violenta. Assim, se os
colonizados respondem através da

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