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Roberto Dias de Santana Cidade Acidentada: Mobilidade ciclística no distrito do Grajaú pelos cicloativistas do Bike Zona Sul de São Paulo – SP São Paulo 2019 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO – CAMPUS SÃO PAULO ROBERTO DIAS DE SANTANA Cidade Acidentada: Mobilidade ciclística no distrito do Grajaú pelos cicloativistas do Bike Zona Sul de São Paulo – SP Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca julgadora do curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de licenciada em Geografia, sob a orientação da Profa. Ma. Debora Regina Aversan São Paulo 2019 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO – CAMPUS SÃO PAULO ROBERTO DIAS DE SANTANA Cidade Acidentada: Mobilidade ciclística no distrito do Grajaú pelos cicloativistas do Bike Zona Sul de São Paulo – SP Data: ___________________ Nota:___________________ Profa. Ma. Debora Regina Aversan Profa. Ma. Vanir de Lima Belo Prof. Dr. Vladimir de Souza São Paulo 2019 AGRADECIMENTOS Como professor de geografia acredito que as inter-relações que tivemos com o meio, incluindo/principalmente, as pessoas que nos cercaram desde o nascimento até os dias atuais, definem o que somos atualmente. Por este motivo agradeço a todos que de uma forma ou de outra me trouxeram até esse momento, entretanto não posso deixar de destacar algumas que tiveram uma maior influência na minha trajetória. Primeiramente aos meus pais que foram os principais agentes na minha transformação social. Aos meus mais antigos amigos irmãos Mayra, Acacio, Cris, Alexandre, Débora e Vany que me garantem conforto e paz espiritual ao saber que posso contar com eles nos mais diversos momentos da vida. A minha querida orientadora Débora Aversan pela capacidade de enxergar que cada indivíduo possui seu próprio tempo de produção, formulando suas elucidativas orientações de acordo com o meu tempo, além do pleno respeito em relação a vertente que desejei seguir. Aos companheiros(as) do IFSP que abarcam a visão coletiva, abraçando e auxiliando os colegas quando necessário. Em especial Acássia e Tiago que foram os primeiros companheiros de trabalhos e seminários, além de transformarem o retorno para a casa após as aulas em um dos momentos mais prazerosos e alegres do dia. A todos os professores do IFSP que como bons geógrafos entenderam a nova realidade do estudante universitário, que divide seu tempo entre estudo e trabalho, e com destreza passaram o conteúdo necessário que garantiu nossa plena formação. Em especial ao Prof. Carlos Geraldinho que foi essencial no auxílio da escolha do tema e a Profa. Eliane Santos pelo aconselhamento inicial em relação a qual caminho seguir. Ao Paulo Alves do Bike Zona Sul que resgatou a satisfação perdida do pedalar em grupo. A Família Só Vai de montanhismo que apareceram em um momento difícil e resgataram meu prazer pela natureza. E a todos que já contribuíram e aos que contribuem para o funcionamento do cursinho comunitário Projeto Raiz, lugar onde dei meus primeiros passos em direção ao ensino superior e ampliei minha consciência política. Epígrafe RESUMO O presente trabalho traz um estudo sobre as possibilidades e dificuldades na implantação de mobilidade ciclística no distrito do Grajaú extremo sul da cidade de São Paulo, levando em consideração o olhar dos cicloativistas do Bike Zona Sul. Para tal buscamos o conceito de espaço urbano e os atores que participam do processo de (re)construção dele. Foi feita uma revisão do processo de urbanização pelo qual passou a cidade de São Paulo enfatizando a urbanização do distrito do Grajaú. Em seguida apresentamos brevemente a mobilidade urbana, com ênfase na história da mobilidade ciclística de São Paulo. Partindo para o cicloativismo e sua atuação no distrito do Grajaú a fim de identificar os meios que estão sendo utilizados na busca de se inverter a ordem pré-estabelecida de construção do espaço urbano na cidade de São Paulo, angariando investimentos em infraestrutura para distritos periféricos. Palavras-chave: Espaço Urbano; Urbanização; Mobilidade Urbana; Mobilidade Ciclística; Bicicleta; Direito à Cidade. ABSTRACT The present work brings a study about the possibilities and difficulties in deployng bycicle mobility in the district of Grajaú, extreme south of São Paulo city, considering cycle activists point of view from "Bike Zona Sul". For such, we search the concept of urban space and the participating actors of urban (re)construction process. We made a revision of the urbanization process through which the city of São Paulo went through, emphasizing the urbanization of the Grajaú district. Then, we present, briefly, urban mobility with emphasis in bicycling mobility history in the city of São Paulo. Assuming cycloactivism and its role in Grajaú district in order to identify the means that are being used in the search of inverting the preestablished order of the São Paulo urban space construction, , raising infrastructure investiments for peripheral districts. Keywords: urban space, urbanization, urban mobility, bicycle mobility, bicycle, right to the city LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Plano de avenidas radial concêtrico ...................................................................................... 24 Figura 2 - Avanço urbano Subprefeitura Capela do Socorro ................................................................. 31 Figura 3 - Proposta de melhoramentos Av. Dona Belmira Marin ......................................................... 44 Figura 4 - Equipamentos obrigatórios e recomendados ....................................................................... 48 Figura 5 – Fluxo de ciclistas na ciclovia Acácio Fontoura ...................................................................... 62 Figura 6 - Ciclovia em São Francisco, Califórnia, EUA. .......................................................................... 63 LISTA DE MAPAS Mapa 1 - Distrito do Grajaú ................................................................................................................... 28 Mapa 2 - Região administrativa de Santo Amaro e da Capela do Socorro ........................................... 29 Mapa 3 - Planos cicloviários 1981, 1994 e 2004 ................................................................................... 40 Mapa 4 - Trajeto do Paulo da residência até o colégio ......................................................................... 56 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Crescimento Populacional Capela do Socorro .................................................................... 32 Gráfico 2 – Tipo de modal de transporte motorizado escolhido .......................................................... 37 Gráfico 3 - Participação da bicicleta no trânsito da cidade de São Paulo ............................................. 42 Gráfico 4 - Ciclistas vitimas do trânsito de São Paulo ........................................................................... 43 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Acidentes nas principais vias da Subprefeitura Capela do Socorro jan/2009 a jul/2017 .... 45 LISTA DE SIGLAS ANWB Algemene Nederlandse Wielrijdersbond AVC Acidente Vascular Cerebral BNH Banco Nacional de Habitação Ciclocidade Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo CTB Código de Trânsito Brasileiro CET Companhia de Engenharia de Tráfego CPTM Companhia Paulista de Trens MetropolitanosCTC Cycling Touring Club DSVP Departamento de Operação do Sistema Viário Paulistano IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IAPST Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Serviços de Transporte LZI Legislação do Zoneamento Industrial O.D. Pesquisa Origem Destino PlanMob Plano de Mobilidade de São Paulo PNMU Política Nacional de Mobilidade Urbana T.A. Associação Transporte Ativo: ZEP Zonas Especiais de Preservação ZEPAM Zonas Especiais de Proteção Ambiental ZPDS Zonas de Preservação e Desenvolvimento Sustentável SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................................................. 13 Capítulo 1 – Produção do Espaço Urbano ............................................................................................. 17 1.1 – Produção do Espaço Urbano na cidade capitalista .................................................................. 17 1.2 – Desenvolvimento Urbano na cidade de São Paulo .................................................................. 23 1.3 - Distrito Grajaú ........................................................................................................................... 27 1.3.1 - Desenvolvimento Urbano no distrito do Grajaú ................................................................ 27 Capítulo 2 – Mobilidade na cidade de SP .............................................................................................. 35 2.1 – Bicicleta como opção à mobilidade urbana na cidade de São Paulo ....................................... 35 2.2 - Breve histórico da mobilidade ciclística de São Paulo .............................................................. 39 2.3 - Dados atuais sobre mobilidade ciclística em São Paulo............................................................ 42 2.4 - Mobilidade urbana e ciclística no distrito do Grajaú ................................................................ 44 2.5 - Por que a bicicleta? ................................................................................................................... 47 2.6 - Regras de Segurança ................................................................................................................. 47 2.7 - Estrutura cicloviária................................................................................................................... 49 Capítulo 3 - Cicloativismo e os Cicloativistas do Bike Zona Sul ............................................................. 53 3.1 – Inicio do Cicloativismo .............................................................................................................. 53 3.2 – Bike Zona Sul ............................................................................................................................ 55 3.3 – Workshop, Comitê ciclístico e encontro com Subprefeito ....................................................... 60 Considerações Finais ............................................................................................................................. 65 Bibliografia ............................................................................................................................................ 70 APÊNDICE .............................................................................................................................................. 76 Apêndice 1 - Entrevista com Paulo Alves, 34 anos, fundador do coletivo Bike Zona Sul ................. 76 ANEXOS ................................................................................................................................................. 85 Anexo 1 – Sugestões de rotas ciclísticas do distrito do Grajaú, feitas pelo BZS ............................... 85 Anexo 2 – Ata da 1ª Reunião da comissão ciclista da região Capela do Socorro .............................. 87 13 INTRODUÇÃO Como defensor da mobilidade ciclística me encontrei esperançoso quando em 2014 o prefeito da Cidade de São Paulo, Sr. Haddad, apresentou um plano ousado de ampliação da rede cicloviária cuja meta era implantar mais de 400 km de vias cicláveis na cidade. Nos anos seguintes acompanhei de perto o cumprimento desta meta: Consolação, Paulista, Berrini, Anhaia Mello, Caetano Alvares, ciclovias espalhadas pelos quatro cantos da cidade. Entretanto a ciclovia prevista para a Avenida Belmira Marin, o único projeto destinado ao distrito do Grajaú, terceiro maior em questão territorial e mais populoso da cidade, ficou apenas no papel. Era um projeto semelhante ao de outras localidades, de forma resumida consistia em duplicação da via, instalação de corredor de ônibus, ampliação de calçada e implantação de ciclovia. Então, por que o processo de (re)construção do espaço urbano através das ciclovias ocorre em diversos pontos da cidade enquanto o do Grajaú se mantém na gaveta? Ab’Sáber (2007) relata que em grandes cidades, possuidoras de um emaranhado de veículos, existe a enorme dificuldade em relação a implantação de projetos ciclísticos e dependendo das condições urbanas, ruas estreitas, e geomorfológicas, tais como, morro, morretes e colinas, o projeto cicloviário torna-se ainda mais complicado. Essas características encontramos no distrito do Grajaú, localizado ao pé da Serra do Mar, extremo sul da cidade de São Paulo, uma das regiões mais acidentadas da cidade, com ruas onduladas possuidoras de diversas e íngremes rampas, ou seja, o oposto das cidades planas litorâneas onde o fluxo de bicicletas é intenso. Será essa a justificativa para o engavetamento dos projetos ciclísticos da região? Como morador da região, mas também como professor de geografia e pesquisador que se interessa pelo processo de urbanização, me senti motivado a abordar o assunto, mais como um exercício cuja finalidade é entender a dinâmica da produção do espaço, na qual como defensor da mobilidade ciclística estou inserido, do que necessariamente um trabalho de conclusão de curso. Na busca desse entendimento me deparei com os cicloativistas do Bike Zona Sul, um coletivo de ciclistas voltado à promoção do uso da bicicleta nas vertentes de mobilidade urbana, lazer e turismo na Zona Sul da cidade de São Paulo, sendo um dos agentes que participam ativamente na luta do espaço urbano do distrito do 14 Grajaú. A partir desse momento utilizei os conhecimentos adquiridos durante a graduação na busca de um direcionamento teórico que possibilitasse uma maior compreensão do processo urbano, indo além do subjetivo que plaina junto a sociedade. Com isso o trabalho ganhou forma e corpo conforme descrevo a seguir. No primeiro capítulo procurei abordar o espaço urbano e a urbanização da cidade de São Paulo, buscando escrever de uma forma que ultrapasse o entendimento formal do meio acadêmico caminhando em direção a população que vive em regiões periféricas como a do Grajaú. Em um primeiro momento busquei conceituar o espaço urbano e suas configurações a partir do conceito de luta classe e dos conflitos de interesses, gerados pela permanente disputa dos grupos e agentes que lutam por participação e reconhecimento dentro deste espaço. Após o entendimento teórico do espaço urbano e dos agentes que nele agem, partirmos para um breve relato do processo de urbanização da cidade de São Paulo e posteriormente da região foco do respectivo trabalho, na intenção de proporcionar ao leitor a localização geográfica do distrito e suas necessidades urbanas. O segundo capítulo trata da mobilidade urbana da cidade de São Paulo com foco na mobilidade ciclística. Apresentam-se alguns dados referentes à mobilidade urbana da cidade, para em seguida discutir a viabilidade de se optar pela bicicleta como meio de locomoção. Nele também fazemos um breve relato histórico da implantação da mobilidade ciclística em São Paulo, incluindoos dados atuais dessa modalidade. Em seguida delimitamos a discussão sobre a mobilidade urbana no distrito do Grajaú e sua carência em relação à mobilidade ciclística. Por fim procuramos esclarecer alguns pontos em relação a mobilidade ciclística em si, tais como: a importância da bicicleta, itens de segurança e tipos de estrutura cicloviária. Esse esclarecimento se faz necessário devido à falta de conhecimento da legislação vigente que gera muitas críticas infundadas acabando por atrapalhar a construção do espaço urbano ciclístico. Já no terceiro capítulo fazemos um pequeno histórico em relação ao início do cicloativismo no Brasil, para em seguida apresentar o Bike Zona Sul. Neste ponto buscamos a história de surgimento do coletivo, para em seguida ir de encontro ao entendimento de seus anseios, sua visão de cidade, além das propostas e meios pelos quais eles atuam na busca de alcançar seus objetivos. As considerações finais trazem um balanço de tudo que foi desenvolvido, 15 interconectando os pontos que foram discutidos de forma a refletir sobre a construção do espaço urbano no distrito do Grajaú, bem como sugerir direções a serem tomadas em prol da implantação de mobilidade ciclística nesta região e em outras semelhantes a ela. 16 17 CAPÍTULO 1 – PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO O desenvolvimento da ciência envolve a identificação de seu objeto de estudo, cada grupo de conhecimento se debruça na sistematização e organização, em torno de um tema que norteia todo processo de construção da disciplina na construção de sua autonomia. Na Geografia não é diferente, sua autonomia e busca do conhecimento bem estruturado, gira em torno do Espaço, sendo assim seu objeto de estudo. Com isso, para fundamentarmos teoricamente o trabalho, iremos neste primeiro momento conceituar o espaço urbano e suas configurações a partir do conceito de luta classe e dos conflitos de interesses, gerados pela permanente disputa dos grupos e agentes que lutam por participação e reconhecimento dentro deste espaço. Após o entendimento teórico do espaço urbano e dos agentes que nele agem, partiremos para um breve relato do processo de urbanização da cidade de São Paulo e posteriormente nos aprofundaremos na urbanização do distrito do Grajaú foco do respectivo trabalho, na intenção de proporcionar ao leitor a localização geográfica da região que será estudada. 1.1 – Produção do Espaço Urbano na cidade capitalista É sabido que cada vez mais pessoas passam a viver no meio urbano, somente no Brasil, segundo o censo do IBGE 20101, 84,36% da população habitam este meio, e os estudos indicam tendências de crescimento para as próximas décadas2. Segundo Lefebvre “a concentração da população acompanha a dos meios de produção” (1999, p. 17), e temos a “imagem de cidade como centro de produção e consumo que domina totalmente a cena urbana” (ROLNIK, 1994, p. 28). Praticamente inexistindo espaço dentro da cidade que não seja investido pelo mercado, a dominância da cidade pelo mercado é típica das cidades capitalistas. 1 Relatório completo disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=8. Acesso em: 10 ago. 2018. 2 Segundo a ONU em 2030 91,1% da população brasileira viverá no meio urbano. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2016/10/1566241-mais-de-90-da-populacao-brasileira-vivera-em-cidades-em- 2030. Acesso em: 10 ago. 2018. 18 (ROLNIK, 1994, p. 29). O modo de produção capitalista na condição de um modelo de desenvolvimento socioeconômico que parte do pressuposto das concentrações, fez da cidade seu palco de atuação. Levando-as a receberem os maiores investimentos do capital, seja na direção de atividades desenvolvidas no meio urbano ou na própria (re)construção da cidade, que não é feita de forma coletiva, fato que a transforma em um grande palco de conflitos sociais, conforme Corrêa: O interesse em conhecer e atuar sobre a cidade deriva do fato de ser ela o lugar onde vive parcela crescente da população. Mas também de ser o lugar onde os investimentos de capital são os maiores, seja em atividades localizadas na cidade, seja no próprio urbano, na produção da cidade. E mais: de ser o principal lugar dos conflitos sociais. (CORRÊA, 1989, p.5) Os indivíduos possuem diferentes percepções em relação ao uso da terra, determinadas através de sua vivência e relação com o meio, seja na defesa de (re)organiza-la em função do lazer, do comercial, da locomoção, do entretenimento etc... As diferentes percepções em relação ao uso da terra direcionam o olhar para a cidade como uma área dotada de espaços fragmentados (lazer, comércio, residência etc..), entretanto é necessário observar a articulação e interdependência entre essas áreas funcionais, sendo que essa sobreposição é o que caracteriza o espaço urbano. Nas palavras de Corrêa: Tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e gestão, áreas industriais, áreas residências distintas em termos de forma e conteúdo social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como espaço fragmentado (CORRÊA, 1989, p.7) As articulações entre o espaço fragmentado são observadas facilmente nas relações espaciais da cidade, através do deslocamento de áreas residências para a área onde se localiza o trabalho ou o comércio que lhe interessa, no fluxo veicular em direção a áreas de lazer ou reposição/entrega de mercadorias entre outras. Já no capitalismo financeiro as articulações se manifestam de uma forma mais sutil, através de decisões e investimentos do capital moldadas em direção a obtenção de 19 lucro, seja através da mais-valia, de políticas salariais, juros, através da pratica de poder conforme sua ideologia. Corrêa (1989, p.8) afirma que no capitalismo as articulações manifestam-se “através das relações espaciais [...] Estas relações espaciais são de natureza social, tendo como matriz a própria sociedade de classes e seus processos”. Assim as relações representam e expressam a divisão social do trabalho e a diferença de classes. E na raiz urbana do capitalismo vemos um constante impedimento do acesso a terra para a classe trabalhadora. Segundo Corrêa (1989, p.8) o espaço urbano torna-se um reflexo da sociedade, não apenas da sociedade e suas ações do presente, mas também das intervenções sociais ocorridas no passado que por sua magnitude conseguiram manter suas marcas impressas nas formas espaciais até os dias atuais. A sociedade na cidade capitalista é desigual. E o espaço urbano por ser fragmentado e reflexo social torna-o profundamente desigual. A dinâmica própria da sociedade nos leva a admitir que o espaço urbano dispõe da mesma forma de uma mutabilidade complexa de ritmos e natureza diferenciados. A inter-relação que possui junto à sociedade faz dele também um condicionante da sociedade. Este condicionamento se apresenta através das delimitações espaciais das obras humanas, formas espaciais, que tem por finalidade reproduzir as condições de reprodução do capital. Assim, segundo Corrêa (1989, p.9): A existência de estabelecimentos industriais juntos uns dos outros, e realizando entre si vendas de matérias-primas industrialmente fabricadas, constitui-se, pelas vantagens de estarem juntos, em fato que viabiliza a continuidade da produção, isto é, a reprodução das condições de produção. Já os bairros residenciais são áreas segregadas para a reprodução das diversas classes sociais que vivem na cidade. Lembremos que “à medida que a condição de pobre,como pobre urbano se definia, entre os mais ricos criou-se a necessidade de administrar a separação” (SEABRA, 2004, p. 183), gerando a auto- segregação normalmente em condomínios de auto padrão. A variedade social dentro da cidade faz com que o espaço urbano assuma uma dimensão simbólica devido a diversidade de valores, crenças, mitos existentes na sociedade de classes, refletidas através de formas espaciais como igrejas, sinagogas, monumentos, etc... 20 Todos querem moldar o espaço da forma que imaginam ser a mais apropriada, assim a fragmentação desigual do espaço torna-se geradora de conflitos sociais onde cada grupo entra no embate defendendo o seu direito a cidade. Chegamos à definição do espaço urbano que será adotada no trabalho, a mesma adotada por Corrêa (1989, p.9) “que é o espaço urbano: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas”. Como dito anteriormente, o espaço urbano capitalista é um produto social construído não apenas pelas ações do presente, mas também por um conjunto de ações acumuladas no decorrer dos anos, proporcionadas por agentes sociais que ao mesmo tempo produzem e consomem o espaço. Essas ações não são simples, sendo que sua complexidade decorre da constante mutação espacial proporcionada em determinadas áreas da cidade, dependendo do interesse econômico e social, através de renovação urbana, incorporação de novas áreas, alteração/implantação de infraestrutura, desapropriação e até deterioração de certas áreas. Em resumo “a ação destes agentes é complexa, derivada da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem” (Corrêa, 1989, p.11). Mas quem são os agentes envolvidos na modelagem do espaço urbano na cidade capitalista? Para responder esta pergunta Corrêa separou de forma analítica esses agentes urbanos em cinco grupos distintos que interagem entre si conforme seus interesses entram em convergência ou em conflito, são eles: a) os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; b) os proprietários fundiários; c) os promotores imobiliários; d) o Estado; e e) os grupos sociais excluídos, o qual incluímos os movimentos sociais. Dentre os agentes envolvidos destacamos o Estado como o mais importante por ser ele o regulador do marco jurídico que determina a atuação de cada um dos demais agentes dentro do espaço urbano. Quando falamos do crescimento e transformação da cidade-capital, nos referimos à intervenção do Estado na cidade. Quando falamos em regiões nobres e regiões pobres, nos referimos a espaços equipados com o que há de mais moderno em matéria de serviços urbanos e espaços aonde o Estado investe pouquíssimo na implantação destes mesmos equipamentos. Quando falamos das altas paredes da escola que encerram as meninas no pátio, nos 21 referimos a instituições públicas, destinadas a disciplinar, curar, educar ou punir. Há, em todos estes casos, a ação do Estado na cidade, produzindo ou gerindo a segregação. (ROLNIK, 1994, p. 52) O Estado burguês que regula e torna possíveis as relações de produção do sistema capitalista, assim o marco jurídico não é neutro dentro deste Estado, atendendo aos interesses do agente dominante e conservando o grupo dos excluídos sobre controle. O Estado, em todas as sociedades divididas em classes, é a organização especializada na função de moderar a luta entre as classes antagônicas, garantindo por este modo a conservação da dominação de classe, ou, por outra, o conjunto das instituições que conservam a dominação de uma classe sobre outra (SAES, 1998, apud DAMIÃO, 2014, 61). Os proprietários dos meios de produção - grandes proprietários de empresas industriais, comerciais e financeiros - necessitam de boa localização que facilite o escoamento de sua produção e fácil acesso aos seus clientes, com disponibilidade de terreno amplo e barato para instalação de seus galpões e barracões. Essas necessidades os transformam em grandes consumidores do espaço. Suas relações com a terra urbana são complexas, sendo que a especulação fundiária não os atende diretamente, ela aumenta o valor da terra que acaba onerando suas pretensões de expansão já que eles necessitam de terrenos amplos e baratos. A busca de solução para seus problemas “se faz através da pressão junto ao Estado para realizar desapropriações de terras, instalação de infraestruturas necessárias as suas atividades” (Corrêa, 1989, p.14). Entretanto os proprietários do meio de produção que após um período se veem cercados de imóveis residenciais de status, encontra na especulação fundiária uma ótima oportunidade de alavancar seus lucros, com a mudança da fábrica para uma área mais ampla e barata, com boa infraestrutura e loteando o antigo terreno fabril com boa valorização para o novo uso. Os proprietários fundiários - proprietários de terra – se interessam pelo valor de troca da terra e não pelo seu valor de uso. Procuram o uso que tenha maior retorno financeiro possível, possuem um interesse particular na expansão do espaço urbano na cidade por nele o valor da terra ser superior ao da área rural. Trabalham 22 com a especulação fundiária ao reter terras para criar escassez de oferta que por sua vez aumenta seu preço que leva a uma maior renda da terra. Sua pressão perante o Estado é em relação ao zoneamento urbano que define o uso do solo em determinada região e por implantação de infraestrutura que valorize suas terras. Os promotores imobiliários entendem-se por um conjunto de agentes que realizam uma ou diversas operações diretamente ligadas valorização do terreno urbano, há desde o proprietário fundiário que se transformou em construtor e incorporador, ao comerciante prospero que diversifica suas atividades criando uma incorporadora, passando pela empresa industrial, que em momentos de crise ou ampliação de seus negócios cria uma subsidiária ligada à promoção imobiliária. Grandes bancos e o Estado atuam também como promotores imobiliários. (Corrêa, 1989, p20). A linha de atuação dominante dos promotores imobiliários advém da produção de habitação para a população, subdividindo-se entre as direcionadas a uma população possuidora de recursos, construídas com maior luxo, e aquelas direcionadas a populações carentes desprovida de recursos, neste caso se busca um interação com o Estado para a obtenção de recursos afim de que a produção dessas habitações tornem-se solváveis. Convém informar que os proprietários do meio de produção, fundiários e promotores imobiliários possuem finalidades em comum, como a apropriação de uma renda da terra, que os unem em determinados momentos, apesar de por vezes utilizarem estratégias diversas uma das outras. Os grupos sociais excluídos por meio da organização em movimentos sociais lutam para deixarem de ser coadjuvantes e mudarem esse jogo, diminuindo o protagonismo dos proprietários do meio de produção, fundiários e promotores imobiliários, através da pressão para que o Estado mude a lógica e passe a desenvolver ações em pró do desenvolvimento igualitário, por meio de implantação de politicas urbanas em áreas periféricas que visem o bem estar e não o lucro. Por fim lembramos que as estratégias utilizadas pelos agentes variam no tempo e no espaço, sendo que esta variabilidade pode ocorrer tanto por causas internas aos agentes quanto por causas externas a ele, em ambos os casos o espaço urbano é diretamente afetado. 23 1.2 – Desenvolvimento Urbano na cidade de São Paulo Para uma melhor compreensão da luta urbana por implantação de ciclovias se vê necessário fazermos uma descrição sucinta do desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo, desde seu início, o qual foi estabelecida perante a localização estratégica3 das primeirasedificações. O desenvolvimento da Vila de São Paulo se deu nos primeiros 300 anos devido os rios Tamanduateí e Tiete. Em um segundo momento a expansão do café pelo interior do estado fez surgir a necessário de investimentos em mobilidade, visando à escoação da produção. Assim em 1867 se inaugura a ferrovia São Paulo Railway que utiliza o Vale do Tamanduateí como forma de se chegar ao litoral. A ligação com o litoral reforçou a posição estratégica da cidade, com o tempo outras ferrovias passaram a se conectar com São Paulo Railway para escoar a produção de outras regiões do estado. A relação espaço tempo neste final de século XIX alterava a vida na cidade, modificada pela implantação das ferrovias, distâncias se encurtaram e a elite cafeeira direcionava-se em buscas dos “prazeres” do urbano, assim bairros eram erguidos por essa elite. No início do século XX a expansão urbana da cidade se acelerava, “chácaras de características eminentemente rurais eram loteadas e transformadas em zona urbana, fortemente ocupada. Assim, além, da rentabilidade da locação habitacional, o investimento imobiliário garantia não só uma reserva de valor, como um intenso processo de valorização.“ (BONDUKI, 1982, aput BONDUKI 1994, p. 713). A expansão em um primeiro momento seguia as margens das ferrovias, segundo Rolnik (1988) “As zonas populares, que englobaram de operários fabris ao ‘setor degradado’ (carregadores, lixeiros etc.), eram, em sua maioria, núcleos avançados de urbanização à margem das ferrovias”. Entretanto a expansão urbana ocorria de forma rápida, o que levou a criação de propostas urbanísticas. O Engenheiro Prestes Maia (posteriormente eleito prefeito da cidade de São Paulo) apresenta durante a gestão do prefeito Pires do Rio (1926-1930) um plano de avenidas radial concêntrico (figura 1), como forma de 3 A Cidade nasceu às margens do Rio Tamanduateí, em uma colina onde atualmente localiza-se o Pátio do Colégio, a escolha não veio ao acaso. Os Jesuítas aproveitaram a sabedoria local dos Indígenas que se estabeleceram as margens do Rio Tamanduateí por ser um rio estratégico que se conectava ao Rio Tiete que por sua vez garantia uma ampla locomoção por via fluvial. Já naquela época percebemos que as regiões que possuíam melhores meios de mobilidade eram mais cobiçadas que as demais. 24 Figura 1 - Plano de avenidas radial concêtrico Fonte: http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/grid_9/c664b7f22f6a_patriarca04.jpg. Acesso em: 15 nov. 2019. 25 organizar o desenvolvimento urbano. Maia ao assumir em 1938 o cargo de prefeito coloca em prática seu projeto. O planejamento urbanístico priorizava o automóvel, dando maior fluidez aos veículos possibilitando saídas rápidas do centro, o intuito de seu planejamento urbanístico visava: O descongestionamento da região central por meio do sistema viário radial- perimetral, a reorientação do crescimento urbano em diversas direções, a descentralização dos espaços e dos serviços urbanos, a preferência pelo transporte de superfície, mais especificamente pelo automóvel público ou privado, a preocupação com a verticalização da cidade; e finalmente, a intervenção direta e indireta do Estado (MORAES, 2000, p.207). O plano viário radial perimetral gerou um inusitado movimento imobiliário, valorizando imóveis situados nas zonas de intervenção. (BONDUKI, 1994, p. 722), modificando novamente a questão espaço tempo da cidade apoiando um padrão de urbanização extensivo e periférico, levando os trabalhadores e demais moradores carentes para locais cada vez mais distantes do centro. A localização estratégica da cidade já destacada pelas linhas férreas, ganha um novo impulso com a implantação de um sistema rodoviário que levava em consideração os eixos de direção da cidade rumo ao litoral e interior do estado. São Paulo passou por um novo avanço industrial liderado principalmente pela indústria de bens de consumo duráveis, levando a abertura de diversas fabricas na cidade, inclusive em bairros tidos como periféricos com Santo Amaro, Ermelino Matarazzo e São Miguel Paulista (Camargo, 2017), devido os custos elevados de instalação em áreas centrais e antigos bairros operários, regiões em quase sua totalidade já ocupadas, aumentando consideravelmente o valor da terra. Esse novo ciclo industrial leva a cidade a receber uma quantidade ainda maior de imigrantes oriundos de diversas partes do país, atraídas pela possibilidade de emprego nas indústrias que hora se instalavam. Este contingente populacional por não ter condições financeiras de morar na região central, estabelecia suas moradias nas bordas da malha urbana consolidadas, por serem locais onde normalmente surgiam loteamentos irregulares cujo preço do lote era parcelado através de carnes registrados em contratos de gaveta, fato que possibilitava sua aquisição pelas classes populares. 26 O mercado imobiliário ganha cada vez mais força, que por sua vez transforma-se em poder político utilizado no desenvolvimento, aprovação e implantação de planos de reforma urbana que os beneficia-se. A grande maioria dessas reformas urbanas visava “limpar” determinadas regiões, expulsando os moradores para longe, deixando livre o terreno para uma população de maior renda, valorizando o espaço e gerando lucros para os proprietários, Rolnik (1988) assim descreve os planos urbanos: Em quase todos os casos é feita uma "operação-limpeza" em determinadas regiões, com vistas a convertê-las em locais salubres e de bom gosto — para que pudessem receber atividades e populações "chiques." Estas operações implicam sempre deslocamentos de atividades e populações: transformação de "zonas decaídas" em territórios conquistados (ou reconquistados) pelo capital. Enquanto ações de especulação imobiliária representam enorme capitalização da renda do solo, diretamente decorrente da valorização que os terrenos sofrem com a reforma, porções do espaço urbano que geravam pouco lucro para seus proprietários passam a ser valorizadas, ocasionando uma redistribuição da propriedade urbana. (ROLNIK, 1988) Já as regiões mais distantes do centro detentoras de poucas áreas urbanizadas, caso do distrito do Grajaú entre outros, passam, a partir da segunda metade do século XX, pelo padrão periférico de crescimento. Nessas áreas conforme as estradas avançavam em direção aos extremos da cidade, surgia ao longo delas loteamento por muitas vezes irregulares, carentes de estrutura urbana. São nessas regiões que os trabalhadores conseguem financiar um lote e conquistar sua casa própria através do processo de autoconstrução, Segundo Bonduki: Se desenvolvem novas <<alternativas habitacionais>> baseadas na redução significativa, ou mesmo na eliminação, do pagamento regular e mensal da moradia: a favela e a casa própria autoconstruída ou auto- empreendida em loteamentos periféricos carente de infra-estrutura urbana. (BONDUKI, 1994, p. 729) Importante destacar que nessas regiões mesmo produzindo a impressão de caos, não podemos pensar que o urbano não tem lógica. Pelo contrário, trata-se da 27 convergência de diferentes lógicas que, todavia, são contraditórias entre si. (SEABRA, 2004, p. 185). Para uma maior compreensão do desenvolvimento urbano das áreas mais distantes do centro, destacaremos a seguir o desenvolvimento do distrito do Grajaú bem como sua localização geográfica. 1.3 - Distrito Grajaú O distrito do Grajaú está localizado no extremo sul da cidade de São Paulo, conforme observamos no mapa 1, próxima página, com limitações a leste e ao sul pela Represa Billings, a norte pelas ruas Jequirituba, Av. Joaquim Napoleão Machado, Av. Arestóteles Costa Pinto e travessa Aristóteles, e a Oeste pelos trilhos da antiga Ferrovia Sul da Fepasa é um dos distritos da cidadede São Paulo mais próximos a Serra do Mar. É o terceiro maior da cidade em questão territorial possuindo uma área de 92 km² e o mais populoso do município4 com cerca de 360mil habitantes, apesar das características geomorfológicas não serem preferenciais para se edificar habitações, devido sua topografia acidentada com grande quantidade de morros, morretes e colinas que nele se encontram. Em seguida apresentaremos de forma breve a história do processo de urbanização e formação do distrito. 1.3.1 - Desenvolvimento Urbano no distrito do Grajaú A história do crescimento urbano do distrito do Grajaú está ligada a região da Capela do Socorro, a qual faz parte junto aos distritos do Socorro e Cidade Dutra, que por sua vez está “estreitamente relacionada à expansão e estruturação urbanas da região de Santo Amaro, devido sua proximidade conforme mapa 2 e à qual esteve administrativamente ligada até 19855 . 4 Censo 2010 IBGE e Levantamento da Fundação Seade em 2019 5 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/capela_do_socorro/historico/index.php?p =916. Acesso em: 20 out. 2018. 28 Mapa 1 - Distrito do Grajaú Organização: Roberto Dias de Santana (2019) 6 Até as primeiras décadas do século XX não havia grandes interesses pela Capela do Socorro, a situação começou a mudar com a construção das represas Guarapiranga em 1907 e Billings em 1925. Elas geraram um potencial de lazer que até o momento inexistia, despertando o interesse imobiliário em torno das possibilidades recreativas: chácaras, clubes, sítios e balneários. Foi nesta época que surgiram alguns loteamentos residenciais de padrão médio na região onde hoje 6 Elaborado através do aplicativo Q-gis utilizando dados do Geosampa. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 11 nov. 2018 29 localiza-se o distrito do Socorro. Já por volta de 1930 uma grande construtora imobiliária iniciou os projetos para loteamento de alto padrão, realizando investimentos para a melhoria da infraestrutura urbana e rodoviária com lotes que davam de frente a represa Guarapiranga, onde hoje localiza-se o distrito do Socorro, porém apenas algumas dezenas de famílias se instalaram na região e parte dos imóveis passaram a ser ocupados para fins recreativos, clubes e restaurantes. Mapa 2 - Região administrativa de Santo Amaro e da Capela do Socorro Organização: Roberto Dias de Santana (2019) 7 A construção das represas criaram bases para um forte processo de 7 Elaborado utilizando dados do GeoSampa. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 24 de nov. 2018 30 industrialização, marcando o início dos loteamentos industriais na região de Santo Amaro. O desenvolvimento industrial em Santo Amaro afetou a dinâmica urbana da Capela do Socorro e de alguns pontos que hoje pertencem aos distritos de Parelheiros e Marsilac, locais onde os trabalhadores principalmente das empresas de Santo Amaro encontravam condições mais acessíveis para estabelecer moradia. Conforme se estabeleciam mínimas condições urbanas, como linhas de ônibus junto às estradas do meio que era rural, ocorria o povoamento espontâneo ao longo delas e de seus entroncamentos, formando-se núcleos de povoamento ao redor dos pontos de parada, que se transformaram em vilas e depois bairros, tais como Vila São José, já no distrito de Parelheiros. Paralelamente também ocorria a construção de bairros planejados, como o da Cidade Dutra no período de 1940, que foi planejado e construído pela empresa Auto-Estrada S.A., com financiamento do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Serviços de Transporte (IAPST), com o objetivo de atender a demanda habitacional dos trabalhadores ligados ao instituto. Foi construído um grande conjunto com cerca de 500 casas, dotado de boa infraestrutura urbana, que incluía ruas pavimentadas, iluminação pública, água e rede de esgoto. Vale ressaltar que o bairro da Cidade Dutra era exceção e não regra, outros bairros surgiram através de iniciativas imobiliárias, porém a grande maioria se preocupava em obter lucro deixando de lado as questões urbanísticas. Nesses empreendimentos as linhas de ônibus só surgiram após os loteamentos já estarem ocupados. A exemplo do inicio do povoamento do distrito do Grajaú que ocorreu na década de 1960 com a aquisição pela família Reimberg de 40 alqueires do Dr. Olavo Guimarães Sobrinho para implementar o maior loteamento daquela época. No período de 1950 e 1960, o polo industrial de Santo Amaro se consolida como um dos mais importantes da região metropolitana e um grande gerador de emprego, fato que acaba atraindo imigrantes principalmente nordestinos que chegam à região atrás de trabalho refletindo na ocupação urbana da região da Capela do Socorro. Observamos na figura 2, próxima página, a evolução da mancha urbana, originada pela consolidação do polo industrial de Santo Amaro, avançando em direção à região da Capela do Socorro devido sua proximidade com a área industrial e por possuir uma grande área rural disponível para ser transformada em terra urbana de baixo custo, ao contrario de outras áreas da cidade já consolidadas. 31 Figura 2 - Avanço urbano Subprefeitura Capela do Socorro 32 O urbano se moldava da maneira que era possível, seguindo principalmente no período de 1970 o padrão periférico de expansão, com moradores auto construindo suas casas em lotes na sua grande maioria ilegais adquiridos através de contratos de gaveta, por vezes em áreas de solo passíveis a erosão e com alta declividade, fazendo com que as ruas se moldassem aos contornos dos morros. O processo de ocupação da região da Capela do Socorro passa, a partir de 1975, a ser regulada pela Lei de Proteção dos Mananciais e da Legislação do Zoneamento Industrial (LZI). A LZI conseguiu um certo êxito em relação a ocupação do solo por novas indústrias e controle de expansão das existentes, entretanto conforme observado na figura 2 não foi suficiente para se evitar a expansão urbana, assim a legislação em relação aos mananciais na verdade causou uma grande desvalorização da terra, que pela dificuldade de se negociar legalmente levou-se ao aumento da negociação através de loteamentos clandestinos, onde alguns permanecem irregulares ainda nos dias atuais. Observamos no gráfico 1 que o processo de urbanização veio acompanhado de um forte crescimento populacional na Capela do Socorro, notamos um aumento significativo a partir de 1960, época a qual ocorreu o avanço no polo industrial de Gráfico 1 - Crescimento Populacional Capela do Socorro Fonte: IBGE - Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010; Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960; SMDU / Dipro - Retroestimativas e Recomposição dos Distritos para os anos 1950,1960 e 1970 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Cidade Dutra 2.135 7.781 45.168 122.990 168.821 191.389 196.360 Grajaú 3.740 8.989 43.664 117.301 193.754 333.436 360.787 Socorro 707 2.577 14.961 40.738 43.194 39.097 37.783 - 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000 400.000 P o p u la ç ã o Crescimento Populacional na Subprefeitura da Capela do Socorro 33 Santo Amaro, continuando pós 1970 motivados pela Lei de Proteção dos Mananciais que baixou o valor da terra, o que atraiu os trabalhadores de baixa renda em busca da oportunidade de adquirir um lote dos loteamentos clandestinos que surgiam cada vez com mais frequência, refletindo no aumento da degradação ambiental. Após 1990, o intenso processo de urbanização da cidade continua refletindo no valorda terra, elevando o preço em regiões já consolidadas, que gera a expulsão dos trabalhadores das regiões centrais em direção a regiões mais afastada possuidoras de terras desocupadas e baratas, iguais as existentes no distrito do Grajaú preservadas devido à lei dos Mananciais. Ao comparar o crescimento populacional dos distritos do Grajaú e Cidade Dutra, notamos que, apesar de ambos estarem dentro da área de preservação ambiental ocorre certa discrepância no aumento populacional devido o fato do distrito da Cidade Dutra estar em quase sua totalidade urbanizada enquanto o distrito do Grajaú ainda possuir diversas áreas rurais que podem ser transformadas em urbanas, assim enquanto na Cidade Dutra ocorreu um crescimento populacional em torno de 16% entre 1991 e 2010, no distrito do Grajaú foi observado um crescimento populacional maior que 86%, partindo de 193.754 mil em 1991 para 360.787 mil de habitantes em 2010. Destacamos que o processo de urbanização do distrito do Grajaú continua em sua maior parte seguindo o padrão periférico, com isso estima-se atualmente a existência de cerca de 200 bairros irregulares na região e 220 favelas8. Após demonstrarmos os processos de formação do distrito Grajaú, no contexto de expansão da cidade de São Paulo, demonstraremos, no capítulo 2, como a mobilidade urbana na cidade de São Paulo, e sobretudo nesse distrito, sofrem implicações desse processo de urbanização desigual. Já no capítulo 3 apresentaremos novas formas de atuação política na cidade, por meio dos movimentos de cicloativismo, o que revela a atuação de novos atores na produção do espaço urbano do distrito do Grajaú. 8 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/capela_do_socorro/historico/index.php?p =916. Acesso em: 20 out. 2018. 34 35 CAPÍTULO 2 – MOBILIDADE NA CIDADE DE SP 2.1 – Bicicleta como opção à mobilidade urbana na cidade de São Paulo Dia após dia a cidade vai se transformando, o centro urbano se locomove e junto à locomoção urbanística vem o aumento do fluxo de pessoas, seja em razão do trabalho e/ou por questões de moradia. Entretanto as questões relativas a mobilidade urbana ou como diria Rolnik e Klintowitz: (I)mobilidade urbana (ROLNIK, KLINTOWITZ, 2011, p.89), não segue o mesmo ritmo, fato é comprovado pela diária discussão do tema que ocorre nos meios de comunicação, nos bares, praças e dentro do transporte público ou em qualquer outro local. Nos meios de comunicação são recorrentes as reportagens sobre a mobilidade urbana da cidade de São Paulo, seja para informar as condições do momento, o andamento das obras de infraestrutura ou para apresentar novas propostas mirabolantes que prometem solucionar a questão em determinada região. Percebe-se que o tema também é recorrente entre a população, inclusive, em cidades do interior onde o paulistano vai para descansar e recarregar as energias, sempre surge o assunto deslocamento trabalho/casa/escola, tempo gasto no trânsito, condições do transporte público, cansaço e stress. Em resumo a mobilidade urbana na cidade de São Paulo é uma das mais caóticas do país, congestionamentos quilométricos, transporte público de péssima qualidade e pouco incentivo para alternativas saudáveis, a exemplo da bicicleta. Dentre esses fatores o tema congestionamento é o que com mais força e frequência aparece na agenda política, já dizia Rolnik e Klintowitz (2011): Se analisarmos o modo como a questão se formula, entrando para a agenda pública (…), é o tema do congestionamento que se constitui como questão e tema na agenda das políticas, com força muito superior à questão do sistema geral de mobilidade da cidade, que inclui os transportes coletivos e os chamados modos não motorizados, como os deslocamentos a pé e por bicicleta (ROLNIK, KLINTOWITZ, 2011, p.89) Analisando os dados referentes à mobilidade urbana da cidade de São Paulo entendemos o por que o tema é recorrente entre a população. Segundo Pesquisa de Monitoração da Mobilidade efetuada anualmente pela CET, a velocidade média do 36 tráfego geral em 2017 ficou em 24,8 Km/h para o período de pico da manhã e 18,5Km/h para o período da tarde, sendo que no sentido Centro-Bairro período da tarde registrou uma velocidade média de 16,1 Km/h. Os altos congestionamentos observados na cidade de São Paulo, que por vezes levam ao absurdo de se demorar mais de 1h para percorrer 16 km, motivam a população a procurar alternativas à locomoção automotora, neste sentido a bicicleta ganha destaque por ser saudável e de baixo custo. Mas em relação à velocidade média observada pelos veículos automotores será que a mobilidade ciclística na cidade de São Paulo é uma alternativa realmente viável? Devido às diversas variáveis envolvidas passando desde questões geomorfológicas e urbanas chegando às condições de preparo físico não há um consenso sobre velocidade média daqueles que optam pela bicicleta como meio de locomoção. Em reportagem do Jornal Folha de São Paulo, o colunista das áreas de administração pública e urbanismo, certificado pelo IBGE, Evandro Spinelli, cita que “Uma pessoa comum, com preparo físico médio, pedala a média de 20 km/h” (SPINELLI, 2012), enquanto o cicloativista Willian Cruz fundador do Vá de Bike informa que “um ciclista rápido faz uma média acima de 20 km/h, tranquilamente. Mas mesmo quem pedala com mais calma se mantém acima dos 15 km/h sem esforço.” (CRUZ, 2015). Apesar de ambas as reportagens não terem apresentado uma fonte que validem suas afirmações, elas acabam se aproximando de um levantamento técnico efetuado pelo aplicativo Strava que é utilizado ao redor do mundo por diversos ciclistas amadores e profissionais, como forma de medir o desempenho. Em 2015 o Strava fez um levantamento para avaliar a rotina dos ciclistas em 12 cidades ao redor do mundo, estando São Paulo entre elas. Em São Paulo foram analisados mais de 800 mil registros de pedaladas pelo aplicativo, chegando a média de 19 km/h (ALMEIDA, 2016), com isso observamos que a velocidade média dos ciclistas se aproxima das velocidades média dos horários de pico do tráfego geral da cidade de São Paulo, chegando a superar a média do pico da tarde no sentido centro-bairro, tornando a locomoção ciclística viável quando se leva em consideração a relação distancia e tempo. Lembremos que São Paulo é uma das maiores cidades do mundo, possuindo uma área de 1.521 Km², logo surge outra dúvida: em relação às dimensões da cidade, mobilidade ciclística torna-se viável? 37 Segundo dados preliminares da Pesquisa Origem Destino (O.D.) 2017 9 realizada a cada 10 anos pelo Metrô da cidade de São Paulo, abrangendo a região metropolitana, 12,9 milhões de pessoas se locomovem diariamente e exclusivamente a pé, representando 31,1% do total de viagens10 diárias da região metropolitana, enquanto o deslocamento via bicicleta apesar de ter aumentado em 32% em relação a O.D. 200711 é feito apenas por 0,4 milhões de pessoas. A O.D. 2017 indica que os percursos a pé duram em média 12 minutos, levando ao entendimento que são deslocamentos de curta distância, que podem ser percorridos facilmente por bicicletas, demostrando o quanto a locomoção ciclística pode aumentar, sendo opção viável para boa parte desses 12,9 milhões de pessoas que se locomovem a pé. Gráfico 2 – Tipo de modal de transporte motorizado escolhido Fonte: http://www.metro.sp.gov.br/pesquisa-od/arquivos/2018_12_12_Balanco_OD2017_Instituto_de_Engenharia _site_metro.pdf. Acesso em: 25 jan. 2019. Outro fato observado na O.D. 2017 foi que até o ano de 2002 a opção por 9 Disponível em http://www.metro.sp.gov.br/pesquisa- od/arquivos/2018_12_12_Balanco_OD2017_Instituto_de_Engenharia_site_metro.pdf.Acesso em: 25 jan. 2019. 10 Viagem – deslocamento com uma origem e destino definidos por um motivo: trabalho, estudo, comércio, lazer, saúde. Podendo ser feito por mais de um modal (metrô, trem, a pé, bike...), porém os dados apresentados considera apenas o principal modal. 11 Disponível em http://www.metro.sp.gov.br/pesquisa-od/arquivos/OD_2007_Sumario_de_Dados.pdf. Acesso em: 15 set. 2018. 38 transporte motorizado individual vinha aumentando, chegando a ultrapassar a opção pelo transporte coletivo, 52,3% individual e 47,7% transporte coletivo, conforme gráfico 2. Segundo o agente de Planejamento Integração e Viabilidade de Transportes Metropolitanos do metrô de São Paulo Luiz Antônio Cortez esta preferência pelo transporte individual acendeu um alerta perante as autoridades, que adotaram diversas medidas para reverter essa situação tais como: integração gratuita entre trens da CPTM e Metrô, implantação do Bilhete Único, Cartão Bom e outros sistemas municipais. Conforme observamos no gráfico 2, as medidas surtiram efeito, invertendo já na O.D 2007 e se mantendo em 54,2% para transporte coletivos e 45,8% individual na O.D 2017. Levando a um total de 4,7 milhões de pessoas optarem diariamente pelo transporte de trilhos Metrô/CPTM, enquanto 8,6 milhões utilizam os ônibus públicos como forma de completar suas viagens. O transporte sobre trilhos no município de São Paulo possui um total de 177 estações espalhadas por cerca de 367 km de trilhos, entretanto apenas 48 estações12 possuem locais para guarda segura de bicicletas. Com isso percebemos a precariedade na politica de mobilidade urbana em relação ao incentivo a integração dos tipos de transporte como bicicleta, metrô e CPTM que possibilitaria ao cidadão percorrer pequenos e médios trechos de bicicleta e em caso de grandes percursos completar a viagem com outro tipo de transporte. Lembramos que mobilidade ciclística não se limita apenas a criação de vias de locomoção exclusiva de ciclistas e sim, também, a implantação de estruturas seguras e confiáveis para a guarda de bicicletas. A partir do momento que se investir em mobilidade ciclística, instalando bicicletários13 nas demais estações e ciclovias14 no seu entorno, não será necessário percorrer longos percursos de 15 km, 20 km ou até 30 km de bicicleta, bastara pedalar por alguns metros ou quilômetros até a estação de metrô ou trem mais próxima, guardar sua bicicleta e prosseguir viagem utilizando outro modal de transporte. Percebemos que um bom investimento em mobilidade urbana, incluindo infraestrutura ciclística, torna a mobilidade ciclística uma alternativa viável para a locomoção dentro da cidade de São Paulo inclusive para longas distâncias. 12 Fonte: https://www.metrocptm.com.br/veja-o-mapa-de-estacoes-do-metro-e-cptm/. Acesso em: 16 fev. 2019. 13 Bicicletarios são locais seguros para guarda de bicicletas. 14 Ciclovias são espaços destinados a circulação de ciclistas, será detalhado no capitulo 3 39 Entretanto, devemos nos atentar para que os investimentos em mobilidade urbana não se mantenham concentrados em algumas regiões centrais. Que por serem passiveis de geração de lucro, defendem seus próprios interesses, conseguindo a maior fatia dos investimentos do Estado sobre a justificativa de melhorar a infraestrutura urbana em pró da população. Na grande maioria das vezes este poder de fogo fica direcionado ao atendimento dos próprios interesses, induzindo uma reversão na hierarquização das prioridades políticas, que direcionam ações, recursos e investimentos públicos para as regiões ocupadas por setores minoritários e já privilegiados da sociedade. Assim mais uma vez corre-se o risco de relegar a um plano secundário as necessidades dos setores da população mais prejudicados pelos crônicos problemas de transporte coletivo da cidade, sejam eles ciclistas, pedestres e passageiros, pertencentes a uma silenciosa maioria não organizada. (MALATESTA, 2014) Partiremos agora para um breve estudo sobre a implantação e mobilidade ciclística na cidade de São Paulo. 2.2 - Breve histórico da mobilidade ciclística de São Paulo Os primeiros estudos em relação a implantação de mobilidade ciclística na cidade de São Paulo datam de 1980, porém as primeiras ciclovias só saíram realmente do papel 14 anos depois. Veremos a seguir um breve histórico dos projetos cicloviários15 da cidade de São Paulo até o ano de 2010, ilustrado no Mapa 3 os planos de 1981, 1994 e 2004: • 1981 - elaborado o primeiro Plano de Ciclovias na cidade, contemplando uma rede de 185 km de extensão, em novas vias e em vias existentes, porém o plano não foi implementado; • 1994 - Programa Projeto Ciclista consistia na elaboração de um novo Plano Cicloviário compreendendo 110 km de extensão, com diretriz de estabelecer conexões entre áreas de lazer, parques e praças; parte das vias indicadas já haviam sido contempladas no plano de 1981. 15 Fonte: Boletim Técnico 50 da CET – “A História dos Estudos de Bicicleta na CET”. Disponível em http://www.cetsp.com.br/media/135472/btcetsp50.pdf. Acesso em: 09 set. 2018. 40 Alguns projetos foram desenvolvidos e implementados, mas a falta de continuidade ocasionou na transformação delas em calçadas; • 2004 – durante o processo de elaboração dos Planos Regionais Estratégicos, foram propostos 105 km de intervenções cicloviárias na cidade; • 2010 - a CET com base na demanda existente e projetada a partir da Pesquisa Origem e Destino de 2007 elaborada pela companhia Metropolitana de São Paulo, desenvolveu um plano de três intervenções piloto que abrangia pequenos setores da cidade, mas sem detalhar as vias de ligação entre setores. A partir de 2012 os projetos seguem as diretrizes da Lei Federal 12.587 de 2012 que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), ela estabelece as diretrizes da mobilidade urbana no Brasil, que deve garantir a segurança dos cidadãos, ser inclusiva e de caráter universal. “Define ainda a justa distribuição dos benefícios e dos ônus nos usos dos diferentes modos, assim como a equidade no Mapa 3 - Planos cicloviários 1981, 1994 e 2004 Fonte: DPM - Departamento de Planejamento de Modos Ativos 41 uso dos espaços públicos.” (PlanMobSP, 2015). É a partir da lei 12.587/12 que se inicia a prioridade dos modos suaves de locomoção perante os motorizados, e da preferência dos transportes coletivos em detrimento aos individuais motorizados. A PNMU passou a ser incorporada no Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo do ano de 2014 através da Lei Municipal nº 16.050/2014, dando início a mudança de paradigma em relação à política de mobilidade urbana da cidade de São Paulo, refletindo no Plano de Mobilidade de São Paulo (PlanMob) do ano seguinte, onde se passou a discutir a mobilidade ciclística. A partir deste momento a locomoção ciclística passou a ser levada em consideração pelas autoridades, despontando como uma alternativa saudável no deslocamento pela cidade. Essa mudança de paradigma levou a um salto da malha ciclista da cidade de São Paulo passando dos 149,9 km de vias segregadas em agosto de 2014, sendo 82,41 Km de vias com tratamento cicloviário permanente e 67,50 km de ciclorrotas16, para 498,3 km de vias com tratamento cicloviário permanente (VELASCO, REIS, 2017) sendo 468 km de ciclovias e 30,3 km de ciclorrotas17. Atualmente a cidade de São Paulo conta com 503,6 km de vias com tratamento cicloviário permanente, sendo 473,3 km de ciclovias/ciclofaixas e 30,3 km de ciclorrotas.18 Transformando a capital paulista em uma das cidades com maior estrutura cicloviária do mundo e a maior da América Latina. Em agosto de 2018 a administração municipal surpreendeu a sociedade civil, inclusiveos ciclistas, com um novo plano cicloviário para a cidade de São Paulo. O novo plano tem como objetivo garantir uma melhoria na mobilidade ciclística gerando mais conexões entre os diferentes modais de transporte. Ele prevê a requalificação e criação de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, com base no tráfego da via, implantando estrutura de acalmamento de tráfego nos locais onde forem implantadas ciclorrotas, tendo como meta a ampliação da malha ciclística dos 497,6 Km atuais para 1.420 km em 2028. Em 2019 se iniciou uma série de Workshops ciclísticos, separados por subprefeituras, com objetivo de debater projetos ciclísticos para a cidade. Em seguida serão feitas audiências públicas para se debater a 16 Disponível em: http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/transportes/bicicletas/onde-andar/ciclovias-sp400km, Acesso em: 27 set. 2017. 17 Disponível em: http://www.cetsp.com.br/consultas/bicicleta/mapa-de-infraestrutura-cicloviaria.aspx Acesso em: 28 set. 2017. 18 Fonte: http://www.cetsp.com.br/consultas/bicicleta/mapa-de-infraestrutura-cicloviaria.aspx. Acesso em: 20 abr. 2019 42 mobilidade ciclística na cidade. Seguiremos adiante fazendo um levantamento em relação a mobilidade ciclística da cidade de São Paulo. 2.3 - Dados atuais sobre mobilidade ciclística em São Paulo O que vem primeiro a estrutura cicloviária ou a demanda por essa estrutura? Esse questionamento sempre surge quando se discute a ampliação e/ou implantação de estrutura cicloviária, disfarçados na forma de argumentos como: “Quase não vejo passar ciclistas por esta rua” ou “Esta ciclovia sempre está vazia”. Para responder a esses questionamentos fizemos um levantamento da mobilidade ciclística no Município de São Paulo através do Relatório Anual de Acidentes da Prefeitura de São Paulo, produzido anualmente pela CET, dos anos de 2014 até 2017, período o qual a malha cicloviária aumentou em mais de seis vezes. Gráfico 3 - Participação da bicicleta no trânsito da cidade de São Paulo Organização: Roberto Dias de Santana (2018) 19 No levantamento efetuado pelo Departamento de Operação do Sistema Viário Paulistano (DSVP) junto a CET em relação à participação dos veículos no trânsito 19 Elaborado utilizando os dados do Relatório Anual de Acidentes de Trânsito dos anos de 2014 a 2017. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/sobre-a-cet/relatorios-corporativos.aspx. Acesso em: 23 jun. 2018. 43 do município de São Paulo nos horários de pico da manhã e tarde dos dias úteis, constantes nos relatórios anuais de acidentes de 2014 a 2017, observamos, conforme gráfico 3, que a participação da bicicleta triplicou neste período, passando de 0,30% para 0,90%. O aumento da participação deste modal coincidiu com o aumento em mais de 3 vezes da malha cicloviária da cidade no mesmo período, conforme se investiu em estrutura cicloviária ocorreu um aumento no número de pessoas que passaram a utilizar a bicicleta como meio de locomoção. Gráfico 4 - Ciclistas vitimas do trânsito de São Paulo Organização: Roberto Dias de Santana (2018) 20 Um fator que deve ser levado em consideração neste aumento do número de ciclista é o da segurança que as ciclovias e ciclofaixas oferecem aos usuários. Por elas possuírem uma segregação visual ou física do tráfego lindeiro reduzem a possibilidade de acidentes leves e fatais. Essa redução do número de acidentes envolvendo ciclistas pode ser observada no Gráfico 4, nele percebemos que apesar do número de ciclistas ter triplicado, a quantidade de ciclistas vítimas em acidentes no trânsito da cidade de São Paulo reduziu em 33,64% no mesmo período. Logo o investimento em mobilidade ciclística se faz necessário tanto para se criar uma demanda, dando mais uma alternativa de meio de locomoção, quanto para se garantir a segurança da população que escolhe esse modal como opção de 20 Elaborado utilizando os dados do Relatório Anual de Acidentes de Trânsito dos anos de 2014 a 2017. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/sobre-a-cet/relatorios-corporativos.aspx. Acesso em: 23 jun. 2018. 44 locomoção. 2.4 - Mobilidade urbana e ciclística no distrito do Grajaú O distrito do Grajaú historicamente sofre de uma enorme carência em relação a investimentos públicos e consequentemente de investimentos em mobilidade urbana. A via mais importante do distrito é a Avenida Dona Belmira Marin que abriga, ao redor de seus 6,8km de extensão, a mais importante concentração de comércios e bancos da região, sendo a principal rota de entrada e saída do distrito. Ela também é a avenida mais perigosa da região da Capela do Socorro, conforme observamos na tabela 1, próxima página, foram 192 acidentes fatais entre janeiro de 2009 a julho de 2017, em relação acidentes fatais envolvendo ciclistas a Belmira Marin possui três vezes mais acidentes do que a segunda avenida mais perigosa da região, fato que demonstra a necessidade de implantação de malha cicloviária na avenida que quase foi conquistada conforme mostraremos abaixo. Figura 3 - Proposta de melhoramentos Av. Dona Belmira Marin Fonte: SP Obras, melhoramentos Avenida Dona Belmira Marin 21 21 Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/infraestrutura/sp_obras/apresentacaobelmirama rin.pdf. Acesso em: 21 fev. 2018. 45 Tabela 1 – Acidentes nas principais vias da Subprefeitura Capela do Socorro jan/2009 a jul/2017 Fonte: DPM (Banco de dados do SAT – CET) 46 Até o ano de 2014 a avenida possuía apenas três vias para circulação de automóveis. Em alguns trechos eram utilizadas duas vias sentido centro e uma sentido bairro, em outros se invertia sendo duas sentido bairro e uma sentido centro, provocando um verdadeiro funil que causava transito intenso de até 4 km levando os usuários do transporte público a descer dos ônibus e percorrerem 1 km, 2 km, 3 km e até 4 km a pé. No inicio de 2013 a prefeitura apresentou uma proposta de melhoramentos da Avenida Dona Belmira Marin, contando com duplicação da avenida, contendo corredor de ônibus central, ampliação de calçadas e ciclovia bidirecional conforme figura 3. O projeto não foi implantado conforme planejado, entretanto a avenida passou por um processo de readequação no ano 2014 e ao invés da duplicação com alargamento de calçada e ciclovia ocorreu apenas o alargamento da avenida, proporcionando quatro vias de circulação em toda a sua extensão, possibilitando a implantação de uma faixa de ônibus em cada sentido, diminuindo mas não acabando com os grandes congestionamentos, de forma a melhorar a mobilidade urbana do distrito apesar de deixar de lado a mobilidade ciclística. Em relação ao transporte, o distrito é atendido pelo terminal de ônibus Grajaú que possui integração junto a Estação ferroviária Grajaú pertencente a linha 9 esmeralda da CPTM. É nesta estação que encontramos o único bicicletário do distrito que também é a única estrutura ciclística de todo distrito, fato no mínimo estranho por se tratar do distrito mais populoso e terceiro maior da cidade. Por vezes esse bicicletário tem sua capacidade de guarda de bicicletas quase por completo preenchida, evento que por si só prova a existência de demanda ciclística no Grajaú. A ampliação da linha 9 esmeralda em direção ao Jardim Campinas está em andamento, com ela o distrito ganhara mais duas estações de trem, Mendes-Vila Natal e Varginha, além de um terminal de ônibus que será integrado a Estação Varginha. As respectivas estações contarão com bicicletários, e mesmo estando próximo de serem concluídas, última previsão segundo semestre de 2020, ainda não existem projetos deciclovias ao redor delas. 47 2.5 - Por que a bicicleta? Entre os modais de transporte a bicicleta desponta como o mais saudável, democrático e acessível. O investimento inicial para aquisição de uma bicicleta é baixo em comparação a outros modais como carro ou moto. Se levarmos em consideração o alto valor da gasolina e os valores das passagens de transporte público, observamos que o valor utilizado para aquisição da bicicleta é recuperado em alguns meses quando utilizada todos os dias como meio de locomoção. O ganho socioambiental deste modal é um dos mais eficazes, pois não emite nenhum tipo de poluição, refletindo na saúde não apenas daqueles que a escolhe como meio de locomoção, mas também, para todos os cidadãos que vivem na cidade. Segundo especialistas em saúde, o ato de pedalar gera uma diminuição do stress e mudança no humor, pois a prática de atividades físicas libera endorfinas que contribuem para um relaxamento muscular e mental. Outros benefícios de saúde para aqueles que optam por essa modalidade de transporte decorre da prática regular de atividade física, que previne doenças cardíacas e AVCs, hipertensão, ajuda a prevenir e a controlar o diabetes, aumenta a resistência aeróbica, reduz a obesidade, ativa a musculatura de todo o corpo, diminui a ocorrência de doenças crônicas, faz bem para a saúde do idoso e aumenta o tempo de vida22. Além de todos esses benefícios para o corpo dos ciclistas, a bicicleta proporciona uma sensação de liberdade, por ser possível carrega-la ao lado em locais onde a circulação é proibida. 2.6 - Regras de Segurança Como em todo e qualquer veículo ao se escolher a bicicleta como meio de locomoção o ciclista deve se atentar as regras de segurança, principalmente aos equipamentos obrigatórios e outros recomendados, conforme mostrados na figura 4, a fim de se diminuir o risco de acidentes e reduzir seus efeitos em caso de ocorrência. 22 Disponível em: https://www.hcor.com.br/imprensa/noticias/atividade-fisica-ajuda-prevenir-avc-e-doencas- cardiovasculares/ Acesso em: 15 jan. 2018 48 Figura 4 - Equipamentos obrigatórios e recomendados Fonte: Adaptado da Cartilha do Ciclista da CET O código de trânsito brasileiro (CTB) em seu artigo 105, parágrafo VI define os seguintes equipamentos obrigatórios: 1) Sinalizações Noturnas e Refletivas a) Dianteira na cor branca b) Traseira na cor vermelha c) Pedais e laterais na cor amarela ou branca 2) Campainha 3) Espelho retrovisor para o lado esquerdo 49 De acordo com o CTB a utilização do capacete não é obrigatória, entretanto diversos coletivos ciclísticos e órgãos públicos tais como CET, Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo) e Bike Zona Sul recomendam sua utilização como forma de evitar maiores danos em caso de queda, além de outros itens de segurança que não são contemplados no CTB. A seguir uma lista de itens recomendados por entidades ciclísticas: A. Luzes adicionais e refletivos, tanto na bicicleta quanto no capacete B. Para-lama, principalmente dianteiro, a fim de evitar respingo de lama no rosto C. Porta-garrafa, para manter-se hidratado D. Capacete E. Colete Refletivo, favorecendo a visualização do ciclista na via F. Presilhas, para prender a barra da calça evitando que esta enrosque na corrente G. Óculos, para proteger os olhos. 2.7 - Estrutura cicloviária Em meados de 2014 os paulistanos foram surpreendidos com ciclovias sendo criadas em cima das calçadas, para compartilhamento entre pedestres e ciclistas. Diversas críticas apareceram, denunciando como absurdas e ilegais, entretanto vale ressaltar que esse tipo de compartilhamento não é ilegal e está previsto no CTB. Assim, acreditamos ser necessário este breve tópico classificando os diversos tratamentos cicloviários: ● ciclovia – pista de uso exclusivo de bicicletas e outros ciclos, com segregação física do tráfego lindeiro motorizado ou ativo, com sinalização viária, podendo ter piso diferenciado no mesmo patamar da pista de rolamento ou no nível da calçada, sendo no canteiro central ou lateral: � ciclovia unidirecional: ciclovia que possui sentido único de circulação; 50 � ciclovia bidirecional: ciclovia que possui sentido duplo de circulação. ● ciclofaixa – faixa de rolamento de uso exclusivo à circulação de ciclos, com segregação visual ou física do tráfego lindeiro, podendo ter piso diferenciado no mesmo patamar da pista de rolamento: � ciclofaixa unidirecional: ciclofaixa com sentido único de circulação. � ciclofaixa bidirecional: ciclofaixa com sentido duplo de circulação. ● ciclorrota – sinalização cicloviária específica, vertical e horizontal, em pista de rolamento compartilhada com os demais veículos, velocidade regulamentada mais baixa que visa possibilitar o uso de vários modos de transporte sem a necessidade de segregação. Deve ser aplicado obedecendo ao princípio da continuidade e orientação, especialmente em complementação às ciclovias e ciclofaixas. ● calçadas compartilhadas e partilhadas – o artigo 59 do CTB prevê que a circulação de bicicletas nas calçadas é permitida "desde que autorizada e devidamente sinalizada pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via”. Não havendo prejuízo da prioridade, do conforto e da segurança de pedestres e cadeirantes é possível utilizar as calçadas de duas formas na rede cicloviária: � calçada compartilhada: espaço comum para a circulação de bicicletas, pedestres e cadeirantes, devidamente sinalizado. Solução que é aconselhável ser utilizada somente na impossibilidade de conexão da rede por outros tratamentos cicloviários; � calçada partilhada: espaço exclusivo para circulação de ciclos 51 sobre a calçada, com segregação visual do tráfego de pedestres, podendo ter piso diferenciado no mesmo patamar, devidamente sinalizado. As calçadas partilhadas equiparam-se às ciclofaixas, porém na calçada. Por fim lembramos que onde não houver estrutura cicloviária o ciclista deve utilizar as vias urbanas respeitando as mesmas normas, sentido da via, sinalização etc., estabelecidas aos veículos motorizados. 52 53 CAPÍTULO 3 - CICLOATIVISMO E OS CICLOATIVISTAS DO BIKE ZONA SUL 3.1 – Inicio do Cicloativismo Conhecido por “bicycle advocacy”, o cicloativismo constitui-se por atividades em defesa dos direitos dos ciclistas no uso da via pública, em busca de segurança e melhores condições para se pedalar, além de popularizar o uso da bicicleta como meio de transporte (Wikipedia, 2018). O cicloativismo tem relação direta com a bicicleta cuja origem data de meados do Século XIX, sendo difícil precisar seu inicio, contudo tomaremos por base o trabalho da Gisele Xavier que em sua pesquisa através de entrevista por e-mail com Tom Goodefroo23 e com Rijnsburger 24, adotou as raízes do movimento como sendo entre as décadas de sessenta e oitenta. Para Godefrooij: a existência de grupos organizados de ciclismo data do final do século dezenove e inicio do século XX, com o CTC (Cycling Touring Club), no Reino Unido e a Dansk Cyclist Forbund, na Dinamarca, além da holandesa ANWB, que evoluiu como uma associação de motoristas, mas que foi criada como uma associação de ciclistas. Porém, o moderno cicloativismo, com um forte componente político, se fortaleceu, na década de setenta (GODEFROOIJ & RIJNSBURGER, 2007 apoud Xavier, 2007). Rijnsburger acrescenta que a Fietsersbond foi fundada em 1975 por grupos de meio ambiente, segurança das vias e comunidades, tendo suas atividades iniciadas nos anos sessenta antes da sua criação oficial. (GODEFROOIJ & RIJNSBURGER, 2007 apoud Xavier, 2007). Precisar o inicio do cicloativismo
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