Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
15.1 Regulação das vias metabólicas 588 15.2 Análise do controle metabólico 596 15.3 Regulação coordenada da glicólise e da gliconeogênese 601 15.4 Metabolismo do glicogênio nos animais 612 15.5 Regulação coordenada da síntese e da degradação do glicogênio 620 A regulação metabólica, tema central em bioquímica, é um dos aspectos mais marcantes dos organismos vivos. Entre os milhares de reações catalisadas por enzimas que ocorrem nas células, é provável que não exista uma que escape de alguma forma de regulação. Essa necessidade de regular cada aspecto do metabolismo celular se torna clara quando se examina a complexidade das sequências de rea- ções metabólicas. Embora para o estudante de bioquímica seja conveniente dividir os processos metabólicos em “vias” que desempenham papéis distintos na economia celular, tal separação não existe na célula viva. Ao contrário, cada via discutida neste livro está indissociavelmente entrelaçada em uma rede multidimensional de reações com todas as outras vias celulares (Figura 15-1). Por exemplo, no Ca- pítulo 14 foram discutidos quatro destinos possíveis para a glicose-6-fosfato em um hepatócito: degradação pela glicólise para a produção de ATP, degradação na via das pentoses-fosfato para a produção de NADPH e pentoses- -fosfato, usados na síntese de polissacarídeos complexos da matriz extracelular, ou hidrólise em glicose e fosfato para repor a glicose sanguínea. Na verdade, a glicose-6-fosfato tem outros destinos possíveis nos hepatócitos; ela pode, por exemplo, ser usada para a síntese de outros açúcares, como glicosamina, galactose, galactosamina, fucose e ácido neu- ramínico, para a glicosilação de proteínas, ou pode ser par- cialmente degradada para fornecer acetil-CoA para a sín- tese de ácidos graxos e esteróis. E a bactéria Escherichia coli pode usar a glicose para produzir o esqueleto carbônico de cada um dos seus vários milhares de tipos de moléculas. Quando uma célula qualquer utiliza a glicose-6-fosfato para um propósito, essa “decisão” afeta todas as outras vias nas quais esse açúcar é precursor ou intermediário: qualquer mudança na distribuição da glicose-6-fosfato para uma via afeta, direta ou indiretamente, o fluxo de metabólitos por todas as outras. Tais mudanças na distribuição são comuns na vida das células. Louis Pasteur foi o primeiro a descrever o aumen- to de mais de 10 vezes no consumo de glicose em uma cultura de leveduras quando a cultura foi transferida da condição aeróbia para a anaeróbia. Esse “efeito Pasteur” ocorre sem mudança significativa nas concentrações de ATP ou da maioria das centenas de intermediários meta- bólicos e produtos derivados da glicose. Ocorre efeito se- melhante nas células do músculo esquelético quando um corredor dispara na linha de largada. A capacidade da cé- lula de executar simultaneamente todos esses processos metabólicos conectados – obter cada produto na quanti- dade necessária e no tempo certo, diante de grandes per- turbações do meio externo e sem gerar sobras – é uma impressionante realização. Este capítulo utiliza o metabolismo da glicose para ilustrar alguns princípios gerais da regulação metabólica. Primeiro aborda as funções gerais da regulação na manu- tenção da homeostasia metabólica e apresenta a análise do controle metabólico, um sistema de análise quantitativa de interações metabólicas complexas. Descreve as proprieda- des reguladoras específicas das enzimas do metabolismo da glicose; no Capítulo 14 descreve as atividades catalíticas das enzimas da glicólise e da gliconeogênese. Também dis- cute as propriedades catalíticas e reguladoras das enzimas da síntese e da degradação do glicogênio, um dos casos me- lhor estudados de regulação metabólica. Observe que, ao selecionar o metabolismo de carboidratos para ilustrar os princípios da regulação metabólica, foi separado artificial- mente o metabolismo das gorduras e dos carboidratos. Na verdade, essas duas atividades estão firmemente integra- das, como será visto no Capítulo 23. 15 Princípios da Regulação Metabólica 588 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX 15.1 Regulação das vias metabólicas As vias do metabolismo da glicose fornecem, na direção ca- tabólica, a energia essencial para se opor às forças de en- tropia e, na direção anabólica, precursores biossintéticos e uma forma de armazenamento da energia metabólica. Essas reações são tão importantes para a sobrevivência que me- canismos reguladores muito complexos evoluíram para as- segurar que os metabólitos se desloquem ao longo de cada via na direção e na velocidade corretas para combinar exa- tamente com as condições variáveis da célula ou do orga- nismo. Quando as condições externas se alteram, são feitos ajustes na velocidade do fluxo metabólico ao longo de uma via completa por uma grande variedade de mecanismos que operam em escalas de tempo diferentes. As condições mudam às vezes de forma drástica. Por exemplo, a demanda por ATP nos músculos de voo dos in- setos aumenta 100 vezes em poucos segundos quando o in- seto alça voo. Nos humanos, a disponibilidade de oxigênio pode ser reduzida devido à hipoxia (redução da liberação de oxigênio aos tecidos) ou à isquemia (redução do fluxo sanguíneo para os tecidos). As proporções relativas de car- boidrato, gordura e proteína na dieta variam de acordo com a refeição, e o suprimento de combustíveis obtido na dieta é intermitente, o que exige ajustes metabólicos entre as re- feições e durante períodos de jejum. A cicatrização exige Metabolismo de outros aminoácidos Metabolismo dos aminoácidos Metabolismo dos lipídeos Metabolismo dos carboidratos Metabolismo energético Biossíntese e metabolismo de glicanos Metabolismo de cofatores e vitaminas Metabolismo dos nucleotídeos VIAS METABÓLICAS Biossíntese de metabólitos secundários Biodegradação de xenobióticos FIGURA 151 O metabolismo como malha tridimensional. Uma típica célula eucariótica tem a capacidade de produzir cerca de 30.000 proteínas dife- rentes, que catalisam milhares de reações diferentes envolvendo muitas centenas de metabólitos, muitos deles compartilhados por mais de uma “via”. Nesta imagem resumida e muito simplificada das vias metabólicas, cada ponto representa um composto intermediário e cada linha de conexão representa uma reação enzimática. Consulte no banco de dados KEGG PATHWAY (www.genome.ad.jp/kegg/pathway/map/map01100.html) um diagrama do metabolismo mais realístico e muito mais complexo. Neste mapa interativo, cada ponto pode ser clicado para se obter dados adicionais sobre o composto e as enzimas das quais ele é substrato. A capa deste livro mostra as reações entrelaçadas que ocorrem na mitocôndria. P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 589 quantidades muito grandes de energia e de precursores biossintéticos. As células e os organismos mantêm um estado estável dinâmico Combustíveis como glicose entram na célula, e resíduos como o CO2 saem dela, mas a massa e a composição total de uma célula, de um órgão ou de um animal adulto não se alteram de modo significativo ao longo do tempo; as célu- las e os organismos existem em um estado estável dinâmi- co. Para cada reação metabólica em uma via, o substrato é fornecido pela reação precedente na mesma velocidade na qual é convertido em produto. Assim, apesar de a velo- cidade (v) da vazão metabólica, ou fluxo, por essa etapa da via poder ser alta e variável, a concentração do subs- trato, S, permanece constante. Assim, para a reação em duas etapas quando v1 5 v2, [S] é constante. Por exemplo, alterações na v1 da entrada da glicose no sangue a partir de várias fontes é equilibrada por alterações na v2 da captação da glicose por vários tecidos a partir do sangue, de forma que a concentração do açúcar no sangue ([S]) se mantém quase constante em 5 mM. Isso é homeostasia no nível molecular. As falhasnos mecanismos homeostáticos são frequentemente a causa de doenças humanas. No diabe- tes melito, por exemplo, a regulação da concentração san- guínea da glicose é deficiente como resultado da falta ou da insensibilidade à insulina, com consequências clínicas profundas. Quando a perturbação externa não é meramente tran- sitória, ou quando um tipo de célula se transforma em outro, os ajustes na composição celular e no metabolis- mo podem ser mais drásticos e requererem mudanças permanentes e significativas na alocação de energia e de precursores sintéticos, para alcançar um novo estado es- tável dinâmico. Considere, por exemplo, a diferenciação de células-tronco em eritrócitos na medula óssea. A célu- la precursora contém um núcleo, mitocôndrias, além de pouca ou nenhuma hemoglobina, enquanto o eritrócito totalmente diferenciado contém uma grande quantidade de hemoglobina, mas não tem núcleo nem mitocôndrias; a composição celular mudou permanentemente em respos- ta aos sinais externos de desenvolvimento, que acompa- nham as mudanças no metabolismo. Essa diferenciação celular requer uma regulação precisa dos níveis de cada proteína da célula. Ao longo da evolução, os organismos adquiriram uma coleção admirável de mecanismos reguladores para a ma- nutenção da homeostasia nos níveis molecular, celular e de organismo, o que se reflete na proporção de genes que co- dificam a maquinaria reguladora. Nos seres humanos, cerca de 4.000 genes (,12% de todos os genes) codificam pro- teínas reguladoras, incluindo uma grande variedade de re- ceptores, de reguladores da expressão gênica e mais de 500 proteínas-cinases diferentes! Em muitos casos, os mecanis- mos reguladores se sobrepõem: uma enzima está sujeita à regulação por vários mecanismos diferentes. A quantidade de uma enzima e sua atividade catalítica podem ser reguladas O fluxo de uma reação catalisada por uma enzima pode ser modulado por alterações no número de moléculas da enzi- ma ou por alterações na atividade catalítica de cada uma das moléculas já presentes na reação. Tais alterações ocor- rem em uma escala de tempo de milissegundos até muitas horas, em resposta a sinais de dentro ou de fora da célula. Mudanças alostéricas muito rápidas na atividade enzimática em geral são desencadeadas localmente, por alterações na concentração local de uma molécula pequena – um subs- trato da via na qual essa reação é uma das etapas (p. ex., glicose na glicólise), um produto da via (ATP da glicólise) ou um metabólito-chave ou cofator (como o NADH) que in- dica o estado metabólico da célula. Segundos mensageiros (como AMP cíclico e Ca21) gerados intracelularmente em resposta a sinais extracelulares (hormônios, citocinas e as- sim por diante) também controlam a regulação alostérica, em uma escala de tempo levemente mais lenta determina- da pela velocidade dos mecanismos de transdução de sinal (ver Capítulo 12). Os sinais extracelulares (Figura 15-2, Ê) podem ser hormonais (p. ex., insulina ou adrenalina) ou neuronais (acetilcolina), ou podem ser fatores de crescimento ou ci- tocinas. O número de moléculas de determinada enzima em uma célula é função das taxas relativas de síntese e degra- dação desta enzima. A taxa de síntese pode ser ajustada pela ativação (em resposta a alguns sinais externos) de um fator de transcrição (Figura 15-2, Ë; descrito em mais deta- lhes no Capítulo 28). Os fatores de transcrição são pro- teínas nucleares que, quando ativadas, se ligam a regiões específicas do DNA (elementos de resposta) próximas a um promotor gênico (ponto de início de transcrição do gene) e ativam ou reprimem a transcrição do gene, levando ao aumento ou à redução da síntese da proteína codificada. A ativação de um fator de transcrição às vezes resulta de sua interação com um ligante específico ou de sua fosfo- rilação ou desfosforilação. Cada gene é controlado por um ou mais elementos de resposta reconhecidos por fatores de transcrição específicos. Os genes que têm vários elementos de resposta são controlados por vários fatores de transcri- ção diferentes, respondendo a vários sinais diferentes. Gru- pos de genes que codificam proteínas que atuam em con- junto, como as enzimas da glicólise ou da gliconeogênese, frequentemente compartilham sequências de elementos de resposta comuns, de modo que um único sinal, agindo por meio de um determinado fator de transcrição, ativa ou reprime todos esses genes em conjunto. A regulação do me- tabolismo de carboidratos por fatores de transcrição espe- cíficos está descrita na Seção 15.3. A estabilidade dos RNA mensageiros (mRNA) sua resis- tência à degradação por ribonucleases celulares (Figura 15- 2, Ì) – varia, e a quantidade de um dado mRNA na célula é função de sua taxa de síntese e degradação (Capítulo 26). A taxa na qual um mRNA é traduzido em proteína pelos ribos- somos (Figura 15-2, Í) também é regulada e depende de vários fatores descritos em detalhe no Capítulo 27. Observe que um aumento de n vezes em um mRNA nem sempre significa um aumento n de vezes no seu produto proteico. 590 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX As moléculas proteicas, uma vez sintetizadas, têm um tempo de vida finito, que pode variar de alguns minutos até muitos dias (Tabela 15-1). A taxa de degradação pro- teica (Figura 15-2, ) difere de uma enzima para outra e depende das condições da célula. Algumas proteínas são marcadas pela ligação covalente de ubiquitina para serem degradadas nos proteassomos, conforme será discutido no Capítulo 27 (p. ex., o caso da ciclina, na Figura 12-47). A reciclagem rápida (síntese seguida de degradação) é ener- geticamente dispendiosa, mas proteínas com meia-vida curta podem alcançar novos níveis de estado estável muito mais rapidamente do que aquelas com meia-vida longa, e os benefícios dessa capacidade de resposta rápida devem equilibrar ou exceder o custo para a célula. Outra maneira de alterar a atividade efetiva de uma en- zima é sequestrá-la e a seu substrato em compartimentos diferentes (Figura 15-2, Ï). No músculo, por exemplo, a hexocinase só pode agir sobre a glicose quando esta entra no miócito vinda do sangue, e a taxa de entrada depende da atividade dos transportadores de glicose (ver Tabela 11- 3) na membrana plasmática. Dentro da célula, os compar- timentos envoltos por membranas segregam determinadas enzimas e sistemas enzimáticos, e o fator limitante da ação enzimática será o transporte do substrato através dessas membranas intracelulares. Por esses vários mecanismos de regulação do nível en- zimático, as células podem alterar drasticamente a quan- tidade total de suas enzimas em resposta a mudanças nas condições metabólicas. Nos vertebrados, o fígado é o tecido mais adaptável; por exemplo, a mudança de uma dieta rica em carboidratos para uma rica em lipídeos afeta a transcri- ção de centenas de genes e consequentemente os níveis de centenas de proteínas. Essas alterações totais na expressão gênica podem ser quantificadas pelo uso de microarranjos de DNA (ver Figura 9-23), que revelam a quantidade to- tal de mRNA presentes em certo tipo celular ou órgão (o transcriptoma), ou por eletroforese bidimensional (ver Figura 3-21), que mostra a totalidade de proteínas de um tipo celular ou de um órgão (seu proteoma). Ambas as técnicas proporcionam grande compreensão da regulação metabólica. O efeito das alterações no proteoma é com fre- Cinase Fosfatase Ê Í ! Ñ Ð Ï Ì Ë Ó Receptor Sinais extracelulares Transcrição de gene(s) específico(s) Núcleo mRNA mRNA Enzima DNA Fator de transcrição Tradução do mRNA no ribossomo Degradação proteica (ubiquitina; proteassomo) Degradação do mRNA P Enzima sequestrada em uma organela subcelular Retículo endoplasmático A enzima se associa com a proteína reguladora Proteína reguladora A enzima sofre fosforilação/desfosforilação S L L L Produto S A enzima interage com o ligante L (efetor alostérico) A enzima se liga ao substratoS FIGURA 152 Fatores que afetam a atividade das enzimas. A ativida- de total de uma enzima pode ser mudada pela alteração do número de mo- léculas na célula, ou sua atividade efetiva em um compartimento subcelular (Ê a Ï), ou pela modulação da atividade de moléculas já existentes (Ð a Ó), conforme está detalhado no texto. Uma enzima pode ser influenciada por uma combinação destes fatores. TABELA 151 Meia-vida média das proteínas nos tecidos de mamíferos Tecido Meia-vida (dias) Fígado 0,9 Rim 1,7 Coração 4,1 Cérebro 4,6 Músculo 10,7 P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 591 quência uma mudança no conjunto de metabólitos de baixa massa molecular, o metaboloma (Figura 15-3). O meta- boloma de E. coli crescendo com glicose é dominado por poucas classes de metabólitos: glutamato (49%); nucleotí- deos (principalmente ribonucleosídeos trifosfato) (15%); intermediários da glicólise, do ciclo do ácido cítrico e da via das pentoses-fosfato (vias centrais do metabolismo do car- bono) (15%); e glutationas e fatores redox (9%). Logo que os mecanismos reguladores que envolvem a síntese e a degradação de proteínas produzem um deter- minado número de moléculas de cada enzima na célula, a atividade dessas enzimas pode ser regulada ainda de várias outras maneiras: pela concentração do substrato, pela pre- sença de efetores alostéricos, por modificações covalentes ou por ligação de proteínas reguladoras – por todas essas maneiras, a atividade de uma molécula de enzima pode ser alterada (Figura 15-2, Ð a Ó). Todas as enzimas são sensíveis à concentração de seu(s) substrato(s) (Figura 15-2, Ð). Recorde que, no caso mais simples (enzima que segue a cinética de Michaelis- -Menten), a velocidade inicial da reação é a metade da ve- locidade máxima quando o substrato está presente em uma concentração igual ao Km (i.e., quando metade da enzima está saturada com o substrato). A atividade é reduzida com [S] mais baixa, e quando [S] ,, Km a velocidade da reação é linearmente dependente da [S]. Essa relação entre [S] e Km é importante porque as con- centrações intracelulares do substrato estão frequentemen- te na mesma faixa do Km ou mais baixas. Por exemplo, a atividade de hexocinase se altera com a [glicose], e a con- centração intracelular de glicose varia com sua concentra- ção no sangue. Conforme será visto, as diferentes formas (isoenzimas) da hexocinase têm diferentes valores de Km, sendo por isso afetadas de modo diferente por mudanças na concentração intracelular [de glicose], que fisiologica- mente fazem sentido. Para muitas transferências de grupos fosforil do ATP e para as reações redox que usam NADPH ou NAD1, a concentração do metabólito está bem acima do Km (Figura 15-4); esses cofatores não parecem ser o fator limitante em tais reações. PROBLEMA RESOLVIDO 151 Atividade de um transportador de glicose Se Kt (o equivalente ao Km) para o transportador da glicose no fígado (GLUT2) for 40 mM, calcule o efeito do aumento da concentração da glicose sanguínea de 3 mM para 10 mM na velocidade do seu fluxo para o hepatócito. Solução: Utiliza-se a Equação 11-1 (p. 406) para calcular a velocidade inicial (fluxo) da captação da glicose. Em 3 mM de glicose Em 10 mM de glicose Assim, uma elevação da glicose sanguínea de 3 mM para 10 mM aumenta a taxa de influxo do açúcar em um hepató- cito por um fator de 0,20/0,07 < 3. Outros UDP-glicose UDP-N-acetilglicosamina Outro carbono central 6-fosfogliconato Hexoses-fosfato Frutose-1,6-bifosfato Dissulfeto de glutationa Glutationa Outro redox NAD Aspartato Glutamato Valina Glutamina ATP UTP GTP dTTP CTP Outros nucleotídeos Alanina Outros aminoácidosAminoácido Nucleotídeos NAD(P)(H) Glutationas Vias centrais do metabolismo do carbono Outros intermediários das vias centrais do metabolismo do carbono FIGURA 153 O metaboloma da E.coli crescendo em glicose. Resumo das quantidades dos 103 metabólitos medidas por uma combinaçãp de cro- matografia líquida e espectrometria de massas em tandem (LC-MS/MS). 100 NAD+ ATP NADPH Reações de degradação Vias centrais do metabolismo do carbonoOutro 10–2 10–4 C o n ce n tr aç ão d o m et ab ó lit o (M ) 10–6 10–8 10–610–8 10–4 Km (M) 10–2 100 FIGURA 154 Comparação entre o Km e a concentração do substrato de algumas enzimas metabólicas. As concentrações dos metabólitos medidas na E.coli crescendo em glicose estão colocados no gráfico contra os Km conhecidos das enzimas que consomem estes metabólitos. A linha sólida é a da unidade (na qual a concentração do metabólito 5 Km) e as linhas tra- cejadas correspondem a um desvio de dez vezes da linha da unidade. 592 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX A atividade enzimática pode ser tanto aumentada como reduzida por um efetor alostérico (Figura 15-2, Ñ; ver Figura 6-34). Os efetores alostéricos convertem cinéticas hiperbóli- cas em sigmoides, ou vice-versa (p. ex., ver Figura 15-16b). Na parte mais íngreme da curva sigmoide, uma pequena alte- ração na concentração do substrato, ou do efetor alostérico, pode ter um grande impacto na velocidade da reação. Re- corde do Capítulo 5 (p. 167) que a cooperatividade de uma enzima alostérica pode ser expressa como um coeficiente de Hill, com coeficientes mais altos significando maior coopera- tividade. Para uma enzima alostérica com coeficiente de Hill de 4, a atividade aumenta de 10% para 90% da Vmáx com ape- nas 3 vezes de aumento da [S], comparado com o aumento de 81 vezes na [S] necessário para uma enzima sem os efeitos cooperativos (coeficiente de Hill de 1; Tabela 15-2). As modificações covalentes das enzimas ou de outras proteínas (Figura 15-2, !) ocorrem em segundos ou minu- tos após um sinal regulador extracelular. As modificações mais comuns são fosforilação e desfosforilação (Figura 15-5); a metade das proteínas de uma célula eucariótica é fosforilada em alguma situação. A fosforilação por uma proteína-cinase específica pode afetar as características eletrostáticas do sítio ativo da enzima, provocando o des- locamento de uma região inibidora da enzima para fora do sítio ativo, alterando a interação da enzima com outras proteínas, ou forçar mudanças conformacionais que se tra- duzem em alterações na Vmáx ou no Km. Para que as modi- ficações covalentes sejam úteis na regulação, a célula deve ser capaz de fazer a enzima alterada retornar ao seu estado original de atividade. A família das fosfoproteína-fosfatases, que estão, pelo menos algumas delas, sob regulação, catali- sa a desfosforilação das proteínas. Finalmente, muitas enzimas são reguladas pela asso- ciação e dissociação de outra proteína reguladora (Figura 15-2, Ó). Por exemplo, a proteína-cinase A dependente de AMP cíclico (PKA; ver Figura 12-6) é inativa até que a liga- ção com o cAMP separe a subunidade reguladora (inibido- ra) da catalítica da enzima. Esses vários mecanismos que alteram o fluxo por uma etapa de uma via metabólica não são mutuamente exclusi- vos. É muito comum que uma enzima isolada seja regulada no nível de transcrição e também por mecanismos alostéri- cos e covalentes. As combinações proporcionam regulação rápida, fácil e eficaz em resposta a uma ampla gama de per- turbações e sinais. Nas discussões que seguem, é útil pensar em mudanças na atividade enzimática servindo a dois papéis distintos, mas complementares. Usa-se o termo regulação metabólica para abranger processos que servem para manter a home- ostasia no nível molecular – para manter algum parâmetro celular (p. ex., concentração de um metabólito) em estado de equilíbrio ao longo do tempo, mesmo que o fluxo dos me- tabólitos se altere ao longo da via. O termo controle meta- bólico se refere a um processo que conduz a uma alteração no resultado de uma via metabólica ao longo do tempo, em resposta a um sinal externo ou uma mudança nas condições. A distinção, embora útil, nem sempre é fácil de ser feita. As reaçõeslonge do equilíbrio são pontos de regulação usuais nas células Para algumas etapas de uma via metabólica, a reação está próxima do equilíbrio, com a célula no seu estado estável dinâmico (Figura 15-6). O fluxo líquido de metabólitos TABELA 152 Relação entre o coeficiente de Hill e o efeito da concentração do substrato sobre a velocidade da reação de enzimas alostéricas Coeficiente de Hill (nH) Mudança requerida na [S] para aumentar a V0 de 10% para 99% da Vmáx 0,5 3 6.600 1,0 3 81 2,0 3 9 3,0 3 4,3 4,0 3 3 Ser/Thr/Tyr Ser/Thr/Tyr ATP ADP OH Substrato proteico Pi Fosfoproteína- -fosfatase H2O O PO O– O– Proteína-cinase FIGURA 155 Fosforilação e desfosforilação de proteínas. As prote- ína-cinases transferem um grupo fosforil do ATP para resíduos de Ser, Thr ou Tyr em uma enzima ou outro substrato proteico. As proteína-fosfatases removem o grupo fosforil como Pi. V 5 10,01 V 5 200 V 5 500 Ê Ë Ì V 5 0,01 V 5 190 V 5 490 10Velocidade líquida: 10 10 A B C D FIGURA 156 Etapas fora do equilíbrio e próximas do equilíbrio em uma via metabólica. As etapas Ë e Ì desta via estão próximas do equi- líbrio na célula; para cada etapa, a velocidade (V) da reação para a frente é levemente maior do que a velocidade da reação reversa, de modo que a velo- cidade líquida para a frente (10) é relativamente baixa e a variação de energia livre, DG, é próxima de zero. Um aumento na [C] ou na [D] pode reverter a direção destas etapas. A etapa Ê é mantida longe do equilíbrio na célula; sua velocidade para a frente é muito maior do que a da reação reversa. A veloci- dade líquida da etapa Ê (10) é muito maior do que a da reação reversa (0,01) e é idêntica à velocidade líquida das etapas Ë e Ì quando a via está operan- do no estado de equilíbrio dinâmico. A etapa Ê tem um DG negativo grande. P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 593 nessas etapas é a pequena diferença entre a velocidade da reação direta e da reação inversa, velocidades muito simila- res quando a reação está próxima do equilíbrio. Pequenas alterações nas concentrações do substrato ou do produto podem produzir grande alteração na taxa líquida, podendo mesmo mudar a direção do fluxo líquido. É possível iden- tificar essas reações próximas do equilíbrio em uma célu- la comparando a razão da ação das massas, Q, com a constante de equilíbrio para a reação, K9eq. Recorde que, na reação A 1 B S C 1 D, Q 5 [C][D]/[A][B]. Quando Q e K9eq estiverem dentro de 1 a 2 ordens de grandeza entre si, a reação está próxima do equilíbrio. Esse é o caso em 6 das 10 etapas da via glicolítica (Tabela 15-3). Outras reações na célula estão longe do equilíbrio. Por exemplo, K9eq para a reação da fosfofrutocinase-1 (PFK-1) é de cerca de 1.000, mas Q ([frutose-1,6-bifos- fato][ADP]/[frutose-6-fosfato][ATP]) em um hepatócito no estado estável é de cerca de 0,1 (Tabela 15-3). Isto é, a reação está tão longe do equilíbrio que o processo é exergônico sob condições celulares e tende a ir adiante. A reação é mantida longe do equilíbrio porque, sob condi- ções correntes de concentrações de substrato, de produ- to e de efetor, a taxa de conversão da frutose-6-fosfato a frutose-1,6-bifosfato está limitada pela atividade da PFK- 1, ela própria limitada pelo número de moléculas de PFK- 1 presentes e pela ação dos efetores alostéricos. Assim, a taxa líquida da reação direta catalisada pela enzima é igual ao fluxo líquido dos intermediários glicolíticos por outras etapas da via, e o fluxo inverso pela PFK-1 perma- nece próximo de zero. A célula não pode permitir reações com grandes cons- tantes de equilíbrio para alcançar o equilíbrio. Se [frutose-6- -fosfato], [ATP] e [ADP] na célula forem mantidas em níveis típicos (concentrações milimolares baixas) e for permitido à reação da PFK-1 alcançar o equilíbrio por uma elevação na [frutose-1,6-bifosfato], a concentração desse produto se elevará para a faixa molar causando destruição osmótica da célula. Considere outro caso: se fosse permitido à reação ATP S ADP 1 Pi se aproximar do equilíbrio, a variação real de energia livre (DG9) para essa reação (DGp, ver Problema Resolvido 13-2, p. 519) se aproximaria de zero, e o ATP per- deria o potencial de transferência do grupo fosforil de alta energia, que é valioso para a célula. Por isso é essencial que as enzimas que catalisam a degradação do ATP e outras rea- ções altamente exergônicas sejam sensíveis à regulação, de forma que, quando as mudanças metabólicas forem forçadas por condições externas, o fluxo por essas enzimas seja ajus- tado para assegurar que a [ATP] permaneça muito acima do seu nível de equilíbrio. Quando tais mudanças metabólicas ocorrem, as atividades das enzimas em todas as vias interco- nectadas se ajustam para manter as etapas críticas longe do equilíbrio. Assim, não é surpreendente que muitas enzimas (como a PFK-1) que catalisam reações altamente exergôni- cas estejam sujeitas a uma grande variedade de mecanismos reguladores refinados. A multiplicidade desses ajustes é tão grande que é impossível prever só pelo exame das proprie- dades de uma enzima qualquer em uma via se essa enzima tem uma grande influência no fluxo líquido por toda a via. Esse problema complexo pode ser abordado pela análise do controle metabólico, conforme descrito na Seção 15.2. TABELA 153 Constantes de equilíbrio, coeficientes de ação das massas e variações da energia livre das enzimas do metabolismo de carboidratos Enzima K9eq Razão da ação das massas, Q Reação próxima do equilíbrio in vivo?* DG9° (kJ/mol) DG9 (kJ/mol) no coraçãoFígado Coração Hexocinase 1 3 103 2 3 1022 8 3 1022 Não 217 227 PFK-1 1,0 3 103 9 3 1022 3 3 1022 Não 214 223 Aldolase 1,0 3 1024 1,2 3 1026 9 3 1026 Sim 124 26,0 Triose-fosfato-isomerase 4 3 1022 — † 2,4 3 1021 Sim 17,5 13,8 Gliceraldeído-3-fosfato- -desidrogenase 1 fosfoglicerato-cinase 2 3 103 6 3 102 9,0 Sim 213 13,5 Fosfoglicerato-mutase 1 3 1021 1 3 1021 1,2 3 1021 Sim 14,4 10,6 Enolase 3 2,9 1,4 Sim 23,2 20,5 Piruvato-cinase 2 3 104 7 3 1021 40 Não 231 217 Fosfoglicose-isomerase 4 3 1021 3,1 3 1021 2,4 3 1021 Sim 12,2 21,4 Piruvato-carboxilase 1 PEP-carboxicinase 7 1 3 1023 — † Não 25,0 223 Glicose-6-fosfatase 8,5 3 102 1,2 3 102 — † Sim 217 25,0 Fonte: K9eq e Q de Newsholme, E.A. e Start, C. (1973) Regulation in Metabolism, Wiley Press, New York, p. 97, 263. DG e DG9° foram calculados a partir destes dados. *Para simplificar, qualquer reação na qual o valor absoluto do DG calculado seja menor do que 6 é considerada próxima do equilíbrio. †Dados não disponíveis. 594 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX Os nucleotídeos de adenina têm papéis especiais na regulação metabólica Talvez nada seja mais importante para uma célula, após a proteção de seu DNA contra danos, do que a manutenção de um suprimento e de uma concentração de ATP cons- tantes. Muitas enzimas que utilizam ATP têm valores de Km entre 0,1 e 1 mM, sendo que a concentração de ATP em uma célula típica é de 5 a 10 mM (Figura 15-4). Se a [ATP] di- minuir significativamente, essas enzimas não estarão total- mente saturadas pelo seu substrato (ATP), e a velocidade de centenas de reações que envolvem ATP seria reduzida (Figura 15-7); a célula provavelmente não sobreviveria a esse efeito cinético sobre tantas reações. Existe também um efeito termodinâmico importante na redução da [ATP]. Uma vez que o ATP é convertido em ADP ou AMP quando é “gasto” para realizar trabalho ce- lular, a relação [ATP]/[ADP] afeta profundamente todas as reações que utilizam estes cofatores. (O mesmo é verdadei- ro para outros cofatores importantes como NADH/NAD1 e NADPH/NADP1.) Considere, por exemplo, a reação catali- sada pela hexocinase: Observe que esta expressão somente é verdadeira quando os reagentes e os produtos estiverem nas suas concentra- ções de equilíbrio quando DG9 5 0. Em qualquer outra combinação de concentrações, DG9 não é zero. Recorde(do Capítulo 13) que a razão dos produtos e substratos (a razão da ação das massas, Q) determina a magnitude e o sinal de DG9 e por isso a força motriz, DG9, da reação: Uma vez que uma alteração nessa força motriz influen- cia profundamente cada reação que envolve ATP, os orga- nismos evoluíram sob intensa pressão para desenvolver me- canismos reguladores que respondam à razão [ATP]/[ADP]. A concentração de AMP é um indicador ainda mais sen- sível do estado energético da célula do que a [ATP]. As cé- lulas normalmente têm uma concentração muito mais alta de ATP (5 a 10 mM) do que de AMP (, 0,1 mM). Quando alguns processos (p. ex., contração muscular) consomem ATP, o AMP é produzido em duas etapas. Primeiro a hidró- lise do ATP produz ADP, e depois a reação catalisada pela adenilato-cinase produz AMP: 2ADP ¡ AMP 1 ATP Se o ATP for consumido de forma que sua concentração di- minua 10%, o aumento relativo na [AMP] é muito maior do que na [ADP] (Tabela 15-4). Por isso não é surpreendente que muitos processos reguladores sejam comandados por alterações na [AMP]. O mediador mais importante da regu- lação por AMP provavelmente seja a proteína-cinase ati- vada por AMP (AMPK), que responde a um aumento na [AMP] pela fosforilação de enzimas-chave, regulando assim suas atividades. A elevação da [AMP] pode ser causada por um suprimento reduzido de nutrientes ou pelo aumento do exercício. A ação da AMPK (não confundir com a proteína- -cinase dependente de AMP cíclico; ver Seção 15.5) au- menta o transporte de glicose e ativa a glicólise e a oxidação dos ácidos graxos, enquanto suprime os processos que re- querem energia, como a síntese de ácidos graxos, colesterol e proteínas (Figura 15-8). A AMPK é discutida adiante, e os mecanismos detalhados pelos quais ela realiza essas mudanças serão analisados no Capítulo 23. Centenas de intermediários metabólicos, além do ATP, de- vem estar presentes na célula em concentrações apropriadas. Para tomar somente um exemplo: os intermediários glicolíti- cos di-hidroxiacetona-fosfato e 3-fosfoglicerato são, respec- tivamente, precursores de triacilgliceróis e serina. Quando esses produtos são necessários, a taxa de glicólise deve se V el o ci d ad e in ic ia l, V (u n id ad es a rb it rá ri as ) Concentração de ATP [mM] 5 10 15 20 25 30 35 40 Vmáx 1 2 Vmáx FIGURA 157 Efeito da concentração de ATP na velocidade inicial da reação de uma enzima dependente de ATP típica. Estes dados experi- mentais produzem um Km de 5 mM para o ATP. A concentração de ATP nos tecidos animais é de aproximadamente 5 mM. TABELA 154 Variações relativas na [ATP] e na [AMP] quando o ATP é consumido Nucleotídeo de adenina Concentração antes da depleção de ATP (mM) Concentração após a depleção de ATP (mM) Variação relativa ATP 5,0 4,5 10% ADP 1,0 1,0 0 AMP 0,1 0,6 600% P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 595 ajustar para fornecê-los sem reduzir a produção glicolítica de ATP. Isso também ocorre na manutenção dos níveis de outros cofatores importantes, como NADH e NADPH: mudanças na sua razão da ação das massas (isto é, na relação entre cofator reduzido e oxidado) têm efeitos sobre o metabolismo. As prioridades no nível do organismo, é claro, também impulsionaram a evolução dos mecanismos reguladores. O cérebro dos animais quase não possui estoques de fontes de energia, dependendo de um suprimento constante de glico- se do sangue. Se a glicose sanguínea diminuir da sua con- centração normal de 4 a 5 mM para a metade desse nível, o resultado é confusão mental, e uma redução de cinco vezes pode levar ao coma e à morte. Para proteger contra mu- danças na concentração sanguínea de glicose, a liberação dos hormônios insulina e glucagon, provocada pela glicose sanguínea alta ou baixa, respectivamente, causa mudanças metabólicas que tendem a fazer a concentração sanguínea da glicose voltar ao normal. Outras pressões seletivas devem ter agido ao longo da evolução, selecionando mecanismos reguladores que cum- prem o que segue: 1. Maximizar a eficiência da utilização dos combustíveis por impedir o funcionamento simultâneo de vias em direções opostas (como glicólise e gliconeogênese). 2. Separar os metabólitos apropriadamente em vias alternativas (como a glicólise e a via das pento- ses-fosfato). 3. Mobilizar o combustível mais adequado para as ne- cessidades imediatas do organismo (glicose, ácidos graxos, glicogênio ou aminoácidos). 4. Reduzir vias biossintéticas quando seus produtos se acumulam. Os capítulos remanescentes deste livro apresentam muitos exemplos de cada um dos tipos de mecanismos reguladores. RESUMO 15.1 Regulação das vias metabólicas c Em uma célula metabolicamente ativa no estado está- vel, os intermediários são formados e utilizados em ta- xas iguais. Quando uma perturbação transitória altera a taxa de formação ou de utilização de um metabólito, alterações compensatórias nas atividades das enzimas reconduzem o sistema ao estado estável. c As células regulam seu metabolismo por meio de uma grande variedade de mecanismos em uma escala de tempo que varia de menos de um milissegundo até dias, tanto pela mudança na atividade de moléculas enzimá- ticas preexistentes quanto pela mudança no número de moléculas de uma enzima específica. c Vários sinais ativam ou inativam fatores de transcri- ção, que atuam no núcleo e regulam a expressão gêni- ca. Mudanças no transcriptoma levam a mudanças no proteoma e, por fim, no metaboloma de uma célula ou tecido. Célula b pancreática Cérebro (hipotálamo) [AMP] [ATP] Exercício Leptina, adiponectina Secreção de insulina Captação de ácidos graxos, oxidação Captação de glicose Biogênese mitocondrial Síntese de ácidos graxos Síntese de colesterolSíntese de ácidos graxos Lipólise Oxidação de ácidos graxos Captação de glicose Glicólise Ingestão de alimento SNS Coração Tecido adiposo Músculo esquelético Fígado AMPK FIGURA 158 Papel da proteína-cinase ativada por AMP (AMPK) no metabolismo de carboidratos e de gorduras. A AMPK é ativada por [AMP] elevada ou por [ATP] reduzida, pelo exercício, pelo sistema nervoso simpático (SNS), ou por hormônios peptídicos produzidos no tecido adiposo (leptina e adiponectina, descritos em mais detalhe no Capítulo 23). A AMPK, quando ativada, fosforila proteínas-alvo e altera o metabolismo de uma grande variedade de tecidos, distanciando-o dos processos que consomem energia como a síntese de glicogênio, de ácidos graxos e de colesterol; alte- ra o metabolismo nos tecidos extra-hepáticos para o uso de ácidos graxos como combustível; e desencadeia a gliconeogênese no fígado para fornecer glicose para o cérebro. No hipotálamo, a AMPK estimula o comportamento de alimentação para fornecer mais combustível com a dieta. 596 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX c Nos processos com múltiplas etapas como a glicólise, determinadas reações estão em equilíbrio no estado es- tável; as velocidades dessas reações aumentam e dimi- nuem com a concentração do substrato. Outras reações estão fora do equilíbrio; essas etapas são os pontos de regulação global da via. c Os mecanismos reguladores mantêm níveis praticamen- te constantes de metabólitos-chave como ATP e NADH nas células e de glicose no sangue, enquanto adaptam o uso ou a produção de glicose às necessidades variáveis do organismo. c Os níveis de ATP e de AMP são um reflexo sensível do estado energético da célula, e quando a razão [ATP]/ [AMP] diminui, a proteína-cinase ativada por AMP (AMPK) desencadeia uma grande variedade de respos- tas celulares para elevar a [ATP] e reduzir a [AMP]. 15.2 Análise do controle metabólico Estudos detalhados da regula- ção metabólica só se tornaram possíveis depois da elucidação das etapas químicas básicas das vias e da caracterização das en- zimas responsáveis. Tendo como ponto de partida a descoberta de Eduard Buchner (por volta de 1900) de que um extratode células de levedura poderia con- verter glicose em etanol e CO2, o impulso principal da pesquisa bioquímica foi decifrar as etapas pelas quais essa transformação ocorria e purificar e caracteri- zar as enzimas que catalisavam cada etapa. Na metade do século XX, todas as 10 enzimas da via glicolítica estavam purificadas e caracterizadas. Nos 50 anos seguintes se aprendeu muito sobre a regulação des- tas enzimas, por sinais extra e intracelulares, por meio dos mecanismos covalentes e alostéricos descritos neste ca- pítulo. O critério convencional era que, em uma via linear como a glicólise, a catálise por uma das enzimas deveria ser a mais lenta, determinando, desse modo, a velocidade do fluxo metabólico por toda a via. No caso da glicólise, a PFK-1 foi considerada a enzima de velocidade limitante, porque se sabe que é regulada pela frutose-1,6-bifosfatase e outros efetores alostéricos. Com o advento da tecnologia da engenharia genética, se tornou possível testar essa hipótese da “única etapa deter- minante da velocidade” pelo aumento da concentração da enzima que catalisa a “etapa limitante da velocidade” em uma via e pela determinação do aumento proporcional do fluxo ao longo da via. Com frequência não aumenta; a solu- ção simples (uma única etapa determinante da velocidade) está errada. Atualmente está claro que, na maioria das vias, o controle do fluxo é distribuído entre várias enzimas, e o grau com que cada uma contribui para o controle varia com as condições metabólicas – o suprimento do material de partida (p. ex., glicose), o suprimento de oxigênio, a neces- sidade de outros produtos derivados de intermediários da via (como a glicose-6-fosfato para a via das pentoses-fosfato em células que sintetizam grande quantidade de nucleotí- deos), os efeitos dos metabólitos com funções reguladoras, e o estado hormonal do organismo (os níveis de insulina e glucagon), entre outros fatores. Por que o interesse nos fatores que limitam o fluxo por uma via? Para entender a ação dos hormônios ou de fárma- cos, ou a patologia que resulta de uma falha na regulação metabólica, é preciso saber onde é exercido o controle. Se os pesquisadores desejam desenvolver um fármaco que es- timule ou iniba uma via, o alvo lógico é a enzima que tenha o maior impacto no fluxo por esta via. A bioengenharia de um microrganismo para produzir uma grande quantidade de um produto de valor comercial (p. 321) requer um co- nhecimento do que limita o fluxo de metabólitos para este produto. A contribuição de cada enzima para o fluxo através de uma via é determinada experimentalmente Existem várias maneiras de determinar experimental- mente como uma variação na atividade de uma enzima em uma via afeta o fluxo metabólico por essa via. Considere os resultados experimentais mostrados na Figura 15-9. Quando uma amostra de fígado de rato foi homogeneizada para liberar todas as enzimas solúveis, o extrato realizou a conversão glicolítica da glicose em frutose-1,6-bifosfato a uma velocidade mensurável. (Para simplificar, esse ex- perimento está focado somente na primeira parte da via glicolítica.) Quando foram adicionadas ao extrato quanti- Eduard Buchner, 1860–1917 Fl u xo g lic o lít ic o 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 0 0,5 1,0 1,5 Enzima adicionada (unidades arbitrárias) 2,0 2,5 3,0 Hexocinase IV Fosfofrutocinase-1 Fosfo-hexose-isomerase FIGURA 159 Dependência do fluxo glicolítico sobre enzimas adicio- nadas, em um homogeneizado de fígado de rato. Enzimas purificadas, nas quantidades mostradas no eixo do x, foram adicionadas a um extrato de fígado realizando glicólise. O aumento no fluxo ao longo da via é mostrado no eixo do y. P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 597 dades crescentes de hexocinase IV (glicocinase) purifica- da, a velocidade da glicólise aumentou gradualmente. A adição de PFK-1 purificada também aumentou a velocida- de da glicólise, mas não tão dramaticamente quanto a he- xocinase. A adição de fosfo-hexose-isomerase purificada não teve efeito. Esses resultados sugerem que ambas, a hexocinase e a PFK-1, contribuem para determinar o fluxo pela via (hexocinase mais do que PFK-1), e que a fosfo- -hexose-isomerase não. Experimentos semelhantes podem ser feitos em célu- las intactas ou em organismos, usando inibidores ou ativa- dores específicos para alterar a atividade de uma enzima e observar ao mesmo tempo o efeito sobre o fluxo pela via. A quantidade de uma enzima também pode ser alterada geneticamente; a bioengenharia pode produzir uma célula que faça cópias extras da enzima em estudo ou ter uma versão da enzima menos ativa do que a enzima normal. O aumento genético da concentração de uma enzima às vezes causa efeitos significativos no fluxo e às vezes não tem efeito. Três parâmetros críticos, que juntos descrevem a capa- cidade de resposta de uma via a mudanças nas condições metabólicas, estão no centro da análise do controle me- tabólico. Agora será feita uma descrição qualitativa desses parâmetros e de seu significado no contexto de uma célu- la viva. O Quadro 15-1 fornece uma descrição quantitativa mais rigorosa. O coeficiente de controle de fluxo quantifica o efeito de uma alteração na atividade enzimática sobre o fluxo metabólico por uma via Dados quantitativos sobre fluxo metabólico, obtidos con- forme a descrição da Figura 15-9, podem ser usados para calcular um coeficiente de controle de fluxo, C, para cada uma das enzimas de uma via. Esse coeficiente ex- pressa a contribuição relativa de cada enzima na deter- minação da velocidade na qual os metabólitos fluem pela via – isto é, o fluxo, J. C pode ter qualquer valor de 0,0 (para enzimas sem impacto sobre o fluxo) a 1,0 (para en- zimas que determinam totalmente o fluxo). Uma enzima também pode ter um coeficiente negativo de controle de fluxo. Em uma via ramificada, uma enzima em um ramo, pelo fato de remover intermediários de outro ramo, pode ter um impacto negativo sobre o fluxo por esse outro ramo (Figura 15-10). C não é uma constante, não sendo intrín- seco a uma única enzima; é uma função de todo o siste- ma de enzimas, e seu valor depende da concentração dos substratos e dos efetores. Quando dados reais de experimentos de glicólise em extratos de fígado de rato (Figura 15-9) foram submetidos a esse tipo de análise, os pesquisadores constataram coefi- cientes de controle de fluxo (para as enzimas nas concen- trações encontradas no extrato) de 0,79 para a hexocinase, 0,21 para a PFK-1, e 0,0 para a fosfo-hexose-isomerase. Não é por acaso que esses valores somam 1,0; é possível mostrar que, para qualquer via completa, a soma dos coeficientes de controle de fluxo deve ser igual à unidade. O coeficiente de elasticidade está relacionado com a capacidade de resposta da enzima a alterações na concentração do metabólito ou do regulador Um segundo parâmetro, o coeficiente de elasticidade, «, expressa quantitativamente a capacidade de resposta de uma única enzima a alterações na concentração de um metabólito ou de um regulador; é função das propriedades cinéticas intrínsecas da enzima. Por exemplo, uma enzima com típica cinética de Michaelis-Menten mostra uma res- posta hiperbólica ao aumento da concentração do substrato (Figura 15-11). Em baixas concentrações do substrato (p. ex., Km 0,1), cada incremento na concentração do substrato resulta em um aumento comparável na atividade enzimá- tica, produzindo um « próximo de 1,0. Em concentrações de substrato relativamente altas (p. ex., Km 10), o aumento da concentração do substrato tem efeito pequeno sobre a velocidade da reação, porque a enzima já está saturada com o substrato. A elasticidade nesse caso se aproxima de zero. Para enzimas alostéricas que apresentam cooperatividade positiva, « pode exceder 1,0, mas não excede o coeficiente de Hill, que está entre 1,0 e 4,0. A B C D E C4 5 20,2 C1 5 0,3 C2 5 0,0 C3 5 0,9 FIGURA 1510 O coeficiente decontrole de fluxo, C, em uma via me- tabólica ramificada. Nesta via simples, o intermediário B tem dois des- tinos alternativos. À medida que a reação B S E remove B da via A S D, ela controla esta via, o que resulta em um coeficiente de controle de fluxo para a enzima que catalisa a etapa B S E. Observe que a soma dos quatro coeficientes é igual a 1,0, como deve ser para qualquer sistema de enzimas definido. Vmáx V Km [S] « < 0,0 « < 1,0 FIGURA 1511 Coeficiente de elasticidade, «, de uma enzima com a cinética de Michaelis-Menten. Em concentrações do substrato bem abaixo do Km, cada aumento na [S] produz um grande aumento correspon- dente na velocidade da reação, V. Nesta região da curva, a enzima tem um « de 1,0. Em [S] .. Km, o aumento da [S] tem pequeno efeito sobre a V; neste caso, « está próximo de zero. 598 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX O coeficiente de resposta expressa o efeito de um controlador externo sobre o fluxo de uma via Também é possível derivar uma expressão quantitativa para o impacto relativo de um fator externo (hormônio ou fator de crescimento), que não é nem metabólito nem uma en- zima da via, sobre o fluxo pela via. O experimento mede o fluxo pela via (nesse caso, glicólise) em vários níveis do parâmetro P (p. ex., concentração de insulina) para obter o coeficiente de resposta, R, que expressa a alteração no fluxo quando P ([insulina]) se altera. Esses três coeficientes, C, « e R, estão relacionados de uma maneira simples: a capacidade de resposta (R) de uma via a um fator externo que afeta uma determinada enzima é uma função de (1) quão sensível é a via a mudanças na atividade desta enzima (o coeficiente de controle de fluxo, C) e (2) quão sensível é a enzima específica a mudanças no fator controlador externo (a elasticidade, «): R 5 C · « Cada enzima da via pode ser examinada desta forma, e os efeitos de qualquer um de vários fatores externos sobre o fluxo na via podem ser determinados separadamente. As- Os fatores que influenciam a circulação dos intermediá- rios (fluxo) ao longo de uma via podem ser determinados quantitativamente de modo experimental, sendo expres- sos em termos úteis para a predição da alteração no flu- xo quando ocorrer alteração de algum fator envolvido na via. Considere a sequência de reações simples na Figura Q-1, na qual um substrato X (p. ex., glicose) é converti- do, em várias etapas, em um produto Z (talvez piruvato, formado na glicólise). Uma das enzimas tardias na rota é uma desidrogenase (ydh) que atua sobre o substrato Y. Uma vez que a atividade da desidrogenase é facilmente medida (ver Figura 13-24), é possível usar o fluxo (J) por essa etapa (Jydh) para medir o fluxo ao longo de toda a via. Manipula-se experimentalmente o nível de uma en- zima inicial na via (xase, que atua sobre o substrato X) e mede-se o fluxo ao longo da via (Jydh) para vários níveis da enzima xase. X xase ydh Jxase Jydh S1 S6 multietapa Y Z multietapa FIGURA Q1 Fluxo ao longo de uma via multienzimática hipotética. A relação entre o fluxo pela via de X a Z na célula intacta e a concentração de cada enzima da via deve ser hiperbólica, sem fluxo quando a atividade enzimática for infinitamente baixa e com fluxo próximo ao máximo quando a atividade enzimática for muito alta. Em uma curva de Jydh contra a concentração da xase, Exase, a mu- dança no fluxo com uma pequena alteração no nível da enzima é ∂Jydh/∂Exase, que é simplesmente a inclinação da tangente da curva em qualquer concentração da en- zima Exase, e que tende a zero na Exase saturante. Em baixa Exase, a inclinação é íngreme; o fluxo aumenta com cada incremento na atividade enzimática. Em Exase muito alta, a inclinação é muito menor; o sistema é menos responsi- vo à adição de xase porque ela já está presente em exces- so em relação às outras enzimas da via. Usa-se a relação ∂Jydh/∂Exase para mostrar quantita- tivamente a dependência do fluxo ao longo da via, Jydh, sobre Exase. No entanto, sua utilidade é limitada porque o seu valor depende das unidades usadas para expres- sar fluxo e atividade enzimática. Pela expressão das mu- danças fracionais no fluxo e na atividade enzimática, ∂Jydh/Jydh e ∂Exase/ Exase, se obtém uma equação unificado- ra para o coeficiente de controle de fluxo, C, neste caso (1) Isto pode ser rearranjado para: que é matematicamente idêntico a Esta equação sugere um meio gráfico simples de deter- minar o coeficiente de controle de fluxo: é a inclina- ção da tangente da curva de Jydh versus ln de Exase, que pode ser obtido pela utilização dos dados experimentais da Figura Q-2a em outro gráfico para se obter a Figura Q-2b. Observe que não é uma constante; ele depen- de da Exase inicial a partir da qual acontece a alteração no nível enzimático. Para os casos mostrados na Figura Q-2, é de 1,0 na Exase mais baixa, mas somente cerca de 0,2 em alta Exase. Um valor próximo de 1,0 para significa que a concentração da enzima determina total- mente o fluxo pela via; um valor próximo de 0,0 significa que a concentração da enzima não limita o fluxo pela via. Alterações na atividade da enzima não terão forte efeito sobre o fluxo, a menos que o coeficiente de controle de fluxo seja maior do que 0,5. A elasticidade («) de uma enzima é uma medida de como a atividade catalítica dessa enzima se altera com a alteração da concentração do metabólito – substrato, produto ou efetor. A medida é obtida a partir de uma cur- va experimental da velocidade da reação catalisada pela enzima versus a concentração do metabólito, nas con- centrações prevalentes na célula. Usando argumentos análogos aos utilizados para deduzir C, é possível mostrar que « é a inclinação da tangente da curva de ln V versus ln [substrato, produto ou efetor]: QUADRO 151 MÉTODOS Análise do controle metabólico: aspectos quantitativos P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 599 sim, em princípio, é possível predizer de que maneira será alterado o fluxo do substrato por uma série de etapas enzi- máticas quando existe uma alteração em um ou mais fatores controladores externos à via. O Quadro 15-1 mostra como esses conceitos qualitativos são tratados quantitativamente. A análise do controle metabólico foi aplicada ao metabolismo de carboidratos, com resultados surpreendentes A análise do controle metabólico proporciona uma estrutu- ra que permite pensar quantitativamente sobre regulação, interpretar o significado das propriedades reguladoras de cada enzima em uma via, identificar as etapas que mais afetam o fluxo pela via, e distinguir entre os mecanismos reguladores que atuam na manutenção das concentrações dos metabólitos e os mecanismos de controle que alteram efetivamente o fluxo da via. A análise da via glicolítica em leveduras, por exemplo, revelou um coeficiente de contro- le de fluxo para a PFK-1 inesperadamente baixo, o qual, como se percebe, foi determinado como o ponto principal do controle do fluxo – a “etapa determinante da velocidade” – na glicólise. A elevação experimental do nível da PFK-1 em cinco vezes leva a uma alteração no fluxo pela glicólise Para uma enzima com a cinética de Michaelis-Menten típica, o valor de « varia de 1 desde concentrações de substrato muito abaixo do Km a próximo de 0 quando se aproxima da Vmáx. As enzimas alostéricas podem ter elas- ticidade maior que 1,0, mas não maior que seu coeficien- te de Hill (p. 167). Finalmente, o efeito dos controladores externos à própria via (isto é, não metabólitos) pode ser medido e expresso como o coeficiente de resposta, R. A alte- ração no fluxo ao longo da via é medida por mudanças na concentração do parâmetro controlador, P, e R é de- finido de forma análoga à da Equação 1, produzindo a expressão Usando a mesma lógica e os métodos gráficos descritos anteriormente para determinar C, obtém-se R como a in- clinação da tangente da curva de ln J versus ln P. Os três coeficientes descritosestão relacionados des- ta maneira simples: Assim, a capacidade de resposta de cada enzima em uma via a uma alteração em um fator controlador exter- no é uma função simples de duas coisas: o coeficiente de controle, variável que expressa o quanto essa enzima influencia o fluxo sob um dado conjunto de condições, e a elasticidade, propriedade intrínseca da enzima que reflete a sua sensibilidade à concentração do substrato e do efetor. Fl u xo , J yd h e j ∂Jydh ∂Exase ln J yd h ln e ln j ∂ ln Jydh ∂ ln Exase 5 C Jydh xase (a) (b) Concentração da enzima, Exase ln Exase FIGURA Q2 Coeficiente de controle de fluxo. (a) Variação típica do trajeto do fluxo, Jydh, medido na etapa catalisada pela enzima ydh, como uma função da quantidade da enzima xase, Exase, que catalisa uma etapa mais inicial na via. O coeficiente de controle de fluxo em (e,j ) é a inclinação do produto da tangente da curva, ∂ Jydh /∂ Exase, e a relação (fator de inclinação) e/j. (b) Em um gráfico de duplo logaritmo da mesma curva, o coeficiente de controle de fluxo é a inclinação da tangente da curva. 600 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX de menos de 10%, sugerindo que o papel real da regulação pela PFK-1 não é controlar o fluxo pela glicólise, mas me- diar a homeostasia de metabólitos – para prevenir grandes mudanças na concentração dos metabólitos quando o fluxo pela glicólise aumenta em resposta à glicose sanguínea alta ou à insulina. Relembre que o estudo da glicólise em extrato de fígado (Figura 15-9) também produziu um coeficiente de controle de fluxo que discordou do conhecimento con- vencional; mostrou que a hexocinase, e não a PFK-1, é mais influente no ajuste do fluxo ao longo da glicólise. Deve-se observar aqui que o extrato de fígado não é equivalente a um hepatócito; a maneira ideal de estudar o controle do flu- xo é manipulando uma enzima de cada vez na célula viva. Isso já é possível em muitos casos. Os pesquisadores usaram ressonância magnética nu- clear (RMN) como uma maneira não invasiva de deter- minar a concentração de glicogênio e de metabólitos nas cinco etapas da via desde a glicose no sangue até o glico- gênio nos miócitos (Figura 15-12) de músculo de rato e de humanos. Descobriram que o coeficiente de controle de fluxo pela glicogênio-sintase foi menor do que para o transportador de glicose (GLUT4) ou para a hexocinase. (Discutem-se a glicogênio-sintase e outras enzimas do metabolismo do glicogênio nas Seções 15.4 e 15.5.) Esse achado contradiz o conhecimento convencional de que a glicogênio-sintase é o local do controle do fluxo e suge- re que a importância da fosforilação/desfosforilação dessa enzima esteja relacionada com a manutenção da homeos- tasia de metabólitos – isto é, regulação, e não controle. Dois metabólitos dessa via, glicose e glicose-6-fosfato, são intermediários-chave em outras vias, incluindo a glicólise, a via das pentoses-fosfato e a síntese da glicosamina. A análise do controle metabólico sugere que, quando o nível da glicose sanguínea se eleva, a insulina atua no músculo para (1) aumentar o transporte da glicose para as células levando GLUT4 para a membrana plasmática, (2) induzir a síntese de hexocinase, e (3) ativar a glicogênio-sintase por modificação covalente (ver Figura 15-41). Os dois primei- ros efeitos da insulina aumentam o fluxo de glicose pela via (controle), e o terceiro serve para adaptar a atividade da glicogênio-sintase de modo que os níveis de metabóli- tos (p. ex., glicose-6-fosfato) não aumentem drasticamen- te com o fluxo aumentado (regulação). A análise do controle metabólico sugere um método geral para o aumento do fluxo por uma via Como um pesquisador pode manipular uma célula para aumentar o fluxo sem alterar as concentrações dos outros metabólitos ou os fluxos ao longo de outras vias? Mais de três décadas atrás, Henrik Kacser previu, com base na aná- lise do controle metabólico, que isso seria possível pelo au- mento da concentração de cada enzima da via. A predição foi confirmada em vários testes experimentais, e também concorda com a maneira pela qual as células normalmente controlam os fluxos ao longo das vias. Por exemplo, ratos alimentados com dieta rica em proteína eliminam o excesso de grupos amino convertendo-os em ureia no ciclo da ureia (Capítulo 18). Com essa mudança da dieta, a produção de ureia aumenta quatro vezes, e as enzimas do ciclo da ureia aumentam de duas a três vezes. De modo similar, quando o aumento da oxidação dos ácidos graxos é desencadeado pela ativação do receptor g ativado por proliferador de pe- roxissomo (PPARg, fator de transcrição ativado por ligante; ver Figura 21-22), aumenta a síntese de toda a série de enzimas de oxidação dos ácidos graxos. Com o crescimento do uso de microarranjos de DNA no estudo da expressão de grupos completos de genes em resposta a várias pertur- bações, logo se saberia se esse é um mecanismo geral pelo qual as células realizam ajustes de longo prazo no fluxo ao longo de vias específicas. RESUMO 15.2 Análise do controle metabólico c A análise do controle metabólico mostra que a veloci- dade do fluxo metabólico por uma via se distribui entre várias enzimas na via. c O coeficiente de controle de fluxo, C, é uma medida de- terminada experimentalmente do efeito da concentra- ção de uma enzima sobre o fluxo por uma via multienzi- mática. Não é uma característica intrínseca da enzima, mas do sistema como um todo. c O coeficiente de elasticidade, «, de uma enzima é uma medida determinada experimentalmente de sua capa- cidade de resposta a alterações na concentração de um metabólito ou de uma molécula reguladora. c O coeficiente de resposta, R, é uma medida determina- da experimentalmente da alteração no fluxo por uma via Membrana plasmática Capilar Glicose Insulina UDP-glicose Glicose-1-fosfato Glicose-6-fosfato Miócito GLUT4 Glicose Glicogênio Glicogênio-sintase Hexocinase FIGURA 1512 Controle da síntese de glicogênio no músculo, a partir da glicose sanguínea. A insulina afeta três das cinco etapas desta via, mas é o efeito sobre o transporte e sobre a atividade da hexocinase que aumen- ta o fluxo para o glicogênio e não a mudança na atividade da glicogênio- -sintase. P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 601 em resposta a um hormônio regulador ou a um segundo mensageiro. É uma função de C e de «: R 5 C · «. c Algumas enzimas reguladas controlam o fluxo ao longo de uma via, enquanto outras reequilibram o nível dos metabólitos em resposta a alterações no fluxo. A pri- meira atividade é controle; a segunda, de reequilíbrio, é regulação. c A análise do controle metabólico prevê, e os experimen- tos confirmam, que o fluxo na direção de um produto específico é aumentado de maneira mais eficiente pela elevação da concentração de todas as enzimas da via. 15.3 Regulação coordenada da glicólise e da gliconeogênese Nos mamíferos, a gliconeogênese acontece principal- mente no fígado, onde tem o papel de fornecer glicose para exportar para outros tecidos quando se exaurem os estoques de glicogênio e quando não há disponibilidade de glicose na dieta. Conforme discutido no Capítulo 14, a gli- coneogênese utiliza várias das enzimas que atuam na glicó- lise, mas não é simplesmente o seu reverso. Sete reações glicolíticas são livremente reversíveis, e as enzimas que catalisam estas reações também atuam na gliconeogênese (Figura 15-13). Três reações da glicólise, de tão exergô- nicas, são essencialmente irreversíveis: as catalisadas por hexocinase, PFK-1 e piruvato-cinase. As três reações têm um DG9 grande e negativo (a Tabela 15-3 mostra os valo- res no músculo cardíaco). A gliconeogênese usa desvios em cada uma dessas etapas irreversíveis; por exemplo, a conversão da frutose-1,6-bifosfato em frutose-6-fosfato é catalisada pela frutose-1,6-bifosfatase (FBPase-1). Cada uma dessas reações de desvio também tem um DG9 grande e negativo.Em cada um dos três pontos onde as reações glicolí- ticas são desviadas por reações gliconeogênicas alterna- tivas, a operação simultânea de ambas as vias consome ATP sem realizar nenhum trabalho químico ou biológico. Por exemplo, a PFK-1 e a FBPase-1 catalisam reações opostas: A soma destas duas reações é ATP 1 H2O ¡ ADP 1 Pi 1 calor isto é, hidrólise de ATP sem realizar nenhuma atividade metabólica útil. Se estas duas reações prosseguirem si- multaneamente em uma velocidade alta na mesma célula, uma grande quantidade de energia será dissipada na for- ma de calor. Esse processo antieconômico é denominado ciclo fútil. No entanto, como será visto mais tarde, tais ciclos podem proporcionar vantagens em vias de controle, e o termo ciclo de substrato é uma denominação melhor. Ciclos de substrato semelhantes também ocorrem com os outros dois grupos de reações de desvio na gliconeogênese (Figura 15-13). Agora serão analisados com mais detalhe os mecanis- mos que regulam a glicólise e a gliconeogênese nos três pontos nos quais essas vias divergem. Hexocinase Glicose-6- -fosfatase Fosfofrutocinase-1 Frutose-1,6- -bifosfatase-1 Piruvato- -carboxilase PEP- -carboxicinase Piruvato- -cinase Fosfo-hexose- -isomerase Aldolase Triose-fosfato- -isomerase Triose-fosfato- -isomerase Gliceraldeído-3- -fosfato- -desidrogenase Fosfoglicerato- -cinase Fosfoglicerato- -mutase Enolase Fosfo-hexose- -isomerase Aldolase Gliceraldeído-3- -fosfato- -desidrogenase Fosfoglicerato- -cinase Fosfoglicerato- -mutase Enolase Glicose Glicose- -6-fosfato Frutose-6- -fosfato Frutose-1,6- -bifosfato (2) Gliceraldeído-3- -fosfato (2) 1,3-Bifosfoglicerato (2) 3-Fosfoglicerato (2) 2-Fosfoglicerato (2) Fosfoenolpiruvato (2) Oxaloacetato Di-hidroxiacetona- -fosfato Di-hidroxiacetona- -fosfato GliconeogêneseGlicólise (2) Piruvato FIGURA 1513 Glicólise e gliconeogênese. Vias opostas da glicólise (em cor-de-rosa) e da gliconeogênese (em azul) no fígado de rato. Três etapas são catalisadas por enzimas diferentes na gliconeogênese (as “reações de desvio”) e na glicólise; sete etapas são catalisadas pelas mesmas enzimas nas duas vias. Para simplificar, os cofatores foram omitidos. 602 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX As isoenzimas da hexocinase do músculo e do fígado são afetadas diferentemente por seu produto, glicose-6-fosfato A hexocinase, que catalisa a entrada da glicose na via glicolítica, é uma enzima reguladora. Os humanos têm quatro isoenzimas (designadas de I a IV), codificadas por quatro diferentes genes. As isoenzimas são proteínas diferentes que catalisam a mesma reação (Quadro 15- 2). A isoenzima da hexocinase predominante dos mióci- tos (hexocinase II) tem alta afinidade pela glicose – ela atinge a metade da saturação em 0,1 mM. Uma vez que a glicose que entra nos miócitos a partir do sangue (onde sua concentração é de 4 a 5 mM) gera uma concentração intracelular de glicose suficientemente alta para saturar a hexocinase I, a enzima normalmente age na sua velocida- de máxima ou próxima dela. A hexocinase I do múscu- lo e a hexocinase II são inibidas alostericamente por seu produto, a glicose-6-fosfato, de forma que, sempre que a concentração intracelular de glicose se eleva acima do seu nível normal, essas enzimas são temporária e reversi- velmente inibidas, levando a velocidade da formação da glicose-6-fosfato ao equilíbrio com a velocidade de sua utilização e reestabelecendo o estado estável. QUADRO 152 Isoenzimas: proteínas diferentes que catalisam a mesma reação As quatro formas de hexocinase encontradas nos teci- dos de mamíferos são apenas um exemplo de uma situa- ção biológica comum: a mesma reação sendo catalisada por duas ou mais formas moleculares diferentes da mes- ma enzima. Essas múltiplas formas, chamadas de isozi- mas ou isoenzimas, podem ocorrer na mesma espécie, no mesmo tecido, até na mesma célula. As diferentes formas (isoformas) da enzima geralmente diferem nas propriedades cinéticas ou reguladoras, no cofator utili- zado (p. ex., NADH ou NADPH no caso das isoenzimas desidrogenases), ou na sua distribuição subcelular (so- lúvel ou ligada à membrana). As isoenzimas podem ter sequências de aminoácidos similares, mas não idênticas, e em muitos casos elas compartilham claramente uma origem evolutiva comum. Uma das primeiras enzimas para a qual se encontrou isoenzimas foi a lactato-desidrogenase (LDH; p. 563), que existe nos tecidos dos vertebrados em pelo menos cinco formas diferentes separáveis por eletroforese. To- das as isoenzimas de LDH têm quatro cadeias polipep- tídicas (cada uma com Mr de 33.500), e cada tipo tem uma proporção diferente de dois tipos de polipeptídeos. A cadeia M (de músculo) e a cadeia H (de coração) são codificadas por dois genes diferentes. A isoenzima predominante no músculo esquelético possui quatro cadeias M, e no coração a isoenzima pre- dominante possui quatro cadeias H. Outros tecidos têm combinações dos cinco tipos possíveis de LDH: Tipo Composição Localização LDH1 HHHH Coração e eritrócito LDH2 HHHM Coração e eritrócito LDH3 HHMM Cérebro e rim LDH4 HMMM Músculo esquelético e fígado LDH5 MMMM Músculo esquelético e fígado As diferenças no conteúdo das isoenzimas entre os tecidos podem ser usadas para avaliar o tempo e a extensão do dano cardíaco em consequência de um infar- to do miocárdio (ataque cardíaco). O dano ao tecido car- díaco resulta na liberação de LDH para o sangue. Logo após um ataque cardíaco, o nível sanguíneo total de LDH aumenta, e existe mais LDH2 do que LDH1. Após 12 ho- ras, as quantidades de LDH1 e de LDH2 são muito seme- lhantes, e após 24 horas existe mais LDH1 do que LDH2. Essa mudança na relação [LDH1]/[LDH2], combinada com o aumento da concentração sanguínea de outra enzima cardíaca, a creatina-cinase, é evidência muito forte de um infarto do miocárdio recente. n As diferentes isoenzimas de LDH apresentam valores de Vmáx e de Km significativamente diferentes, em especial para o piruvato. As propriedades da LDH4 favorecem a redução rápida de concentrações muito baixas de piruva- to a lactato no músculo esquelético, enquanto as proprie- dades da isoenzima LDH1 favorecem a oxidação rápida do lactato a piruvato no coração. Em geral, a distribuição das diferentes isoenzimas de uma dada enzima reflete pelo menos quatro fatores: 1. Padrões metabólicos diferentes em órgãos diferentes. Para a glicogênio-fosforilase, as iso- enzimas no músculo esquelético e no fígado têm propriedades reguladoras diferentes, refletindo os diferentes papéis da degradação do glicogênio nesses dois tecidos. 2. Localizações e papéis metabólicos diferentes para isoenzimas na mesma célula. As isoen- zimas da isocitrato-desidrogenase do citosol e da mitocôndria são um exemplo (Capítulo 16). 3. Estágios de desenvolvimento diferentes em tecidos fetais ou embrionários e em tecidos adultos. Por exemplo, o fígado fetal tem uma distribuição característica da isoenzima LDH, que se altera à medida que o órgão se desenvolve na sua forma adulta. Algumas enzimas do cata- bolismo da glicose em células malignas (cance- rígenas) ocorrem como suas isoenzimas fetais e não adultas. 4. Respostas diferentes de isoenzimas aos mo- duladores alostéricos. Esta diferença é útil na regulação mais fina das taxas metabólicas. A hexocinase IV (glicocinase) do fígado e as suas isoenzimas de outros tecidos diferem na sua sen- sibilidade à inibição pela glicose-6-fosfato. P R I N C Í P I O S D E B I O Q U Í M I C A D E L E H N I N G E R 603 As diferentes isoenzimas de hexocinase do fígado e do músculo refletem os diferentes papéis desses órgãos no metabolismo de carboidratos: o músculo consome glico- se, usando-a para produção de energia, enquanto o fígado mantém a homeostasia da glicose sanguínea produzindo ou consumindo o açúcar, dependendo da sua concen- tração sanguínea prevalente. A isoenzima da hexocinase predominante no fígado é a hexocinaseIV (glicocina- se), que difere das hexocinases I-III de músculo em três importantes aspectos. Em primeiro lugar, a concentração de glicose na qual a hexocinase IV atinge a metade da sa- turação (10 mM) é maior do que sua concentração normal no sangue. Uma vez que um transportador de glicose efi- ciente nos hepatócitos (GLUT2) equilibra rapidamente a concentração de glicose no citosol e no sangue (ver, na Figura 11-30, a cinética do mesmo transportador, GLUT2, em eritrócitos), o alto Km da hexocinase IV permite sua regulação direta pelo nível de glicose sanguínea (Figura 15-14). Quando a glicose sanguínea é alta, como aconte- ce após uma refeição rica em carboidratos, o excesso de glicose é transportado para os hepatócitos, onde a hexoci- nase IV o converte a glicose-6-fosfato. Como a hexocinase não está saturada em 10 mM de glicose, sua atividade con- tinua aumentando à medida que a concentração da glico- se se eleva para 10 mM ou mais. Sob condições de glicose sanguínea baixa, a concentração do açúcar no hepatócito é baixa em relação ao Km da hexocinase IV, e a glicose gerada pela gliconeogênese deixa a célula antes de ficar retida pela fosforilação. Em segundo lugar, a hexocinase IV não é inibida pela glicose-6-fosfato e, por isso, pode continuar agindo quando o acúmulo do substrato inibe completamente as hexocina- ses I-III. Finalmente, a hexocinase IV está sujeita à inibição pela interação reversível com uma proteína reguladora es- pecífica do fígado (Figura 15-15). A ligação é muito mais forte na presença do efetor alostérico frutose-6-fosfato. A glicose compete com a frutose-6-fosfato e causa a disso- ciação da proteína reguladora da hexocinase, removendo a inibição. Imediatamente após uma refeição rica em carboi- dratos, quando a glicose sanguínea estiver alta, ela entra nos hepatócitos via GLUT2 e ativa a hexocinase por esse mecanismo. Durante o jejum, quando os níveis de glicose no sangue diminuem para menos de 5 mM, a frutose-6- -fosfato provoca a inibição da hexocinase IV pela proteína reguladora, de forma que o fígado não compete com outros órgãos pela glicose escassa. O mecanismo de inibição pela proteína reguladora é interessante: a proteína ancora a en- zima dentro do núcleo, onde ela fica segregada das outras enzimas da glicólise no citosol (Figura 15-15). Quando a concentração da glicose no citosol se eleva, ela equilibra com a glicose no núcleo pelo transporte por meio dos poros nucleares. A glicose causa a dissociação da proteína regu- ladora, e a hexocinase passa para o citosol e inicia a fosfo- rilação da glicose. A hexocinase IV (glicocinase) e a glicose-6-fosfatase são reguladas na transcrição A hexocinase também é regulada ao nível de síntese pro- teica. As condições que demandam uma produção maior de energia (baixa [ATP], alta [AMP], contração muscular vigorosa) ou maior consumo de glicose (p. ex., glicose san- guínea alta) causam aumento na transcrição do gene da hexocinase IV. A glicose-6-fosfatase, a enzima gliconeogê- nica que faz o desvio da etapa da hexocinase na glicólise, é 1,0 0 5 10 Concentração de glicose (mM) 15 20 A ti vi d ad e en zi m át ic a re la ti va Hexocinase IV (glicocinase) Hexocinase I FIGURA 1514 Comparação entre as propriedades cinéticas da he- xocinase IV (glicocinase) e da hexocinase I. Observe a característica sigmoide para a curva da hexocinase IV e o Km muito mais baixo para a he- xocinase I. Quando a glicose sanguínea se eleva acima de 5 mM, a atividade da hexocinase IV aumenta, mas a hexocinase I já está agindo próximo de sua Vmáx e não pode responder ao aumento da concentração da glicose. As hexocinases I, II e III têm propriedades cinéticas semelhantes. Glicose-6-fosfato Frutose-6-fosfato Hexocinase IV Hexocinase IV Glicose GLUT2 Membrana plasmática Citosol Núcleo Proteína reguladora Glicose Capilar FIGURA 1515 Regulação da hexocina- se IV (glicocinase) por sequestro no nú- cleo. O inibidor proteico da hexocinase IV é uma proteína de ligação nuclear que carrega a enzima para dentro do núcleo quando a concentração da frutose-6-fosfato está alta no fígado e a libera para o citosol quando a con- centração da glicose está alta. 604 DAV I D L . N E L S O N & M I C H A E L M . COX regulada no nível da transcrição por fatores que demandam aumento na produção de glicose (glicose sanguínea baixa, sinalização por glucagon). A regulação da transcrição des- tas duas enzimas (juntamente com outras enzimas da glicó- lise e da gliconeogênese) está descrita a seguir. A regulação da fosfofrutocinase-1 e da frutose-1,6-bifosfatase é recíproca Conforme observado, a glicose-6-fosfato pode circular na glicólise ou por várias outras vias, incluindo na via de sín- tese do glicogênio ou na via das pentoses-fosfato. A reação metabolicamente irreversível catalisada pela PFK-1 é a eta- pa que compromete a glicose com a glicólise. Essa enzima complexa tem, além dos seus sítios de ligação ao substrato, vários sítios reguladores aos quais se ligam os ativadores ou os inibidores alostéricos. O ATP não é somente um substrato para a PFK-1, sendo também um produto final da via glicolítica. Quando a con- centração celular alta de ATP sinaliza que ele está sendo produzido mais rapidamente do está sendo consumido, o mesmo inibe a PFK-1 por se ligar a um sítio alostérico na enzima, o que reduz sua afinidade pelo substrato frutose-6- -fosfato (Figura 15-16). ADP e AMP, cujas concentrações aumentam à medida que o consumo de ATP suplanta a pro- dução, atuam alostericamente para liberar a inibição pelo ATP. Esses efeitos se combinam para produzir atividade en- zimática mais elevada quando o ADP e o AMP se acumulam e mais baixa quando o ATP se acumula. O citrato (a forma ionizada do ácido cítrico), interme- diário-chave na oxidação aeróbia do piruvato, dos ácidos graxos e dos aminoácidos, é também um regulador alos- térico da PFK-1; concentração alta de citrato aumenta o efeito inibidor do ATP, reduzindo ainda mais o fluxo de glicose pela glicólise. Nesse caso, assim como em vários outros encontrados adiante, o citrato serve como sinal in- tracelular de que a célula está satisfazendo suas necessi- dades de energia metabólica pela oxidação de ácidos gra- xos e proteínas. A etapa correspondente na gliconeogênese é a conver- são da frutose-1,6-bifosfato em frutose-6-fosfato (Figura 15-17). A enzima que catalisa essa reação, FBPase-1, é fortemente inibida (alostericamente) pelo AMP; quando o suprimento de ATP da célula está baixo (corresponden- do a uma alta [AMP]), diminui a síntese de glicose que requer ATP. Assim, essas etapas opostas nas vias glicolítica e glico- neogênica – catalisadas por PFK-1 e FBPase-1 – são re- guladas de uma forma coordenada e recíproca. Em geral, quando há concentração suficiente de acetil-CoA ou de citrato (produto da condensação da acetil-CoA com oxa- loacetato) ou quando uma alta proporção do adenilato da célula está na forma de ATP, a gliconeogênese é favorecida. Quando o nível de AMP aumenta, isso promove a glicóli- se pela estimulação da PFK-1 (e, como será visto na Seção 15.5, promove a degradação do glicogênio pela ativação da glicogênio-fosforilase). (a) Frutose-6- -fosfato 1 ATP Frutose-1,6- -bifosfato citrato ATP AMP, ADP frutose-2,6- -bifosfato 1 ADP (c) A ti vi d ad e d a P FK -1 [Frutose-6-fosfato] (b) Alta [ATP] Baixa [ATP] ADP ADP Frutose-1,6- -bifosfato Subunidade 3 Reguladores alostéricos (ATP) Reguladores alostéricos (ATP) Subunidade 1 Subunidade 2 Subunidade 4 FIGURA 1516 A fosfofrutocinase-1 (PFK-1) e sua regulação. (a) Ima- gem de contorno de superfície da PFK-1 de E. coli, mostrando suas quatro subunidades idênticas (PDB ID 1PFK). Cada subunidade tem seu próprio sítio catalítico, no qual os produtos ADP e frutose 1,6-bifosfato (modelos de esfera e bastão, respectivamente em vermelho e amarelo) quase entram em con- tato, e seus próprios sítios de ligação ao regulador
Compartilhar