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CARDOSO, João Batista Freitas; SANTOS, Roberto Elísio dos; VARGAS, Herom. A personagem adolescente como protagonista em quatro filmes brasileiros contemporâneos

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Intercom – RBCC
São Paulo, v.37, n.2, p. 263-283, jul./dez. 2014
A personagem adolescente como protagonista 
em quatro filmes brasileiros contemporâneos*
DOI 10.1590/1809-5844 201412
João Batista Freitas Cardoso**
Roberto Elísio dos Santos***
Herom Vargas****
Resumo
Com o objetivo de estudar a representação do adolescente no Cinema brasileiro 
em quatro filmes recentes, esta pesquisa teve como base a análise de conteúdo de 
viés qualitativo para realizar a análise dos signos visuais e sonoros. Após histórico 
da presença do jovem na tela, são feitas análises sobre as temáticas, a direção de 
arte e a trilha sonora nos filmes Antes que o mundo acabe (Ana Luiza Azevedo, 
2009), Sonhos roubados (Sandra Werneck, 2009), Os famosos e os duendes da 
morte (Esmir Filho, 2009) e As melhores coisas do mundo (Laís Bodanzky, 2010). 
Nesses filmes, as diferenças regionais e sociais possibilitam perceber uma rica 
pluralidade de representações da juventude brasileira.
Palavras chave: Cinema brasileiro. Adolescente. Narrativa. Direção de arte. 
Trilha sonora.
* Este artigo é uma versão expandida do texto apresentado no congresso AVAN-
CA | CINEMA 2012 – Conferência Internacional Cinema – Arte, Tecnologia, 
Comunicação, realizado em Avanca, Portugal, em 2012.
** Professor doutor de Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comuni-
cação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS), 
São Caetano do Sul-SP, Brasil. E-mail: jbfcardoso@uol.com.br 
*** Professor livre-docente de Comunicação, Programa de Pós-Graduação em 
Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-
-USCS), São Caetano do Sul-SP, Brasil. E-mail: roberto.elisio@uscs.edu.br
**** Professor doutor de Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comu-
nicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS), 
São Caetano do Sul-SP, Brasil. E-mail: heromvargas@terra.com.br
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João Batista F. Cardoso; roBerto e. dos santos; Herom Vargas
The teenage characters as protagonists in four contemporary
Brazilian films
Abstract
With the aim of studying the representation of teenagers in Brazilian Cinema in 
four recent films, this research was based on the content analysis with a quali-
tative bias to perform the analysis of visual and audible signs. After the historic 
presence of the young people on the screen, the thematic, the art direction and 
soundtrack analysis are done in the movies Antes que o mundo acabe (Ana Luiza 
Azevedo, 2009), Sonhos roubados (Sandra Werneck, 2009), Os famosos e os duendes 
da morte (Esmir Filho, 2009) e As melhores coisas do mundo (LaísBodanzky, 2010). 
In those films, regional and social differences allow to realize a rich plurality of 
representations of Brazilian youth.
Keywords: Brazilian Cinema. Teenagers. Narrative. Art direction. Soundtrack.
El personaje adolescente como protagonista en cuatro
películas brasileñas contemporáneas
Resumen
Con el objetivo de estudiar la representación de los adolescentes en el cine bra-
sileño en cuatro películas recientes, esta investigación se basó en el análisis de 
contenido con un sesgo cualitativo para realizar el análisis de los signos visuales 
y audibles. Después de tratar de la presencia de lo joven en la pantalla, se hacen 
el análisis temático, la dirección de arte y la banda sonora en las películas Antes 
que o mundo acabe (Ana Luiza Azevedo, 2009), Sonhos roubados (Sandra Werneck, 
2009), Os famosos e os duendes da morte (Esmir Filho, 2009) e As melhores coisas 
do mundo (Laís Bodanzky, 2010). En estas películas, las diferencias regionales y 
sociales posibilitan darse cuenta de una rica pluralidad de representaciones de 
la juventud brasileña.
Palabras clave: Cine brasileño. Adolescente. Narrativa. Dirección de arte. 
Banda sonora.
Introdução
Personagem que vivencia os conflitos gerados pelas transfor-mações típicas de sua faixa etária, o adolescente tem sido mostrado pelo Cinema brasileiro de forma estereotipada, 
como consumidor de modismos (musicais, por exemplo) e a partir 
de seus dramas existenciais e sociais. Esse “cinema juvenil”, con-
forme Bueno (2008, p.42), obedece a dois critérios: “Primeiro: um 
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filme juvenil deve centralizar sua narrativa na problemática das 
culturas juvenis. Segundo: um filme juvenil deve se integrar de 
alguma forma a um ou vários circuitos de sociabilidade jovem”.
Dessa forma, a pesquisa, realizada na linha de pesquisa 
Linguagens na comunicação: mídias e inovação, do Programa de 
Pós-graduação em Comunicação da Universidade Municipal de 
São Caetano do Sul e que resultou neste artigo, foi deflagrada 
pelo seguinte questionamento: como o Cinema nacional con-
temporâneo apresenta o adolescente? O objetivo principal que 
norteou o trabalho foi identificar as maneiras como a personagem 
adolescente é representada na produção cinematográfica brasileira 
atual. Entende-se a representação como a construção da perso-
nagem a partir de elementos visuais (figurino, cenários, como o 
quarto ou a sala de aula), sonoros (a fala, a trilha sonora) ou 
não verbais (gestos, dança), que o associam a um determinado 
grupo, neste caso, os adolescentes.
Compõem o corpus pesquisado quatro filmes realizados ou 
lançados entre 2009 e 2010: As melhores coisas do mundo, de Laís 
Bodansky (2010), Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho 
(2009), Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo (2009), 
e Sonhos roubados, de Sandra Werneck (2009). O estudo dessas 
produções leva em conta, neste momento, aspectos narrativos, 
temáticos, de cenografia e direção de arte, que caracterizam a 
mise-en-scène dessas produções que se pautam pela diversidade, e 
ainda verificar as formas de representação dos adolescentes por 
meio das trilhas sonoras dos quatro filmes. 
Antes de apresentar a análise, este texto aborda o percurso do 
adolescente no Cinema brasileiro a partir da década de 1950. O 
objetivo é identificar a maneira como alguns filmes nacionais, ao 
longo do tempo, apresentam esse tipo de personagem. Parte-se dos 
anos 1950 porque foi o momento em que o adolescente passou a 
ter destaque no Cinema, haja vista a produção dos Estados Unidos 
da época, que tratava da rebeldia dos jovens e seus dilemas antes 
de entrar na vida adulta.
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A adolescência nas telas
A presença do adolescente nas narrativas cinematográficas 
dos Estados Unidos pode ser traçada desde a década de 1930, 
tendo seu auge nos anos 1950, com a figura do rebelde. Já no 
Cinema brasileiro, a figura do adolescente passa a frequentar as 
tramas humorísticas das chanchadas – comédias realizadas no 
Rio de Janeiro pelas produtoras Atlântida e Herbert Richers. Em 
Colégio de brotos (1956), os alunos, com a ajuda do faxineiro da 
escola, solucionam o roubo de moedas raras e uma das estudantes 
se envolve com o professor. Já no filme Este milhão é meu (1958), 
sobrinha adolescente e seus amigos impedem que o funcionário 
público que ganhou um prêmio seja roubado por malandros. Nessas 
produções, os adolescentes são personagens secundários sempre 
solícitos e bem intencionados. A música, o namoro e as motos 
são elementos de caracterização dos jovens, mostrados de forma 
estereotipada. Se por um lado, em determinados filmes contem-
porâneos, os jovens assumem papel de protagonistas, por outro 
lado, os conflitos amorosos embalados por canções românticas 
ainda estão presentes nessas narrativas fílmicas.
A partir da década de 1960, o enfoque dado à juventude 
assume novos contornos e os adolescentes ganham papel de des-
taque. De acordo com Ramos (1995, p.227), o Brasil acompanha 
a tendência internacional de criar uma cultura jovem. Esse autor 
destaca dois movimentos, o Tropicalismo e a Jovem Guarda, que“expõem uma sintonia com a situação internacionalizada e mo-
dernizada das camadas jovens”. 
Inserem-se nessa linha os filmes Roberto Carlos em ritmo de 
aventura (1968), Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1970) 
e Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora (1970), que, segundo 
Ramos (1995, p.231), “são plenos de sinais do que era considerado 
‘moderno’, extravasando um desejo de contemporaneidade em sua 
busca do espectador juvenil”. Tanto por causa de Roberto Carlos, 
como por sua relação com a jovem guarda, a trilha sonora que 
embala essas narrativas é do gênero musical juvenil que fazia su-
cesso no Brasil: o rock. Mas esses eram produtos culturais para os 
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jovens, não sobre eles. Menos conhecidas, as produções Pra quem 
fica... Tchau! (1970), Marcelo Zona Sul (1970) e André, a cara e 
a coragem (1971), todos protagonizados por Stepan Nercessian, 
abordam o cotidiano de um adolescente qualquer, com seus de-
sajustes em relação ao mundo ou à família, seja ele um estudante 
em crise ou um garoto do interior que vai para o Rio de Janeiro.
Na década de 1980, algumas produções cinematográficas foram 
direcionadas ao público jovem, a exemplo de Menino do Rio (1981), 
Garota dourada (1983) e Bete Balanço (1983). Antonio Calmon foi 
responsável pelas duas primeiras, que acompanham os sonhos e 
desilusões românticas de um grupo de amigos que praticam surfe 
e esportes radicais. Já o terceiro mostra a tentativa de uma garota 
rica do interior de Minas Gerais de se tornar cantora no Rio de 
Janeiro. São filmes realizados no momento em que o Brasil volta-
va à normalidade democrática e no qual o rock nacional ganhava 
notoriedade com a geração de bandas dos anos 1980, como Blitz, 
Titãs, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, 
entre outras. Na visão de Ramos (1995, p.244), o diálogo entre 
esses filmes e o amplo público adolescente “exigia no mínimo um 
audiovisual elaborado no plano técnico”. Nesse sentido, “imagem e 
música deveriam prevalecer sobre a densidade do que era narrado”. 
Além do Rio de Janeiro, em outros estados também foram feitos 
filmes sobre ou voltados para o público adolescente, como Onda 
nova (1983) produzido em São Paulo, que aborda as dificuldades 
de um grupo de garotas para criar um time de futebol feminino, e 
a produção gaúcha Verdes anos (1984).
Cinema contemporâneo
Após a retomada do Cinema brasileiro, em meados da década 
de 1990, a cinematografia nacional pautou-se pela diversidade de 
temas e de públicos. Por isso, ressurgiram os filmes que enfocam a 
adolescência. Mas retratar a geração que atinge agora essa faixa 
etária exige compreender o que a diferencia das anteriores. Trata-
-se de uma geração com mais acesso à informação, acostumada à 
rapidez das mudanças e mais suscetível à dinâmica do consumo. 
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No entanto, conflitos com os mais velhos (família, professores), 
dúvidas quanto ao futuro, problemas sentimentais e tensões rela-
tivas à condição social permanecem.
Os quatro filmes selecionados para a pesquisa possuem di-
ferenças e similaridades uns com os outros. Juntos, formam um 
rico painel sobre a juventude da primeira década do século 21. 
Do ponto de vista da narrativa, Os famosos e os duendes da morte 
possui enredo psicológico que permite a fragmentação da história, 
enquanto as outras produções caracterizam-se pela linearidade. Em 
Sonhos roubados, os personagens principais são meninas que moram 
em uma favela carioca; já nos outros filmes os protagonistas são 
meninos do Rio Grande do Sul ou de São Paulo.
O filme Sonhos roubados tem uma temática social: mostra a 
pobreza e a violência a que são submetidas as três personagens fe-
mininas. Pretende-se, portanto, um registro realista. Por oposição, 
o título Os famosos e os duendes da morte é ambientado em uma 
cidade do interior gaúcho afetada pelo suicídio de uma jovem. As 
sensações de medo e incerteza propiciam um relato não linear. Os 
filmes Antes que o mundo acabe e As melhores coisas do mundo tive-
ram um tratamento naturalista e, apesar de o primeiro se passar no 
interior do Rio Grande do Sul e o segundo em São Paulo, versam 
sobre relações familiares, lealdade e traição, desilusões amorosas 
e como posicionar-se em um mundo hostil e excludente.
Alguns parâmetros de análise audiovisual
Ao tratar das relações entre “verdade” e “estereótipo” nas ar-
tes visuais, Ernst H. Gombrich escreve que “não faz sentido olhar 
para um motivo se não se aprendeu a classificá-lo e enquadrá-lo 
na rede de fórmulas esquemáticas” (2007, p.63). Parafraseando 
esse pensamento, pode-se afirmar que não faz sentido observar 
um tipo específico – neste caso, um determinado grupo social – 
sem enquadrá-lo em certos estereótipos. Ou seja, ainda que as 
representações dos adolescentes, nos filmes examinados, possam 
se aproximar mais da realidade contemporânea quando comparada 
às representações do Cinema de décadas passadas, essas represen-
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tações também se apoiam em certos estereótipos. A questão que 
se procura responder neste caso é: de que maneira as narrativas, 
os elementos de direção de arte (como cenário e figurino) e as 
trilhas sonoras apresentam esse adolescente? Essas novas formas 
de representação, ainda que baseadas em estereótipos, apresentam 
elementos de inovação quando comparados ao Cinema da segunda 
metade do século 20?
Para realizar a análise dos elementos de direção de arte, parti-
mos do princípio de que a cenografia é composta por um conjunto 
de codificações (cenário, iluminação, figurino, elementos de cena) 
composto por signos visuais de diferentes naturezas (formas, cores, 
texturas etc.) que estabelecem relações sincréticas com signos de 
outros tipos (verbais e sonoros) para transmitir a mensagem da 
encenação (CARDOSO, 2009, p.17-30). São justamente essas 
relações que permitem ao espectador reconhecer a narrativa como 
mais ou menos “realista”. O “realismo” da representação se mani-
festará por meio dos distintos níveis de analogia da representação 
com o objeto representado.
Para Jacques Aumont (2006, p.207), “na linguagem corrente, 
imagem realista é a imagem que representa analogicamente a reali-
dade”. Contudo, o autor, referindo-se especificamente à mensagem 
visual, destaca que é preciso fazer uma distinção entre “realismo” 
e “analogia”. “A imagem realista não é forçosamente a que produz 
uma ilusão de realidade”, nem é mesmo forçosamente a imagem 
mais analógica possível, e sua melhor definição é a de imagem que 
fornece, sobre a realidade, o máximo de informações. Ou seja, se 
a analogia diz respeito ao visual, às aparências, à realidade visível, 
o realismo diz respeito à informação veiculada pela imagem, logo, 
à compreensão, à intelecção (AUMONT, 2006, p.207).
Nesse sentido, fazendo uso das ideias de Gombrich, Aumont 
(2006, p.199) afirma que toda representação visual é convencional, 
mesmo a que possui o maior nível de analogia com algum referente 
externo. As informações que nos chegam do mundo são tão mais 
complexas que qualquer tipo de representação, que nenhum filme, 
nesse caso específico, será capaz de abrangê-la. E, para Gombrich 
(2007, p.78), isso não se deve a nenhuma subjetividade, mas sim 
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à riqueza dos objetos. Assim, ainda que o nível de analogia figu-
rativa possa ser alto, não há realismo absoluto na representação 
visual no Cinema.
No caso da cenografia, em particular, as representações visuais – de am-
bientes, figurinos etc. – oscilam entre níveis de analogia: algumas vezes 
guardando muita semelhançacom referências externas, seguindo um estilo 
naturalista; outras vezes distanciando-se dessas referências, adotando um 
estilo antinaturalista (SANTOS; CARDOSO, 2011, p.77).
Processo paralelo pode ser pensado com relação à trilha sonora 
nos filmes. A música utilizada, normalmente, auxilia o espectador 
a inferir determinadas situações por meio da emoção. É claro que 
a trilha é elemento estranho ao realismo, pois ninguém ouve as 
peças musicais de um filme como se fossem literalmente reais, 
como se estivessem ali para reproduzir nossos momentos coti-
dianos. No entanto, as músicas são percebidas consensualmente 
pelo público para compor tanto a narrativa – a sequência de 
ações dos personagens e suas múltiplas relações – como a diegese 
fílmica – a cena e seus entornos de ação construídos pela direção 
para o espectador – por meio de processos explicativos e pelo ato 
de sublinhar ações, características de personagens e climas. Uti-
lizando o termo barthesiano da “ancoragem”, Claudia Gorbman 
(1987) demonstra a ação da trilha como um elemento que ajuda 
a construir a integridade dramática das cenas e dos personagens 
pela ênfase em determinadas atmosferas para conduzir a percepção 
do espectador e a construção diegética.
Outra relação existente entre o filme e a trilha sonora, 
complementar a essa anterior e que nos interessa por conta dos 
objetivos deste artigo, fundamenta-se na noção de gênero musical 
enquanto chave de determinadas identidades construídas social-
mente pelo consumo musical. Conforme Jeder Janotti Jr. (2004), 
a noção de gênero se constrói em função de processos de reco-
nhecimento mútuo entre ouvinte e compositor, intermediados por 
estruturas de produção e divulgação, gostos e afetos partilhados e 
identificação de parâmetros poéticos (rimas, métricas, metáforas, 
temáticas), musicais (ritmo, melodia, instrumentação, timbres de 
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voz e instrumentos etc.) e performáticos (corpo, dança, figurinos). 
Assim, gostar de uma canção significa partilhar com ela, com 
seu gênero e com seu compositor ou intérprete vários códigos 
emocionais e de sociabilidade. No caso que nos ocupa, é possível 
pensarmos no sentido inverso dessa relação, ou seja, determina-
das canções funcionam como identificadores de personalidades, 
tipos sociais ou padrões culturais de gosto. Daí a importância da 
trilha na construção de personagens e cenas. Por exemplo, uma 
personagem rebelde e crítica de periferia pode muito bem ter 
sua personalidade construída com o auxílio de uma música rap, 
levando em conta os parâmetros que definem esse tipo de canção 
e sua relação com certos tipos e ambientes sociais.
Formas de representação do adolescente brasileiro
Segundo Lúcia Santaella e Winfried Nöth (2005, p.16), nas 
teorias semióticas existem distintas definições para o conceito 
de representação, mas “as tentativas de delimitação do conceito 
são [...], frequentemente, imprecisas” Para os autores, tal con-
ceito encontra-se principalmente como sinônimo de signo: “As 
palavras ‘representação’, ‘linguagem’ e ‘símbolo’ são virtualmente 
intercambiáveis nos seus usos mais vastos” (HOWARD apud 
SANTAELLA; NÖTH, 2005, p.16). Charles S. Peirce (2003, 
p.61), também caracterizou a teoria semiótica como uma teoria 
da representação, atribuindo ao conceito a ideia geral de signo: 
“Estar em lugar de, isto é, estar numa tal relação com um outro 
que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como 
se fosse o outro”. Para Peirce (2003, p.61), “um retrato representa 
a pessoa para quem ele dirige a concepção de reconhecimento”. 
É nesse sentido que entendemos os personagens e as narrativas 
dos filmes como um tipo de representação de um determinado 
grupo social. Seus comportamentos, suas roupas, os ambientes 
onde convivem etc., representam o jovem na sociedade. No caso 
específico da representação visual, esse conceito refere-se ao 
primeiro domínio da imagem proposto por Santaella e Nöth, em 
que as imagens são objetos materiais, signos que representam o 
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nosso meio ambiente visual. Assim, as imagens cinematográficas 
dos filmes analisados representam, segundo seus diretores, o jovem 
na contemporaneidade.
Em As melhores coisas do mundo, filme baseado na série literá-
ria Mano, de Gilberto Dimenstein e Heloisa Prieto, a personagem 
principal, Hermano, busca compreender-se em um mundo novo, 
após a revelação da homossexualidade do pai. Nesse contexto, a 
direção de arte apoia-se em uma estética naturalista na definição 
do figurino, elementos de cena, cenário e iluminação. As roupas 
dos adolescentes refletem a época e o ambiente, além de delinear 
a personalidade de cada um. Essas personalidades baseiam-se em 
certos estereótipos já presentes do imaginário: a menina “papo-
-cabeça”; a “loira burra”; o menino “galinha”; o irmão rebelde; a 
estudante gay; o professor conselheiro. Ainda que a caracterização 
desses personagens siga modelos preestabelecidos, eles retratam, 
até certo ponto, a maneira de se vestir desses grupos.
Muitos desses figurinos, em particular da personagem Mano, 
são compostos por camisetas com ilustrações que tematizam 
questões ambientais e a música. Essas formas de representações 
também contam um pouco sobre a personagem, seus valores, gostos 
e crenças, assim como exercem a mesma função com os jovens 
de maneira geral.
Preocupados com a manutenção do naturalismo estético na 
direção de arte, os produtores evitaram a homogeneidade cromá-
tica, combinando diferentes padrões em algumas cenas – como ca-
misetas estampadas e camisas xadrezes na cena final. No entanto, 
a preocupação em distanciar-se de uma composição homogênea, 
que poderia ser considerada falsa, acabou fazendo com que a 
representação perdesse em alguns momentos seu vínculo com o 
“real”. Em algumas cenas, os alunos usam uniforme azul claro na 
escola, e em outras, sem que existisse um motivo, eles estão dentro 
da escola sem uniforme.
Muitos elementos do universo juvenil, inclusive os ceno-
gráficos, foram definidos a partir de laboratórios realizados pela 
produção com os próprios atores. Esses adolescentes colaboraram 
indicando referências de comportamento, vocabulário, figurino e 
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elementos de cena. O interior da escola e o quarto da personagem 
principal apresentam-se como os espaços mais importantes na nar-
rativa – de uma maneira ou de outra, as representações da escola 
e dos quartos dos jovens acabam sendo elementos importantes nas 
narrativas em todos os filmes analisados.
As locações utilizadas para corporificar a escola na encenação 
foram o exterior do Colégio Arquidiocesano e o interior do Liceu 
Pasteur Francês, ambos na cidade de São Paulo. As características 
arquitetônicas dessas locações, ainda que componham um espaço 
não existente fora da dimensão fílmica, sugerem uma série de 
sentidos relacionados à tradição e conservadorismo, que acabam 
por colaborar para a geração dos conflitos que se estabelecem na 
narrativa: a descoberta da homossexualidade do pai de um aluno; 
a homossexualidade de uma estudante; a exposição pública das 
relações sexuais de outra aluna; a relação afetiva do professor 
com uma terceira; o bulling e a disseminação dessas descobertas 
pelas redes sociais.
Como geralmente são os quartos de adolescentes da classe 
média, a decoração do quarto da personagem Mano permite reco-
nhecer um pouco de sua personalidade. Fotografias e ilustrações 
nas paredes demonstram suas crenças e valores, preocupação com 
a natureza e o interesse pela música, que também fazem fundo 
em diversas cenas. Alguns poucos brinquedos (Lego), indicam um 
vínculo ainda com a infância, que desaparecena cena final com a 
nova decoração do quarto. Um mural com fotos e anotações, além 
de grafismos nas paredes e ilustrações com traços soltos – que tam-
bém aparecem no logotipo do filme e vinheta de abertura –, reforça 
suas crenças e gostos. O mural e os grafismos também exercem a 
função de elementos simbólicos em dois dos outros três filmes.
O violão e a guitarra também se apresentam como elementos 
que indicam a personalidade e amadurecimento da personagem. 
No início do filme, no quarto, a personagem simula, em frente 
ao espelho, tocar o violão para uma plateia em um grande show, 
comportamento que demonstra certa infantilidade ou o sonho 
juvenil de ser um astro da música pop. A performance mimetiza-
da de um guitar hero do rock revela um parâmetro de identidade 
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que o gênero musical tem com a personagem e, no geral, com a 
juventude tematizada no enredo. Já no final do filme, tocando 
para os amigos, o jovem demonstra maturidade e o ambiente 
também amadurece – ao fundo da arquibancada na qual os jovens 
se encontram pode-se ver alguns grafites no muro. Além disso, 
percebe-se que o violão é objeto de intermediação em várias cenas 
que funciona como instrumento de lazer coletivo, conquista de 
amores, liderança e identidade.
A cena que melhor representa essa mudança, da infância para 
a fase adulta, é o momento em que Mano e sua mãe, na cozinha, 
jogam os ovos contra a parede. Ao abrirem seus corações, os dois 
atiram ovos em um mural com fotos e anotações que sugerem a 
organização familiar. Essa ação, ao mesmo tempo em que vem 
carregada de frustrações e tristezas, momento de tensão máxima, 
demonstra que os dois estão libertando-se de tudo que lhes faz 
mal. A organização familiar é subvertida e só assim mãe e filho 
podem reencontrar-se novamente em uma nova ordem, como se 
dissessem: “Algo mudou. Vamos conviver com essa mudança”. 
Ainda que o filme busque a estética naturalista, sempre há uma 
intenção em qualquer representação. Os ovos não são arremessados 
contra uma parede qualquer; são arremessados contra o mural, 
contra a organização familiar.
No geral, o naturalismo que se percebe na imagem e na narra-
tiva aparece também na trilha sonora. Nela, as canções “ancoram” 
a atmosfera das sequências e as emoções das ações e personagens. 
A ação musical é de redundar a imagem e a narrativa no campo 
sonoro para que desenhe a cena da melhor forma possível para o 
espectador: cenas tristes são acompanhadas pelo dedilhado sereno 
do violão, a fuga tensa de Mano na bicicleta aparece com um rock 
pesado com guitarra distorcida e assim por diante.
Mais leve e ingênuo que As melhores coisas do mundo, o filme 
Antes que o mundo acabe, baseado no livro homônimo de Marcelo 
Carneiro da Cunha, mostra a história de três amigos do Sul do 
país que vivem os mesmos conflitos familiares e de relacionamento. 
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A personagem principal, Daniel, tenta compreender o porquê foi 
abandonada pelo pai, ao mesmo tempo em que precisa aprender 
a conviver com o drama da traição.
Na abertura do filme aparecem colagens diversas que remetem 
ao universo infantil. Os brinquedos, como no filme anterior, tam-
bém compõem o ambiente do quarto do protagonista, no entanto, 
diferente do outro, as imagens dos brinquedos retornam no final 
em fotos enviadas por Daniel para seu pai. Querendo mostrar um 
pouco de si, o jovem envia ao pai fotógrafo fotos de sua casa, 
cidade, amigos, mural e brinquedos. O mural no quarto é mais 
uma vez um signo que delineia a personalidade da personagem, 
suas raízes e seus valores. Nele, pode-se perceber mais uma vez a 
preocupação ambiental.
Diferente do anterior que busca quebrar a homogeneidade 
cromática e de padrões nos figurinos, em Antes que o mundo acabe, 
as personagens aparecem na maior parte das cenas com camisetas 
lisas de cor única – predominam os alto contrastes em cores primá-
rias e secundárias (verde, vermelho e azul). Em alguns momentos 
aparecem listras, mas ainda predominando o monocromatismo. A 
irmã da personagem principal é que exibe um conceito diferente 
de figurino, com ilustrações e adereços que, em alguns momentos, 
aproximam-se da fantasia.
Se em As melhores coisas do mundo predomina a estética urba-
na, da grande metrópole (São Paulo), em Antes que o mundo acabe 
os ambientes rurais dominam a tela. A cidade interiorana, Pedra 
Grande, com suas ruas estreitas e casas antigas, parece parada no 
tempo, apenas as bicicletas ameaçam perturbar a tranquilidade do 
local. Partes da história desenvolvem-se em ambientes cercados 
pelas riquezas naturais da região sul do Brasil. Os ambientes ex-
ternos apresentam contrastes e semelhanças de diferentes tipos. 
Pedra Grande, em alguns momentos, parece compartilhar mais 
semelhanças com a Tailândia do que com a capital do Estado, 
Porto Alegre, que se apresenta, para os jovens amigos, como espaço 
desconhecido da descoberta.
A bicicleta é um dos signos que permite estabelecer relação 
com a Tailândia, onde vive o pai de Daniel. Se em As melhores 
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João Batista F. Cardoso; roBerto e. dos santos; Herom Vargas
coisas do mundo a bicicleta surge como um veículo de locomoção 
em momentos de prazer (após a primeira relação sexual de Mano) 
e angústia (quando Mano procura o irmão que tenta suicidar-se), 
em Antes que o mundo acabe ela constrói parte da personalidade da 
cidade, de seus moradores e aproxima Daniel de seu pai. Curiosa-
mente, sempre que um ou os três personagens jovens centrais da 
história correm de bicicleta, há alguma canção de andamento de 
mediano para rápido. A Tailândia é também apresentada apenas 
em sua extensão rural e ribeirinha. A escola, novamente, é um dos 
espaços mais importantes onde se desenvolve a narrativa.
Antes que o conservadorismo regional possa sugerir uma 
linguagem mais convencional, as sobreposições de imagens, co-
lagens e contrastes de texturas, relacionados ao uso de diferentes 
tecnologias, aproximam a narrativa da realidade do adolescente 
contemporâneo. Imagens videográficas, reproduções de filmes e 
fotográficas formam diversos mosaicos que permitem compreender 
a narrativa. A internet aparece em sobreposições de imagens em 
skype, games e gráficos musicais. As imagens videográficas também 
surgem na tela como signos verbais, quando Daniel escreve uma 
carta para o pai que não conhece. As letras invertidas colocam 
o espectador dentro do computador, olhando, pela tela, para a 
personagem que escreve a carta. Entre personagem e espectador: 
as letras, as palavras, as correções que indicam indecisão da per-
sonagem. Além da textura videográfica da tela do computador, a 
granulação da película cinematográfica, em tons sépia, aparece 
em cenas em flash back que mostram a infância do pequeno 
Daniel. As fotos enviadas para Daniel por seu pai apresentam-se 
também como um dos elementos mais importantes da identida-
de gráfica do filme. Junto com fotos de locais e moradores da 
Tailândia, o pai envia ao filho uma série de fotos com partes 
de seu próprio corpo – olhos, boca, braços, pernas. A partir da 
reorganização dessas fotos, que compõem um mosaico, Daniel 
passa a conhecer melhor o pai.
Se ambos os personagens centrais desses dois filmes, Mano e 
Daniel, tiveram que aprender a aceitar as mudanças da vida, os 
conflitos desenvolvem-se em diferentes maneiras, mais dramático 
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no primeiro e mais romântico no outro. Essas atmosferas podem 
ser claramente percebidas na cenografia ou nas canções, majori-
tariamente acompanhadas de violão e voz.
Em Sonhos Roubados, filme inspirado no livro As meninas da 
esquina– diários dos sonhos, dores e aventuras de seis adolescentes 
no Brasil, de Eliane Trindade, as personagens principais (Jéssica, 
Sabrina e Daiane) convivem com a violência de maneira mais dura 
e cruel que as personagens anteriores. Estética bastante utilizada 
no Cinema brasileiro contemporâneo – em filmes como Cidade de 
Deus, por exemplo– os ambientes externos intentam servir como 
registro da realidade do subúrbio e da favela – a história se passa 
em Ramos, no Rio de Janeiro. Da mesma forma, as escolhas da 
trilha sonora recaem sobre os gêneros que definem a periferia, por 
conta das convenções socioculturais de identidade: pagode, rap 
e o funk carioca.
A abertura do filme, ao contrário dos outros que apresentam 
o universo infantil de forma lúdica e até mesmo poética, mostra 
a favela em um enquadramento quase jornalístico, meramente 
informativo: casas de alvenaria sem acabamento; paredes sujas e 
quebradas; rua sem asfalto; redes de fios de iluminação e telefo-
nia que poluem o meio ambiente. Nesse ambiente, surge Jéssica 
de bicicleta. A bicicleta, diferente das características lúdica ou 
cultural dos filmes anteriores, apresenta-se como meio de loco-
moção de uma comunidade. A própria casa de Jéssica é também 
uma bicicletaria, onde seu avô trabalha.
Os ambientes interiores, de maneira geral, são compostos 
por texturas ásperas, pouca luminosidade e contrastes de cores e 
padrões que mais indicam falta de planejamento do que um estilo 
de decoração. Ainda assim, o quarto de Daiane, a mais jovem das 
três amigas, mostra elementos infantis, como almofadas e bone-
cos. Nesses ambientes, predominam os tons terrosos, dos tijolos 
e ruas de barro. O figurino das meninas, ao contrário, é bastante 
colorido e diversificado, demonstrando seus sonhos e vaidades. A 
vaidade também está presente na modelagem justa das roupas com 
cortes cavados e muito brilho, além do cuidado com os penteados 
e maquiagem. O colorido do sonho e da fantasia, que também 
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aparece em espaços como o baile funk, contrasta com as luzes 
duras e dramáticas dos becos, quartos e bares.
O “realismo”, que em alguns momentos parece dominar 
a cena, perde a força em composições cromáticas nas quais os 
resultados plásticos, que visam passar certa atmosfera, são mais 
importantes do que a intenção de parecer real. Um exemplo dessa 
opção estética é a cena do bar, em que Jéssica joga sinuca, onde 
foi utilizado um rebatedor, embaixo da atriz, que permitiu dese-
nhar em luz azul o contorno de seu rosto e sua expressão sobre 
um fundo escuro. Uma luz mais dramática e pouco realista. O 
mesmo contraste de cor e sombra pode ser observado nas cenas na 
serralheria, quando Daiana visita o seu pai. As fagulhas liberadas 
pelo esmeril colorem o espaço negro com rastros na cor laranja. 
As cores quentes nas cenas de sexo contrastam com as cores 
neutras do cemitério ou do presídio. O naturalismo dá espaço ao 
não-naturalismo quando o conflito se faz importante. Por outro 
lado, em algumas cenas externas, ainda que a iluminação seja dra-
mática, o contraste de luz e sombra denota a falta de iluminação 
elétrica no local, traço do descaso público com as comunidades da 
periferia. A realidade retoma o seu espaço na narrativa.
Ainda que sejam poucas as cenas na escola, esse espaço acaba 
tornando-se também um ambiente importante para a narrativa. É 
em frente à escola que as meninas escolhem seu caminho. As opções 
pela prostituição e pela rejeição ao estudo estão intimamente ligadas. 
Daiane, aos quatorze anos, comemora cada dia sem aula e percebe 
que a melhor maneira de alcançar seus sonhos é entregando-se à 
prostituição. História comum nas esquinas do Brasil.
A trilha sonora, como ocorre em As melhores coisas do 
mundo, funciona para desenhar a diegese e o entorno social dos 
personagens. Se no primeiro filme, o estereótipo do adolescente 
de classe média alta é desenhado pelo pop rock, aqui são os gê-
neros e artistas ligados à periferia que compõem as cenas e os 
personagens que convivem com a pobreza e o crime: a canção 
tema, cuja letra se remete aos sonhos de uma vida melhor, é uma 
mescla de samba com batidas de rap e funk carioca e é cantada 
por Maria Gadú e MV Bill.
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Sem nenhum compromisso com a realidade, Os famosos e os 
duendes da morte, baseado no livro de Ismael Caneppele, apresenta 
uma história fragmentada em um enredo de conflito psicológico 
que confunde sonho com realidade. Mr. Tambourine Man – nome 
inspirado em música de Bob Dylan – é um adolescente que vive 
no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, e tenta, na internet, 
superar o tédio de sua vida. As referências gráficas da web, como 
em Antes que o mundo acabe, predominam em todo filme. Também 
como no outro filme gaúcho, as representações videográficas e 
granulações do Cinema aparecem em certas cenas. Esses contrastes 
de granulações e saturações de cores fazem com que o espectador 
não consiga em alguns momentos compreender se as imagens 
referem-se a uma lembrança, um sonho, uma alucinação ou um 
simples vídeo postado na internet. A atmosfera onírica também 
surge em ambientes externos: na escuridão da noite; na lumino-
sidade excessiva; na neblina; no reflexo das luzes nas águas; nas 
luzes difusas da cidade distante; na baixa definição de imagens 
fotográficas e videográficas. As sombras e brilhos sugerem alguns 
ambientes, mas nem sempre esses são revelados.
O quarto do jovem é mais uma vez um dos principais ambien-
tes das ações. Mas, dessa vez, o quarto não é acolhedor e reflete 
a personalidade da personagem. O clima é bucólico e entediante. 
As cores são frias e tristes, reforçando a atmosfera deprimente.
Nesse filme, a trilha sonora ganha contornos distintos e busca 
trabalhar estratégias sobre outras dimensões menos naturalistas. 
O que emerge com as músicas são as emoções e os estados psi-
cológicos dos personagens, diferente dos contornos dos gêneros 
marcantes na representação nos filmes anteriores, como se os 
adolescentes desta película não fossem reais ou não partilhassem 
gostos musicais comuns da juventude. As canções – lentas, acom-
panhadas por violão ou poucos instrumentos e cantadas em inglês 
– trazem letras melancólicas e são cantadas de maneira arrastada 
pelo compositor gaúcho Nelo Johann. O andamento lento das 
músicas e a instrumentação limitada acompanham alguns longos 
planos do filme e representam, pela atmosfera criada, os dramas, 
dúvidas e desencontros do enredo.
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João Batista F. Cardoso; roBerto e. dos santos; Herom Vargas
Assim como nos outros filmes, a relação com a família e 
amigos é intermediada pelo ambiente escolar. No entanto, nesse 
filme, uma ponte de ferro aparece como um elemento fundamental 
à narrativa e à composição plástica. A ponte é local do medo, da 
dúvida e da decisão, da mudança. A ponte, assim como as paredes 
do quarto, apresenta-se na tela em formas geométricas, linhas 
diagonais, que muitas vezes não permitem a identificação. Como 
se o objeto buscasse deixar de ser o objeto. O concreto torna-se 
o abstrato; o real, o sonho.
Considerações finais
De acordo com Bueno (2008), as culturas juvenis forjaram-se 
no âmbito de uma sociedade voltada para o consumo, inclusive 
de bens culturais midiáticos e dos novos meios:
Por meio desse processo, as culturas juvenis potencializam a 
integração e intercambialidade dos meios, fortalecendo a sinergia 
entre as indústrias de conteúdo e as de tecnologia. A juventude 
se tornou, assim, fundamental na articulação existente no interior 
das próprias indústrias culturais e nas estratégias que estas criaram 
para estar no mundo.
Sendo inegavelmente consumidoras, as culturas juvenis também se confi-
guram como produtorasde estilos, práticas e produtos. Novas experiências 
sociais vivenciadas nas dinâmicas do cotidiano surgiram dessa produção, 
exercendo ações fundamentais de negociação, pressão e transformação da 
produção industrial da cultura (BUENO, 2008, p.43-44).
O Cinema, que se caracteriza por ser simultaneamente um 
produto cultural e um produto de consumo – que também promove 
outras mercadorias – tornou-se, como foi afirmado anteriormente, 
um campo vasto para as manifestações das culturas juvenis. Dessa 
forma, a imagem do adolescente nas telas é tanto reflexo das in-
quietações e expectativas autênticas dos jovens como convenção, 
estereótipo, do estatuto de juventude disseminado no conteúdo 
simbólico midiático. As roupas que usam e as músicas que ouvem 
determinam, em boa parte, as identidades construídas socialmente 
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pelo consumo. Tais signos identificam personalidades, tipos sociais 
ou padrões culturais de gosto.
A análise realizada em quatro filmes brasileiros contem-
porâneos possibilitou perceber como se processa a construção 
da personagem adolescente no Cinema, seja do ponto de vista 
temático-narrativo, seja pelo uso da linguagem cinematográfica: 
os recursos imagéticos criados pela direção de arte, como cenário 
e figurino, e a trilha sonora, que auxilia a construção da diegese 
fílmica e dos personagens, social ou psicologicamente. Observan-
do a narrativa, os elementos de direção de arte e a trilha sonora 
desses filmes, percebe-se o uso de fórmulas esquemáticas. Con-
tudo, como posto anteriormente, tais estereótipos são naturais às 
representações, já que os signos representam os objetos a partir 
de conceitos existentes nas mentes, e todo conceito, por sua vez, 
é sempre uma simplificação do objeto a que ele se refere. Em 
outros termos, a complexidade de cada indivíduo humano não 
cabe em uma representação, por isso a simplificação em grupos 
com características comuns – como, por exemplo, nas definições 
simplistas de geração “X”, “Y” ou “Z”. Desse modo, ainda que as 
representações dos adolescentes nos filmes examinados possam se 
aproximar mais da realidade contemporânea quando comparada 
às representações do Cinema de décadas passadas, essas repre-
sentações sempre precisarão se apoiar em alguns estereótipos. 
Afinal, toda representação é uma convenção. As relações entre 
os diferentes tipos de signos áudio-verbo-visuais, e a quantidade 
de dados informacionais que esses tipos de signos trazem sobre o 
adolescente contemporâneo, é que acabam por causar a sensação 
de que a representação é menos ou mais “realista”.
Se foram encontradas muitas semelhanças entre as obras 
estudadas, as diferenças entre elas são também significativas: 
elas atestam que a cultura juvenil na atualidade é marcada pela 
pluralidade. Se comparado aos filmes de décadas passadas, os 
comportamentos, figurinos, cenários e trilhas sonoras mostram 
personalidades adolescentes mais complexas. Essa complexidade, 
pelo que se pode observar, deve-se também às diversidades regio-
nais e às desigualdades sociais.
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João Batista F. Cardoso; roBerto e. dos santos; Herom Vargas
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João Batista Freitas Cardoso
Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade 
Municipal de São Caetano do Sul (PPGCom-USCS) e do curso de publici-
dade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Comunicação e 
Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com 
Pós-Doutorado pela ECA-USP. Autor dos livros Cenário Televisivo: linguagens 
múltiplas fragmentadas (Annablume/FAPESP, 2009) e A semiótica do cenário 
televisivo (Annablume/FAPESP/USCS, 2008). 
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A PeRSonAgem AdoleSCente Como PRotAgonIStA em quAtRo fIlmeS...
Roberto Elísio dos Santos
Professor livre-docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da 
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCom-USCS) e da Escola 
de Comunicação da mesma universidade. Possui livre-docência em Comunica-
ção pela ECA-USP (CJE). É autor dos livros Introdução à teoria da comunicação 
(Editora da Umesp, 1998), Para reler os quadrinhos Disney (Paulinas, 2002), 
Cinema: arte e documento (Editora Pueri Domus, 2002), As teorias da comuni-
cação: da fala à internet (Paulinas, 2004), História em quadrinhos infantil: leitura 
para crianças e adultos (Marca de Fantasia, 2006). 
Herom Vargas
Professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uni-
versidade Municipal de São Caetano do Sul (PPGCom-USCS) e do curso 
de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Doutor em 
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
(PUC-SP). Atualmente, realiza pós-doutorado na ECA-USP. Autor do livro 
Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi (Ateliê, 2007) e organi-
zador de Linguagens na mídia: transposição e hibridização como procedimentos de 
inovação (EDIPUCRS, 2013). 
Recebido: 09.11.2013
Aceito: 02.05.2014

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