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V6N1-final-Artigos pdf a comedia que nasce da tragedia poeticas visuais

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14 15Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
The walking dead e a conTemporaneidade: 
diálogos, reflexões e críTica aos indivíduos pós-modernos
The Walking Dead and the Contemporaneity: 
Dialogues, Thoughts and Critical to Post-Modern Individuals 
Claudio Roberto Perassoli Júnior*
*Mestre em Literatura Comparada (Literaturas de Língua Portuguesa), pelo Programa de Pós-Graduação em Letras 
da Universidade de Marília, SP, Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Fundação Educacional do Mu-
nicípio de Assis, SP e Licenciado em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus 
de Assis, SP. Em acordo firmado entre a UNESP e a Universitàdegli Studi di Perugia, cursou a disciplina de Semiótica 
na instituição italiana (claudio.junior@live.it).
Resumo
Neste artigo, busca-se discutir e expor diálogos entre a expressão da Comunicação de Massa, a série televisiva The 
Walking Dead, e a práxis da vida contemporânea. Tendo como base leituras teóricas e questões empíricas, a presente 
discussão almeja expor que, embora seja um produto da indústria do entretenimento, o seriado sobre o apocalipse 
zumbi possui elementos que sinalizam uma sintonia entre a produção audiovisual e as críticas e considerações sobre a 
pós-modernidade. Mais especificamente, objetiva-se extrair, em breves considerações, o sentido metafórico-hiperbólico 
que a série representa em relação aos indivíduos contemporâneos.
Palavras-Chave: The WalkingDead; Comunicação de Massa; Pós-modernidade; Transmídia; Michel Foucault; Ele-
mento fantástico; Zumbis
Abstract 
In this paper, we seek to discuss and to expose dialogues between the expression of Mass Communication, the 
television series The Walking Dead, and the praxis of contemporary life. Based on theoretical interpretations and 
empirical issues, this discussion aims to expose that the series about the zombie apocalypse has elements that signal 
a line between the audiovisual production and critical and considerations of the post modernity, although it is the 
entertainment industry’s product. More specifically, the objective is to extract, in brief remarks, the metaphorical-
-hyperbolic sense that the series represents about the contemporary subjects.
Keywords: The Walking Dead; Mass Communication; Post modernity; Transmedia; Michel Foucault; Fantastic 
element; Zombies
, p. 14-31, 2015.
Muitas são as críticas relacionadas às expressões da Cultura de Massa, como filmes de grande circulação, séries televisivas, novelas e, atualmente, o fenômeno das narrativas audiovisuais produzidas e veiculadas especificamente para o meio digital. No livro de Umberto Eco, Apo-
calípticos e Integrados (2011), no qual há uma incursão por entre o debate que se instaura na área da 
comunicação, são arroladas as mais salientes apreciações a esse nível da cultura, como também são 
expostos argumentos que o defendam. Em um trabalho por vias labirínticas, o semioticista italiano 
se posiciona na linha limítrofe entre os que assentem e os que dissentem a respeito dessas expressões 
culturais.
 Utilizando dos pressupostos teóricos de análise da situação atual da literatura, ou seja, da Cul-
tura Superior, pretende-se alinhar também a essas considerações a expressão encontrada na Comuni-
cação de Massa, em referência às ânsias e reflexões do homem contemporâneo, mais especificamente, 
na série, sucesso de crítica, de audiência e de vendas, The Walking Dead. Programa de televisão com 
conteúdo dramático e pós-apocalíptico, o seriado é baseado nos quadrinhos homônimos, criado por 
Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard, e estreou no canal pago norte-americano, AMC, no 
dia das bruxas, em 31 de outubro de 2010.
 A série norte-americana relata a história de um grupo de sobreviventes, em um cenário catas-
trófico no qual os mortos “retornam à vida” zumbificados, com o objetivo de se alimentar de carne 
humana. O seriado é protagonizado por Andrew Lincoln, que interpreta Rick Grimes, um vice-xerife 
de uma cidade estadunidense que acorda de um coma em um hospital, após um confronto armado 
entre fugitivos e policiais. A personagem se descobre em um mundo pós-apocalíptico dominado por 
mortos-vivos, iniciando, então, a busca por sua família e, no caminho, estabelecendo a liderança em 
um grupo, durante suas trajetórias, desobreviventes.
 A narrativa de The Walking Dead, assim, conta a história de um pequeno grupo de sobrevi-
ventes em um apocalipse zumbi, nos arredores de Atlanta e, em seguida, em torno da região rural do 
norte da Georgia. Para os vivos que remanesceram,resta, nesse momento caótico trazido pelo univer-
so ficcional de Kirkman, a procura de um refúgio e local seguro, longe das hordas de mortos-vivos, 
cuja mordida seria infecciosa para os seres humanos – uma mordida de um desses monstros seria 
capaz de, depois da febre, matar e trazer “de volta” aquele corpo. Porém, o grande perigo que espreita 
toda a narrativa não são essas criaturas do imaginário popular, mas, sim, os outros seres humanos, 
vivos, que também estão lutando pela sobrevivência, muitas vezes, a qualquer custo. Construindo um 
enredo que comumente desvia-se da narrativa central para se focalizar em eventos tangenciais ou dos 
coadjuvantes, a série oferece um teor dramático que a diferencia das demais produções audiovisuais 
com o mesmo cenário, já que o norte evidenciado desde os primeiros momentos da história é expor e 
discutir principalmente os dilemas os quais o grupo enfrenta, além de lutarpela manutenção da vida, 
os sentimentos conturbados entre os seres humanos, a afeição/rejeição em relação à morte e os desa-
fios do dia-a-dia em um mundo hostil e praticamente dominado por esses monstros. 
 O grupo, liderado por Rick Grimes, sua esposa, Lori, e seu filho, Carl, bem como para que os 
outros sobreviventes a ele unidos, para possa viver e tentar reestabelecer um mínimo de ordenamen-
to,em grande parte da narrativa precisa adquirir novos meios de convívio social, tendo em vista que 
as estruturas da sociedade em que eles viviam entraram em colapso e a realidade tornou-se insólita. 
Novos modelos sociais irão surgir os quais devem ser estabelecidos paulatinamente, no contato entre 
os sobreviventes e nos seus conflitos, pelo apocalipse.
 Desde sua estreia, em 2010, o seriado vem crescendo em número de telespectadores que as-
sistem ao programa pelo canal de TV paga, AMC, dos Estados Unidos. Quando se iniciou a segunda 
temporada, em meados de 2011, de acordo com a empresa Nielsen, instituto que mede a audiência da 
, p. 14-31, 2015.
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16 17Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
televisão estadunidense, a produção televisiva referida tornou-se recorde de público com um índice 
muito elevado para padrões da TV por assinatura norte-americana, de 7,3 milhões de espectadores. 
Entretanto, o crescimento da série, por entre a população e a crítica, culminaria em números ainda 
mais expressivos: no fim da sua terceira temporada, em 2013, a história do grupo de sobreviventes em 
meio a um apocalipse zumbi foi acompanhada por 10,9 milhões de pessoas, superando suas próprias 
marcas de rating. Na estreia da quarta temporada, o seriado, enfim, galgou o posto de única série 
norte-americana que, além de cunhar o título da produção que superou as expectativas estabelecidas 
anteriormente de audiência para a televisão por assinatura, também ultrapassou seu próprio recorde e 
estabeleceu um novo horizonte para os programas de TV dos EUA: ainda em 2013, com o lançamento 
do primeiro episódio da quarta temporada, The Walking Dead alcançou a marca de 16,1 milhões de 
telespectadores, um feito considerado histórico para um produto advindo da TV paga.
Fenômeno transmídia
 Antes analisado por alguns críticos como um fenômeno passageiro, de um sucesso instantâ-
neo, The Walking Dead, por meio de seus números, prova o contrário. A série, em sua atual quinta 
temporada, no finalde 2014e início de 2015, continua expandindo-se por entre a população mundial 
e, a cada episódio, conquista mais seguidores. Fãs os quais estão em diversas mídias, se relacionando 
com a produção narrativa por meio de dinâmicaatualmente comum à Cultura de Massa: a veiculação 
e a criação de produtos hiper/transmidiáticos, fenômenos advindos do desenvolvimento das relações 
humanas por meio da era tecnológica/digital.
 O termo “transmídia” foi apresentado inicialmente por Henry Jenkins, professor de Jorna-
lismo, Comunicação e Cinema da University of Southern California e ex-diretor do Programa de 
Estudos de Mídia Comparada do MIT (Massachussets Institute of Technology), em seu livro Cultura 
da Convergência (2008). Desde meados da década de 90 do século passado, é possível identificar 
produções de narrativas transmidiáticas na indústria do entretenimento norte-americana, as quais se 
complementaram e, com a proliferação do uso da internet por grande parte da população mundial, 
puderam expandir seus campos de ação e desenvolvimento. 
 Além disso, com a ascensão das relações hiper/transmidiáticas, houve alterações no que se 
refere aos modos de produção e também à análise antes conferida ao papel do leitor nas relações co-
municativas. O sociólogo francês Michel Maffesoli (2004) pondera que, no contexto atual, “por mais 
que isso horrorize os críticos politicamente corretos, as pessoas não querem só informação da mídia, 
mas também é fundamental ver-se, ouvir-se, participar, contar o próprio cotidiano para si mesma e 
para aqueles com quem convivem” (2004, p. 23). O vocábulo “transmídia” tem inspirado um número 
expressivo de produtores e estudiosos os quais partem do princípio de que se pode desenvolver uma 
base narrativa, a qual seja consistente e flexível, permitindo criar, assim, um esqueleto de ações, pos-
sibilidades de modificações e engajamentos que viabilizem o florescimento de um projeto transmidi-
ático. Desenvolver, escrever e produzir histórias iniciadas em uma plataforma de mídia, e que tem seu 
desdobramento estendido a outras plataformas, mesmo de modo não-linear, é hoje, um modo recor-
rentemente utilizado para alcançar o sucesso. Para o estudioso da área, Henry Jerkins, a transmídia 
seria:
Processo onde os elementos integrais da ficção são sistematicamente dispersos 
através de múltiplos canais de distribuição para criar uma experiência unificada e 
coordenada de entretenimento. [...] Em termos de domínio cultural, transmídia nos 
, p. 14-31, 2015.
permite criar uma experiência mais rica, mais profunda do que a expressa por um 
único meio. (JERKINS, 2008)
 Dessa maneira, a narrativa transmídia (transmediastorytelling) nega a concepção de narrativa 
clássica, com sua estrutura fixa e canônica. Comumente, neste tipo tradicional de criação ficcional, o 
leitor é um ser passivo, que recebe as informações como um observador, à revelia do enredo. Contudo, 
com o egresso e posterior desenvolvimento da internet e das relações digitais, a narrativa transmídia 
foi capaz de modificar o papel do leitor na semiose: mesmo conservando o caráter de receptor, aquele 
que recebe a mensagem, este transformou-se também em emissor/mediador de mensagens, descon-
truindo as relações entre sujeito e material textual antes instauradas. 
 O leitor com a narrativa transmídia, assim, além de ser um agente fruidor da mensagem, 
está apto a decodificar e aplicar as informações recolhidas em uma mídia para outra, transpondo-as. 
Mais concretamente e objetivando estabelecer um modelo que se encaixe nas análises desse tipo de 
relação midiática, Umberto Eco, em seu livro Sobre espelhos e outros ensaios, ponderou que, para 
conseguir avançar na narrativa, ao trabalhar com uma produção transmídia, são necessários alguns 
componentes os quais tendem a sustentar as histórias: a criação de um universo ficcional repleto de 
personagens, de informações, para que se possa aprofundar cada um dos pequenos relatos, colhendo 
novas mensagens, envolvendo-se e participando deste contexto. Para Eco (ECO, 1989), a intertextu-
alidade é uma característica muito encontrada na transmediastorytelling, fruto e exemplo claro da 
Cultura de Massa, elemento que tem sido utilizado ao extremo pelas mídias digitais, sendo definida 
como a capacidade de um produto de uma mídia (livro, filme, programa de televisão, videogame etc.) 
em citar, direta ou indiretamente, por meio de repetição, paráfrase ou outro recurso linguístico, uma 
outra obra ou ela mesma.
 Ao esboçar uma definição deste conceito, um cuidado que deve ser exposto é quanto à con-
tinuidade das narrativas. Embora permaneça no mesmo universo ficcional, muitas vezes, o produto 
transmídia pode não dar prosseguimento ao enredo exposto no texto original, caracterizando uma 
construção não-linear da narrativa, em que pontos complementares não interferem uns nos outros. 
Para efeitos de elucidação, utiliza-se como exemplo a própria narrativa de The WalkingDead, a qual 
foi criada na plataforma impressa das histórias em quadrinhos em 2003, adaptada para a televisão em 
2010, e que se tornou jogo para a rede social Facebook, além do desenvolvimento de dois romances, 
de webisodes, para os sites de vídeos da internet, como também de programas de televisão, como 
TalkingDead, produzido pelo mesmo canal pago norte-americano, AMC, em que são discutidas as 
questões levantadas pelo seriado durante a semana. Ainda, no meio digital, os seguidores da série 
criam enciclopédias específicas para o universo ficcional representado, guias de sobrevivência para 
um apocalipse zumbi e livros em que são analisados os mais diversos conteúdos, como debates filosó-
ficos, éticos e sociais vinculados à produção.
 Dessa maneira, The WalkingDead mostra-se expoente do fenômeno da Comunicação de Mas-
sa, a criação de obras hiper/transmidiáticas, ao expandir seu universo ficcional para as mais diversas 
mídias. Entretanto, todos os produtos adjacentes à narrativa são produzidos em caráter não-linear, ou 
seja, o enredo da história base não é desenvolvido, não progride nas outras plataformas – elas, unidas, 
são complementares naquele específico recorte fictício, todavia, não constituem totalmente e nem 
influenciam a continuidade uma das outras: no jogo produzido especialmente para o Facebook, The 
WalkingDead Social Game, o ponto de partida é o cenário evidenciado também nas primeiras im-
pressões da narrativa televisiva, porém nada tem a acrescentá-la, apenas explorando-a de uma manei-
ra diferente, como se, após o espectador ter visto a série e ser introduzido ao enredo, no jogo, por sua 
, p. 14-31, 2015.
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18 19Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
vez, ele adentrasse nas relações evidenciadas pelo programa de televisão, em pontos que podem ser 
melhor expandidos, envolvendo ainda mais o leitor. Desenvolvendo a narrativa não-linearmente, os 
produtos sobre o grupo de sobreviventes em uma apocalipse zumbi se mostram exemplos evidentes 
da relação comunicativa que se faz presente na rotina dos processos da Cultura de Massa, principal-
mente, já que a finalidade fundante deste nível cultural é a relação mercadológica, visando o lucro.
 Aliás, o presente objeto de análise galgou, inclusive, espaço por entre os estudos mais elitiza-
dos, reservando um pequeno lugar por entre a Cultura Superior, ao ser a sua temática incluída, por 
exemplo, em cursos de especialização e extensão de universidades norte-americanas. Expressão clara 
do conceito de mainstream, ou seja, da corrente de fruição e de gosto compartilhados por um grande 
número de indivíduos, o seriado também alcançou a academia: em parceria com o programa e mi-
nistrado pela UniversityofCalifornia, com uma metodologia interdisciplinar, foi lançado o curso So-
ciety, Science, Survival: LessonsFromAMC’s The WalkingDead. Simultaneamente à transmissão dos 
novos episódios da série, as aulas são ministradas semanalmente, cada uma desenvolvendo os temas 
abordados noepisódio. Além disso, a série tem ganhado espaço por entre os estudos acadêmicos, por 
representar, como aqui exposto, o mundo com uma perspectiva niilista quanto à existência humana, 
sendo comumente encontrados estudos e reflexões acerca do caráter social-filosófico que a obra pode 
tentar se aventurar, como é o caso do livro The WalkingDead e a Filosofia: espingarda, revólver e ra-
zão, lançado pela editora BestSeller, em 2013, organizado pelo professor de ética e políticas públicas 
Christopher Robichaud e editado pelo estudioso em filosofia Willian Irwin. Indicado ao Globo de 
Ouro como melhor série de televisão e outras diversas nomeações, o seriado já ganhou prêmios tais 
quais o de Programa do Ano de 2010, pelo American Film Institute Awards; o de Melhor Maquiagem, 
no Emmy Awards, e o Prêmio Inovação, no Saturn Awards, ambos em 2011.
 Desse modo, evidencia-se que The WalkingDead não se tornou um fenômeno do gênero ter-
ror para a televisão norte-americana (vertente esta em ascensão), mas, sim, demonstra-se como um 
produto eficiente da Cultura de Massa, da indústria do entretenimento, e também como uma obra 
queconseguiu espaço entre o público, que cada dia mais parece se interessar pela incursão no mundo 
apocalíptico zumbi, e a crítica, a qual começa a aceitar aos poucos,mas ainda minimamente, a qua-
lidade da representação criada por Robert Kirkman de um mundo caótico em paralelo à sociedade 
contemporânea. A condição humana da atualidade serve como base verossímil para a construção da 
narrativa, que por alguns momentos realiza elos entre situações cotidianas reais e o universo apoca-
líptico reproduzido. 
O acontecimento apocaliptico
 Há duas possíveis significações para o termo “apocalipse”, das quais uma, original grega, tende 
à denotação de “revelação”, enquanto a outra, uma construção que tomou força por entre o imaginário 
coletivo a partir da Era Cristã, advinda da interpretação do livro do Apocalipse da Bíblia, de “fim do 
mundo”, de “juízo final”.
 Em The WalkingDead, o apocalipse com a conotação de hecatombe da humanidade, de um 
cataclismo físico, material, é ponto de partida para a narrativa: recuperando o mito e o universo do 
zumbi, instaurando junto a ele a ideia de caos mundial diante de um evento desconhecido, Robert 
Kirkman cria, para o gênero de terror em quadrinhos, um relato de um mundo no qual a estrutura 
social desintegrara-se e as relações humanas estariam em conflito, colocando em questionamento a 
posição do próprio homem diante de sua existência e de seu percurso de evolução. E quando aponta-
do, o “homem” não se restringe apenas ao personagem principal. Uma característica interessante da 
, p. 14-31, 2015.
narrativa de Kirkman, adaptada para a televisão, é a abordagem e a construção de um relato que con-
sidera um destino coletivo, no qual a coletividade, embora seja representada muitas vezes pela figura 
do protagonista, torna-se o cerne das questões da série. Em alguns episódios, percebe-se que a foca-
lização/narração supera a visão de Rick e estende-se para outros indivíduos de seu grupo, conferindo 
uma pluralidade de “vozes”, internas à narrativa, por meio de alguma personagem ou de os eventos os 
quais constroem o enredo da série.
 The Walking Dead, logo em seu início, no primeiro episódio, intituladoDaysGone Bye (Dias 
passados, em português), apresenta um incidente violento para os padrões da televisão paga norte-
-americana. Antes dos créditos de abertura, é exposto Rick, caminhando por entre os carros aban-
donados à procura de combustível, encontrando uma pequena garota loira, percebida de costas pela 
câmera. Ao chamá-la e depois de se identificar como um policial, a imagem da menina vira-se e o 
protagonista, bem como o telespectador, deparam-se com uma morta-viva criança. Espantado, Rick 
coloca em punho seu revólver e, após alguns segundos em que mede sua ação, atira na cabeça da cria-
tura, que, em movimento captado lentamente pela câmera, cai no chão, finalmente morta. Enfim, a 
música da abertura começa a tocar ao fundo, pausando o enredo.
Esse evento confere um caráter subversivo à narrativa, logo de início. O questionamento que paira em 
relação a essa cena seria sobre a escolha do primeiro zumbi que apareceria na história. Poderia ter sido 
selecionado uma imagem de um homem, de uma mulher em idade mais avançada, de um(a) jovem... 
Mas a escolha foi por uma criança. Momento violento para a concepção de moral no mundo contem-
porâneo, no qual crianças são consideradas seres que devem possuir uma mediação para a inclusão na 
sociedade, bem como representam uma ingenuidade natural, de fácil coerção. Ao inserir assim uma 
criança morta-viva, ainda de aparelho ortodôntico, por onde escorre sangue, recebendo um tiro no 
cérebro, Robert Kirkman introduz a situação de barbárie em que estaria a humanidade presenciando 
no universo ficcional: nem sequer as crianças estão a salvo. Como explica Christopher Robichaud 
(2013), em seu artigo chamado “Optando por cair fora: a ética do suicídio em The WalkingDead”:
A intenção é fazer com que o público entenda, desde o início, que o mundo dele 
(Kirkman) é um pesadelo eterno. O terror em The WalkingDead é explícito. Não 
são alguns zumbis putrefatos atacando Rick, sua família e o restante dos sobrevi-
ventes. Isso é apenas assustador. Não se trata de zumbis avançando a passos lentos 
atrás dessas pessoas, sem se cansarem, não importa aonde elas vão. Isso é somente 
apavorante. O terror está no fato de garotinhas virarem zumbis e precisarem levar 
tiros na cabeça. O terror está no fato de, após ataques incansáveis dos mortos que 
andam, os sobreviventes nem mesmo perceberem o quanto a situação em que se 
encontram é terrível. (ROBICHAUD, 2013, p. 12)
 Assim, é impactante ao fruidor da narrativa o contato inicial com uma criança zumbi e igual-
mente representativo da situação caótica em que até o ordenamento e a moralidade não são nem 
sequer poupados. Ao instaurar um apocalipse por entre a normalidade, Kirkman insere também na 
narrativa audiovisual a noção de acontecimento, descrita por Michel Foucault em meados do século 
XX. Depois do prólogo em flashforward com a morta-viva criança, há uma regressão na linha do 
tempo da narrativa para antes da epidemia começar. A cena é uma conversa entre o protagonista Rick 
e seu melhor amigo e companheiro de estação policial Shane, que recebem um chamado para auxilia-
rem na captura de fugitivos. Durante a ação, Rick é baleado gravemente e levado para um hospital. Na 
tomada seguinte, a personagem principal acorda do coma, nota que o vaso ao lado da cama está com 
, p. 14-31, 2015.
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20 21Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
por estabelecer um mínimo de ordem diante do caos. Desta forma, o rememorativum, o demonstra-
tivume o prognosticum, respectivamente, são os três signos internos ao apocalipse zumbi do seriado 
televisivo. 
Utopia, distopia e heterotopia
 A epidemia – o acontecimento aos moldes foucaltianos, inclusive, reverbera na criação e nas 
noções de tempo e de espaço. Na narrativa, é exposta uma (não) noção de tempo e uma caracteriza-
ção do ambiente de tal modo que se podem evidenciar duas percepções: uma, em vias subversivas, 
distópica, e outra, de maneira alegórica, heterotópica. Para Inocência Mata, ao refletir sobre a cons-
trução da utopia na expressão artística africana e do sentimento distópico na produção pós-colonial 
da Literatura, conclui que, enquanto o Modernismo caracterizava-se pela escrita da utopia, ou seja, 
a projeção de um lugar futuro positivo por oposição ao presente histórico/real, atualmente a tônica 
encontrada frequentemente é da utopia da escrita, isto é, “uma escrita dessacralizante que desvela a 
desconstrução de sentidos, denuncia os simulacros da História, repovoa os espaços vazios desfeitos e 
assinala um novo espaço de significação” (MATA, 2003, p. 62).
 Em vias gerais, a distopia, também conhecida como antiutopia, éum conceito expresso em 
criações ficcionais ou reflexões filosóficas, as quais retratam uma sociedade construída no sentido 
oposto ao da utopia, que por sua vez prevê um sistema perfeito, um estado ideal, onde vigoram a feli-
cidade e a total concórdia entre seus cidadãos. Em oposição à utopia, o ambiente costuma apresentar 
um conteúdo ético/moral, projetando o modo como os dilemas atuais figurariam no futuro, o que por 
sua vez culmina na crítica social e política, normalmente relacionada à exposição de uma sociedade 
corruptível, que se demonstra rude, porém frágil, devido à estupidez coletiva. Além disso, o poder é 
representado exclusivamente por uma elite, mediante privações do indivíduo comum. Por seu caráter 
pessimista, são raras as vezes em que flerta com sentimentos e valores positivos, como a esperança, 
normalmente conferindo ao cenário desenvolvido uma completa ausência de crença no futuro da 
humanidade, a qual se demonstra, naquele recorte distópico, banalmente violenta. 
 Porém, além da veiculação de um cenário distópico, no qual há a subversão de conteúdos 
relacionados à contemporaneidade do texto, existe também a noção de heterotopia, desenvolvida por 
Foucault que se faz presente quando o espaço em The WalkingDead “tem o poder de justapor em um 
só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são em si próprios incompatíveis” (FOU-
CAULT, 2013, p. 418). Para o filósofo francês, os espaços heterotópicos seriam onde convergiriam 
todas as estruturas sociais, políticas e reflexivas/ideológicas, criando, assim, um não-espaço, um am-
biente o qual, por meio de seu microcosmo, representa um macrocosmo. Segundo as palavras do 
próprio pensador, as heterotopias seriam:
[...] lugares reais, lugares efetivos, lugares que foram desenhados pela própria 
instituição da sociedade, e que são tipos de contra-localizações, tipos de utopias 
efetivamente realizadas dentro das quais as localizações reais, todas as outras lo-
calizações reais que se pode achar no interior da cultura são simultaneamente 
representadas, contestadas e invertidas, tipos de lugares que se encontram fora 
de todos os lugares, ainda que, entretanto, eles sejam efetivamente localizáveis. 
Esses lugares, como são absolutamente outros do que todas as localizações que 
eles refletem e das quais eles falam, eu os chamarei, em oposição às utopias, as 
heterotopias (FOUCAULT, 2013, p.417). 
as flores secas – indicando uma passagem de tempo, e, desesperado, chama pelo auxílio das enfermei-
ras – entretanto, ninguém vai ajudá-lo. Ao conseguir sair do quarto, Rick se depara com um estado 
de calamidade no qual a instituição de saúde encontra-se, deserta e caótica – por extensão, o mundo 
tomado pelo apocalipse.
 O que aconteceu ao planeta o telespectador e o protagonista descobrirão juntos, cena a cena 
do primeiro episódio, mas, o interessante é notar a forma com a qual foi introduzida a problemática 
da série, em um efeito que rememora a elipse, figura de linguagem que suprime partes de uma cons-
trução sintático-semântica, desde que haja indicações na própria estrutura as quais evidenciem o ele-
mento retirado da ordem tradicional. E é nesse momento que a plateia compreende: o acontecimento 
que deu origem a toda a conturbação não foi evidenciado, bem como suas causas e consequências 
iniciais. Para Foucault, filósofo francês, a noção de acontecimento é:
Ruptura das evidências, essas evidências sobre as quais se apoiam nosso saber, 
nossos conceitos, nossas práticas. [...] Consiste em reencontrar as conexões, os 
encontros, os apoios, os bloqueios, os jogos de força, as estratégias, etc. que, em 
dado momento, formaram o que em seguida funcionará como evidência, universa-
lidade, necessidade. (FOUCAULT, 2006, p. 339)
 Há em The Walking Dead a presença de um acontecimento que surge como ruptura de um 
momento histórico, proporcionando a dispersão de possibilidades materiais de mudança e alteração 
na ordem vigente anteriormente. O acontecimento é um evento, fato ou situação que marcadamente 
estremece as relações e ordenamentos sociais estabelecidos anteriormente, provocando novas formas 
de arranjos os quais serão alterações do momento anterior a ele. Na série, a noção de acontecimento é 
perceptível, porém não é evidenciada em sua totalidade – pressupõe-se que algo muito grave aconte-
ceu, a partir do momento que Rick sai do seu quarto, no hospital. E o cenário descrito pelo episódio, 
ao passo em que o protagonista vai saindo da casa de saúde, parece intensificar seu valor negativo, sua 
caracterização catastrófica, como uma ruptura a qual trouxe, junto da mudança, a hecatombe e algo 
muito significativo sucedeu para inverter até a ordem natural da vida: os mortos estavam caminhan-
do. 
 Aos moldes dos estudos de Foucault, da noção criada por Kant, o acontecimento é parte da 
narrativa de Kirkman, fornecendo, inclusive, a possibilidade de dividir triadicamente seu signo em 
rememorativum, demonstrativum e prognosticum. O apocalipse dos mortos-vivos rompeu com uma 
regularidade já existente, condição para que ele se efetive – no caso de The Walking Dead, ainda no 
primeiro episódio, como também em flashbacks durante o desenvolvimento do enredo, é mostrado 
um ambiente, antes da epidemia dos mortos-vivos irromper e o caos se fazer presente, corriqueiro 
ao homem da contemporaneidade, uma singularidade perceptível e correlacionável ao mundo real 
– situação/signo que é condição para a qual o acontecimento surja; uma eficácia transformadora da 
situação inicial, ou seja, signos ou fatos concretos e abstratos do acontecimento que demonstrem e 
reverberem a desconstrução do estado de regularidade anteriormente estabelecido – os mortos, ao 
serem reanimados por questões desconhecidas, oferecem a tônica da inversão e da modificação de 
valores, as quais demonstram, em seu cerne, a eficiência da transformação: os cadáveres os quais se 
levantam são signos que evidenciam e são determinados pelo momento inicial instaurado; e, por fim, 
efeitos dos mais variados, os quais impõem uma descontinuidade para depois alcançar uma nova 
regularidade, como, por exemplo, seria a própria dispersão dos indivíduos da série que se desmem-
braram da massa para criarem pequenos agrupamentos e a busca incessante de algumas personagens 
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expressão do vodu haitiano. Antigamente, a crença em torno do zumbi, seres autômatos que estavam 
à mercê de um senhor, dono das plantações de cana-de-açúcar, era uma superstição real, a qual fazia 
parte do imaginário popular. Com o passar dos anos, a cultura norte-americana, com o processo de 
invasão militar no Haiti e na República Dominicana pelos Estados Unidos, incorporou esses mons-
tros ao rol de criaturas conhecidas popularmente. 
“Atire na cabeça”: Contemporaneidade desvelada
 O ponto que interessa a esta breve discussão, ao recuperar as ideias sobre a origem do mito 
do zumbi, é quanto ao seu uso e sua presença em The WalkingDead. Reconhecidamente baseado 
no universo ficcional criado por George Romero, Robert Kirkman absorveu da representação e do 
enredo em torno dos mortos-vivos de Romero para, então, criar sua narrativa. Inclusive, a história 
de Kirkman retoma alguns temas que, em 1968, eram perceptíveis nos filmes de Romero, atualizan-
do-os, como o caso da violência que se tornou ainda mais explícita: enquanto Romero quebrava os 
parâmetros do cinema, mostrando pela primeira vez, em meados da década de 60, cenas de agressão, 
sangue, entranhas e cadáveres, até então efeitos inéditos, Kirkman propõe um relato mais brutal para 
a televisão por assinatura, na atualidade. 
 Uma maquiagem premiada pela crítica; cenas as quais deturpam e invertem os ditames da 
moralidade; uso de violência extrema, física, psicológica ou sexual, são constantes dessa produção te-
levisiva. Romero, no século passado, reverberava a violência ocasionadapela instabilidade econômica 
e empregatícia em decorrência da crise de 1929 e também as então recentes guerras. Na contempo-
raneidade, política e socialmente, a violência não foi amenizada, nem na realidade, nem na ficção: o 
estado atual das sociedades pelo mundo está marcado pela insegurança da população em geral, pelo 
permanente sentimento de vulnerabilidade a que o ser humano hodierno está submetido – seja por 
uma ameaça próxima, passando pela violência de caráter social, como assaltos e estupros, até o risco 
de atentados contra grupos e nações. The WalkingDead, assim, aos moldes de Romero, confere ao 
universo criado uma conotação de barbárie constante, sendo esta reflexo do próprio século XXI e da 
desconfiança do indivíduo contemporâneo não só em relação às autoridades, mas também, ao outro, 
recaindo a suspeita, por fim, em todos, como se constantemente o ser humano lembrasse que o perigo 
está à espreita. Como expõe, de modo claro, a pesquisadora Débora Almeida de Oliveira, em seu ar-
tigo “E as Tintas Criaram Vida...: Aspectos da Transposição dos Quadrinhos The WalkingDead para 
a série de TV”(2013):
Em The WalkingDead, [...], o mito do zumbi é descrito de modo mais próximo às 
lendas tradicionais. Aqui o zumbi é um ser sem nenhum resquício de memória ou 
consciência de si mesmo ou dos fenômenos que o rodeiam[...]. Apesar de pos-
suir um enredo geral extremamente simples, The WalkingDead prima por explorar 
situações que provocam grandes questionamentos filosóficos, políticos e sociais. 
Via de regra, a problemática com os zumbis parece ser a última preocupação dos 
sobreviventes, que se deparam com grandes dificuldades devido ao convívio com 
outros seres humanos. Assassinos, psicopatas, estupradores e pessoas com desvio 
de comportamento acabam se tornando mais ameaçadores que os próprios mortos-
-vivos. (OLIVEIRA, 2013, p. 173)
 Este último ponto também se refere à outra característica dos filmes de Romero: o conflito 
dos seres humanos. Até mesmo antes de A Noite dos Mortos-Vivos, obra considerada germe do ter-
 Uma das marcas da heterotopia é a completa inutilidade da marcação temporal, afinal, em 
um espaço que contém, por recuperação e analogia, todos os outros espaços, a contagem cronológica 
não rege e também não controla as relações advindas desse meio. Em The WalkingDead, o cenário 
apocalíptico, reverberando uma distopia, igualmente reproduz um ambiente heterotópico, no qual, 
essencialmente, há o caráter de sublevação das atitudes humanas, sempre com caráter reflexivo em si 
mesmo – embora seja necessário aniquilar os mortos-vivos na série de televisão, tal ato é ruminado 
constantemente pela consciência das personagens.
 Outros pontos os quais indicam a existência, na narrativa audiovisual, desse espaço hete-
rotópico, por onde se desenvolve o enredo, são a queda de instituições. A primeira, evidentemente 
pelo próprio plot da história, faz-se frequente: diante de uma hecatombe, o corpo social desfaz-se, 
as obrigações individuais no que tangem à sociedade hodierna liquefazem-se e as autoridades não 
conseguem, sequer, controlar a situação. Claro exemplo dessa dissolução dos parâmetros sociais an-
teriormente instituídos os quais são relevados pela heterotopia é no que diz respeito às profissões, às 
funções sociais que cada personagem exercia no mundo anterior ao caos as quais, naquele contexto, 
são dispensáveis ou, até mesmo, modificadas: o antigo entregador de pizza torna-se um estrategista; o 
veterinário opera um ser humano; a filha mimada, descrente e temerosa vê-se responsável por realizar 
um parto. 
 A ausência de marcação temporal que a narrativa proporciona é também fundante à narrativa: 
ao acordar do coma, Rick nota um relógio parado em seu quarto. Nos corredores, os outros aparelhos 
também não funcionam: o tempo teria parado? Sem a marcação exata do tempo e a estipulação indi-
vidual de tarefas com finalidade social, demonstrando uma dissolução e uma nova reconstituição de 
deveres ao corpo social, The WalkingDead posiciona seu enredo em um cenário que subverte a ordem 
instaurada na realidade, representando dentre desse mesmo cenário todas as ânsias e reflexões sobre 
as atitudes tomadas nesse mesmo espaço – configurando, portanto, um local da heterotopia.
Além disso, ao se tratar dos elementos do espaço da narrativa, deve-se destacara presença constante 
e violentados zumbis neste cenário distópico, os quais não possuem humanidade, que vagam em 
pequenos e grandes grupos, ávidos consumidores da carne humana – são corpos que perambulam 
buscando saciar um desejo incontrolável. Estes são nomeados na série de televisão de “walkers”, em 
português, os “errantes”, o queressalta, assim, o diálogoentre as produções de Kirkman e de George A. 
Romero, tendo em vista que o idealizador de The WalkingDead absorveu da tradição de A Noite dos 
Mortos-Vivos (1968) e Despertar de Mortos (1978): a preferência por não denominar essas criaturas 
como zumbis. Em nenhum momento, as personagens chamam os monstros de “zumbis” ou “mortos-
-vivos”. 
 O universo criado por Kirkman, adaptado para a televisão em 2010, denomina-os, durante 
toda a narrativa, seja pelos personagens do grupo de Rick, ou pelos outros sobreviventes, de “wa-
lkers”, de “biters” (mordedores, em português), ou então de “infecteds” (infectados). O motivo dessa 
preferência não é explicitado pelo autor da série, porém, comparando o processo de produção de 
Romero em Despertar de Mortos, por exemplo, é possível considerar que essa escolha está relaciona-
da à conotação pejorativa a qual esses monstros possuem ao serem chamados de zumbis. Como é de 
reconhecimento de grande parte da população, o termo “zumbi” imprime nas produções ficcionais 
um tom depreciativo, este devido ao próprio desenvolvimento do mito dos mortos-vivos, os quais, 
para a população em geral, são criaturas de segundo escalão, negligenciadas muitas vezes pela própria 
indústria do entretenimento. 
 Aliás, os zumbis possuem como base de sua representação a cultura híbrida caribenha com a 
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 Sem poderes ou forças além dos que são reconhecidos ao próprio homem, a representação 
de Kirkman resiste ao fluxo contemporâneo da ficção científica para permanecer em um relato mais 
verossímil. Ao delinear os zumbis com forças extremas individualmente, as novas produções audio-
visuais negligenciam, em parte, o caráter mais amedrontador desse mito: o verdadeiro perigo não é 
deparar-se com um zumbi solitário – ação encarada de maneira simples pelos personagens de The 
WalkingDead, como o caso de Carl, filho do protagonista Rick, que, embora seja criança, consegue 
duelar fisicamente com uma dessas criaturas –, mas, sim, seu caráter de coletividade. Como avisa 
Morgan Jones, personagem que ajuda Rick, no primeiro episódio da primeira temporada, Days Gone 
Bye, de que sozinhos, os zumbis podem não ser perigosos, porém em massa, desesperados e famintos, 
oferecem mais perigo. 
 Outro ponto interessante quanto ao desenvolvimento do enredo e a construção desse universo 
ficcional é no que tange às origens desse apocalipse. Ao contrário de outras obras as quais tratam do 
tema, The Walking Dead não se preocupa em expor as causas que levaram a epidemia a espalhar-se. 
O espectador é inserido abruptamente, assim como as personagens da trama, nesse mundo caótico e 
cinzento, sem explicações, evidências ou dicas as quais apontem para uma solução. Como as perso-
nagens que desconhecem o evento o qual gerou todo o caos, realizando suposições que vão desde a 
crença religiosa até a própria ciência, a audiência é inserida em um fenômeno inexplicável pela nar-
rativa e pela lógica da realidade, já que toda a construção da história é realizada pela perspectiva das 
personagens. Então, os telespectadores, como também os sujeitos desse universo, possuem informa-
ções desencontradas, pedaços desarticuladose fragmentários de relatos provindos dos sobreviventes, 
conferindo à narrativa um caráter contemporâneo do elemento fantástico.
 O seriado, por seu perfil cruel e insólito, cria a sensação no espectador de estar diante de um 
sonho, porém, este se torna, cena a cena, mais concreto e referente à realidade empírica de cada in-
divíduo. Um evento inexplicável para o telespectador, sobre o qual nem sequer as personagens têm 
certeza de sua origem, cria como efeito o elemento fantástico da narrativa. Não há nenhum tipo de 
certeza acerca da epidemia que transforma mortos em seres devoradores de carne – não seria, então, 
nem sequer maravilhoso e mágico. O fantástico atua na dúvida, no momento de exasperação no qual 
o telespectador, que está decodificando a mensagem, não consegue chegar a um significado que totali-
ze ou explique os fatos narrados, nem pela própria narrativa, nem pela sua experiência de vida. Como 
melhor definido emTodorov (2010):
Em primeiro lugar, é necessário que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo 
dos personagens como um mundo de pessoas reais, e a vacilar entre uma explica-
ção natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. Logo, 
esta vacilação pode ser também sentida por um personagem de tal modo, o papel 
do leitor está, por assim dizê-lo, crédulo a um personagem e, ao mesmo tempo a 
vacilação está representada, converte-se em um dos temas da obra; no caso de 
uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com o personagem. Finalmente, 
é importante que o leitor adote uma determinada atitude frente ao texto: deverá 
rechaçar tanto a interpretação alegórica como a interpretação “poética”. Estas 
três exigências não têm o mesmo valor. A primeira e a terceira constituem verda-
deiramente o gênero; a segunda pode não cumprir-se. Entretanto, a maioria dos 
exemplos cumprem com as três. (TODOROV, 2010, p. 19-20)
 Apresentando uma história a qual, embora tente minimamente evidenciar alguma explicação 
sobre a origem da epidemia de mortos-vivos, rechaçando todas as suas possibilidades conclusivas 
ror zumbi em filmes para a massa, esses monstros não causavam tanto horror – esses monstros eram 
vistos como criaturas de segunda categoria, aos quais muitas vezes era conferido um caráter quase 
cômico à sua presença. Embora assustadores e perigosos, os mortos-vivos representam o menor dos 
problemas para os sobreviventes dos filmes de Romero, como também o são na criação de Kirkman. 
Lidar com a presença desses seres famintos por carne humana é uma tarefa difícil, porém contorná-
vel. O que impede as personagens de The WalkingDead de gozarem de momentos mais tranquilos, 
tentando estabelecer uma mínima ordem possível, são os próprios seres humanos, os outros grupos 
de sobreviventes e, até mesmo, os internos àquela comunidade. 
 Os mortos-vivos em The WalkingDead servem como pano de fundo para o desenvolvimento 
do enredo: o foco principal na obra são as relações entre os indivíduos. A série, ao contrário do que 
se espera de um produto do gênero terror, possui grande expressão dramática e muitos momentos 
nos quais os zumbis mal aparecem na narrativa, dando espaço para o desenvolvimento dos relacio-
namentos humanos. Aliás, interessante nesse processo de discussão é no que diz respeito à própria 
representação dos zumbis em The WalkingDead. O próprio mito do zumbi sofreu alterações com o 
passar do tempo, as quais se faziam pela reflexão do momento histórico-social à época vigente. Os 
mortos-vivos na série são representados como seres autômatos, sem nenhum tipo de vínculo com 
uma força acima deles, como era o caso do mestre vodu na tradição haitiana. Vagando solitários, mas 
normalmente representados em grupos, as denominadas hordas, possuem como objetivo saciar uma 
fome incontrolável por carne, seja ela humana ou não, como é o caso da horripilante cena do primeiro 
episódio da temporada inicial Days Gone Bye (Dias passados) em que Rick, após atravessar a cidade 
de Atlanta montado em um cavalo, é atacado por um grande número de zumbis. Desvencilhando-se 
do ataque, lança mão do animal o qual, por sua vez, é devorado vivo em uma sequência permeada por 
sangue e entranhas. 
 Além de serem carnívoros, não possuem outra função a não ser a de vagar por todos os espa-
ços, na cidade, no campo, nas estradas. Isso fica evidenciado principalmente pela própria segmenta-
ção da estrutura narrativa: na primeira temporada, com seis episódios, o espectador entra em contato 
com o mundo apocalíptico que havia se instaurado na narrativa, reconhecendo-o, e isto se deve ao 
acompanhamento do mesmo processo de descoberta no qual o protagonista se encontra após acordar 
do coma em um hospital. A série, assim, em seu primeiro ano, realiza uma espécie de contextualização 
do universo dos mortos-vivos, às primeiras impressões e reflexões sobre esse novo mundo, buscando 
inclusive explicações lógicas para a hecatombe. Um planeta infestado por zumbis, os quais apenas po-
dem ser abatidos por meio do ferimento em seus cérebros. “Atire na cabeça”, o mote do filme de 1978, 
Despertar dos Mortos, de George Romero, é recuperado em grande parte da filmografia zumbi da 
atualidade a qual se baseia nessa ação para dar um “fim” à presença dos mortos-vivos, como na série 
de filmes, baseada no jogo de videogames, ResidentEvil.
 Ao contrário de adaptações cinematográficas atuais, como Extermínio (28 Days Later, 2002) 
e Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, 2004), este último refilmagem do original de Romero, 
The WalkingDead manteve o vagar particular dos zumbis: ao invés de conferirem-lhes possibilida-
des de ação com força sobre-humana e velocidade, Kirkman conserva o tradicional cambalear desse 
monstro, o qual se arrasta e alcança, quando muito, um ritmo mais acelerado de passo. Aliás, perti-
nente elucidação para a presente análise: ao contrário do caráter sci-fi de oferecer ao zumbi da atua-
lidade uma energia sobrenatural ou científica, a série representa suas criaturas com uma abordagem 
mais usual, ou seja, os mortos-vivos do programa de televisão são simplesmente cadáveres de seres 
humanos sem consciência individual, dotados apenas de uma energia de “vida”, quase letárgica, e de 
uma fome constante. 
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santemente pelo cenário descrito. Sejam sozinhos ou em grupo, os mortos-vivos têm como ponto 
fundamental o deslocamento físico, proporcionado por necessidades “naturais”: saciar sua fome em 
busca de comida. Metaforicamente visto, essas criaturas marcham initerruptamente, procurando algo 
que as preencha, em uma vontade de consumo a qual parece não ser saciada.
 As cenas com os zumbis, marchando por entre o centro da cidade de Atlanta, nos primeiros 
episódios da primeira temporada, trazem um questionamento para o próprio indivíduo hodierno: 
quais são as ânsias que movem uma grande massa em meio à rotina? Estariam todos, sublevados pe-
las relações sociais institucionalizadas, como zumbis, procurando saciar uma vontade e objetivos mal 
reconhecidos? Aliás, esse ponto também toca na interrogação do indivíduo moderno frente ao mo-
delo social-político-econômico do capitalismo: os mortos-vivos são seres que possuem a ausência de 
persona, ou seja, não possuem qualidades afetivas e/ou psicológicas (morais e éticas) suficientes para 
serem caracterizados como pessoas em si. Dessa maneira, sem esse perfil que os tornariam humanos, 
são, por conseguinte, corpos automatizados, tomados por uma inconsciente vontade de consumir. Em 
paralelo, no sistema hegemônico, que rege as relações políticas e sociais, com base em uma estrutura 
puramente econômica, o ser humano atual, incônscio grande parte das vezes das reais condições nas 
quais está inserido, estaria vivendo, por extensão, em um estado de pós-morte, nos moldes dos zum-
bis.
 O mesmo ocorre com os sobreviventes os quais surgem durante a narrativa: no cenárioapo-
calíptico descrito, os grupos de sujeitos esbarram uns nos outros, algumas vezes ajudando, outras, 
trazendo mais turbulência ao coletivo liderado por Rick. O que é notório na história de Kirkman é 
o contínuo caminhar que o grupo de sobreviventes realiza, de lugar em lugar, de casa em casa, bus-
cando alimentação e um local seguro o qual os acolha e, ao mesmo tempo, lhes represente a salvação 
por entre os percursos da vida, reflexo da construção completa de sua identidade. Expressando uma 
contínua peregrinação, metaforicamente e por transposição, do homem contemporâneo em busca de 
algo que o complemente, travando uma luta constante contra os outros seres humanos por seu espaço. 
A qualidade da Comunicação de Massa está exatamente no poder dela expressar elos diretos entre a 
ficção e a realidade, justamente por objetivar o maior número de indivíduos fruidores que, de alguma 
maneira, devem identificar-se com o produto veiculado. 
 Essa experiência cotidiana de vida retratada metaforicamenteque, em The Walking Dead, pa-
rece tomar um formato brutal, alegórico, utiliza os zumbis como imagem exata de um momento pós-
-moderno da humanidade. De acordo com o sociólogo Anthony Giddens, em seu livro As Consequ-
ências da Modernidade (1991), no qual o estudioso analisa as inferências no cotidiano da população 
no atual momento social-político, a pós-modernidade “vê o eu como dissolvido ou desmembrado 
pela fragmentação da experiência” (GIDDENS, 1991, p. 163). O que seriam os zumbis se não seres 
fragmentados, inconscientes de uma existência a qual não entrelaça os diversos âmbitos da vivência 
humana (trabalho, estudo, família, círculo social)? Além disso, o momento seguinte à modernidade 
também “vê o “esvaziamento” da vida cotidiana como resultado da introdução dos sistemas abstratos” 
(GIDDENS, 1991, p. 163). A representação desses monstros seria, portanto, a total tomada de um 
conceito abstrato (a morte) sob um corpo vazio de relações, o qual não interconecta informações, 
dispostas pelo modelo social-econômico de maneira díspar.
 Acerca deste tópico, elucida-se que o termo latino “monstro” pode ter como explicação de sua 
origem algumas possibilidades, como: em monstra que significa “mostrar, apresentar”; em monstrum, 
com significado de “aquele que revela, aquele que adverte”; ou mesmo em monstrare, que possui a 
ideia de “ensinar um comportamento, prescrever a via a seguir”. De uma maneira geral, o monstro é 
um ser, objeto ou criatura ficcional que tem alguma coisa para mostrar, basicamente. Porém, o con-
acerca desse mistério, The Walking Dead faz parte do rol de narrativas as quais se utilizam do elemen-
to fantástico como basilar e ponto de apoio para seu enredo. Como o estudioso húngaro defendeu 
acima, há uma exigência a qual não é necessária para um texto se tornar fantástico, porém, que pode 
ser encontrada no seriado norte-americano: a representação dessa dúvida, desse paradoxo vivenciado 
no universo ficcional em alguma personagem.
 Os indivíduos representados em The WalkingDead não são meras personagens planas, rea-
lizando atividades e dando o enlace à narrativa, pelo contrário, são pessoas com histórias, medos, 
aspirações, ambições e desejos, denominadas enfim esféricas. Pelo caráter dramático conferido à série, 
evidenciando as relações humanas, bem como um número de informações vasto sobre esse universo 
ficcional, o espectador depara-se com a complexidade e heterogeneidade da construção de caráter de 
cada personagem, reconhecendo-se particularmente em um ou nas ações e reflexões por esse desen-
cadeadas, não apenas identificando-se com aquele indivíduo fictício, mas sentindo-se representado, 
através das circunstâncias fornecidas, naquele ambiente. O desastre e a morte de seus entes queridos 
pesam sobre os ombros dos sobreviventes... Quando agem diante das dificuldades, nota-se a inerente 
reflexão da audiência de que, provavelmente, faria da mesma maneira. Apesar da realidade apresen-
tada pelo material audiovisual ser fantástica, os desdobramentos e ponderações dela sobre o mundo 
possuem um caráter verdadeiro, verossímil, crível, nos limites da sanidade e da loucura.
Monstro da pós-modernidade
 Além do elemento fantástico, presente recorrentemente nesta expressão artística, é possível 
encontrar na série de televisão estadunidense de Robert Kirkman outros pontos que sinalizam a sin-
tonia que a produção possui em relação à contemporaneidade. Uma dessas características é o que diz 
respeito à diáspora, vocábulo comumente utilizado para caracterizar o deslocamento físico de um 
grupo ou de uma coletividade, o qual é motivado em busca de algoque os plenifique, uma terra toda 
sua. 
 A diáspora está diretamente relacionada ao ato de, por meio do deslocamento físico, procurar 
por algo que esteja interno às ânsias de um indivíduo ou de um grupo. Normalmente, esse processo é 
caracterizado de uma maneira filosófica, pela própria busca do sujeito em se reconhecer, mesmo em 
proporções menores, integrante de um processo histórico, como também em conseguir enxergar-se 
ou desenvolver a sua identidade. Essas ações estão comumente relacionadas à ideia de casa, lar, abrigo, 
os quais sirvam de reflexo das relações internas aos indivíduos ou a uma coletividade. Sobre a diáspo-
ra, o estudioso de cultura Rolando Walter discorre:
A existência diaspórica, portanto, designa um entre lugar caracterizado por dester-
ritorializaçāo e reterritorializaçāo e a implícita tensão entre a vida aqui, e tanto a 
memória quanto o desejo por lá. Neste sentido, os que vivem na diáspora (migran-
tes, imigrantes, exilados, refugiados, Gastarbeiter, entre outros) compartilham 
uma dupla, senão múltipla consciência e perspectiva caracterizadas por um diá-
logo difícil entre vários costumes e maneiras de ver e agir. (WALTER, 2006, p. 5).
 Objetivando a construção e desenvolvimento da identidade, seja ela particular ou coletiva, o 
que, por sua vez, influencia na produção cultural, a diáspora é um recorrente elemento na expressão 
contemporânea literária. E The WalkingDead não renega esse caráter. Analisando, à primeira instân-
cia, já é perceptível a diáspora na narrativa: os zumbis, como massa de indivíduos, caminham inces-
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28 29Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
singularidade que virá a romper-se, também indica um ponto de ligação entre o universo ficcional e 
a presente realidade: isso se deve ao pressuposto do qual a regularidade instaurada na narrativa faz 
parte do contexto real, do cotidiano compartilhado por grande parte da população. Por ser uma obra 
com teor fantástico, é necessária para que ela efetive-se nesse gênero do terror a conjectura da qual o 
ambiente descrito pelo enredo seja parte de uma realidade comum a todos os indivíduos, para, então, 
haver um elemento o qual desarticule as certezas e implante um sentido insólito à experiência veros-
símil. 
 Dessa maneira, o signo rememorativum implica na suposição coletiva de que, antes da epi-
demia ser instaurada como nova ordem, a normalidade prévia condiria à práxis rotineira de vida 
no mundo contemporâneo. Ao iniciar a série estabelecendo uma relação entre a realidade e a ficção, 
Kirkman parece objetivar para além de uma narrativa de terror – utilizando de um signo o qual resga-
ta e implanta uma normalidade inerente ao homem hodierno, aproxima a produção televisiva de seus 
telespectadores. E o que isso implica? Para melhor elucidação, far-se-á um breve panorama da vida 
contemporânea e suas impressões.
 Há de se expor que, no atual momento histórico, o ser humano ainda está colhendo os desdo-
bramentos colaterais que a expansão ininterrupta do capitalismo conferiu à humanidade. Se, a partir 
das ruinas do feudalismo e até o fim do século XIX, a sociedade europeia plantou as sementes e viu 
florescer, no mundo, essa estrondosa árvore chamada de modernidade, já no século XX, o ser humano 
percebeu queseus galhos começaram a envolvê-lo de tal forma que ele estava “preso”, sem escapatória 
nesse modelo sócio-político-econômico. Estudiosos, então, notaram as consequências do modo de 
vida moderno: as grandes e devastadoras guerras eclodiram em diversos países, advindas de relações 
internacionais problemáticas; invasões militares armadas, as quais, embora com justificativa de paz, 
ferem os Direitos Humanos, instaurando por sua vez uma crescente tensão entre nações e sociedades; 
a crise do capitalismo, o qual, para manter-se operante, demonstra desgastar cada dia mais as relações 
sociais, e a queda da hegemonia de potências mundiais, com efeitos profundos na economia e na 
organização social desses países, como é o caso do alto índice de desemprego percebido em nações 
europeias; o risco iminente de um evento nuclear, por descuido ou por questões bélicas; as lutas dos 
povos dominados da Ásia e África por emancipação; o progresso científico-tecnológico que, por mais 
que possa ser para fins positivos, cria uma desconfiança quanto ao futuro da humanidade, como o 
desenvolvimento de doenças em laboratórios, as quais, dissipadas, oferecem riscos pandêmicos. 
 Como consequências sociais desses frutos das relações políticas modernas, ainda podem-se 
citar: a abismal desigualdade social, na qual indivíduos que morrem de fome compartilham do mes-
mo espaço que aqueles motorizados com um carro de luxo; a intensificação da segregação de grupos 
destoantes, principalmente aqueles os quais não possuem poder de compra e, logo, não conseguem 
estar inseridos na dinâmica mercadológica; o sentimento de insegurança da população, a qual se tor-
na vulnerável; a barbárie vivenciada cotidianamente, como reflexo das austeras relações econômico-
-políticas e da ineficiência dos órgãos de proteção pública; e, por fim, a alienação em massa, ou seja, a 
inconsciência coletiva dos processos e atividades a qual o ser humano desempenha, reforçada por sis-
temas de educação os quais não direcionam o indivíduo para um caminho de crítica e reflexão, mas, 
pelo contrário, reafirmam a posição desse sujeito como marionete de um modelo socioeconômico. 
 Todos esses processos e suas consequências deram-se a custa de milhares de vidas humanas 
e foi inevitável que o pensamento crítico-social captasse as nuances dessa modernidade e concluís-
se que o capitalismo não significava, como se acreditava, uma libertação da humanidade, mas, sim, 
como expôs profeticamente Max Weber (2001, p. 131), em 1905, seria a criação de uma nova grade 
de ferro a qual só esfacelar-se-ia quando a última camada de carvão fóssil fosse consumida. E, na con-
ceito de “monstro” não se resume apenas a esse significado abrangente: mais exatamente, para os pes-
quisadores em sociologia e filosofia, funciona como um operador conceitual, ou seja, na medida em 
que ele representa o desenvolvimento de todas as irregularidades possíveis, afinal é um “monstro”, ele 
também entra em conflito ecoloca em questão a normalidade. Neste sentido, como afirma Foucault, 
o monstro é um “princípio de inteligibilidade” de todas as anomalias, e, ainda assim, é um “princípio 
verdadeiramente tautológico”, porque a propriedade do monstro consiste em se afirmar enquanto 
tal, “explicar em si mesmo todos os desvios que podem resultar dele, mas sem que seja em si mesmo 
ininteligível” (FOUCAULT, 2010, p. 48). 
 Dessa forma, o monstro não é apenas a criação ficcional de uma criatura aleatória: ele recupera 
as noções inerentes à construção social vigente, como a de normalidade, para enfim tornar-se assus-
tador – não pela sua caracterização horrenda na qual costumeiramente apresenta-se, mas por destoar 
da norma vigente. E os zumbis de The WalkingDead também querem demonstrar algo: a norma até 
então instaurada inverteu-se ao nível de ser extraída daqueles que parecem seres humanos, a própria 
humanidade. O apocalipse zumbi, como acontecimento, inverte a ordem natural estabelecida, bem 
como a hierarquia social institucionalizada previamente, provocando mudanças de caráter metafórico 
e hiperbólico: em um mundo regido por um modelo social-político que “cega” os cidadãos, elevando 
à saturação o pensamento, causada graças aos exacerbados processos e sugestões racionais, comparar 
os seres humanos contemporâneos com zumbis não parece um equívoco de leitura. Inconscientes dos 
atos, dos desejos que possuem, negligenciando as vontades próprias e coletivas, os zumbis surgem 
como uma representação coerente e uma demonstração plausível da sociedade atual, que observa um 
apocalipse potencial à espreita. 
 Isto posto, os mortos-vivos são a ambivalência materializada. Representam a morte em vida 
do indivíduo contemporâneo ou a vida morta de sujeitos aquém da realidade. Demonstram um con-
trassenso o qual vai além da sua imagem putrefata: a contradição do mundo estar regido por pessoas 
as quais não se sujeitam à humanidade. Os zumbis, embora sejam criação do início do século XX, são 
a materialização do fracasso social, do fim da modernidade e de um projeto de civilização que, diante 
do perigo, se enfraquece, prejudicando principalmente aqueles à margem da sociedade.
O apocalipse zumbi, portanto, não opera apenas como um destruidor da estrutura social vigente den-
tro da narrativa, mas também como um deslocador da própria visão de mundo dos sujeitos descritos 
naquele universo ficcional: o acontecimento, aos moldes de Foucault, reverbera inclusive na represen-
tação e na identidade das personagens. Neste momento, é oportuno introduzir algumas considerações 
sobre outro ponto fundamental para esta análise: o seu título. Ao contrário do que se acredita,The Wa-
lkingDead, ou seja, a morte que anda, não refere-se aos zumbis – no fim da segunda temporada, para 
o seu grupo, Rick revela o segredo que lhe fora confessado pelo médico do CCD, Dr. Jenner: todos 
já estavam infectados. Não haveria escapatória para a epidemia, inevitavelmente todos já continham 
em si o germe da doença que revivia os zumbis. Mordidos, arranhados ou não, todos os sujeitos vi-
vos já estavam contaminados, carregando a fagulha dos mortos-vivos internamente, incubada. Nesse 
momento, a narrativa assume uma perspectiva mais filosófica: “se todos nós possuímos cá dentro a 
morte, o que diferencia mortos de vivos? O que é estar vivo?”. A luta a partir de então das personagens 
é de não morrerem.
 Em suma, o que os walkers querem significar? Seria The Walking Dead, portanto, uma produ-
ção a qual possui como objetivo único a fruição? 
 Como um acontecimento que irrompe uma regularidade, a epidemia a qual faria mortos se 
tornarem “vivos”, possui em sua constituição interna três signos: um rememorativum, um demonstra-
tivum e outro prognosticum. Nesse âmbito, o rememorativum, o qual representa as condições de uma 
, p. 14-31, 2015. , p. 14-31, 2015.
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30 31Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
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WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2001.
temporaneidade, além dessas ameaças ao ser humano causadas pelo próprio sistema no qual ele vive 
e se desenvolve, há novos perigos à espreita. O processo de radicalização da modernidade liquefez as 
instituições criadas por ela mesma, criando na população global um sentimento de instabilidade e 
vulnerabilidade diante do percurso histórico, rumando o homem contemporâneo sem objetivo claro 
para ele mesmo.
 O que sobra ao ser humano contemporâneo é a incerteza e o niilismo: tudo parece não ter 
sentido e o propósito das relações humanas simplesmente desfaleceu-se. 
 Nesse ínterim, ressurgem, na expressão da Cultura de Massa, as narrativas com a temática do 
mito do zumbi, pois este monstro parece ser uma metáfora cabível e facilmente reconhecível do mun-
do do hoje.O homem hodierno em comparação metafórica torna-se a morte em vida, a qual vaga, 
por entre os centros urbanos em busca de algo que não se faz evidente nem sequer para o próprio 
indivíduo. The WalkingDead faz sucesso não só por ser uma série a qual resgata os contos de terror 
para a televisão norte-americana, propondo um momento fruitivo de barbárie, violência e sangue, 
mas também, pela maneira como trata os seus temas, seus personagens e, acima de tudo, por conse-
guir tocar a subjetividade do indivíduo contemporâneo (mesmo inconscientemente) o qual, no seu 
íntimo, reconhece-se como um morto-vivo em meio à rotina. Assistir à aniquilação da imagem dos 
zumbis, na série, pode ser uma exasperação do homem contemporâneo, ser autômato, dirigido por 
uma vontade irreconhecível de preenchimento, em meio a uma distopia da vida moderna.
 O cerne da história em quadrinhos e, por extensão, da produção audiovisual não são os wa-
lkers, os zumbis. “The WalkingDead é uma história difícil de se superar. É poderosa, dramática, hor-
ripilante e assustadora. Mostra com sucesso as ideias de medo e sobrevivência. Mas Robert Kirkman 
resume melhor: “A série é sobre humanidade.”” (BELLUOMINI, 2013, p. 57). Humanidade esta que 
parece estar, devido às consequências do processo do modernismo, esvaziada de vida própria – sujeita 
a uma (des)ordem que não é nem sequer explicada ou explicitada. 
 Cumprindo seu papel fruitivo e evasivo de sentimentos, fornecendo ao telespectador um rela-
to bárbaro da sobrevivência humana em meio a um apocalipse zumbi, a narrativa de The WalkingDe-
ad também pode ser considerada a representação, mesmo que em vias não tão poéticas, do fracasso 
da sociedade contemporânea. Oferecendo uma metáfora hiperbólico-subversiva, The WalkingDead 
sinaliza a crise da razão da contemporaneidade. Mergulhados em vínculos superficiais de um sistema 
o qual não esclarece o próprio ser humano, apenas o bloqueia mentalmente, é significativa a maneira 
com que os walkers devem ser atacados para, finalmente, morrerem: um ferimento no cérebro, aos 
moldes de George Romero. Para que serve, então, o cérebro em um mundo onde as relações sociais 
saturam o indivíduo, automatizando-o? 
 Destarte, Robert Kirkman, ao apresentar um relato distópico-subversivo, relembra a huma-
nidade de que mais importante do que as convenções sociais ou instituições de poder, é a relação 
entre seres humanos vivos, pois, diante de um cenário de hecatombe, tudo perderia seu sentido, seu 
significado, inclusive a morte. Um mundo apocalíptico no qual apenas sobra ao homem ele mesmo. 
Analogamente com a realidade, The WalkingDead é a expressão paradoxal de um mundo o qual, 
tomado pela racionalidade, torna-se, incessantemente, mais irracional. Um mundo que vivo se apre-
senta morto.
Referências
BELLUOMINI, Lance. Deixado para trás: É Moralmente Aceitável Abandonar MerleDixon?.In: 
IRWIN, William; ROBICHAUD, Christopher. The Walking Dead e a Filosofia: espingarda, revolver 
e razão. Tradução: Patrícia Azeredo. Rio de Janeiro: Editora BestSeller, 2013.
, p. 14-31, 2015. , p. 14-31, 2015.
Recebido em 31 de janeiro de 2015 Aprovado para publicação em 18 agosto de 2015
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32 33Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1, p. 32-45, 2015 , p. 32-45, 2015.
Memorial da América Latina: Roteiro de Visita 
às Obras de Arte
Latin America Memorial: script to visit the work of art 
Alecsandra Matias de Oliveira*
*Doutora em Artes Visuais – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Especialista em Coope-
ração e Extensão Universitária do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
Resumo
Nesse âmbito de redemocratização política, surge o projeto de edificação do Memorial da América 
Latina. Concebido por Oscar Niemeyer e com planejamento cultural do antropólogo Darcy Ribeiro, 
o Memorial é fundado em 18 de março de 1989, no bairro operário da Barra Funda. O espaço desti-
na-se a ser núcleo de cultura, política e lazer construído com o objetivo de disseminar as expressões 
criativas da América Latina, visando estabelecer laços culturais, políticos e sociais entre as nações.
Palavras-Chave: América Latina; Memorial da América Latina; Oscar Niemeyer; Obra de Arte; Arte e Politica.
Abstract 
In this context of political democratization , appears the building project of the Latin America Memorial . Designed 
by Oscar Niemeyer and cultural anthropologist Darcy Ribeiro planning , the Memorial is founded on March 18, 
1989 , the working-class district of Barra Funda . The space is intended to be the core of culture, politics and leisure 
built in order to disseminate the creative expressions of Latin America, to establish cultural, political and social 
ties among nations.
Keywords: Latin America; Memorial da América Latina; Oscar Niemeyr; Work of Art; Art and Politics.
Por três séculos, São Paulo tem casas de barro e sofre com chuvas e umidade permanentes, ca-racterísticas do clima tropical de altitude. Quando completa seu quarto centenário em 1954, atinge um tamanho jamais sonhado por seus habitantes coloniais, transforma-se em um grande 
centro urbano-industrial. No início do século XXI, São Paulo é a terceira maior aglomeração urbana 
do planeta, é uma imensa megalópole circundada por cidades-satélites – que, anteriormente, consti-
tuíam-se em reduções indígenas. Seus bairros, ruas e avenidas carregam as memórias desta transfor-
mação e, principalmente, dão condição à cidade de proporcionar o sentimento de estar “em casa” para 
muitos povos. Como cidade contemporânea é fragmentada e transitiva. Porém, o diferencial está no 
reconhecimento dessa condição. Desde sua fundação São Paulo recebe indivíduos de outros locais, 
configurando-se em lugar múltiplo. Os monumentos que registram as memórias fundantes da cidade 
estão espalhados pela malha urbana e garantem essa condição. 
 O exame do percurso histórico trilhado por São Paulo auxilia na compreensão da movimenta-
ção entre memórias e aspectos identitários. Identifica-se certa tendência, por exemplo, de imigrantes 
de nacionalidades semelhantes concentrarem-se em bairros específicos: italianos no Brás, Bexiga, Be-
lém, Mooca e Bom Retiro; japoneses e chineses na Liberdade, alemães no Brooklin e em Santo Amaro; 
árabesna região do Mercado Municipal, judeus no Bom Retiro e após 1920 em Higienópolis; corea-
nos, atualmente, também, no Bom Retiro e arredores; russos, poloneses e, especialmente, lituanos na 
Vila Zelina, iugoslavos na Mooca e no Belém, armênios na Luz; e outros. São Paulo é partilhada por 
todos. Porém, há pedaços desta cidade mais italianos, espanhóis ou orientais, onde o sentimento de 
identificação é mais forte.
 Nessa cidade, a edificação de monumentos configura-se como obra comemorativa de arqui-
tetura ou escultura2. Para Le Goff (2003), esses monumentos são “verdadeiros arquivos de pedra” 
que acumulam, além da função de arquivo propriamente dito, a de “peças publicitárias” duradouras. 
Nesses monumentos, a marca principal é o esforço em manter a comemoração e a lembrança por 
intermédio de imagens e inscrições que, geralmente, encerram uma narrativa dos eventos gloriosos. 
Após a ditadura militar (1964-1985), os monumentos erigidos na cidade abandonam o aspecto co-
memorativo e tentam suprir a necessidade de expressão cultural da cidade – espaços como a Praça 
da Sé, o Parque Ibirapuera, o Memorial da América Latina e as estações do metrô buscam emergir 
as memórias da cidade, atribuindo mais valor à sensibilidade estética do que ao “sentimento cívico” 
ou de evocação da história de uma “nação” que se tem anteriormente ao fim da ditadura. Artistas de 
variadas nacionalidades se incubem da missão de humanização dos espaços públicos a serem vividos 
por essa população multiétnica.
 Nesse âmbito de redemocratização política, surge o projeto de edificação do Memorial da 
América Latina. Concebido por Oscar Niemeyer e com planejamento cultural do antropólogo Darcy 
Ribeiro, o Memorial é fundado em 18 de março de 1989, no bairro operário da Barra Funda. O es-
paço destina-se a ser núcleo de cultura, política e lazer construído com o objetivo de disseminar as 
expressões criativas da América Latina, visando estabelecer laços culturais, políticos e sociais entre as 
nações.
 Ocupando uma área total de 84.482 m2, o Memorial da América Latina é formado por pré-
dios, posicionados em duas esferas conectadas por uma passarela; alcançando 25.210 m2 de cons-
trução, englobando: o Salão de Atos, a Biblioteca Latino-Americana, o Centro de Estudos, a Galeria 
Marta Traba, o Pavilhão da Criatividade, o Auditório Simón Bolívar, o Anexo dos Congressistas e o 
Parlamento Latino-Americano.
 Esses espaços abrigam em suas áreas internas e externas diversas obras de arte. São obras de 
artistas brasileiros, em sua maioria.Convidados por Oscar Niemeyer a juntarem esforços na consti-
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tuição do Memorial da América Latina, os artistas preocupam-se em pensar o espaço para cada obra, 
interagindo entre a demanda do local e entre a sua própria poética. Cada obra, no projeto original, 
reserva seu espaço no monumento e expressa o cenário artístico brasileiro dos fins dos anos 1980, 
além de mostraras ligações do arquiteto com as artes visuais do período. Hoje, muito do projeto origi-
nal de Oscar Niemeyer passa por reformulações (de posicionamento espacial ou por conservação da 
obra), mas muitas ainda permanecem como testemunhos de uma tentativa de aliança e interação com 
a América Latina – expressa nos objetivos do Memorial. Outras obras chegam ao longo do tempo, in-
cluindo trabalhos de artistas latino-americanos, transformando o espaço e renovando suas intenções.
 Nesse ponto, propõe-se aqui um passeio despretensioso pelo espaço e pelas obras de arte, a 
partir dos comentários dos próprios artistas, críticos e de Oscar Niemeyer:
1. Espaço dos congressistas
2. Auditório Simon Bolívar
Juan Muzzi, América, 2008. 100 x 100 x 300 cm, aço 
carbono com pintura epóxi. Recentemente doada ao 
Memorial da América Latina, o artista demonstra a 
preocupação em integrar seu trabalho ao conjunto 
de obras já existente local. Por essa razão, pede que 
a peça seja pintada de vermelho.
Maria Bonomi, Futura Memória, 1989. Mural em solo cimento, 300 x 800 cm.(...) 
Esta unidade geológica e arqueológica remonta à expansão oceânica que 
dividiu a África, Europa e continente sul-americano há cerca de 200 milhões 
de anos. À direita surgem sobrepostos os contornos dos povos que vieram nos 
colonizar desde a África até os Urais (...). O lado esquerdo do painel é o contorno 
da costa do Pacífico, porta de acesso das outras “presenças” enriquecedoras 
desta mitologia. (Depoimento de Maria Bonomi. In: FUNDAÇÃO MEMORIAL DA 
AMÉRICA LATINA. Integração das Artes. São Paulo: Projeto/PW, 1990,p. 97).
Vera Torres, Torso Negro, 1989. Bronze, 300 cm. 
“Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, 
dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai 
é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas 
montanhas de meu país, no curso sinuoso dos seus 
rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher amada. 
De curvas é feito todo o Universo. O Universo curvo 
de Einstein”. (Depoimento de Oscar Niemeyer. 
In: FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA. 
Integração das Artes. São Paulo: Projeto/PW, 1990).
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Victorio Macho, Simon Bolívar, sd., bronze, 220 cm. Em meio às linguagens abstratas 
predominantes no complete do Memorial da América Latina, está o busto do herói latino-
americano.
 Carbajal Enrique Gonzalez, Ventana negra, 1989. Ferro pintado – 226 x 266 x 62 cm
Alfredo Ceschiatti, Sem Título, 1989. Bronze, 220 x 300 cm. O artista conheceu Oscar 
Niemyer quando da encomenda de uma escultura para o Conjunto Arquitetônico da 
Pampulha em Belo Horizonte, em 1942. O trabalho de Ceschiatti também está em Brasí-
lia, 1960 e completa-se com esta peça de 1989. Obra danificada no incêndio ocorrido em 
2013.
Victor Arruda, Agora, 1989. Painel em tinta acrílica, composto por 10 telas, 
990 x 220 cm.
Obra danificada no incêndio ocorrido em 2013.
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38 39Poéticas Visuais , Bauru, v. 6, n. 1 Poéticas Visuais , Bauru, v 6, n. 1
4. Praça Cívica
, p. 32-45, 2015. , p. 32-45, 2015
3. Administração – Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos:
Carlos Scliar, Homenagem 
ao Teatro, 1989. Painel em 
tinta vinílica com aplicações 
de colagens e impressos em 
serigrafia, composto de 12 
módulos de 200 x 140 cm e 
dimensão total 600 x 560 cm 
(atualmente, essa obra não 
está à disposição do púbico por 
questões de conservação). Pablo 
Picasso, Guernica, 1937 
Exposta na II Bienal de São Paulo, 
1953/1954.
Fonte: Arquivo Histórico Wanda 
Svevo/Fundação Bienal de São 
Paulo.
Tomie Ohtake, Sem título, 1989, Tapeçaria em quatro cores, 800 m2. (...) O resultado a que 
cheguei procurou também manter a unidade plateia-palco-plateia. O grande mural é um 
desenho com muitas linhas que se compõem numa grande forma, atravessando como num 
só gesto, todo comprimento do auditório (...). (Depoimento de Tomie Ohtake. In: FUNDAÇÃO 
MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA. Integração das Artes. São Paulo: Projeto/PW, 1990,p. 85).
Obra destruída no incêndio ocorrido em 2013.
Vallandro Keating, Sem título, 1989, (detalhe), painel em tinta acrílica, 
pastel seco e grafite sobre tela, 750 x 250 cm. O assunto é o homem latino-
americano que luta por sua liberdade e autonomia
Herman Braun-Vega,La leçon… à la campagne, 1984, tinta acrílica sobre 
tela.É uma releitura “Lição de Anatomia”, de Rembrandt. Ela faz referencia 
à foto do cadáver de Che Guevara, tirada pelos responsáveis por sua 
captura e assassinato, em 1967, na Bolívia. É característico nas criações do 
artista elementos da cultura peruana, temas políticos e referencias a obras 
importantes da história da arte, sempre explorados com maestria técnica, 
crítica mordaz, ironia e certo humor.
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40 41Poéticas Visuais ,

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