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Recursos hídricos e cidadania I H á 150 anos, a possibilidade de escassez de água era algo impensável. O que não foi previsto era o aumento da população mundial, que triplicou no século XX. Mais pessoas, mais consumo. Com esse aumento, cresceu o consumo de água pela irrigação de lavouras e também pela indústria. O resulta- do foi um aumento de seis vezes no consumo total de água. Nosso país é privilegiado com 12% da água doce do mundo. Mesmo assim, algumas regiões, como a grande São Paulo, sofrem com a escassez desse recur- so. E não é por causa de falta de fontes, e sim por causa da poluição dos rios dos quais era captada a água para abastecer a cidade. Hoje, é preciso buscar água em fontes mais distantes. Isso também acontece no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, que depende de neve derretida vinda do distante estado do Colorado para abastecer suas cidades. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 80 países hoje enfrentam pro- blemas de abastecimento. Segundo informações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mais de 1,1 bilhão de pessoas, distribuídas em 31 países, não têm acesso a água potável. A escassez de água potável é uma das principais causas de conflitos entre países. A região de Golan, no Oriente Médio, por exemplo, possui vários aquíferos1 e está na mira de outros países que não pos- suem reservatórios desse recurso. O uso inadequado também compromete a disponibilidade de água, 82,3% dos domicílios no Brasil possuem rede de abastecimento de água. Mesmo assim, muitas vezes, a qualidade da água distribuída é questionável. Outro fator agravante é o des- perdício, as perdas na rede de distribuição por roubos e vazamentos atingem entre 40% e 60%, além dos desperdícios nas cidades que chega a 50% a 70%. 1Camada porosa e perme-ável de rocha ou sedimen- to que contém grandes quan- tidades de água subterrânea e que permite fácil desloca- mento da água. Declaração Universal dos Direitos da Água (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 22 mar. 1992) Primeira – A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsável aos olhos de todos. Segunda – A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos con- ceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. Terceira – Os recursos naturais de transformação da água em água potá- vel são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser mani- pulada com racionalidade, precaução e parcimônia. Recursos hídricos e cidadania I 16 Quarta – O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preserva- ção da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Esse equilí- brio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam. Quinta – A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as ge- rações presentes e futuras. Sexta – A água não é uma doação da natureza; ela tem um valor econô- mico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo. Sétima – A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem enve- nenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis. Oitava – A utilização da água implica respeito à lei. Sua proteção cons- titui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Essa questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado. Nona – A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social. Décima – O planejamento da gestão da água deve levar em conta a soli- dariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra. Quantidade de água no planeta A água é um elemento químico simples e ao mesmo tempo essencial à vida dos seres vivos. O corpo humano, por exemplo, é 70% composto por água, pre- cisando dela para seu funcionamento. Da mesma forma acontece com os outros seres vivos, muitos deles sendo dependentes da água durante a vida toda, por exemplo, peixes e algas, ou apenas parte dela, como os anfíbios. Sem a água, a vida na Terra, pelo menos como ela é hoje, não seria possível. A Terra possui quase 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Isso sig- nifica um ecossistema cerca de 200 vezes maior que o conjunto de ecossistemas terrestres. Apesar de representar três quartos do planeta Terra, não devemos es- quecer que a maior parte da água está nos oceanos, ou seja, água salgada, e apenas 2,5% é água doce. Os rios2, lagos3 e reservatórios de onde a humanidade retira a água consumida representam uma pequena quantia, apenas 0,26% do total. O restante da água doce está na forma de geleiras. 2Camada porosa e perme-ável de rocha ou sedimen- to que contém grandes quan- tidades de água subterrânea e que permite fácil desloca- mento da água. 3Camada porosa e perme-ável de rocha ou sedimen- to que contém grandes quan- tidades de água subterrânea e que permite fácil desloca- mento da água. Recursos hídricos e cidadania I 17 Se pegarmos uma garrafa com 1,5 litro de água e a dividirmos proporcio- nalmente, como a encontramos no planeta, a quantidade de água doce dispo- nível seria equivalente a uma única gota? (CAPELAS JÚNIOR, 2001, p. 28). IE SD E B R A SI L S/ A . Figura 1 – O ciclo da água. O ciclo hidrológico mantém a quantidade de água acumulada na superfície e no interior do solo. Por isso, por muito tempo se pensou que a água fosse um recurso natural renovável e infinito. Porém, alterando-se o ciclo desse recurso natural, ele se torna um recurso finito. Com cerca de 7,3 bilhões de pessoas na Terra, era de se esperar que esse recurso, embora considerado renovável, tornar-se-ia escasso. O elevado grau de consumo, o desperdício e a poluição de fontes de água colocam em risco a nossa própria existência. A guerra milenar da água (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2005, p. 245) No auge da idade do gelo, há 20 mil anos, caçadores e coletores de ali- mentos migraram para as regiões mais quentes da Terra, como a Mesopotâ- mia, dos rios Tigre e Eufrates, os vales dos rios Indo, na Índia, e Amarelo, na China. O controle dos rios começou há cerca de 4 000 anos, época em que as civilizações dessas áreas realizaram obras para conter enchentes e proporcio- nar irrigação e abastecimento humano. Dominar o uso da água dos rios fez com que algumas civilizações se utilizassem disso como forma de exercer poder sobre outros povos e regiões geográficas. Recursos hídricos e cidadania I 18 Um exemplo de conflito moderno pelo uso da água é vivenciado por is- raelenses e palestinos. Israel depende das águas subterrâneas que estão no território palestino e retira cerca de 30% da disponibilidade do aquífero, com- prometendo a capacidade de recarga desse reservatório. De um lado, Israel controla o uso do aquífero por parte dos palestinos, e do outro os palestinos reclamam a água que está em suas terras. Usos múltiplos da água A água que consumimos vem de rios, lagos, represas, açudes, reservas sub- terrâneas e, algumas vezes, do mar. A água do mar precisa passar por um proces- so de dessalinização, ou seja, um processo pelo qual a água e o sal são separados e a água passa a ser potável. A partir da captação, a água é utilizada para diversos fins. 70% de toda a água consumida no mundo é utilizada na irrigação das lavouras. Depois do setor agríco- la, vem a atividade industrial, que é responsável por 22% do consumo de água no mundo. Somente depoisvem o uso doméstico, que é responsável por cerca de 8% de toda a utilização dos recursos hídricos. Abastecimento público Utilizamos a água em várias atividades de nosso dia a dia. Higiene pessoal, alimentação, matar a sede, lavar roupa e lavar louça. Porém, sua distribuição está comprometida por causa do aumento da demanda, do desperdício, da poluição e da urbanização descontrolada – que atinge regiões de mananciais4. Antes de chegar até as casas, a água passa por um processo de tratamento. Após seu uso, a água deve passar novamente por um tratamento antes de ser lançada no ambiente. Infelizmente não é bem isso que acontece em muitos lugares. Gráfico 1 – Porcentagem de água que o brasileiro usa diariamente (P EG O R IN , 2 00 3, p . 4 1- 47 )Outras atividades 3% Higiene pessoal (lavar roupa e escovar os dentes) 12% Tomar banho 25% Cozinhar, lavar louça e beber 27% Descarga de banheiro 33% 4Locais onde há descarga e concentração natural de água doce originada de lençóis subterrâneos e de águas superficiais, que se mantêm graças à existência de um sistema especial de proteção proporcionado pela vegetação. Recursos hídricos e cidadania I 19 Nós, como cidadãos consumidores responsáveis, podemos ajudar mudando nossos hábitos e ensinando outras pessoas a fazê-lo também – por exemplo, dimi- nuir o tempo de banho, fechar o chuveiro enquanto nos ensaboamos; não desper- diçar água lavando a calçada, pode-se apenas varrer (lavar só em caso de muita necessidade, afinal de contas, não tem como manter uma calçada limpa o tempo todo mesmo); lavar o carro usando um balde com água ao invés do jato de água; fechar a torneira enquanto escovamos os dentes; e usar descargas com caixa-tan- que no vaso sanitário. Quadro 1 – Gasto médio e possibilidades de economia em atividades diárias Atividade Gasto médio Uso racional Economia Escovar os dentes 12 litros em 5 minutos Fechar a torneira enquanto escova os dentes e usar água de um copo para enxaguar a boca. 350 mililitros 11,65 litros Tomar banho em chuveiro elétrico 45 litros em 15 minutos Fechar o chuveiro enquanto se ensaboa e diminuir o tempo de banho para cinco minutos. 15 litros 30 litros Lavar louça 117 litros em 15 minutos Limpar os restos de comida antes de lavar, encher a pia até a metade para ensaboar, manter fechada e enxaguar a louça em mais meia pia de água limpa. 20 litros 97 litros Regar jardins e plantas 86 litros em 10 minutos Usar regador ou esguicho tipo revólver, regar só o necessário e, de preferência, pela manhã ou à noite, quando a evaporação é menor. 50 litros 36 litros Lavar o carro 560 litros em 30 minutos Lavar só quando necessário e trocar o esguicho por um balde. 40 litros 520 litros Lavar a calçada 279 litros em 15 minutos Limpar com vassoura, o resultado é o mesmo. não há consumo de água 279 litros Obs.: como a pressão da água nos prédios é maior, o consumo em edifícios pode ser até três vezes a mais do que se gasta em uma casa. Os números acima se referem ao consumo em casa. (R O C H A ; D IL L, 2 00 1) Indústria O setor industrial utiliza muita água, representando cerca de 22% do consu- mo total do planeta. A água pode ser utilizada diretamente como matéria-prima na fabricação de bebidas, como os refrigerantes. Também serve para a transmis- são de calor, ou seja, para aquecer ou resfriar algo. Na culinária, também utiliza- mos a água como meio de transmitir calor quando utilizamos o banho-maria. Na indústria, o vapor de água é utilizado para aquecer os banhos de revestimento de peças metálicas, como a galvanoplastia. Nos alambiques, a água gelada é utilizada para condensar o destilado (por exemplo, cachaça). Na fábrica de papel, a água é utilizada para lavar a celulose5 e remover a lignina6. “Como posso ajudar?” 5É o principal composto químico da parede celu- lar nas plantas e em alguns protistas. 6Composto químico que constitui a parede celular secundária de alguns tipos de células nas plantas vas- culares. Depois da celulose, a lignina é o polímero mais abundante em um vegetal. Sua presença dá maior sus- tentabilidade para a parede celular. Recursos hídricos e cidadania I 20 Quadro 1 – Consumo industrial da água (dados aproximados) Produto Gasto médio Carne bovina (1 kg) 15,4 mil litros Camiseta de algodão (1 unidade) 2,5 mil litros Aço (1 tonelada) 300 mil litros Carro (1 unidade) 400 mil litros Soja (1 kg) 1,8 mil litros (P EN A , 2 01 6) Geração de energia Após a descoberta da energia elétrica, o estilo de vida das pessoas mudou muito. Hoje, nos centros urbanos, não se imagina uma casa sem energia elétrica, apesar de existirem muitas ainda no mundo. São várias as formas de se conseguir a geração de energia elétrica e uma delas é através das usinas hidrelétricas, ou seja, utilizando-se a água. Em uma usina hidrelétrica, a água contida nas barragens é direcionada para passar pelas turbinas da usina, movimentando-as e assim gerando a energia elétrica. Apesar dos impactos ambientais causados durante a construção e operação de uma usina hidrelétrica, esta ainda é uma das formas mais limpas de se obter energia elétrica. Turismo e lazer Existem regiões do Brasil bastante conhecidas pelos seus atrativos turís- ticos relacionados à água. O litoral brasileiro tem pouco mais de 9 mil quilô- metros de extensão, e o turismo é um fator importante. Locais no interior do país, como a região do Pantanal, por exemplo, também são pontos turísticos. Outros exemplos são as águas termais de Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Nada melhor do que um banho de mar, cachoeira ou rio. Algumas pessoas ainda preferem praticar esportes, como iatismo, remo, rafting, mergulho, surfe, entre outros. A prática do surfe inclusive deixou de ser apenas na água salgada dos oceanos. No Brasil, muitos surfistas estão pegando as ondas da pororoca7, principalmente no rio Amazonas. Hidrovias O transporte de produtos é sempre uma questão muito importante, princi- palmente em um país tão extenso como o Brasil. Diferentemente do transporte rodoviário, o transporte através de barcos e navios consome menos combustíveis e apresenta um custo de mão de obra mais baixo. 7O encontro das correntes contrárias junto à foz pro- voca uma elevação súbita das águas, formando uma onda com 3 a 6 metros de altura que corre rio adentro. Essas ondas chegam a durar mais de uma hora. Recursos hídricos e cidadania I 21 Um comboio fluvial (embarcação para transporte de carga em hidrovias) de 10 mil toneladas necessita de 12 homens em sua tripulação. Se a mesma carga fosse deslocada por transporte rodoviário, seriam necessários 278 cami- nhões e seus respectivos motoristas. Mesmo assim, os riscos existem da mesma forma para todas as instala- ções de infraestrutura. É importante ressaltar que uma hidrovia mal planejada e mal manejada também causa impactos ambientais. As embarcações preci- sam estar em perfeito funcionamento para não poluírem a água, com algum vazamento de óleo, por exemplo. Aquicultura Aquicultura é o cultivo de espécies animais que vivem na água. Entre eles estão os peixes, os crustáceos e os moluscos. Dessa maneira, abastece-se o mer- cado de alimentos e também o lazer, através dos pesque-pagues. Irrigação agrícola No mundo todo, a irrigação é a atividade que mais consome água. Infeliz- mente, as técnicas utilizadas no Brasil não são adequadas e acabam gerando mui- to desperdício. Apenas 40% da água é efetivamente utilizada, o restante é perdido na evaporação antes de chegar à planta ou através do uso incorreto das técnicas, ou seja, porque a irrigação não é feita em horário ou período adequado. Crise hídrica premeditada (CASTRO, 2015) É do conhecimento de todas as pessoas e preocupação de poucas que a falta de água potável está levando o País a uma crise hídrica. Observa-se que há nove meses os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são os mais atingidos por essa crise no abastecimentode água. Esta crise hídrica se destaca em São Paulo no qual os níveis de seca e redução de oferta de água atingiram níveis preocupantes e poucas vezes vistos na história do local. Um dos símbolos desta crise é a diminuição drástica do Sistema Cantareira, imenso reservatório administrado pela Sabesp e respon- sável pelo abastecimento de água de cerca de 8,8 milhões de pessoas. Segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), há 14 anos foram realizados uma auditoria onde apontava que 19 regiões metropolitanas pode- riam entrar em colapso e que a economia brasileira já estava sendo afetada. Alguns estados brasileiros já se encontravam em situação de estresse hídrico periódico e regular. Este conceito baseia-se nas necessidades mínimas de con- sumo per capita para manter a qualidade de vida adequada em regiões mode- radamente desenvolvidas. Recursos hídricos e cidadania I 22 O Brasil concentra mais de 12% da água doce do mundo disponível em rios e abriga o maior rio em extensão e volume do Planeta, o Amazonas. Mas esta disponibilidade não garante abastecimento vitalício das regiões do País, pois a crise de abastecimento de água já era uma realidade brasileira há déca- das atrás e os seus efeitos já podem ser observados em diversas localidades. Estas foram os destaques da conclusão da auditoria operacional realizada pelo TCU com o objetivo de analisar a questão. O estudo realizado em 2001 com a parceria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Agência Na- cional de Águas e Ministério do Meio Ambiente para avaliar a atuação do Governo Federal na gestão dos recursos hídricos, as perspectivas para os anos seguintes e as medidas preventivas que estavam sendo adotadas para evitar a escassez. Com isso, foram feitas incursões em algumas cidades para diagnos- ticar as causas e as consequências da crise de abastecimento. Além disso, foi investigada a integração entre política nacional de recursos hídricos e outras políticas públicas. Na época observaram que a crise de água não era consequência apenas de fatores climáticos e geográficos, mas principalmente do uso irracional dos re- cursos hídricos e destacava que entre as causas deste problema estão: o fato de que a água não era tratada como um bem estratégico no país, a falta de integra- ção entre a política nacional de recursos hídricos e as demais políticas públicas, os graves problemas na área de saneamento básico e a forma como a água doce era compreendida, visto que muitos a julgavam como um recurso infinito. Os problemas de abastecimento estão diretamente relacionados ao cresci- mento da demanda, ao desperdício e à urbanização descontrolada – que atinge regiões de mananciais. Na zona rural, os recursos hídricos também são explo- rados de forma irregular, além de parte da vegetação protetora da bacia (mata ciliar) ser destruída para a realização de atividades como agricultura e pecuária. Não raramente, os agrotóxicos e dejetos utilizados nessas atividades também acabam por poluir a água. A baixa eficiência das empresas de abastecimento se associa ao quadro de poluição: as perdas na rede de distribuição por roubos e vazamentos, além das empresas não coletarem o esgoto gerado. O saneamento básico não é implementado de forma adequada, já que os esgotos domésticos e afluentes industriais são jogados sem tratamento nos rios, açudes e águas litorâ- neas, o que tem gerado um nível de degradação nunca imaginado. Em pelo menos 19 regiões metropolitanas já se observava um quadro com risco de colapso em que a crise no abastecimento de água já era uma realidade, principalmente em regiões metropolitanas como as de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Belém, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Natal, Vitória, entorno de Brasília, entre outros. Destes, quatro estados apresentavam tendências a enfrentar ocasionalmente falta d’água. Considerando a disponibilidade hídrica e somente a perspectiva de aumento populacional apresentada pelo IBGE/2000 (desconsiderando de- Recursos hídricos e cidadania I 23 mais fatores, como a degradação ambiental, que ocasiona redução da quanti- dade hídrica), conclui-se que a situação tenderia a piorar consideravelmente no médio prazo. A economia brasileira também começava a ser afetada e até o setor elé- trico estava perdendo com a escassez do produto. Os impactos ocorreram em vários setores destacando conseqüências sérias no orçamento do Governo Fe- deral, no setor elétrico, na agricultura, na indústria e na saúde pública. Diante deste panorama, ao final do trabalho o tribunal fez uma série de determinações e recomendações a vários órgãos federais visando a melhoria do desempenho da gestão dos recursos hídricos e que fosse realizado o moni- toramento das mesmas até o final do período de exercício em cada órgão sob a pena de multas. Considera-se que a água disponível no território brasileiro é suficiente para as necessidades do País, apesar da degradação. Mas seriam necessárias, mais ações por parte do Governo Federal em mobilizar e consciência a popu- lação sobre o correto uso sustentável da água, além de um maior cuidado com a questão do saneamento e abastecimento. Essas ações sustentáveis podem diminuir a pressão sobre a demanda, o custo dessa água seria menor do que o preço da água fornecida pelas companhias de saneamento, porque não precisa passar por tratamento, poderia ser usada, entre outras atividades, nas indús- trias, na lavagem de áreas públicas e nas descargas sanitárias de condomínios. Além disso, as novas construções – casas, prédios, complexos industriais – poderiam incorporar sistemas de aproveitamento da água da chuva, para os usos gerais que não o consumo humano. As principais causas da contaminação8 da água Efluentes9 domésticos – quando damos a descarga, a água que escorre pelos ralos de nossa casa, ou seja, a água que utilizamos todos os dias, passa pelas tubulações da casa e cai na rede de esgoto, quando existe. Esse esgoto deveria passar por um tratamento, para só então a água retor- nar ao ambiente. No entanto, no Brasil, apenas 20% do esgoto é tratado. O restante é despejado diretamente em rios e córregos, poluindo o am- biente e contribuindo para a proliferação de doenças. Efluentes agrícolas – as substâncias utilizadas na agricultura, como ferti- lizantes e defensores agrícolas, acabam contaminando rios, lagos e águas subterrâneas. Substâncias como nitrato de sódio, cálcio e potássio oriun- dos dos fertilizantes são altamente cancerígenos. Eles infiltram-se nos so- los e através da chuva são carregados para rios, lagos e lençóis freáticos. Efluentes industriais – quando a indústria não dá uma destinação corre- ta aos seus rejeitos, acaba poluindo as águas. Entre os rejeitos industriais 8Introdução de um agente indesejável em um meio onde este não existia previa- mente. 9Rejeitos no estado líquido. Recursos hídricos e cidadania I 24 estão os metais tóxicos, plásticos e substâncias químicas poluentes di- versas, como pigmentos, ácidos e detergentes. Lixo – se o lixo não tiver uma destinação correta, em local adequado, os poluentes gerados em sua decomposição natural afetam rios e águas subterrâneas. A eutrofização A palavra eutrofização deriva do grego eu (que significa bom, verdadeiro) e trophein (nutrir), ou seja, bem nutrido. Dessa maneira, o processo consiste no en- riquecimento das águas com nutrientes em um ritmo que não pode ser compensa- do pela sua eliminação definitiva através da mineralização total. Esses nutrientes podem vir de várias fontes, entre elas: esgotos domésticos, despejos industriais, drenagem urbana, escoamento agrícola e florestal, decomposição de rochas e se- dimentos, e transporte das camadas superficiais do solo (erosão). A eutrofização aparece em vários contextos e não é exclusivamente decor- rente da ação humana, pois existem registros desse processo no desenvolvimento dos lagos pós-glaciais, atravésdo estudo do tipo de sedimento encontrado antes de qualquer intervenção humana. Porém, com o lançamento de produtos nos rios através do esgoto, principalmente os detergentes, ricos em fosfatos, há um aumen- to na velocidade com que o processo ocorre. Com o aumento de nutrientes, as algas proliferam atingindo quantidades extraordinárias. Com um ciclo de reprodução intenso e uma vida não muito longa, as algas mortas começam a ser decompostas. A decomposição diminui a con- centração de oxigênio nas águas profundas, podendo causar a morte de peixes e outros seres vivos. Os efeitos da eutrofização são: prejuízos ao tratamento de águas para abas- tecimento; prejuízo ao lazer e recreação por causa de má qualidade da água; au- mento da produtividade, e, consequentemente, proliferação de algas tóxicas ou não; mortandade de peixes; a água fica indisponível para o consumo humano. As bacias hidrográficas No Brasil, existem cinco grandes bacias hidrográficas: Amazônica, Prata, São Francisco, Araguaia-Tocantins e Atlântico Sul. A Bacia Amazônica, formada pelo Rio Amazonas e seus afluentes, é consi- derada a maior bacia hidrográfica do mundo, com uma drenagem de 5,8 milhões de quilômetros quadrados. Ela abrange a Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Brasil. Neste localiza-se nos estados do Amazonas, Pará, Amapá, Acre, Roraima, Rondônia e Mato Grosso. O Rio Amazonas é responsável por 20% da água doce despejada anualmente nos oceanos. Recursos hídricos e cidadania I 25 A Bacia do Prata é a segunda maior bacia da América do Sul. Os rios Para- guai, Paraná e Uruguai juntos drenam 10,5% do território brasileiro. Ela atravessa quatro países: Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. No Brasil, ela abrange os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A Bacia do São Francisco é a terceira maior bacia do Brasil, e a única intei- ramente brasileira. Ela ocupa 8% do território brasileiro, abrangendo as regiões Sudeste e Nordeste e um pouquinho da região Centro-Oeste. As matas ciliares As matas ciliares são as florestas associadas aos cursos d’água. Mesmo estan- do protegidas por leis federais, sua destruição é preocupante. Elas representam uma barreira física, regulando os processos de troca entre os ambientes terrestre e aquá- tico. Sua presença reduz a possibilidade de contaminação da água por sedimentos, resíduos de adubos, defensivos agrícolas, conduzidos pelo escoamento superficial da água no terreno. Os fatores responsáveis por sua degradação são os desmata- mentos, as grandes queimadas e a mineração. Um dos mais sérios problemas provo- cados pela destruição desse ecossistema é o aumento do escoamento superficial de resíduos para o leito dos rios, sendo que o acúmulo desse sedimento é o responsável pelo rebaixamento do nível do lençol freático, gerando enchentes e diminuindo a vida útil das barragens e hidrelétricas. Além disso, ainda favorece os problemas de erosão, perda de fertilidade do solo, deslizamento de rochas e queda de árvores. Desse modo, as matas ciliares são consideradas de extrema importância para a manutenção das bacias hidrográficas. A bacia hidrográfica como unidade de planejamento As bacias hidrográficas proporcionam uma visão integrada do conjunto das condições naturais e das atividades humanas desenvolvidas. Pelo seu caráter inte- grador das dinâmicas ocorridas no ambiente da bacia hidrográfica, são excelentes áreas de estudos para o planejamento, facilitando o acompanhamento do processo de renovação ou manutenção dos recursos naturais. Entre os princípios básicos praticados nos países que avançaram na gestão de recursos hídricos, o primeiro é o da adoção da bacia hidrográfica como unida- de de planejamento. Tendo-se os limites das bacias como o que define o perímetro da área a ser planejada, fica mais fácil fazer o confronto entre as disponibilidades e as demandas, essenciais para um determinado balanço hídrico. Como uma mesma bacia hidrográfica localiza-se em vários estados, seu pa- pel também é o de descentralizadora das ações de gestão dos recursos hídricos, transformando o processo em um planejamento regional desenvolvido em cada ba- cia hidrográfica, com a atuação do Estado, da população e das organizações civis. Recursos hídricos e cidadania I 26 Site do Projeto Brasil das Águas: <www.brasildasaguas.com.br>. Esse é o site oficial do Projeto Brasil das Águas, desenvolvido por Gerard e Margi Moss, em parceria com pesquisadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Durante 14 meses, um avião anfíbio foi utilizado para coletar e analisar a água de todo o território brasileiro. O resultado do projeto é um “raio X” da qualidade da água doce do Brasil. Conclusão A água é um dos recursos naturais essenciais para a existência da vida. Sem ela, a vida na Terra, como a conhecemos, não seria possível. No entanto, os seres humanos esquecem da importância desse recurso quando o tratam como produto descartável, usando, tornando imprestável e jogando fora. Os ecossistemas que “se virem” para filtrar e neutralizar essa poluição. Só que os ecossistemas são responsáveis pela produção da água de boa qua- lidade para a vida em suas diferentes formas, e quando desequilibrados não con- seguem exercer sua função. Falta de cobertura vegetal, solos impermeabilizados e lixo são apenas alguns dos problemas enfrentados pelas bacias hidrográficas. A água é um bem de uso comum. Todos podem usufruir, mas não “deveriam” poluir. Sem a informação e a conscientização, esse recurso poderá se tornar escasso em pouco tempo, aumentando os problemas ambientais, sociais e econômicos. Um dos passos mais importantes, na legislação referente a recursos hídri- cos, foi valorizar a bacia hidrográfica como unidade de gestão (Lei das Águas, 1997). É a ordem natural e deve orientar o planejamento econômico. Quer di- zer, o desenvolvimento precisa regular seu crescimento e discutir prioridades com base nos recursos hídricos disponíveis dentro de cada bacia hidrográfica. Não se pode tirar a água de outras bacias para atender a um crescimento não planejado, como se pretende fazer com São Paulo em relação à bacia do Rio Piracicaba. Ninguém quer condenar os paulistanos à sede, é evidente, mas é importante trabalhar com os recursos disponíveis e, se não há mais recursos, é preciso parar de crescer. (MACHADO, 2004).
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