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A EXECUÇÃO E MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

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A EXECUÇÃO E MEDIDA SOCIOEDUCATIVA 
 
Com a regulamentação da execução das medidas socioeducativas feita 
pela Lei nº 12.594/2012, também chamada de Lei do SINASE, e o disciplinamento 
trazido ao procedimento de execução dessas medidas pela Resolução nº 
165/2012 e alterações dadas pela Resolução nº 191/2014, ambas do CNJ, o 
cumprimento das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente a quem se 
atribui a prática de ato infracional ganhou feição própria, além de contornos 
específicos e legalmente definidos. 
Não que antes das inovações preconizadas pelo novo disciplinamento 
jurídico voltado ao cumprimento das medidas socioeducativas não houvesse 
disposição normativa alguma versando sobre o tema, o que, todavia, ocorria 
apenas em nível local. 
Em alguns Tribunais de Justiça já existiam atos normativos discorrendo 
sobre a questão no âmbito da justiça dos estados respectivos. Contudo, havia a 
necessidade de regulamentação do assunto em nível mais amplo, pois, apesar de 
o Estatuto da Criança e do Adolescente possuir mais de 20 anos e ter recebido 
diversos acréscimos ao seu texto inicial, até o advento da Lei do SINASE não 
havia um instrumento legislativo que regulamentasse, em âmbito nacional, o 
procedimento de execução das medidas socioeducativas. 
Por algum tempo as medidas socioeducativas foram executadas nos 
próprios autos do processo de conhecimento. Foi uma prática comum, sobretudo 
em estados pequenos, porque inicialmente a justiça desses estados não possuía 
(alguns ainda não possuem) juizados da infância e da juventude com competência 
exclusiva para a execução de medidas socioeducativas. 
Apesar disso, o cumprimento das medidas socioeducativas foi evoluindo, 
com a criação de juizados voltados exclusivamente para a sua execução, além do 
estabelecimento de procedimentos de execução próprios, tendo como base o que 
já acontecia em relação à execução de penas impostas a pessoas adultas. 
Ocorre que por ter natureza específica e requerer tratamento diferenciado, 
pois envolve sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento, na faixa etária 
entre 12 e 18 anos incompletos, o procedimento de execução de medidas 
socioeducativas não poderia simplesmente adotar modelos idealizados para o 
público adulto. 
Apesar dos quase três anos de vigência da Lei do SINASE e da idade um 
pouco menor da Resolução nº 165/2012-CNJ, muito ainda precisa ser feito para 
que, efetiva e integralmente, sejam postas em prática as novas disposições que 
versam sobre a execução de medidas socioeducativas. 
Além do desafio que consiste em adaptar para a execução de medidas 
socioeducativas modelos e institutos concebidos originalmente para a execução 
penal, como é o caso da unificação, agora prevista também na Lei do SINASE, há 
a necessidade da integração operacional, com a articulação e cooperação dos 
diversos atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. 
A atuação coordenada e articulada entre esses diversos órgãos, entidades 
e agentes, possibilitará não apenas que se dê efetividade à Lei nº 12.594/2012, 
mas que se mantenha assegurado ao adolescente, também no processo de 
execução, tratamento compatível com a sua condição peculiar de pessoa em 
desenvolvimento, favorecendo a sua rápida evolução e o seu crescimento de 
forma saudável, durante e após o cumprimento da medida. 
Sob esse enfoque, o presente artigo aborda alguns aspectos da aplicação 
e da execução das medidas socioeducativas, à luz das inovações com 
repercussão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, trazidas pela Lei do 
SINASE, além do disciplinamento contido nas Resoluções de números 165/2012 e 
191/2014, do CNJ. 
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema ou de propor soluções 
perfeitas e acabadas para as questões apresentadas, o presente trabalho tem 
como propósito auxiliar aqueles que lidam na área da infância e juventude, 
notadamente no âmbito da aplicação e da execução das medidas socioeducativas 
e protetivas. Além disso, procura encontrar respostas para questões que, apesar 
de ainda pouco abordadas pela doutrina e pela jurisprudência, envolvendo 
tratativas da seara infantojuvenil, requerem análise cuidadosa daqueles que 
operam nesse campo especial do Direito. 
 
2. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTE EM 
CONFLITO COM A LEI 
Guardadas as peculiaridades da remissão, que pode eventualmente ser 
cumulada com a aplicação de algumas medidas socioeducativas, em regra, para 
aplicar a medida legal ao adolescente o magistrado deve analisar, à luz do Direito 
e dos princípios de regência, os fatos a ele atribuídos, no devido processo legal, 
denominado comumente de ação socioeducativa, que é iniciado por 
representação do Ministério Público, titular exclusivo da ação. 
No procedimento de apuração de ato infracional devem ser observadas as 
garantias processuais do adolescente, ainda que a medida seja aplicada mediante 
remissão, assegurando-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os 
meios e recursos inerentes. 
Conforme o que for ajustado entre as partes e homologado (ou decidido) 
pela autoridade judiciária, ou o que for apurado ao longo da instrução do 
procedimento de apuração de ato infracional, poderá ser considerada 
insubsistente a pretensão do Ministério Público contida na representação (peça 
inicial da ação socioeducativa), caso em que não será aplicada qualquer medida 
de cunho socioeducativo ao adolescente. 
Concluindo-se, no entanto, que foi comprovada a materialidade do ato 
infracional e que o adolescente foi o seu autor, será proferida sentença de 
procedência da pretensão formulada pelo Ministério Público. Em consequência, 
será aplicada ao adolescente em conflito com a lei uma ou mais medidas 
socioeducativas, desde que cumuláveis, além de medidas de natureza 
eminentemente protetiva. 
2.1 SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO CONTIDO NA 
REPRESENTAÇÃO OFERTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 
O julgamento será de improcedência dos termos da representação 
proposta pelo Ministério Público, com a impossibilidade da aplicação de qualquer 
medida socioeducativa, quando (art. 189 do ECA): 
I – estar provada a inexistência do fato; 
II – não houver prova da existência do fato; 
III – não constituir o fato ato infracional; 
IV – não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional. 
Não será aplicada também qualquer medida socioeducativa quando o 
representado já houver completado 21 anos, idade limite para a sujeição a 
medidas socioeducativas, conforme a leitura que se extrai do art. 121, § 5º, do 
ECA. 
De igual modo, conforme a Súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça 
(STJ), o adolescente não estará mais sujeito ao cumprimento de medida 
socioeducativa em caso de prescrição da medida. 
Mesmo tendo sido julgada improcedente a representação proposta pelo 
Ministério Público, havendo necessidade, a autoridade judiciária poderá aplicar ao 
adolescente medidas unicamente protetivas (sem carga coercitiva), nos moldes 
dos arts. 98 e 101 do ECA. 
Na verdade, mesmo que seja verificada a prática de ato infracional, 
constatando a autoridade judiciária que existe ameaça ou violação dos direitos do 
adolescente, poderá aplicar-lhe medidas de proteção, conforme permite o art. 112, 
inc. VII, do Estatuto, ou encaminhar o caso para atendimento pelo Conselho 
Tutelar, nas comarcas onde esse órgão for instalado, nos termos dos arts. 131, 
136 e 262 do ECA. 
2.2 APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM SEDE DE REMISSÃO 
A aplicação de medida socioeducativa a adolescente a quem se atribui a 
prática de ato infracional pode ocorrer em sede de remissão concedida pelo 
Ministério Público e homologada pela autoridade judiciária (juiz da infância e da 
juventude), na forma dos arts. 126, caput, c/c 127 e 181, §1º, do ECA. Pode 
também resultar da concessão de remissão pela própria autoridade judiciária, 
após ouvir o Ministério Público, consoante o disposto nos arts. 126, parágrafo 
único, c/c arts. 127 e 181, §1º, do ECA. 
A remissão,como forma de extinção ou suspensão do processo, pode ser 
concedida em qualquer fase do procedimento, desde que antes da sentença, 
conforme estabelece o art. 188 do ECA. Sob essa ótica legal, uma vez encerrada 
a instrução processual e feita a conclusão dos autos ao juiz para sentença, a rigor, 
não cabe mais a concessão de remissão, devendo ser proferido o julgamento da 
demanda. 
A remissão com aplicação de medida socioeducativa resulta então de um 
ajuste entre o Ministério Público, a autoridade judiciária, o adolescente, seus pais 
ou responsável e seu defensor, o que pressupõe a anuência do adolescente 
quanto à medida proposta. Não implica necessariamente o reconhecimento ou 
comprovação da responsabilidade do adolescente, nem prevalece para efeito de 
antecedentes (art. 127 do ECA). 
A aplicação de medida socioeducativa em sede de remissão enseja a 
suspensão do procedimento de apuração de ato infracional, que assim 
permanecerá até o término do cumprimento da medida aplicada ou da extinção, 
por outro modo, do procedimento de execução. Pode, no entanto, ocorrer a 
retomada do procedimento de apuração de ato infracional (ação socioeducativa), 
em razão do descumprimento reiterado e injustificável da medida socioeducativa 
aplicada ao adolescente ou da impossibilidade de fazer a sua adequação para 
outra medida. 
É uma providência cuja adoção precisa ser cuidadosamente analisada 
pelo Ministério Público e pelo magistrado, conforme o caso concreto, avaliando-se 
se realmente haverá pertinência e utilidade na retomada do procedimento de 
apuração de ato infracional, para, ao final, aplicar uma nova medida 
socioeducativa que, não se tratando de ato infracional cometido com violência ou 
grave ameaça à pessoa, poderá ser no máximo liberdade assistida (art. 127, parte 
final, do ECA), medida aplicável também em sede de remissão suspensiva. 
Além da liberdade assistida, poderão ser aplicadas em sede de remissão 
as medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, obrigação de 
reparar o dano e advertência, assim como medida de proteção específica. 
As medidas de proteção, de advertência e de reparação do dano, quando 
aplicadas de forma isolada, serão executadas nos próprios autos do processo de 
conhecimento (art. 38 da Lei nº 12.594/2012). 
Tratando-se das medidas socioeducativas de liberdade assistida, 
prestação de serviços à comunidade, semiliberdade ou internação (as duas 
últimas não cabíveis em sede de remissão), o cumprimento se fará em 
procedimento de execução próprio, um para cada adolescente (art. 39 da Lei nº 
12.594/2012). 
2.3 APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA POR SENTENÇA DE 
MÉRITO 
Levado à instrução o procedimento de apuração de ato infracional e 
concluída a referida fase processual, apresentados os memoriais de alegações 
finais do Ministério Público e da Defesa, a aplicação de medida socioeducativa 
advirá de sentença que apreciará o mérito da pretensão formulada na 
representação do Ministério Público. Em tal hipótese, além das medidas em meio 
aberto, poderão ser aplicadas ao adolescente as medidas socioeducativas de 
inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento 
educacional. 
É importante lembrar que, diferentemente das demais medidas 
socioeducativas, para cuja aplicação a lei exige provas suficientes de autoria e 
materialidade do ato infracional, tratando-se de medida socioeducativa de 
advertência, basta que haja a prova da materialidade e os indícios suficientes de 
autoria (art. 114, parágrafo único, do ECA). 
Acolhendo o pedido feito pelo Ministério Público na representação para 
apuração de ato infracional, a autoridade judiciária aplicará a(s) medida(s) 
socioeducativa(s) e/ou protetiva(s) mais adequada(s), de acordo com a sua 
finalidade pedagógica, a capacidade de cumprimento pelo adolescente e a 
gravidade da infração, observando-se com especial atenção o disposto nos arts. 
112, § 1º, e 113 c/c 99 e 100, todos do ECA, sem se descuidar dos objetivos e 
princípios orientadores das medidas socioeducativas. 
Além dos fatores citados, antes de escolher a medida ou medidas legais a 
aplicar ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, a autoridade 
judiciária deverá fazer uma análise criteriosa sobre a situação processual do 
destinatário da medida, atentando, inclusive, para a verificação quanto à possível 
existência de medidas socioeducativas em fase de execução envolvendo o 
adolescente. 
É um cuidado que se faz necessário, para a definição da medida mais 
adequada à realidade jurídica e sociopedagógica do adolescente, assim como 
para verificar se a situação enquadra-se ou não nas hipóteses previstas no art. 45, 
§§ 1º e 2º, da Lei nº 12.594/2012 (SINASE). 
Os dispositivos legais em questão vedam à autoridade judiciária aplicar 
nova medida socioeducativa de internação ou determinar o reinício de outras 
medidas socioeducativas, nas hipóteses em que o adolescente já houver iniciado 
ou concluído o cumprimento (de medida de mesma natureza), e o ato infracional 
sob julgamento tiver sido praticado antes do início do cumprimento dessas 
medidas. 
 
REFERENCIAS: 
RICO, Elizabeth Melo (org.). Avaliação de Políticas Pública Sociais: Uma 
Questão em Debate. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 
SERRÃO, Margarida; BALEEIRO, Maria Clarice. Aprendendo a Ser e a 
Conviver. 2. ed. São Paulo: FTD, 1999. (Fundação Hodebrecht). 
SINASE. Sistema Nacional Socioeducativo. Conselho Nacional dos Direitos da 
Criança e do Adolescente, 2006. 
SUAS. Sistema Único da Assistência Social. Governo Federal, 2005. 
TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. As histórias de Ana e Ivan: boas 
experiências em liberdade assistida. São Paulo: Fundação Abrinq, 2003.

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