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Incentivo a formação leitora

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INCENTIVO À FORMAÇÃO DO LEITOR
Jaqueline Rosa da Cunha1
“Todo mundo é leitor, mesmo os que não sabem ler.” Essa é a afirmação que 
Affonso Romano de Sant’anna faz na entrevista contida no site 
http://www.youtube.com/watch?v=elvIkCuaoik&feature=related, e que nos leva a 
refletir a respeito do que o mundo acadêmico, que inclui professores, estudantes e 
mediadores de leitura compreendem sobre leitura, cultura e formação do leitor.
Admitindo a idéia de sermos leitores em potencial e pensando conforme disse o 
autor, que até analfabeto lê, algumas pessoas podem nos perguntar: “- Como assim?” 
No entanto, respondemos: “- Claro que sim.”-, pois desde que nascemos fazemos uso da 
linguagem não-verbal para ler o mundo. O bebê compreende o que a mãe lhe diz não 
pelas palavras, mas pelos gestos, pelo tom da fala, pelos movimentos. Por essa razão, 
alguns educadores advertem que, quando a mãe diz não para o bebê, utilizando um 
sorriso, a criança entende como um sim e age de maneira diferente da esperada. Ela faz 
isso porque lê o gesto e não porque compreende a palavra. Assim, ela segue até ser 
alfabetizada, guiando-se pelas cores e pelas associações, pelo que ouviu dizer que o 
símbolo representa. Um exemplo disso, são as marcas de produtos e serviços utilizados 
no dia-a-dia e facilmente reconhecidos por crianças a partir dos 2 anos de idade. Lógico 
que a criança não leu o nome da bebida ou do banco, por exemplo, mas sabe o que 
significa, pois associa o símbolo – o layout -, ao que já conhece. Da mesma forma, 
fazem os jovens e adultos analfabetos. Eles não decodificam as palavras, mas, sim, os 
símbolos. Sua leitura é totalmente visual. No entanto, isso é leitura.
Desde pequenas as crianças estão expostas a várias formas de comunicação. 
Atualmente, mais ainda, pois, em geral, estão diariamente em contato com a televisão e 
com o computador. Dessa forma, desde cedo começam a ler imagens, sons, gestos, 
cores que se misturam, surgindo e desaparecendo muito rápido da frente de seus olhos. 
No entanto, esse processo, mesmo que instantâneo, faz com que a criança grave na sua 
mente o significado dos objetos, imagens e sons que vê e ouve, criando assim, o seu 
eixo paradigmático de escolhas. Esse eixo é um acervo de significados, de palavras que 
1 Instituto Federal Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
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serão utilizadas ao longo da sua vida. Estamos sempre armazenando novos vocábulos 
que serão utilizados no momento da compreensão de um texto ou na escolha do léxico 
que fará parte de uma produção textual. Será o arquivo do eixo paradigmático que fará 
toda a diferença no momento de interpretarmos um texto. Ele constitui a explicação de 
porque cada pessoa lê um texto ou uma imagem e não tem uma interpretação idêntica. O 
eixo de escolhas lexicais tem a ver com a nossa experiência de mundo, as sensações que 
tivemos ao armazenar as palavras, e às memórias que guardamos. 
Para formar o eixo paradigmático, é necessário que ele seja alimentado, isto é, 
que o sujeito leitor em potencial esteja desde cedo em contato com diversas formas de 
leitura. Esse contato deveria ocorrer com todas as pessoas desde pequenos para que a 
escola fosse apenas um lugar onde fossemos aprender as normas de como lidar com o 
que já conhecemos e as utilizarmos, mas infelizmente, isso muito pouco ocorre. Em 
geral, as crianças não são expostas pela família a várias formas de arte, ficando restritas 
à linguagem da TV e dos jogos de computador. Sendo assim, a escola adquire um papel 
importante de informação e normatização da informação. Ela fica, então, com a maior 
carga de responsabilidade pela construção do eu/leitor/mediador, pois deve apresentar 
as diferentes formas de linguagem e, ainda, estimular, através dessas leituras, o 
pensamento crítico, o desenvolvimento dos sentidos, da sensibilidade, da capacidade 
cognitiva e de tudo que compõem a nossa bagagem cultural. Deve ser ensinado que, 
num processo de construção do eu/leitor, nada é descartado porque o indivíduo é a soma 
de tudo o que vê, ouve, sente, toca, pensa...
A Construção do eu leitor 
 A formação do leitor se dá ao longo da vida, uma vez que o indivíduo, desde que 
nasce, está em permanente contato com os diversos espaços, linguagens e leituras que 
vão ajudando a desenvolver a sua pessoalidade e desenvolver os seus sentidos. O leitor 
vai se construindo aos poucos, passando por diversas fases e por múltiplas instituições 
sociais. O interesse é desperto, inicialmente, ao ouvir as histórias que lhes são contadas. 
Logo, podemos pensar em fases que o leitor vive em sua trajetória de vida, como a dos 
contos de fadas, revistas ilustradas, ficção científica, etc. Conforme afirma Ezequiel 
Theodoro da Silva, “tais fases consolidadas em termos de vivências de determinados 
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gêneros de escrita, deixam as suas marcas no background do leitor, permitindo não 
apenas o (re)conhecimento de gêneros ou configurações textuais em circulação, como 
também a constituição de uma memória particular de leitura” (SILVA, 2009, p. 25). 
 Theodoro nos fala que a aprendizagem da criança se dá também através da 
observação do comportamento de outras pessoas. Assim, é importante ter modelos ou 
exemplos de leitura na família para auxiliar nesse desenvolvimento, já que “o processo 
de formação do leitor está vinculado, num primeiro momento, às características físicas 
(dimensões materiais) e sociais (interações humanas) do contexto familiar, isto é, 
presença de livros, de leitores e situações de leitura, que configura um quadro específico 
de estimulação social” (SILVA, 1983, p. 56). 
A bagagem sociocultural, constituída também pelas diversas leituras de 
livros, imagens, sons, da vida, enfim, determina a construção do eu/leitor e faculta a sua 
atuação enquanto mediador de leitura, multiplicador do hábito de ler e de compreender a 
vida.
A leitura na escola 
“a criança ingressa na ambiência escolar com aportes 
culturais substantivos. Cabe aos professores considerar tal 
circunstância, sob pena de, ao não fazê-lo, desrespeitar a 
natureza da natureza do ser humano, como sugere Edgar 
Morin, ao tratar da escola do luto.” (KETZER, 2003, p. 13)
A escola é o ambiente onde se produz e normatiza o conhecimento a fim de 
que se construa mais conhecimento. A cultura, no entanto, já vem com a criança. O 
papel da escola é, contudo, o de respeitar a cultura adquirida pela criança através do 
meio familiar e social em que convive, agregando a ela diversos conhecimentos que 
ainda não possui. Sem, entretanto, eleger o melhor, mas demonstrando que todos devem 
coexistir no mesmo contexto social. Essa atitude deve valer para alunos pertencentes a 
qualquer tipo de rede escolar seja ela pública ou privada. 
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Na escola, uma forma para que cheguem aos alunos as diversas nuanças 
culturais é a leitura, pois através desse meio de comunicação, que não tem o objetivo de 
transformar o leitor em mero consumidor, os futuros leitores podem viajar por 
diferentes paisagens, linguajares, épocas históricas, hábitos culturais, etc. O livro na 
escola abre ao novo leitor um mundo de perspectivas acerca de conhecimentos e 
colabora na formação de sujeitos críticos. Conforme o trecho da obra O castelo branco, 
do romancista turco Orhan Pamuk: “se tem um livro na mão, por mais complexo que 
seja compreendê-lo, ao terminá-lo você pode, se quiser, voltar ao começo, ler de novo, 
e assim compreender aquilo que é difícil, assim compreendendo também a vida.” 
(KETZER, 2003, p. 25) Dessa forma, o livro constitui uma das maneiras de aprender 
sem condicionar o leitor a ver e a pensar, mas permite-lhe dialogar com as suas 
experiências, com a sua cultura, lendo e relendo, entendendo e revendo o quecompreendeu.
O importante na escola é que o professor estimule o aluno a ler, a adquirir 
vocabulário desde os anos iniciais. Os professores podem iniciar com atividades bem 
simples como o ensino de parlendas e cantigas de roda. A repetição de palavras, 
substituição por sinônimos e antônimos e exercícios como travalínguas são excelentes 
para que a criança exercite a memória. Na fase da primeira infância, que vai até os 7 
anos, a criança é eminentemente imagética e precisa que a sua criatividade seja 
estimulada para que consiga abstrair as informações do mundo real. De acordo com 
Kepa Osoro, 
el placer de leer no es natural, pero si la necesitad de soñar e imaginar. Por 
tanto, animar a los niños, a los jóvenes o incluso a los adultos a la lectura es 
derramar sobre ellos toda la magia, el sentimiento, la fascinación y la pasión 
que añadan en las palabras escritas para conmover, enseñar y descubrir el 
mundo y para entender al hombre. Animar a leer es educar el paladar lector, 
abrirlo, afinarlo... es iluminar, ilusionar. (OSORO: 2002, p. 6) 
 Dessa forma, entendemos que a criatividade é a chave que abre a porta da 
imaginação, da fantasia, do gosto pela leitura, que leva o indivíduo a descobrir um 
mundo que pode ser criado e recriado de acordo com as suas experiências e 
expectativas.
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Na fase escolar da construção de leitores de 7 a 112 anos de idade, é importante 
trabalhar com os diversos gêneros literários, mesclando as funções e formas, a fim de 
que o leitor perceba que cada texto tem sua função. Sendo assim, podemos sugerir 
atividades, para serem realizadas em sala de aula, que ajudam a desenvolver a aquisição 
de léxico.
Quando expomos idéias, aumentamos o vocabulário. De acordo com Saussure, 
a Lange é a estrutura da fala e a Parole é a escolha das palavras no eixo paradigmático. 
Podemos aumentar o vocabulário por meio da substituição de palavras em músicas ou 
poemas, por exemplo. Assim, uma atividade aconselhada é a de trabalhar um poema, 
como por exemplo, No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade, pedindo 
para que os alunos troquem os substantivos por sinônimos, utilizando o máximo 
possível de vocábulos que se igualem. Nessa atividade, o professor irá ajudar os alunos 
a desenvolver e ampliar a aquisição lexical, preparando-o para a etapa seguinte.
A partir da idade em que o leitor começa a absorver as informações de forma 
mais abstrata, o professor pode e deve investir nas leituras e produções de várias formas 
artísticas. Trabalhando com a interpretação de imagens de quadros, propagandas, 
filmes; fazendo links com a interpretação de símbolos e ícones da literatura para que o 
sujeito em desenvolvimento construa a sua identidade de leitor/mediador. Uma 
atividade sugerida é o trabalho com a leitura dos símbolos, que é essencial para 
compreenderem a linguagem não-verbal. O professor pode, por exemplo, levar para a 
sala de aula capas de livros, poemas concretos e charges para instigar o aluno a 
descobrir os seus significados. O professor deve ser um provocador da curiosidade e das 
várias possibilidades de interpretação, buscando sempre levar o aluno a fazer a ligação 
com a intertextualidade contextual e de outras leituras e mídias.
Na fase da adolescência, época em que o leitor, geralmente, desaparece, é o 
momento em que o professor e a escola devem trabalhar utilizando outras ferramentas 
de comunicação, como a rádio-escola, os vídeos e as fotonovelas, por exemplo. Outra 
ferramenta de grande ajuda para estimular o desenvolvimento do leitor adolescente é a 
Internet, pois através dela o leitor em construção pode criar suas próprias produções, ler 
2 Tomamos por base a teoria do desenvolvimento humano pautado no construtivismo, defendida por Jean 
Piaget. Para um melhor esclarecimento a respeito dessa teoria, você poderá acessar o site 
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm, onde encontram-se disponíveis 
algumas informações. 
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e ser lido, através de blogs e fanfictions. Podendo, ainda, interagir em algumas obras, 
modificando o final, mudando o destino de personagens, etc. Aproveitando o ambiente 
virtual, o professor pode levar os alunos para a sala de informática e sugerir que visitem 
alguns sites ou blogs de fanfictions, e depois solicitar que os educandos criem o seu 
próprio blog, partindo de uma obra anteriormente indicada pelo professor e lida pela 
turma.
Conforme afirma, Mitizi Gomes Miranda, em relação à escola, podemos dizer 
que ela deve facilitar o acesso aos bens culturais, principalmente, quando falamos de 
ensino democrático. Mais do que inserir a criança no mundo letrado, é preciso criar 
condições e dar subsídios para que ela não apenas decodifique os signos, mas que 
atribua sentido a eles, tornando-se um leitor crítico da própria cultura. Para vencer esse 
desafio, a escola necessita ter um projeto pedagógico que dê condições de acesso a 
alunos e professores à informação, de forma democrática e ampla. A pesquisadora, 
afirma ainda que, além disso, deve o professor conhecer os alunos para propor 
atividades de leitura que estejam, no mínimo, dentro de seus interesses de leitura. A 
partir de então, deve promover a “aquisição de novas informações e a consequente 
expansão de horizontes decorrentes de leituras ecléticas” para que estas se tornem 
“instigadoras de diálogos mais frequentes e de comunicações mais autênticas” (SILVA, 
1981, p.41).
A história do livro
Um livro é como uma janela. Quem não o lê, é como alguém 
que ficou distante da janela e só pode ver uma pequena parte 
da paisagem. (Kahlil Gibran)
Segundo Celso Pedro Luft, leitura é a ação ou ato de ler. O mesmo autor 
define, ainda, que ler significa inteirar-se do conteúdo, entender o sentido, interpretar o 
que está escrito (LUFT, 2009).
A leitura surge no momento em que surge a necessidade de guardar, de 
materializar o que a oralidade já não dava mais conta. A leitura começa com a escrita, 
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uma vez registrado algo, o que foi registrado seria decodificado por outros indivíduos e, 
assim, inicia-se a leitura.
Vamos fazer um retrospecto, em linhas gerais, da história do livro desde o seu 
surgimento até os dias atuais, a fim de pensar mais sobre a leitura?
Os primeiros registros escritos foram encontrados na Mesopotâmia, feitos em 
lajotas de barro com escrita cuneiforme. Nesse material, foi grafada a Epopeia de 
Gilgamesh ou Épico de Gilgamesh, que é um antigo poema épico da Mesopotâmia 
(atual Iraque), uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial. Acredita-se 
que sua origem sejam diversas lendas e poemas, que emergem do imaginário dos 
sumérios sobre o mitológico deus-heroi Gilgamesh e que foram reunidos e compilados 
no século VII a.C. pelo rei Assurbanipal. 
No Egito, surge o papiro, um dos mais antigos suportes de escrita. Feito do 
miolo do caule da planta e colocado em rolos com 20 folhas, 30 cm de altura e 20 cm de 
largura. Nesse suporte, a escrita era feita em colunas chamadas pelos latinos de paginae. 
Ainda no Egito, inicia-se a atividade com a escrita através dos escribas e de seu trabalho 
que consistia em fazer a redação de textos oficiais, burocráticos, religiosos e 
laudatórios, além da redação de obras literárias. Os escribas ocupavam cargos no 
governo, pois tinham o conhecimento de história, geografia e política. Vemos que a 
escrita e a leitura começavam a conceder poder aos que as dominavam. Nessa época 
também surgem a ficção e a poesia com origem nas lendas, fábulas e nas canções de 
trabalho, de amor e religiosas, seguindo o caminho iniciado pelo Gilgamesh.
Chegando à Judéia, em termos de escrita e leitura, temos o Antigo Testamento, 
que tem início natradição oral. Tempos depois, esses registros foram passados para 
rolos de pergaminho em forma de preceitos que regulavam a vida moral, social e 
religiosa do povo. O pergaminho foi o único suporte de escrita que requeria o sacrifício 
de animais para a sua elaboração, pois resultava do couro cru esticado. Feito da derme 
macerada, alisada com pedra-pome e lubrificada para se manter flexível e polida. Era 
mais fino e mais durável que o papiro, moldava-se à dobragem e permitia a escrita nos 
dois lados. Podia ser escrito à pena e servia para ilustrações. Prestava-se à costura de 
suas folhas já no formato do livro que conhecemos.
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Percorrendo um pouco mais da história do livro, escrita e leitura, chegamos à 
China onde surge o livro de bambu, que era semelhante ao papiro, mas não era 
conservado em rolos e, sim, preso por um fio de seda. A técnica de produção era 
semelhante ao processo de reciclagem de papel, no entanto, feito com restos de seda e 
fibras vegetais. Para obter a matéria-prima, de maneira ilegal, beduínos marginais 
roubavam tiras de linho das múmias de antigos túmulos. 
Tempos depois da invenção do livro de bambu, os árabes aprenderam o 
segredo da confecção do papel. Levado à Europa, no século XII, o papel possibilita o 
surgimento da imprensa, originária da propaganda religiosa e com fins, também, de 
registrar a história da família.
Esse é um breve percurso histórico do surgimento do material impresso. 
Entretanto, também devemos pensar no desenvolvimento, através dos tempos, sofrido 
pelo conteúdo que foi registrado nos suportes.
Na Arábia, As mil e uma noites representou uma antologia de contos 
originários de diversas regiões da península. Os dois contos mais conhecidos “Ali-Babá 
e os quarentas ladrões” e “A lâmpada de Aladim” nasceram no Egito e as narrativas são 
contadas por Sheherazade. 
Os gregos registraram A Ilíada e a Odisséia, por Homero, autor que até hoje 
deixa o rastro de dúvida sobre a sua real existência. Em razão disso, pensa-se que as 
epopéias podem ser uma coleção de rapsódias de diversos autores anônimos e de 
diferentes épocas. O certo é que são registros de uma época e que marcam a escrita e a 
leitura de um povo. Assim como a tragédia e a comédia, que eram gêneros apresentados 
em festas dionisíacas urbanas. Nesse mesmo cenário, surgem as bibliotecas, que nada 
mais eram do que um recipiente de metal ou madeira onde eram guardados os rolos 
manuscritos.
A escrita e a leitura em Roma surgem com os editores e livreiros, que 
descendem dos copistas. Entretanto, diferente dos antepassados, esses sabiam ler e 
podem ter alterado o conteúdo de algumas obras ao copiar. Outro registro de escrita dos 
romanos é a obra Eneida, que segundo Virgílio, não estava acabada e não deveria ter 
sido publicada.
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Na Idade Média, os livros eram copiados e traduzidos em conventos, esse era o 
trabalho de monges, conforme representa Humberto Eco, no livro O nome da Rosa. Os 
monges também realizavam a tarefa de “decoração dos manuscritos”, que consistia em 
um trabalho de decoradores chamados de miniaturista ou rubricador. Para realizar essa 
tarefa, eles usavam em seus desenhos o vermelho e o azul-claro. Mais tarde, o ouro 
passou a fazer parte do livro; o artista, a chamar-se iluminador; e as ilustrações, 
iluminuras. Ainda na Idade Média, surge a figura do encadernador cuja função era 
colocar a capa no livro, as quais eram feitas de ouro, prata, couro ou madeira, e 
possuíam gravuras em relevo.
De Gutenberg aos nossos dias, podemos relatar o surgimento da imprensa que 
começou com os textos religiosos na Alemanha e em Roma; na França, visava atender a 
demanda dos estudantes; no Brasil, surgiu com a vinda da Família Real. Com o passar 
do tempo, a leitura começou a ser símbolo de poder e, por isso, a maioria era proibida. 
Os livros só eram liberados para o público após serem lidos pelos censores.
Nas primeiras décadas do século XX, surge a preço acessível o pocketbook ou 
“livro de bolso”, com o objetivo de produzir livros em massa, atendendo a um número 
maior de leitores. Atualmente, temos, convivendo num mesmo mercado, os e-books, 
livros virtuais que facilitam e agilizam o acesso à leitura. 
Conforme podemos observar, após a construção do panorama que dá conta dos 
caminhos da leitura e da escrita, que tudo pode ser lido e que a história foi e continua 
sendo registrada em vários suportes para dar conta de atingir o maior número de leitores 
possível. A partir do que vimos, constatamos que a mídia impressa é para todas as 
idades, para todos os tempos e gostos. A escrita registra o que a memória não consegue 
dar conta de guardar. A literatura contém a plástica da palavra que ora brinca com o 
som ora com o imaginário. Por essa razão, ao apresentarmos um texto literário em sala 
de aula, primeiro precisamos trabalhar a fantasia e depois a compreensão do sentido.
Para a criança, o brinquedo está relacionado ao prazer. Assim, deve-se 
trabalhar o lúdico nessa fase. Para o adolescente, o prazer está relacionado ao “estar em 
grupo”. Nesse momento da vida, o melhor são as leituras em grupo ou relacionadas a 
situações que o grupo “aprova”. Músicas, filmes, jogos interativos e até cosplay podem 
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e devem ser mais explorados para buscar para a leitura os adolescentes que, nessa fase, 
afastam-se dela.
Como temos estudado até agora, nesse módulo, o mundo pode ser expresso em 
diferentes códigos e lido por diversos meios. Um símbolo, uma cor, um som, um cheiro, 
uma palavra, um outdoor, um dicionário, um livro, um gibi, um anime: tudo é leitura. 
Não podemos mais conceber a ideia ultrapassada de que se o leitor não lê, não gosta ou 
nunca leu os clássicos da literatura nacional, as obras canonizadas, ele não é um leitor. 
Conforme afirma Eliana Yunes, em entrevista publicada na Revista do SESC-Rio, ano 
1, n° 5, novembro de 2008, e disponível no site 
http://picpedagogia.blogspot.com/2009/03/entrevista-com-eliana-yunes-trecho-2.html:
O brasileiro certamente lê ainda que pouco, mas o quê? Não se trata de 
discutir Paulo Coelho, mas tudo o mais: as revistas, programações de TV, 
seus horários de disponibilização de cultura e informação, o preço do cinema, 
do livro, do teatro, a oferta de eventos e o acesso às bibliotecas, midiatecas, 
espaços culturais. Hoje o tecido cultural é muito rico e complexo; ninguém é 
culto ou cultivado porque sabe “só” literatura. O livro na escola é muito mal 
tratado. Na vida familiar, objeto de luxo ou supérfluo. Os resultados de 
pesquisa meramente quantitativos escondem realidades que demandariam 
mudanças profundas na disseminação das práticas de leitura.
Assim sendo, tudo é leitura, entretanto, é inegável que o que nos traz a base 
cultural dos povos e a história da humanidade ainda são os livros. Sobre isso, a 
pesquisadora Eliana Yunes comenta que:
a tradição da escrita é fundadora da cultura ocidental a partir do Médio 
Oriente onde emergiram os “povos do livro”, para os quais a palavra sagrada, 
graficamente registrada, tornou-se ícone de poder também temporal. Com 
isto, a escrita passou a signo controlado pela capacidade de decifração, 
dependente de intérpretes autorizados, o que tornou a leitura um ato cercado 
de regras e cuidados próprios com a “verdade” dos sentidos. A capacidade de 
leitura existente anterior à escrita, leitura de mundo, “dos sinais dos tempos”, 
dos acontecimentos, traduzidas em formas orais, ainda que consolidadas 
pelos costumes, perderam a sua força. A imagem teve sua expressão narrativa 
reduzida a uma cena – ver nos museus o apogeu da pintura nos séculos pós-
renascentistas é somente com a emergência de novos suportes, a criação de 
novas linguagens –cinema, TV,outras mídias no século passado, atentou-se 
para a necessidade de formar leitores para estes modos de narratividade que 
já estivera presente na oralidade dos povos ágrafos.
Depois, o mundo contemporâneo não deu conta de alfabetizar para a 
construção dos sentidos e, com isto, tornou o peso da leitura mais atrelado 
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ainda ao livro, tido como suporte de transmissão do conhecimento 
efetivamente válido e universal. 
(http://picpedagogia.blogspot.com/2009/03/entrevista-com-eliana-yunes-
conversando.html)
O arcabouço cultural de cada um
A cultura é uma das principais características humanas, pois 
somente o homem tem a capacidade de desenvolver culturas. 
(mundoeducação)
Cultura possui um conceito muito amplo e difícil de ser delimitado. De acordo 
com o dicionário de Celso Pedro Luft, essa palavra pode, dentre outros sentidos, 
significar, pelo viés antropológico, um conjunto de experiências humanas 
(conhecimentos, costumes, instituições, etc) adquiridas pelo contato social e 
acumuladas pelos povos através dos tempos. Essa definição vai ao encontro do que 
assistimos no vídeo e nos faz pensar, então, que estamos equivocados quando dizemos 
que uma pessoa não possui cultura porque ela não tem contato com a leitura, arte, 
história, música, etc. A cultura não está somente nos livros e nos bens culturais, mas 
está também nos costumes, na tradição, nas crenças, nos valores, nas leis, nos mitos, na 
língua...
Assim, concluímos que não pode haver um indivíduo sem cultura, uma vez que 
ninguém nasce e permanece a vida toda fora de um contexto social, seja ele qual for. 
Também é importante ressaltar que, desse modo, não há uma cultura melhor do que a 
outra. O que existe é a diversidade cultural.
Segundo o antropólogo Roberto Da Matta, “cultura é toda e qualquer forma de 
construção de significado [...] a criança carrega consigo uma cultura, concebida 
simbolicamente na imersão das vivências experimentadas em sua comunidade 
cognitiva, que lhe fornece um mapa de navegação no qual fará uso ao longo da vida” 
(DA MATTA, 1986). A afirmação do antropólogo ajuda-nos a relembrar que a criança, 
quando inicia a sua vida escolar, não é uma tabula rasa, e se ela não é vazia de cultura, 
o que diremos de jovens e adultos que iniciam o contato com a leitura depois de anos de 
vida acumulando vivências e experiências?
Desde que chegamos à vida estamos acumulando cultura. O teórico israelense, 
Itamar Even-Zohar defende a ideia de que somos consumidores de bens e ferramentas 
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culturais. Ele explica que na concepção da cultura como bens, ela é considera como um 
conjunto de bens valiosos, cuja posse significa riqueza e prestígio. Nesse sentido, os 
bens podem ser utilizados tanto individual como coletivamente. O teórico também 
esclarece que esses bens podem ser tanto materiais quanto semióticos – simbólicos, 
como a tradição, por exemplo -, no entanto, para que adquiram valor é necessário que 
sejam validados pelo mercado.
Zohar trabalha com a teoria de sistema cultural que está dividido em produtor, 
produto, consumidor, repertório, mercado e instituição. Em termos de cultura, o 
produtor corresponde aos indivíduos que produzem os bens e ferramentas culturais; o 
produto é a própria cultura, representada por diversos códigos e canais; o consumidor é 
quem adquire a cultura, seja por meio da leitura, de vídeos, de imagens, de pintura, do 
teatro, da TV, da religiosidade, das crenças, enfim. O repertório são os bens e 
ferramentas misturados aos bens e ferramentas de outros sistemas culturais que se 
influenciam mutuamente na composição das culturas. No Brasil, faz parte da nossa 
cultura, por exemplo, o carnaval que não é uma festa ou celebração autóctone, ele veio 
para cá trazido pelos europeus e foi sofrendo influência de várias outras culturas, 
diferenciando-se por completo o seu caráter inicial. 
O mercado proposto por Zohar são todos os meios pelos quais a cultura é 
amplamente difundida. Entretanto, não podemos esquecer que o mercado só veicula o 
que é aprovado pela instituição que, nessa teoria, representa as autoridades que validam 
os bens culturais, que reconhecem as tradições, crenças, mitos, valores, etc. como 
ferramentas representativas de um grupo social ou de um povo.
Por meio desse sistema cultural, que mais parece uma engrenagem 
funcionando perfeitamente e encaixando-se a outras engrenagens (sistemas culturais), 
vamos adquirindo a cultura. Como vemos, estamos imersos nela e não precisamos de 
livros ou de qualquer outro instrumento para adquiri-la, pois a cultura faz parte do 
contexto social em que vivemos, querendo nós ou não, percebendo isso ou não. Nós do 
Rio Grande do Sul, quando tomamos o chimarrão, não fazemos isso pensando em 
manter a cultura gaúcha. Tomamos o chimarrão e levamo-lo a toda o lado, porque isso 
já faz parte da nossa cultura, está intrínseco em nós.
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Considerações finais
Ao finalizar este texto, que teve por finalidade suscitar a reflexão acerca de 
como vem ocorrendo a construção do “eu-leitor”, o processo de leitura na escola, o 
importante papel da história do livro para a Humanidade e o arcabouço cultural de cada 
um, podemos afirmar que, embora a formação do leitor esteja ocorrendo no nosso país, 
ela ainda está longe de alcançar o patamar evolutivo desejado e pretendido pelas 
instituições e academias. Entretanto, é inadmissível que haja alguém que pense que só 
porque a pessoa não lê em uma folha o que está grafado em códigos, não é um leitor. Se 
fosse assim, como explicar as culturas que surgiram e chegaram até nós pela oralidade, 
por exemplo? Lembremos o que diz Lévi-Strauss sobre os que desqualificam os outros 
como “analfabetos” ou “selvagens”: “A atitude mais antiga consiste em repudiar pura e 
simplesmente as formas culturais mais distantes daquelas com as quais nos 
identificamos. ‘Hábitos de selvagens‘, sendo uma reação grosseira, traduzem essa 
repulsa a maneiras de viver, crer ou pensar que nos são ‘estrangeiras’ ”. Acredito que 
essa afirmação encerra a questão, caso alguém tenha ficado em dúvida se concorda ou 
não que tudo é lido e que todos leem.
Contudo, o que ainda deve ser discutido e ter os esforços intensificados é a 
qualidade do que é lido pelos brasileiros e como os textos verbais e não-verbais estão 
sendo interpretados. A dificuldade de interpretação tem gerado um déficit de apreensão 
da mensagem que acaba por dificultar a comunicação. Esse deve ser o alvo das atenções 
daqui para frente, a fim de que consigamos manter os leitores, conquistar cada vez mais 
adeptos ao hábito da boa leitura e capacitá-los à interpretação do mundo e ao 
desenvolvimento do pensamento crítico.
Referências:
BARBOSA, Márcia; RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, Tânia (Orgs.) Leitura, 
identidade e patrimônio cultural. Passo Fundo: UPF, 2004.
CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: 
Estação Liberdade, 1996.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
14
EVEN-ZOHAR, Itamar. El sistema literario. Tradução de Ricardo Bermudez Otero. 
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