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INCENTIVO À FORMAÇÃO DO LEITOR Jaqueline Rosa da Cunha1 “Todo mundo é leitor, mesmo os que não sabem ler.” Essa é a afirmação que Affonso Romano de Sant’anna faz na entrevista contida no site http://www.youtube.com/watch?v=elvIkCuaoik&feature=related, e que nos leva a refletir a respeito do que o mundo acadêmico, que inclui professores, estudantes e mediadores de leitura compreendem sobre leitura, cultura e formação do leitor. Admitindo a idéia de sermos leitores em potencial e pensando conforme disse o autor, que até analfabeto lê, algumas pessoas podem nos perguntar: “- Como assim?” No entanto, respondemos: “- Claro que sim.”-, pois desde que nascemos fazemos uso da linguagem não-verbal para ler o mundo. O bebê compreende o que a mãe lhe diz não pelas palavras, mas pelos gestos, pelo tom da fala, pelos movimentos. Por essa razão, alguns educadores advertem que, quando a mãe diz não para o bebê, utilizando um sorriso, a criança entende como um sim e age de maneira diferente da esperada. Ela faz isso porque lê o gesto e não porque compreende a palavra. Assim, ela segue até ser alfabetizada, guiando-se pelas cores e pelas associações, pelo que ouviu dizer que o símbolo representa. Um exemplo disso, são as marcas de produtos e serviços utilizados no dia-a-dia e facilmente reconhecidos por crianças a partir dos 2 anos de idade. Lógico que a criança não leu o nome da bebida ou do banco, por exemplo, mas sabe o que significa, pois associa o símbolo – o layout -, ao que já conhece. Da mesma forma, fazem os jovens e adultos analfabetos. Eles não decodificam as palavras, mas, sim, os símbolos. Sua leitura é totalmente visual. No entanto, isso é leitura. Desde pequenas as crianças estão expostas a várias formas de comunicação. Atualmente, mais ainda, pois, em geral, estão diariamente em contato com a televisão e com o computador. Dessa forma, desde cedo começam a ler imagens, sons, gestos, cores que se misturam, surgindo e desaparecendo muito rápido da frente de seus olhos. No entanto, esse processo, mesmo que instantâneo, faz com que a criança grave na sua mente o significado dos objetos, imagens e sons que vê e ouve, criando assim, o seu eixo paradigmático de escolhas. Esse eixo é um acervo de significados, de palavras que 1 Instituto Federal Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil. 2 serão utilizadas ao longo da sua vida. Estamos sempre armazenando novos vocábulos que serão utilizados no momento da compreensão de um texto ou na escolha do léxico que fará parte de uma produção textual. Será o arquivo do eixo paradigmático que fará toda a diferença no momento de interpretarmos um texto. Ele constitui a explicação de porque cada pessoa lê um texto ou uma imagem e não tem uma interpretação idêntica. O eixo de escolhas lexicais tem a ver com a nossa experiência de mundo, as sensações que tivemos ao armazenar as palavras, e às memórias que guardamos. Para formar o eixo paradigmático, é necessário que ele seja alimentado, isto é, que o sujeito leitor em potencial esteja desde cedo em contato com diversas formas de leitura. Esse contato deveria ocorrer com todas as pessoas desde pequenos para que a escola fosse apenas um lugar onde fossemos aprender as normas de como lidar com o que já conhecemos e as utilizarmos, mas infelizmente, isso muito pouco ocorre. Em geral, as crianças não são expostas pela família a várias formas de arte, ficando restritas à linguagem da TV e dos jogos de computador. Sendo assim, a escola adquire um papel importante de informação e normatização da informação. Ela fica, então, com a maior carga de responsabilidade pela construção do eu/leitor/mediador, pois deve apresentar as diferentes formas de linguagem e, ainda, estimular, através dessas leituras, o pensamento crítico, o desenvolvimento dos sentidos, da sensibilidade, da capacidade cognitiva e de tudo que compõem a nossa bagagem cultural. Deve ser ensinado que, num processo de construção do eu/leitor, nada é descartado porque o indivíduo é a soma de tudo o que vê, ouve, sente, toca, pensa... A Construção do eu leitor A formação do leitor se dá ao longo da vida, uma vez que o indivíduo, desde que nasce, está em permanente contato com os diversos espaços, linguagens e leituras que vão ajudando a desenvolver a sua pessoalidade e desenvolver os seus sentidos. O leitor vai se construindo aos poucos, passando por diversas fases e por múltiplas instituições sociais. O interesse é desperto, inicialmente, ao ouvir as histórias que lhes são contadas. Logo, podemos pensar em fases que o leitor vive em sua trajetória de vida, como a dos contos de fadas, revistas ilustradas, ficção científica, etc. Conforme afirma Ezequiel Theodoro da Silva, “tais fases consolidadas em termos de vivências de determinados 3 gêneros de escrita, deixam as suas marcas no background do leitor, permitindo não apenas o (re)conhecimento de gêneros ou configurações textuais em circulação, como também a constituição de uma memória particular de leitura” (SILVA, 2009, p. 25). Theodoro nos fala que a aprendizagem da criança se dá também através da observação do comportamento de outras pessoas. Assim, é importante ter modelos ou exemplos de leitura na família para auxiliar nesse desenvolvimento, já que “o processo de formação do leitor está vinculado, num primeiro momento, às características físicas (dimensões materiais) e sociais (interações humanas) do contexto familiar, isto é, presença de livros, de leitores e situações de leitura, que configura um quadro específico de estimulação social” (SILVA, 1983, p. 56). A bagagem sociocultural, constituída também pelas diversas leituras de livros, imagens, sons, da vida, enfim, determina a construção do eu/leitor e faculta a sua atuação enquanto mediador de leitura, multiplicador do hábito de ler e de compreender a vida. A leitura na escola “a criança ingressa na ambiência escolar com aportes culturais substantivos. Cabe aos professores considerar tal circunstância, sob pena de, ao não fazê-lo, desrespeitar a natureza da natureza do ser humano, como sugere Edgar Morin, ao tratar da escola do luto.” (KETZER, 2003, p. 13) A escola é o ambiente onde se produz e normatiza o conhecimento a fim de que se construa mais conhecimento. A cultura, no entanto, já vem com a criança. O papel da escola é, contudo, o de respeitar a cultura adquirida pela criança através do meio familiar e social em que convive, agregando a ela diversos conhecimentos que ainda não possui. Sem, entretanto, eleger o melhor, mas demonstrando que todos devem coexistir no mesmo contexto social. Essa atitude deve valer para alunos pertencentes a qualquer tipo de rede escolar seja ela pública ou privada. 4 Na escola, uma forma para que cheguem aos alunos as diversas nuanças culturais é a leitura, pois através desse meio de comunicação, que não tem o objetivo de transformar o leitor em mero consumidor, os futuros leitores podem viajar por diferentes paisagens, linguajares, épocas históricas, hábitos culturais, etc. O livro na escola abre ao novo leitor um mundo de perspectivas acerca de conhecimentos e colabora na formação de sujeitos críticos. Conforme o trecho da obra O castelo branco, do romancista turco Orhan Pamuk: “se tem um livro na mão, por mais complexo que seja compreendê-lo, ao terminá-lo você pode, se quiser, voltar ao começo, ler de novo, e assim compreender aquilo que é difícil, assim compreendendo também a vida.” (KETZER, 2003, p. 25) Dessa forma, o livro constitui uma das maneiras de aprender sem condicionar o leitor a ver e a pensar, mas permite-lhe dialogar com as suas experiências, com a sua cultura, lendo e relendo, entendendo e revendo o quecompreendeu. O importante na escola é que o professor estimule o aluno a ler, a adquirir vocabulário desde os anos iniciais. Os professores podem iniciar com atividades bem simples como o ensino de parlendas e cantigas de roda. A repetição de palavras, substituição por sinônimos e antônimos e exercícios como travalínguas são excelentes para que a criança exercite a memória. Na fase da primeira infância, que vai até os 7 anos, a criança é eminentemente imagética e precisa que a sua criatividade seja estimulada para que consiga abstrair as informações do mundo real. De acordo com Kepa Osoro, el placer de leer no es natural, pero si la necesitad de soñar e imaginar. Por tanto, animar a los niños, a los jóvenes o incluso a los adultos a la lectura es derramar sobre ellos toda la magia, el sentimiento, la fascinación y la pasión que añadan en las palabras escritas para conmover, enseñar y descubrir el mundo y para entender al hombre. Animar a leer es educar el paladar lector, abrirlo, afinarlo... es iluminar, ilusionar. (OSORO: 2002, p. 6) Dessa forma, entendemos que a criatividade é a chave que abre a porta da imaginação, da fantasia, do gosto pela leitura, que leva o indivíduo a descobrir um mundo que pode ser criado e recriado de acordo com as suas experiências e expectativas. 5 Na fase escolar da construção de leitores de 7 a 112 anos de idade, é importante trabalhar com os diversos gêneros literários, mesclando as funções e formas, a fim de que o leitor perceba que cada texto tem sua função. Sendo assim, podemos sugerir atividades, para serem realizadas em sala de aula, que ajudam a desenvolver a aquisição de léxico. Quando expomos idéias, aumentamos o vocabulário. De acordo com Saussure, a Lange é a estrutura da fala e a Parole é a escolha das palavras no eixo paradigmático. Podemos aumentar o vocabulário por meio da substituição de palavras em músicas ou poemas, por exemplo. Assim, uma atividade aconselhada é a de trabalhar um poema, como por exemplo, No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade, pedindo para que os alunos troquem os substantivos por sinônimos, utilizando o máximo possível de vocábulos que se igualem. Nessa atividade, o professor irá ajudar os alunos a desenvolver e ampliar a aquisição lexical, preparando-o para a etapa seguinte. A partir da idade em que o leitor começa a absorver as informações de forma mais abstrata, o professor pode e deve investir nas leituras e produções de várias formas artísticas. Trabalhando com a interpretação de imagens de quadros, propagandas, filmes; fazendo links com a interpretação de símbolos e ícones da literatura para que o sujeito em desenvolvimento construa a sua identidade de leitor/mediador. Uma atividade sugerida é o trabalho com a leitura dos símbolos, que é essencial para compreenderem a linguagem não-verbal. O professor pode, por exemplo, levar para a sala de aula capas de livros, poemas concretos e charges para instigar o aluno a descobrir os seus significados. O professor deve ser um provocador da curiosidade e das várias possibilidades de interpretação, buscando sempre levar o aluno a fazer a ligação com a intertextualidade contextual e de outras leituras e mídias. Na fase da adolescência, época em que o leitor, geralmente, desaparece, é o momento em que o professor e a escola devem trabalhar utilizando outras ferramentas de comunicação, como a rádio-escola, os vídeos e as fotonovelas, por exemplo. Outra ferramenta de grande ajuda para estimular o desenvolvimento do leitor adolescente é a Internet, pois através dela o leitor em construção pode criar suas próprias produções, ler 2 Tomamos por base a teoria do desenvolvimento humano pautado no construtivismo, defendida por Jean Piaget. Para um melhor esclarecimento a respeito dessa teoria, você poderá acessar o site http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm, onde encontram-se disponíveis algumas informações. 6 e ser lido, através de blogs e fanfictions. Podendo, ainda, interagir em algumas obras, modificando o final, mudando o destino de personagens, etc. Aproveitando o ambiente virtual, o professor pode levar os alunos para a sala de informática e sugerir que visitem alguns sites ou blogs de fanfictions, e depois solicitar que os educandos criem o seu próprio blog, partindo de uma obra anteriormente indicada pelo professor e lida pela turma. Conforme afirma, Mitizi Gomes Miranda, em relação à escola, podemos dizer que ela deve facilitar o acesso aos bens culturais, principalmente, quando falamos de ensino democrático. Mais do que inserir a criança no mundo letrado, é preciso criar condições e dar subsídios para que ela não apenas decodifique os signos, mas que atribua sentido a eles, tornando-se um leitor crítico da própria cultura. Para vencer esse desafio, a escola necessita ter um projeto pedagógico que dê condições de acesso a alunos e professores à informação, de forma democrática e ampla. A pesquisadora, afirma ainda que, além disso, deve o professor conhecer os alunos para propor atividades de leitura que estejam, no mínimo, dentro de seus interesses de leitura. A partir de então, deve promover a “aquisição de novas informações e a consequente expansão de horizontes decorrentes de leituras ecléticas” para que estas se tornem “instigadoras de diálogos mais frequentes e de comunicações mais autênticas” (SILVA, 1981, p.41). A história do livro Um livro é como uma janela. Quem não o lê, é como alguém que ficou distante da janela e só pode ver uma pequena parte da paisagem. (Kahlil Gibran) Segundo Celso Pedro Luft, leitura é a ação ou ato de ler. O mesmo autor define, ainda, que ler significa inteirar-se do conteúdo, entender o sentido, interpretar o que está escrito (LUFT, 2009). A leitura surge no momento em que surge a necessidade de guardar, de materializar o que a oralidade já não dava mais conta. A leitura começa com a escrita, 7 uma vez registrado algo, o que foi registrado seria decodificado por outros indivíduos e, assim, inicia-se a leitura. Vamos fazer um retrospecto, em linhas gerais, da história do livro desde o seu surgimento até os dias atuais, a fim de pensar mais sobre a leitura? Os primeiros registros escritos foram encontrados na Mesopotâmia, feitos em lajotas de barro com escrita cuneiforme. Nesse material, foi grafada a Epopeia de Gilgamesh ou Épico de Gilgamesh, que é um antigo poema épico da Mesopotâmia (atual Iraque), uma das primeiras obras conhecidas da literatura mundial. Acredita-se que sua origem sejam diversas lendas e poemas, que emergem do imaginário dos sumérios sobre o mitológico deus-heroi Gilgamesh e que foram reunidos e compilados no século VII a.C. pelo rei Assurbanipal. No Egito, surge o papiro, um dos mais antigos suportes de escrita. Feito do miolo do caule da planta e colocado em rolos com 20 folhas, 30 cm de altura e 20 cm de largura. Nesse suporte, a escrita era feita em colunas chamadas pelos latinos de paginae. Ainda no Egito, inicia-se a atividade com a escrita através dos escribas e de seu trabalho que consistia em fazer a redação de textos oficiais, burocráticos, religiosos e laudatórios, além da redação de obras literárias. Os escribas ocupavam cargos no governo, pois tinham o conhecimento de história, geografia e política. Vemos que a escrita e a leitura começavam a conceder poder aos que as dominavam. Nessa época também surgem a ficção e a poesia com origem nas lendas, fábulas e nas canções de trabalho, de amor e religiosas, seguindo o caminho iniciado pelo Gilgamesh. Chegando à Judéia, em termos de escrita e leitura, temos o Antigo Testamento, que tem início natradição oral. Tempos depois, esses registros foram passados para rolos de pergaminho em forma de preceitos que regulavam a vida moral, social e religiosa do povo. O pergaminho foi o único suporte de escrita que requeria o sacrifício de animais para a sua elaboração, pois resultava do couro cru esticado. Feito da derme macerada, alisada com pedra-pome e lubrificada para se manter flexível e polida. Era mais fino e mais durável que o papiro, moldava-se à dobragem e permitia a escrita nos dois lados. Podia ser escrito à pena e servia para ilustrações. Prestava-se à costura de suas folhas já no formato do livro que conhecemos. 8 Percorrendo um pouco mais da história do livro, escrita e leitura, chegamos à China onde surge o livro de bambu, que era semelhante ao papiro, mas não era conservado em rolos e, sim, preso por um fio de seda. A técnica de produção era semelhante ao processo de reciclagem de papel, no entanto, feito com restos de seda e fibras vegetais. Para obter a matéria-prima, de maneira ilegal, beduínos marginais roubavam tiras de linho das múmias de antigos túmulos. Tempos depois da invenção do livro de bambu, os árabes aprenderam o segredo da confecção do papel. Levado à Europa, no século XII, o papel possibilita o surgimento da imprensa, originária da propaganda religiosa e com fins, também, de registrar a história da família. Esse é um breve percurso histórico do surgimento do material impresso. Entretanto, também devemos pensar no desenvolvimento, através dos tempos, sofrido pelo conteúdo que foi registrado nos suportes. Na Arábia, As mil e uma noites representou uma antologia de contos originários de diversas regiões da península. Os dois contos mais conhecidos “Ali-Babá e os quarentas ladrões” e “A lâmpada de Aladim” nasceram no Egito e as narrativas são contadas por Sheherazade. Os gregos registraram A Ilíada e a Odisséia, por Homero, autor que até hoje deixa o rastro de dúvida sobre a sua real existência. Em razão disso, pensa-se que as epopéias podem ser uma coleção de rapsódias de diversos autores anônimos e de diferentes épocas. O certo é que são registros de uma época e que marcam a escrita e a leitura de um povo. Assim como a tragédia e a comédia, que eram gêneros apresentados em festas dionisíacas urbanas. Nesse mesmo cenário, surgem as bibliotecas, que nada mais eram do que um recipiente de metal ou madeira onde eram guardados os rolos manuscritos. A escrita e a leitura em Roma surgem com os editores e livreiros, que descendem dos copistas. Entretanto, diferente dos antepassados, esses sabiam ler e podem ter alterado o conteúdo de algumas obras ao copiar. Outro registro de escrita dos romanos é a obra Eneida, que segundo Virgílio, não estava acabada e não deveria ter sido publicada. 9 Na Idade Média, os livros eram copiados e traduzidos em conventos, esse era o trabalho de monges, conforme representa Humberto Eco, no livro O nome da Rosa. Os monges também realizavam a tarefa de “decoração dos manuscritos”, que consistia em um trabalho de decoradores chamados de miniaturista ou rubricador. Para realizar essa tarefa, eles usavam em seus desenhos o vermelho e o azul-claro. Mais tarde, o ouro passou a fazer parte do livro; o artista, a chamar-se iluminador; e as ilustrações, iluminuras. Ainda na Idade Média, surge a figura do encadernador cuja função era colocar a capa no livro, as quais eram feitas de ouro, prata, couro ou madeira, e possuíam gravuras em relevo. De Gutenberg aos nossos dias, podemos relatar o surgimento da imprensa que começou com os textos religiosos na Alemanha e em Roma; na França, visava atender a demanda dos estudantes; no Brasil, surgiu com a vinda da Família Real. Com o passar do tempo, a leitura começou a ser símbolo de poder e, por isso, a maioria era proibida. Os livros só eram liberados para o público após serem lidos pelos censores. Nas primeiras décadas do século XX, surge a preço acessível o pocketbook ou “livro de bolso”, com o objetivo de produzir livros em massa, atendendo a um número maior de leitores. Atualmente, temos, convivendo num mesmo mercado, os e-books, livros virtuais que facilitam e agilizam o acesso à leitura. Conforme podemos observar, após a construção do panorama que dá conta dos caminhos da leitura e da escrita, que tudo pode ser lido e que a história foi e continua sendo registrada em vários suportes para dar conta de atingir o maior número de leitores possível. A partir do que vimos, constatamos que a mídia impressa é para todas as idades, para todos os tempos e gostos. A escrita registra o que a memória não consegue dar conta de guardar. A literatura contém a plástica da palavra que ora brinca com o som ora com o imaginário. Por essa razão, ao apresentarmos um texto literário em sala de aula, primeiro precisamos trabalhar a fantasia e depois a compreensão do sentido. Para a criança, o brinquedo está relacionado ao prazer. Assim, deve-se trabalhar o lúdico nessa fase. Para o adolescente, o prazer está relacionado ao “estar em grupo”. Nesse momento da vida, o melhor são as leituras em grupo ou relacionadas a situações que o grupo “aprova”. Músicas, filmes, jogos interativos e até cosplay podem 10 e devem ser mais explorados para buscar para a leitura os adolescentes que, nessa fase, afastam-se dela. Como temos estudado até agora, nesse módulo, o mundo pode ser expresso em diferentes códigos e lido por diversos meios. Um símbolo, uma cor, um som, um cheiro, uma palavra, um outdoor, um dicionário, um livro, um gibi, um anime: tudo é leitura. Não podemos mais conceber a ideia ultrapassada de que se o leitor não lê, não gosta ou nunca leu os clássicos da literatura nacional, as obras canonizadas, ele não é um leitor. Conforme afirma Eliana Yunes, em entrevista publicada na Revista do SESC-Rio, ano 1, n° 5, novembro de 2008, e disponível no site http://picpedagogia.blogspot.com/2009/03/entrevista-com-eliana-yunes-trecho-2.html: O brasileiro certamente lê ainda que pouco, mas o quê? Não se trata de discutir Paulo Coelho, mas tudo o mais: as revistas, programações de TV, seus horários de disponibilização de cultura e informação, o preço do cinema, do livro, do teatro, a oferta de eventos e o acesso às bibliotecas, midiatecas, espaços culturais. Hoje o tecido cultural é muito rico e complexo; ninguém é culto ou cultivado porque sabe “só” literatura. O livro na escola é muito mal tratado. Na vida familiar, objeto de luxo ou supérfluo. Os resultados de pesquisa meramente quantitativos escondem realidades que demandariam mudanças profundas na disseminação das práticas de leitura. Assim sendo, tudo é leitura, entretanto, é inegável que o que nos traz a base cultural dos povos e a história da humanidade ainda são os livros. Sobre isso, a pesquisadora Eliana Yunes comenta que: a tradição da escrita é fundadora da cultura ocidental a partir do Médio Oriente onde emergiram os “povos do livro”, para os quais a palavra sagrada, graficamente registrada, tornou-se ícone de poder também temporal. Com isto, a escrita passou a signo controlado pela capacidade de decifração, dependente de intérpretes autorizados, o que tornou a leitura um ato cercado de regras e cuidados próprios com a “verdade” dos sentidos. A capacidade de leitura existente anterior à escrita, leitura de mundo, “dos sinais dos tempos”, dos acontecimentos, traduzidas em formas orais, ainda que consolidadas pelos costumes, perderam a sua força. A imagem teve sua expressão narrativa reduzida a uma cena – ver nos museus o apogeu da pintura nos séculos pós- renascentistas é somente com a emergência de novos suportes, a criação de novas linguagens –cinema, TV,outras mídias no século passado, atentou-se para a necessidade de formar leitores para estes modos de narratividade que já estivera presente na oralidade dos povos ágrafos. Depois, o mundo contemporâneo não deu conta de alfabetizar para a construção dos sentidos e, com isto, tornou o peso da leitura mais atrelado 11 ainda ao livro, tido como suporte de transmissão do conhecimento efetivamente válido e universal. (http://picpedagogia.blogspot.com/2009/03/entrevista-com-eliana-yunes- conversando.html) O arcabouço cultural de cada um A cultura é uma das principais características humanas, pois somente o homem tem a capacidade de desenvolver culturas. (mundoeducação) Cultura possui um conceito muito amplo e difícil de ser delimitado. De acordo com o dicionário de Celso Pedro Luft, essa palavra pode, dentre outros sentidos, significar, pelo viés antropológico, um conjunto de experiências humanas (conhecimentos, costumes, instituições, etc) adquiridas pelo contato social e acumuladas pelos povos através dos tempos. Essa definição vai ao encontro do que assistimos no vídeo e nos faz pensar, então, que estamos equivocados quando dizemos que uma pessoa não possui cultura porque ela não tem contato com a leitura, arte, história, música, etc. A cultura não está somente nos livros e nos bens culturais, mas está também nos costumes, na tradição, nas crenças, nos valores, nas leis, nos mitos, na língua... Assim, concluímos que não pode haver um indivíduo sem cultura, uma vez que ninguém nasce e permanece a vida toda fora de um contexto social, seja ele qual for. Também é importante ressaltar que, desse modo, não há uma cultura melhor do que a outra. O que existe é a diversidade cultural. Segundo o antropólogo Roberto Da Matta, “cultura é toda e qualquer forma de construção de significado [...] a criança carrega consigo uma cultura, concebida simbolicamente na imersão das vivências experimentadas em sua comunidade cognitiva, que lhe fornece um mapa de navegação no qual fará uso ao longo da vida” (DA MATTA, 1986). A afirmação do antropólogo ajuda-nos a relembrar que a criança, quando inicia a sua vida escolar, não é uma tabula rasa, e se ela não é vazia de cultura, o que diremos de jovens e adultos que iniciam o contato com a leitura depois de anos de vida acumulando vivências e experiências? Desde que chegamos à vida estamos acumulando cultura. O teórico israelense, Itamar Even-Zohar defende a ideia de que somos consumidores de bens e ferramentas 12 culturais. Ele explica que na concepção da cultura como bens, ela é considera como um conjunto de bens valiosos, cuja posse significa riqueza e prestígio. Nesse sentido, os bens podem ser utilizados tanto individual como coletivamente. O teórico também esclarece que esses bens podem ser tanto materiais quanto semióticos – simbólicos, como a tradição, por exemplo -, no entanto, para que adquiram valor é necessário que sejam validados pelo mercado. Zohar trabalha com a teoria de sistema cultural que está dividido em produtor, produto, consumidor, repertório, mercado e instituição. Em termos de cultura, o produtor corresponde aos indivíduos que produzem os bens e ferramentas culturais; o produto é a própria cultura, representada por diversos códigos e canais; o consumidor é quem adquire a cultura, seja por meio da leitura, de vídeos, de imagens, de pintura, do teatro, da TV, da religiosidade, das crenças, enfim. O repertório são os bens e ferramentas misturados aos bens e ferramentas de outros sistemas culturais que se influenciam mutuamente na composição das culturas. No Brasil, faz parte da nossa cultura, por exemplo, o carnaval que não é uma festa ou celebração autóctone, ele veio para cá trazido pelos europeus e foi sofrendo influência de várias outras culturas, diferenciando-se por completo o seu caráter inicial. O mercado proposto por Zohar são todos os meios pelos quais a cultura é amplamente difundida. Entretanto, não podemos esquecer que o mercado só veicula o que é aprovado pela instituição que, nessa teoria, representa as autoridades que validam os bens culturais, que reconhecem as tradições, crenças, mitos, valores, etc. como ferramentas representativas de um grupo social ou de um povo. Por meio desse sistema cultural, que mais parece uma engrenagem funcionando perfeitamente e encaixando-se a outras engrenagens (sistemas culturais), vamos adquirindo a cultura. Como vemos, estamos imersos nela e não precisamos de livros ou de qualquer outro instrumento para adquiri-la, pois a cultura faz parte do contexto social em que vivemos, querendo nós ou não, percebendo isso ou não. Nós do Rio Grande do Sul, quando tomamos o chimarrão, não fazemos isso pensando em manter a cultura gaúcha. Tomamos o chimarrão e levamo-lo a toda o lado, porque isso já faz parte da nossa cultura, está intrínseco em nós. 13 Considerações finais Ao finalizar este texto, que teve por finalidade suscitar a reflexão acerca de como vem ocorrendo a construção do “eu-leitor”, o processo de leitura na escola, o importante papel da história do livro para a Humanidade e o arcabouço cultural de cada um, podemos afirmar que, embora a formação do leitor esteja ocorrendo no nosso país, ela ainda está longe de alcançar o patamar evolutivo desejado e pretendido pelas instituições e academias. Entretanto, é inadmissível que haja alguém que pense que só porque a pessoa não lê em uma folha o que está grafado em códigos, não é um leitor. Se fosse assim, como explicar as culturas que surgiram e chegaram até nós pela oralidade, por exemplo? Lembremos o que diz Lévi-Strauss sobre os que desqualificam os outros como “analfabetos” ou “selvagens”: “A atitude mais antiga consiste em repudiar pura e simplesmente as formas culturais mais distantes daquelas com as quais nos identificamos. ‘Hábitos de selvagens‘, sendo uma reação grosseira, traduzem essa repulsa a maneiras de viver, crer ou pensar que nos são ‘estrangeiras’ ”. Acredito que essa afirmação encerra a questão, caso alguém tenha ficado em dúvida se concorda ou não que tudo é lido e que todos leem. Contudo, o que ainda deve ser discutido e ter os esforços intensificados é a qualidade do que é lido pelos brasileiros e como os textos verbais e não-verbais estão sendo interpretados. A dificuldade de interpretação tem gerado um déficit de apreensão da mensagem que acaba por dificultar a comunicação. Esse deve ser o alvo das atenções daqui para frente, a fim de que consigamos manter os leitores, conquistar cada vez mais adeptos ao hábito da boa leitura e capacitá-los à interpretação do mundo e ao desenvolvimento do pensamento crítico. Referências: BARBOSA, Márcia; RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, Tânia (Orgs.) Leitura, identidade e patrimônio cultural. Passo Fundo: UPF, 2004. CHARTIER, Roger (Org.) Práticas de leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. 14 EVEN-ZOHAR, Itamar. El sistema literario. Tradução de Ricardo Bermudez Otero. Disponível em: http://www.tau.ac.il/~itamarez/ps_esp/sistm_s.htm. Acesso em: 27maio 2004. EVEN-ZOHAR, Itamar. La literatura como bienes y como herramientas. In: VILLANUEVA, Darío, MONEGAL, Antonio, BOU, Enric. Sin fronteras. Ensayos de literatura comparada en homenaje a Claudio Guillén. Madrid: Castalia, 1999. EVEN-ZOHAR, Itamar. Teoría del polisistema. Tradução de Ricardo Bermudez Otero. Disponível em: http://www.tau.ac.il/~itamarez/ps_esp/ps-th_s.htm. Acesso em: 27 maio 2004. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1984. HIGOUNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: ParábolaEditorial, 2003. JACOBY, Sissa. (Org.) A criança e a produção cultural – do brinquedo à literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: UNESP, 2002. KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 1996. OSORO, Kepa. 25 intuiciones y compromisos para el futuro de la animación a la lectura. 25 años de animación a la lectura. Disponível em http://www.maratondeloscuentos.org/jornadas/textos.../kepa_osoro.pdf <acesso em 15 de setembro de 2010> PERROT, Edimir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1990. 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