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HEILBRONER R HPE Cap 2

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AREYOLUCAO ECONQMICA
Desde que desceu das .arvores, 0 homem encarou 0 problexna
da sobrevivencla,naoeomo indiYiduo, mas como membro cle urn
grupo social. A continuiclacle de sua <exisWncia e testernunllode
que ele conseguiu resolver <> problema; rnas a continuidf!.detamMm
da carencia e cla miseria, ate mesmo nas. mais .ricas .na~oes,.e .evi-
dencia de queessa. solu~ao foi, .no mfnimo,. parcial.
No entanto, 0 homem nEW pode ser severamente censu:rado
pOl' seu fracaaso. em •construir urn parafso nf!.Terra. E ••ditieil ar-
rancat' wnxneio devicla.da auperticie ••cleate planeta. AiJnagilla~ao
s~ conf'unde quan~o.set!;lJltap~nsarnos interrnillaveis esfor~()sque
devem tel' sid?deapendiclosn~sprill1eiras domestica~oesde ani-
mais, na descobertf!.~esementes paraplantio, noprirneiro trabalho
de extra~ao de InimSrio.Na verdade, 0 homem s6conseguiu per-
petuar-se pOl' ser uma criatura socialmente. cooperativa.
Mas justamenteo fato de 0 homem depender de seu seme-
lhante tornou 0 problema da sobrevivencia extraordinariamente
complicado. 0 homem nao e urna formiga, convenientemente equi-
pada com instintos sociais ja ao nascer. Ao contrario, eleparece
fortemente inclinado a tel' uma natureza egocentrica. Se suas fo~as
fisicas, relativamente fracas, 0 for~am a procurar coopera~ao,se1.is
impulsos intimos amea~am 0 tempo todo romper 0 trabalho em
(lonjunto com seus companheiros.
Na sociedade primitiva, a batalhaentre 0 egocentrismo e a
\:oopara~ao e resolvida pelo meio ambiente; quando 0 aspectro da
lnorte pela inani~ao vive encarando uma comunidade de frente ---
(J{)moa dosesquim6s --, a pura necessidade de assegurarapr6pria
tndstencia impelea· sociedacle a uma complementa~ao cooperativa
dos trabalhos diarios. Sob condic;Oesmenos severas, dizem-nos os
antrop610gos, homens e mulheres realizam suas obriga~oes regu-
lares sob a poderosa orienta~ao das universalmente aceitas normas
de parentesco e reciprocidade: em seu maravilhoso livro dobre os
bosquimanos da .Africa, Elizabeth Marshall Thomas1 descreve comQ
um 6rix e dividido entre parentes e parentes dos parentes ate que,
no fim, "ninguem come maisdo que osoutros"~ Mas essa pressao
tangivel do meio ambiente ou essa rede de obriga~oes sociais nao
existe nas comunidades desenvolvidas. Quando homens e mulheres
nao lutam ombro a ombro, empenhados em tarefas diretamente
ligadas a sobrevivencia - sem dlivida quando dois ter~os da po-
pula~ao jamais toea na terra, penetra em minas, constr6i com as
pr6prias maos, entra em uma fabrica - ou quando reclamam que
a uniao entre parentes desapareceu, a perpetua~ao do animal hu-
manotorna-se uma notavel proeza social.
E mais notavelainda se a existencia da sociedade pender por
um fiodecabelo. Umacomunidade modema encontra-se amerce
de milharesde perigos: seus fazendeiros podem nao produzir co-
lheitas stificientes, seus ferroviarios podemenfiar na cabei;a de se
tomar guarda-lhnl'lI::W "':1'\01'170')'
ferroviarios; se poucos puderem ofere cell' seus prestimos como mi-
neiros,como peritosna pudlagem do a~o, como candidatos a varios
cursos de engenharia - em uma palavra, se algumas das milhares
das entrela~adas tarefasa serem desempenhadas pela sociedade
nao forem realizadas -, a vida industrial se tomara desesperada-
mente desorganizada. A cada diaacomunidade encara apossibi-
lidade de um colapso - nao das forc;as da natureza, ma.s·dos im-
previSlveis desviol'l humanos.
AoJongo dos seculos 0 homem encontrou apenas tres caminhos
para evitar essa calamidade.
Assegurousua continuidade organizando a sociedade em tomo
de tradi'tao,transmitindo as variase necessarias tarefas de gell'a~ao
a gera~iio, de acordo com os usos e costumes: os filhos substituem
os pais, e, assim, 0 padrao foi sendo preservado. "No antigo Egito",
diz Adam Smith, "pOll'um principio religioso, todo homem era levado
a desempenhar a mesma ocupaQao que seu pai, e cometeria 0 mais
temvel sacrilegio semudasse paraoutra".2 Da mesma maneira,
atebemrecentemente, na India, algumas ocupa~oeseram tradi-
cionalmente atribuidas de acorqo com as castas; de fato, em boa
parte do mundo nao industrializado cada qual nasce para uma
determinada tarefa.
Pois bem, a sociedadepode resolver 0 problema de maneira
diferente. Pode usar 0 chicote das regras autoritarias para garantir
que as tarefas sejamrealizadas. As piramides do antigo Egito nao
foram construidas porque um empreiteiro empreendedorenfiouna
tlube'ta que iria construf-Ias, nem ·os PIanos Qilinquenais da Uniao
Sovietica foram feitos porqueconcordavampor aeaso como costume
do toma-Ia.da-ca oudointeresse individual. Tanto a UniiioSovietica
quanto 0 Egito eram sociedades autoritarias; politieaa parte, eles
1lI4Heguravam a sobrevivencia economica pormeiodos decretos de
mnaautoridade e porcastigos que a supremaautoridade aplicava
I'Ill cadacaso.
Por incontaveis seculos 0 homem lidoucom o problema da
flohrtwivenciade aeordoeom uma ou outra dessassolu~oes. Quell'
II prohlema fossa resolvidopor tradil,tao,querpor imposil,taQ,iamais
dl!'gOIi a (ISSe campo especial de estudos denominado"economia".
IlI'trl qU(~ as $ociedadesda Hist6ria tenham demonstrado a mais
~Hlrpn\f\!ld(lntediversidadc:leconomica, se bemque tenhamtido exal-
Iml;.'!l i' e!lltliSH~}:riOl'!. quehaiaml;lsado bacalhau seco e pedras
mais simples ou da maneira mais
HU regessem pOll'costumes ou im-
It:1Lml pllra tomar esse problema
, • estadistas, fi16sofos,
por maiM eFltranho que parel,ta,
enhflriu u descoherta de uma terceira solul,tao
n !'rHhh'lIIll dll Hobrevivencia. Eles aguardavam 0 desenvolvi-
lBHlllo till U/fIlmrjH'Imndentearranjo no qual a sociedade assegull'aria
PiIII pn ipl'ill mntinuidade debtando cada individuo fazer 0 que achas-
iii' '~\lnvt'l\lente pllra ele - desde que obedecesse a regra principal
Ill, orilmtIH;{w. () arranjo foi denominado "sistema de mercado" e a
"l'll <II' l1ma simplicidade decepcionante: cada qual pode fazer
.' 'plO' Ill;, for maia vantajoso monetariamente. No sistema de mer-
rllllo, 0 que orientava cada qual a sua obriga~ao era 0 fascfnio do
Iltl'l n, a fOl:'Qu da tradi/(ao ou 0chicote du autoridade. No entanto,
1,\' b,-m que cada um fosse livre para deixar que seu experiente
IUlriz 0 dirigisse, a al,tao constante das pessoas umas contra as
hlll.ras resultou na necessaria tarefa de oriental,tao da sociedade.
Foi essa paradoxal, sutil e diflcil solu~ao para 0 problema da
sobrevivencia que exigiu osurgimento doseconomistas.Pois, ao con-
trario da simplicidade dos costumes e do comando, nao eratotalmente
obvio que se cada pessoase preocupasse apenas com 0 proprio ganho
a sociedade· poderia subsistir. Tambem nao estava muito claro que
todos os trabalhossociais ..,.-tanto os sujosquanto os refinados ,-..
tinhatn que ser feitos mesmo que os costumes e 0 comando ja nao
regessemomundo. Quando uma sociedade nao mais obedece a regra
imposta, quem podera dizer como as coisas iraQ terminar?
Caberia aos economistas esclarecer esse enigma. Mas ate que
a ideia do sistetna de mercado em si mesma ganhasse aceitac;ao,
nao havia qualquer enigma a esclarecer.E ate poucos seculos atras,
nem todosos homensainda tinhamcerteza de que 0 sistema de
mercado era ·viavel sem suspeitas, ·desgostos e desconfianc;as.· 0
mundo avanc;ara durante seculos pelo confortflvel caminho da tra-
diC;aoe da imposiC;ao; para abandonar essa seguranc;a pelas des-
concertantes' operac;oes do sistema de·mercado, fazia-se necessaria
uma .especiede' revoluC;ao.
Do pon.to de vista da moldagem da sociedade modema, foi a
mais itnportante revoluC;aoquese instalou ..•...pelo menos foi,fun-
(,b\\1C1y\t'"l!!YI1"nte d):ld()'l"f! doqne ns -revolncoes franeeS3.
americana e ate mesmo a mssa. Para avaliar sua magnitude, para
entender 0 violento abalo que ela provocou na sociedade, temos de
mergulharnaqlleledistante e esquecido mundo no qual a nossa
sociedadeseoriginou. S6assimpodera ficar claro por que os eco-
nomistas tiveram deesperar tanto tempo.
Primeira parada: Franc;a, 1305.3
Estatnos visitando uma feira. Os mercadores viajantes che-
garam nesta manha,. com seusguardas armados,montaram suas
tendas alegremente coloridas, comerciam entre si e com a populaC;ao
local.Uma variedade de ex6ticas mercadorias esta a venda: sedas
e tafetfls,especiarias e perfumes, couros e peles. Algumas vieram
do Oriente, outras da Escandinavia, outras, ainda, de algumas cen-
tenas de quilometros de distAncia. Entre a populac;ao comum, lordes
e ladies entram nas barracas, empenhados em aliviar 0 tedio de
suas aborrecidas, incolores e senhoriais vidas; bem depressa VaG
adquirindo, juntamente com todas as estranhas mercadorias da
Arabia, novas palavras vindas daquela terra incrivelmente longin-
qua,tais como diva, xarope,tarifa, alcachofra, espinafre, jarra.
Mas no interior das tendas· deparamos com uma estranha
cena. Li'\'ros decomercio abertossobre as mesas, muitas vezes nao
passam de simples cademos de anotac;Oes;exemplo das anotaC;Oesde
tun mercador: "Um homem de Whitsuntide deve dez florins. Esqueci
o nome dele."4 Os cwculos sac feitos quase sempre em algarismos
romanos e geralmente as somas saem erradas; a divisiio e enearada
como um misterio e o.uso do zero ainda nao foi c1aramente entendido.
I~para maior espalhafato da exposic;aoe excitac;iiodo povo, a feira e
pequena. A quantidade total de mercadorias que chegam a Franc;a
durante um ano, pela Passagem de Saint Gothard5 (a primeira ponte
BltHpenSada Hist6ria), nao encheria um modemo trem de carga; a
quantidade total de mercadorias transportadas pela grande frota ve-
noziana nao encheria um navio cargueiro mademo.
Nova parada: Alemanha, fins de 1550.
Andreas Ryffll, um mercador barbudo e vestido em couro, esta
voltundo para a sua casa em Baden; nurna carta que escreve a
NlpOHIl conta que visitou trinta feiras e que e perturbado por abra-
hlll'H pl'Ovocadas pela sela. Porem, perturba-se mais ainda com os
Ilt'I\;lli:WH daqueles tempos; durante a viagem e parado a mais ou
mNHl/1 caela dezesseis quilometros, com a finalidade de pagar pe-
till/do; outre BU<llee Colonia paga trinta e urn tributos.
f~·:\.i!:1 "'{\mnnir'lnor, visH:at~m f'lflU proprio
dinlll'H'O, ,mal·1 l'lOl'Ili;W " l'egulllmcutos, SUIlS pl'opnal:! J.tlli5 I;; Ol'g-a-
:'(1 IllI rtlgH\lI 110 rodor d(~Haden7 ha 112 medidas de com-
fiB ll\ludradas diferentes, 65 medidas
I'l dHbrentcs para cereais, 123
mliduHespeciais para bebidas
(\,\tlllminudos libras.
, Illitumlll'l ern Boston, 1639.8
mil jul¥,flIntmto; urn tal de Robert Keayne, "urn
!ll'lllpWIOI' tit· 1';vllllgelho, urn homem de admiraveis talentos,
II WIlt tllli Ii'" litho, tendo passado pOl'dma do amor a consciencia
II do ewtlweinwnto do mvang-elho" e acusado de crime hediondo:
!nv.· lI111hl de HtliH pence de lucro sobre um xelim, ganho esse con-
111.lplIldo Itltrajnnte. A corte debatese deve excomunga-Io pelo pe-
em vista de seu passado sem manchas, final-
III I' II I'!, HI' uhranda e Ihe da a liberdade com uma multa de duzentas
lilll'I'1 Mall 0 p()l)f(~ sr. Keayne fica tao transtomado que se apre-
I1Plltu diunte dos mais velhos da Igreja e "entre lagrimas, exibe
fWO eOl'Ut;9.ocorrupto e ganancioso". 0 ministro de Boston nao con-
llPgllO resistir a esta preciosa oportunidade para apontar a imagem
viva de urn obstinado pecador e usa a avareza de Keayne como
tema no retumbante sermao de domingo sobre falsos principiosde
comercio,dos quaisda varios exemplos.Entre eles estavam estes:
"I. Urn homem deve vender o. mais caro que puder e
comprar 0 mais barato que puder.
"II. Se urn homem, por casualidade, perder parte de sua
mercadoria no mar, etc., pode subiro pregodo restante.
"III. Ele poqe vender como comprou, desde que seja tam-
bem caro ...
Tudo falso, falso, falso,grita 0 ministro; ir em busca da riqueza
pelo interesse na pr6priariquezae cair no pecadoda avareza.
Voltamos para a Inglaterra e para a Franga.
Nalnglaterra, urna grandeorganiza~ao comercial, a The Mer-
chant Adventurers Company,9 elaborou os estatutos de urna corpo-
ra~ao;entreeles ha regras para os comerciantes associados: nada
de linguagem indecente, de brigas entre irmaos, dejogos debaralho
de vigilantescaesdeca~a. Ninguem carregatrouxas homveis pela~
ruas. Sem duvida, e urna estranha empresa de neg6cios; mais parece
urna republicafratemal.
Na "'__.__.__dV ," __._"" ",v"_"",,v,,,
muitas iniciativasultimamente e urn reglemente promulgadopor
Colbert em 1666 para acabarcom essa perigosa e destruidora ten-
de~cia. No entanto, oS tecidos de Dijon eSelangeylO contem,nada
mals nada menos, 1.408 fios incluindo as ourelas. Em Auxerre,
Avalon e duas' outras cidades industriais, os fios eram 1.376' em
ChAtillon, 1.216. Toda roUpa considerada sujeita a obje~oes 6 ex-
posta ao ridiculo. CasoseJa objetada tres vezes, 0 comerciante tam-
berne exposto aO ridlculo.
Ha. algumas coisas em comurn. entre todos estes fragmentos
es~arsos dos mundosantigos. Sao elas: primeiro, a ideia da pro-
pnedade(paranao dizer necessidade)de urn sistema organizado
com base no ganho pessoal ainda nao oriou raizes; segundo, urn
mundo economico isolado, auto-suficiente, ainda nao surgiu com
seu pr6prio contexto social. 0 mundo dos neg6dos praticos esta
inet~n.cavelmente misturado com 0 mundo da vida politica, social
e rehglOsa. Ate que' esses dois mundos se separem, nada havera
que se pare~a com 0 ritmo e 0 aspecto da vida modema. E para
que os dois se separem sera preciso que aconte~a uma longa e
amarga batalha. _
Pode nos parecer esquisito que a ideia de lucro seja relativamente
modema;fomosensinadosa acreditarque 0 homem e urna criatura
essencialmente aquisitiva e que, deixada por conta propria, elaira
a.gir como qualquer comerciante respeitado agiria.A motiva~ao.lu-
cro, dizem-nosconstantemente, e tao velha quantoo proprio homem.
Mas nao e. Amotiva~ao.lucrocomoa conhecemos. e.tao velha
quanto 0 "homem modemo". Mesmo hojea no!;aode Iucro pelo
pr6prio lucro e estranha para uma grande parte da popula~aodo
mundo e tomou-senotavel pela ausencia .na maior parte da Hist6ria
registrada. Sir William Petty, admiravel personagem do seculo de-
zessete (que foi taifeiro, vendedor ambulante, fabricante de roupas,
medico,professor de musica efundador de urnaescola denominada
Political Arithmetick), afirmavaque.quandoos salarios eram]:)ons,
o trabalho era "insufl.cientepara todos, e eles era:rntao pregui~osos
que trabalhavam apenas 0 suficiente para comer ouentao. para
beber".u E sir William nao estava apenas expressandoos precon-
ceitos burgueses daquele tempo. Observava urn fato que ainda pode
ser notado entre oS povos nao industrializados. do mundo: u:rna
forga de trabalho nao habituada ao trabalho assalariado,que des-
conhece a vida de fabricas, que e indisciplinada e. alheiaa ideia
de continua eleva~ao do myel de vida," nao irli produzir melhor se
1 ~ ,. 1· .., -:I.',... __ ~_~~_~~J!. ~ !_ A.~~ ,", ~,: A,
do ganho, a ideia de que cada trabalhador ou trabalhadora nao
a.penas pode, masdeve melhorar constantemente sua vida material,
6 uma ideia co:rnpleta:rnenteestranha as grandes classes baixa e
media das euIturas medieval, egipcia,gregae romana, emergindo
apenas durante aepoca do Renascimento, da.Reforma·e manten-
do-se amplamente .ausente na maioria das civiliza~oes orientais.
Como uma onipresente caracterfstica da' sociedade, ela e uma in-
ven~ao tao modema quanta' a imprensa.
Nao s6 a ideia de lucro nao e taouniversal como as vezes
/iupomos, como tambem a san~ao social do lucro tern urn desenvol"
vimento ainda mais modemo e restrito. Na Idade Media, a Igreja
pusinava que nao era cristao ser mercador, e portrasdesse ensi-
nnmento havia urna perturbadora fermenta~ao na sociedade. No
I ~ ;lc da virla para 0 cidadao comum,
pura todos de fato menos para a nobreza, nao era melhorar a si-
l.uPi;ao de vida, mas sim apenas mantl~-la. Mesmo para os nossos
'n:l.fiS:Hklf\ Peregrinos, a ideia de que 0 lucro podia ser uma
t,O)I'r'{lvel- oumesmo utH •.... finalidade na vida pareceria pelo
nwnos uma doutrina do demonio.
A riqueza, e claro, sempre existiuea cobi~a estli presente
ate.nasantigas narrativasb1blicas. Mas ha uma enorme diferenc;a
entre a inveja inspirada pela riquezade uns poucos, poderosos
personagens e a lutageral pela riqueza difundida entre a sociedade.
Os mercadores aventureiros existemha.muito tempo, como os ma·
rinheiros fenfcios,epodemservistos ao longo da Historia nos
especuladores de Roma, nos comerciantesvenezianos, na Liga Han-
seatica,nosnavefJantes. portuguesese espanhois que abriram 0
caminho para as Indias e para as suas fortunas pessoais. Mas a
aventura depoucosecoisa muito diferente de urna sociedade inteira
movida peloespirito da aventura.
Veja,pore~emplo, a exttaordinaria famllia Fugger12 de gran-
des banqueirosale:maes do saculo dezesseis. Naquela apocaos Fug-
gel" possufamtninasde' ouro e deprata,concessoes comerciais e
ate mesmoodireitode cunhat as pr6priasmoedas;o credito deles
era maiordoiquea riqueza de reis e imperadores cujas guerras (e
asdespesas da fatn.flia real) eles financiavam. Mas quando 0 velho
AritonFuggermorreu,seu .sobrinho roais velho, Hans Jacob, re-
cusou-se~dirigir.~jm.pariobancario porque os n~gocios da cidade
eos seus propri()snegocios ja !he davam muito que fazer: 0 irmao
de Hans Jo.cob, George, disse que I'm nn7:; 17m
sobrinho,. 9hristophe~, tambem nao se interessou ..Nenhum dos her-
deirose.lnP.otencial deum reinado de riqueza parecia achar que
ele valia.qualquer.esforc;o.
Anaoseralguns reis. (aquelesque eram solventes)e algurrtas
fatnllias. esparsas, como. os Fugger, ()s primeiros .capitalistas .11ao
eram. pHares da sQciedade, massim eram frequentemente. discri-
minados e deracirnis.Aqui e aliumjovem empresario comQ Saint
Godric13 de Finchale podia .se expandir c0In0 um. vagalhao reben-
tando napt~a,r~~do mercadorias advind~s de navios m~rcantes
naurragadoseIIlCJ.uantidadesuficiente .•para. se. tornar um comer-
ciante e,depQis de fazer fortuna, retirar-se envolto emsantidade,
como urn eremita. Mas esses homens eram pouqujssimos. Enquanto
imperava a idaiasupremade que a vida na Terra era apenas um
doloroso preambulo para a Vida Eterna, 0 espirito para negocios
nao era encorajado e nao recebia qualquer tipo de..estimulo espQn-
taneo. Os reis queriam tesouros e pOl"isso provocavam guerras; a
nopreza queria terras, e,como s6 os nobres que nao respeitavam
asimesmos eram capazes de vender suas. propriedades ancestrais,
consegui-las significava conquista, tambem.· Poram,a maioria das
pessoas-- servos,artesaos e ate mesmo donos de guildas industriais
,- queria ser deixada em paz a fim de viver como seus pais tinham
vivido e se\1sfilhos iriam viver.
A ausencia da idaia de ganhocomo guianormal da vidadiaria
.- na verdade,o positivodescredito. em que a Igrejamantevea
idaia - constituiu uma enorme diferenc;a entre 0 estranho mundo
do seculo dez ao ·saculo dezesseis e 0 mundo quecomec;ou a· se
parecer com 0 nosso, urn ou doisseculos antes de. Adam Smith.
No entanto, tambemaqui havia urna diferenc;a ainda maisfunda-
mental. A ideia de "construir urna vida" aindanao comec;ara a
existir. A vidaeconomica e a vida socialeram urna Unicae mesma
coisa. 0 trabalhoainda nao significa\i'a urn· meio para· urna finali-
clade - a finalidade de obter dinheiroeas coisas queelecompra.
o trabaIho eraurnafinalidade em si mesmo, a claro,abrangendo
dinheiro e propriedades, mas engajada em urnaparte da tradic;ao,
como um modo de .viver .. Emuma·palavra, ainda nao· tinha. sido
feita a grande invenc;ao social do "mercado".
Os mercados sempre existiram, desde ate ondechega.nosso
conhecimento da Historia. As TabuasdeTell-el-Amama14mencio-
nam urn comercio ativoentre os faraos e os reis Levantinos, em
Ji.400 a.C .. Duro e carros de guerra eram trocados pOl"escravos e
cavalos. Mas embora a ideiada troca deva ser quase taoantiga
quanto Q homem,assim como em relac;ao aideia do lucro, nao
devemoscometer oierro de conc1uirque 0 mundointeiro tinhaa
propensaoparanegQciar que temoestudanteamericano do saculo
vinte. Apenas a titulo de .curiosidade,sabe-se CJ.ue·entre. os maoris15
da NovaiZelandia nao sepode indagarquanta. comidaum anzol
para pescar um bonito. vale, pois esse tipo de comarcio jamais .a
feito e essa pergunta seria consideradaridicula. Emcompensac;ao,
em algumas comunidades africanas a perfeitamente legitimo per-
guntar quantosbois valeuma mulher ~ troca esta que conside-
ramos tao ridlcula quantQQs maoris consideramridfcula a troca
de alimentos pOl"anz6is· (sebem •que aindaexistamentre nos re-
manescentes da tradic;ao do dote,· 0 que diminui o.abismo que nos
til~para dos africanos).
Mas os mercados, quer fossem trocas entre tribos primitivas
l~\\iosobjetos eram casualmente espalhadospelo chao, quer fossem
HI-; fantasticas feiras ambulantes da Idade Media, nao saD 0 mesmo
lltlf~0 sistema de mercado. Issoporque 0 sistema de mercado nao
11f\ trata apenas de uma troca .de· mercadorias: eum mecanismo
para 8ustentar e manter umasociedade inteira.
E essemecanismo estava muito longe de ser claro para a
mentalidade do mundo medieval. 0 conceito de ampliac;ao de ga:nho
eraprofundamente blasfemo,comovimos. Aamplanoc;aode que
umaluta generalizada pOl' garihosiria manter umacomunidade
umda. 'teriasidoconsideradapoucomenos do que loucura.
Haum motivopara essa cegueira. A Idade Media, a Renas-
ce:nc;a,a.Reforma .•••.semduvida0 mundointeiro ate oseculo de-
zesseisoudezessete ....-podiam nao vislurnbraro sistema de mercado
pelosimples motivo de que Terra, Trabalhoe Capital- os agentes
basicos de produc;aoalocados pelo sistema de mercado - ainda
nao existiam. Terra" trabalho e capital no. sentido de solo, seres
hurnanoseferramentas coexistiam,e claro, com apr6pria sociedade.
Masaideiadeterra abstrata, de trabalho abstrato naosugeria a
mentehumana,de imediato, mms do que a ideia de energia ou
materiaabstratas.Terra,trabalho e capitalcomo"agentes" de pro-
du~ao,comoentidades economieas impessomsenao hurnanas,sao
taomodernos como concepC;aoquanto 0 calculo. Sem duvida, nao
saa muitovelhos.
Tomemosaterra, porexemplo. Ate oseculo catorzeou quinze
H~t~ern,V~11t0
vendaveis ou propriedade produtora que poporcionava renda. Ravia
terras,eevidente ----amplas propriedades, domini os feudms eprin-
cipados __,massem' duvida alguma nao' eram propriedades para
setem comprfidasou vendidas segundo as ocasioes exigissem. Essas
tetras formavam 0 cerne da vida social, proporcionavam .as bases
paraoprestfgio e ostatussoclal,constituindo os alicerces daor-
ganizac;ao ri1ilitar, judicial e administrativa da sociedade. Se bem
queasterrasfossem vendaveis em determinadas condic;oes (com
muitosvefculosassociados),' nao. estavam simplesmente a venda.
Um nobre medieval. em boa situac;ao jamms pensaria. em vender
sUas terras, assim como 0 governador de Connecticut nunca pen-
saria em vender alguns condados aO governador de Rhode Island.
Essa au~ncia decomercializac;8.0 aplicava-se tambemao tra-
balho. Quando falamosem mercado de trabalho,hoje, nos referimos
11 enorme rede de demanda de emprego na qual os individuos ven-
dem seus servic;os a quem oferece mms. Simplesmente, essa rede
de demanda de emprego nao existia no mundo pre-capitalista. Ravia
urna mix6rdia de servos, aprendizes e artifices que trabalhavam,
porem a mmorparte· de seu trabalho jammsaparecia no mercado
paraser vendida ecomprada. Nos campos,o campones vivia amar-
rado ao seu senhor, dona da propriedade; eleassava nos fornosdo
senhor, moia nosmoinhos do se:nhor, cu.ltivavaas'terras do se:nhor
e servia 0 senhor nas guerras, mas raramenteera pago porqualquer
dos seus servic;os: os' servic;os eram deveres de urn servo, naoo
"trabalho" de urn homem livremente contratad().Nas. cidades,()s
aprendizes entravam a servic;odos artifices oumestres; 0 prazo de
aprendizagem, 0 numerodecolegas,a cota de pagamento,as horas
de trabalho, os metodos usados eram todos regulados por urna guil-
da. Ravia. pouCa ou nenhurna barganhaentre servos e se:nhores,
a nao ser pOl'ocasiao dechoques esporadieos em que ascondic;oes
se tornassem intoleraveis. Nisso havia tanto .mercado· de,trabalho
quanto 0 que existe entreinternos num. hospital.
Ou, entao, recursos' 0 capital.Comcerteza 0 capital existia
no mundo. pre-capitalista, no sentido deriqueza privada. Mas se
bem que os recursos existissem, nao havia entusiasmopara dar-Ihes
um novoe agressivo uso.Emvezdetentativaerisco,o lema era
"Seguranc;aem primeirolugar". A. tecnica preferidade produc;ao
era 0 processomms longo emms trabalhoso, naoo mms cUl1;oe
mms eficiente. A publicidade era proibida es' id6ia ·de .que. urn
mestre da. guildapoderiaoferecer melhor produto do .que seus co-
legas era encarada como traic;a.o;Na Inglaterra do seculo dezesseis,
quando a produc;ao em massa no comarcio da tecelagem mostrou
pela primeira vez sua assustadora.cabec;a, as guildas protestaram
com 0 rei. 0 maravilhoso trabalho das. fabricas1tl __ que suposta-
mente continham duzentos teareseuma eqllipede trabalhoque
incluia ac;ougueiros e padeiros para alimental' a forc;a de trabalho
- era considerado ilegal por Sua. Majestade:tanta eficiencia· e
concentrac;ao deriq\lezapoderia abrir urn mau precedente.
Assim, 0 fato de que 0 mundo medieval naopodia<conceber
o sistema. de mercado. baseava-sena boa .e.·suficiente ·.razaodeque
os elementos abstratos·. daproduc;aoainda naoltaviam. sidoconce-
bidos. A falta de terra, de trabfilho e de capital na IdadeMedia
resultava na falta de.mercado; e como faltava mercado (apesar das
coloridas feiras locais e das feiras ambulantes), a.sociedaderegia-se
pelos costumes e tradic;oes.· Os senhores davam ordens: a produc;ao
minguava ouprosperava, de acordo com elas. Ninguem dava ordens:
a vida prosseguia em sua rotina. Se Adam Smith tivesse vivido
nos anos anteriores a 1400, nao teria sentido 0 impulso de construir
uma teoria de economia ·politica. Nao ha .mistl~rio para penetra!'
na falta de compreensaoque fez· a,.Idade· Media perrnanecer ina-
tingivele nao permitir qualque:rpossibilidade para a descoberta
tanto da ordem quanto dafinalidade. Etica e politica, sim; havia
lIluito a ser explicado eracionalizado nas rela90es entre os lordes
inferiores com oS lordes superiores, dos lordes superiores com os
reis,e UlIl trabalhoenorme para esclarecer as confusoes entre os
ensinamentos daIgreja e as incorr1giveis tendencias da classe co-
merciante. Maseconomia,nao. QuemJria procurar leis abstratas
daofertaedemanda, <doscustos,ou do valor, quando a explica9ao
do mundoali estava, como umlivro abetto, nas leis do feudalismo,
da Igreja e nos costUlIlesde toda umaexistencia? Adam Smith
poderiachegar a ser um grande fi16sofo moral naquela epoca tao
primitiva,. mas nunca· teria sido· grande economista.
Por varios seculos nao havia nadaque um economista pudesse
fazer-ateque 0 auto-reprodutivo, auto-suficiente mundo irrompeu
no alv01"09ado,disparado e disposto a tudo, seculodezoito. "Irrom-
peu" talveziseja urna palavra dramatica demais, porquea mudan9a
levou seculos se realizando, naoaconteceu emumsimples e violento
espasmo. Mas a mudan9a, pOl'maisdemoradaque tenhasido, nao
foi umaevolu9ao pacifica: <fOlurna angustiante convulsao da socie-
dade,uma <revolu9ao.
S6para comercializara terra -- para transformar a hierarquia
de relaciona.mentos sociais em muitos lotes Sem donoe em provei-
1;080SteITenos ~ eJtig1u l'"!1'" , ,
todo urn intrincado modo de vida feudal. Transform~r os protegidos
servos· e aprendizes em "trabalhadores" - .nao· importa quao ex-
plorador houvesse sido 0 manto de paternalismo -requeria a cria-
9ao·.de.uma. assustadae desorientada classe. chamada proletariado.
Para transformar os mestresdeguildas em capitalistas era preciso
ensinaralei da selva aos tfmidos habitantes do quintal.
Alemde tudo,nao se· tratava de umaperspectiva pacifica.
Ninguemqueria esta.comercializa9ao da vida.S6 poderemos avaliar
como fOl amarga a resistenciasefizermos umaultima viagem ao
passadoafim de observar a revolu9ao economica acontecendo.
Esta.mos de volta a Fran9a, no ana de 1666.17
Os capitalistas da epoca. enfrentam .umdesafio perturbador
que a amplia9ao do mecanismo do mercado trouxe com seu des-
pertar: mudan9a.
A primeira questao a surgir foi de que modo um mestre de
guilda da industria textil poderia ser levado a tentar uma inova9ao
em •seu produto. 0 veredicto: "Se· urn tecelao deroupas pretende
produzirumape9a de sua pr6pria inven9ao,nao deveobte-la de
seutear; precisa· antes obter perlIlissaodos· juizes da cidade para
empregaro nUlIleroe 0 comprimento defios de queiranecessitar,
depois que 0 caso for consideradopelos quatromercadores mais
velhos e os quatro tecelOes mais velhos da guilda". Pode-se imaginar
quantassugestoes para mudam;as eram toleradas.
Pouco depois de resolvido 0 problema datecelagem de roupas,
surgem os botoes,que provocam uma avalanche deprotesto; os
alfaiates estavam come.;ando aproduzir botoes para roupas, uma
coisa jamais sonhada ateentao. Ogoverno, indignado com a pos-
sibilidade de que UlIlainovagao viesse amea9ar uma industriaes-
tabelecida, impoeurna multa aos que fazem botoes. Mas os vigi-
lantes dos botoes da guilda nao se dao por satisfeitos. Demandam
o direito de dar buscas nas casas e guarda-roupas de quem quer
que fosse, de multar e ate mesmo prender nas mas quem estivesse
usandoos. tais renegados objetos subversivos.
Esse medo da mudan.;a e da inovac;ao nao eapenasuma
resistencia comica de' alguns poucose·assustados.comerciantes.·O
capitalluta com vigor contra a mudan9a e nenhurnesforgo e pou-
pado. Na Inglaterra, alguns anos antes, uma patente paraum apa-
relho de fabricar meias18 nEw.s6 foi recusada, como tambelIlo Con-
selho Privado ordenou que a perigosa engenhoca fosse abolida; na
Franca, a importac8.o de tecido de algod8o AAt,:Hnpar1(1"mp""'" ""
lapar a industria de roupas. Isso e enfrentado c~m medida~ que
custam a vida de 16 000 pessoas! Em Valence, de uma s6 vez, 77
pessoas sao executadas por enforcamento, 58 sao despedagadas no
suplicioda roda, 635 condenadasas gales e UlIla unica, felizarda
pessoa e absolvida do crime. de negociar com osproibidos tecidos
estampados.19
Mas 0 capitalniio e oUnico agente de produ\(iio que. se. debate
freneticamente na tentativa de evitar os perigos do modo de vida do
mercado. 0 que acontece com 0 trabalho e ainda mais· desesperado.
Voltemos a Inglaterra.
Estamos em fins do seculo dezesseis, a grande era da expansao
e aventura. A rainha Elizabeth fez uma viagem triunfal pelo reino
e retornacom uma estranha. queixa:
-- Ha mendigos por toda parte! - recIama.
Esta e uma observac;ao surpreendente, pois apenas cem anos
antes 0 interior da Inglaterra consistia em grande parte de proprie-
tarios camponeses que cultivavam suas proprias terms; tratava-se do
pequeno proprietario, orgulho.da Inglaterra, 0 maior grupo do mundo
de cidadaos independentes,livres epr6speros. Agora, "Ra mendigos
por todaparte!"20 0 quehavia acontecido nesse interim?
o que acontecera fora. um·.enorme movimentode e:g:propriagao
- ou, melhor, o.iniciodesse movimento que ainda comegava a se
desenvolver nessaepoca. A la tomara-se uma mercadoria nova,
lucrativa, e exigira que seu produtor tivesseamplas pastagens. Os
pastos fazem parte dasterrascomuns; umaverdadeira e louca
colchade r~talhos formada pOl'pequenase espalhadaspropriedades
(sam cercaeidentiticaveis apenas poruma arvore aqui,uma pedra
ali,que funcionavam como limites entre as terras de urn homem
e de outro) e pelasterras comuns, nas quais 0 gada do pequeno
proprietario se alimenta e nas quais ele colhe a turfa. Essas terras
de repente SaDdeclaradas inteiramente como propriedades abso-
lutas dos lordes. e nao mais disponiveis para uso dos camponeses.
Ondeantes havia uma especie de propriedade comum, agora existe
a propriedade privada. Onde anteshaviapequenos proprietarios
rurais,ag()ra haovelhas. John Hales21 escreveu, em 1549: "...onde
XL pessoasviviam,agoraums6 homem eseu pastor ocupamtudo ...
Sim,asovelhas sMa causa de todos esses males, poisexpulsaram
alavoura. dos campos, que antes proporcionavamgrande quantidade
de alilJ1entos detodo tipo, e agora s6 ha ovelhas, ovelhas".
Equase impossivel imaginal' 0 resultado e 0 impacto do pro-
cesso de· fechamento das terras. Mais ou menos em meados do
seculo dezesseis comec;aram a explodir revoltas; em urn desses Ie-
vantesmorreram 3 500 pessoas.22 Em meados do seculo dezoitoo
proce$soainda estava em plena efervescencia; s6 em meados do
seculodezenove estaria completando seu temvel cursohist6rico.
Assim, em 1820, cerca de cinquenta anos depois daRevolugao Arne-
ricana,a duquesa de Sutherland23 removeu 15000 camponeses de
794000 acres de terra, substituindo-os porl31 000 ovelhas,e como
compensagaoarrendouuma media de dois acres de terrasmarginais
para· cadauma das. familias. desalojadas.
Mas nao e apenas 0 contisco de terras em massa que merece
atengao. A verdadeira tragedia aconteceu com ocampones. Despo-
jado .do direitode usar. as terras comuns,ele nao mais. podia se
manter como "fazendeiro". Uma vez que nao havia terras a venda,
ele nao podia - mesmo que quisesse - transformar-se em operario.
Tomou-se, enta~, a mais miseravel de todas as classes sociais, urn
proletario agricola; onde nao havia trabalho disponivel em lavouras,
ele acabou pOl' se transformar em indigente, ate mesmo em ladrao
e cOrnumente em mendigo. Aterrorizado com 0 crescimento alar-
mante da miseria atraves do pals, 0 Parlamento Ingles tentou lidar
com 0 problema, comegando pOl' contina-Io. Pos os indigentes e
mendigossob os cuidadosde asilos organizados porparl$qlrllls1()cais,
mediante umauxHio simb6lico, e lidou com osJadroesmanejando
o chicote,marcando com ferro embrasae com mutilagoes, Um
clerigo do tempo de .Adam Smith descrevia ·seriamente os .·asil()s
nos quais os pobres eramrelegados como "Casas.do Terror".24 No
entanto, 0 pior de tudo era que as verdadeiras medidas que opals
adotou para proteger-se dos pobres --- continando-os. emsuas pa-
r6quias,ondeeram apenas mantidosvivos com urn minimo dedes~
pesas --- impediram al.1nicas()lu~nodo problema. Nno era, em
ultima analise, .que as classes· govemantes fossemindiferentese
crueis. Na verdade, elas nno· conseguiam compreender 0 conceito
de uma forga de trabalho fluida,m6vel, quepodiair trabalhar
onde quer quehouvesse trabalho, deacordo com os preceitosdo
mercado. A cada passo, a comercializagao do tral>alho,como>aco-
mercializagao do capital, era inconceblvel, temida e combatida.
o sistema de mercado com seus componentes essenciais COrnO
terra, trabalho e capital havia, assim, nascido em agonia - Urna
agonia que comegou no seculo treze e foi segui:ndo seucursoat~o
seculo dezenove. Jamaisuma revolug8.ofoi tao pouco entendlda,
tao malrecebida, tao mal. planejada. Mas ..as .grandes •.forc;as.do
mercado nascente nao podiam ser negadas. Insidiosamente, elas
foram destruindo as bases dos costumes; insolentemente, desman
telavam a tradic;8.o.Apesar dQclamor contra os fazedores<ie botoes,
as roupas com. botoes conquistaram seuespac;o.· Apesar. de toda. a
adversidade. do ConselhoiPnvado, a maquina defazermeias tor-
nou-se .tao valiosa quedepois. de se.tenta· anos omesmo. Conselho
Privado teve de proibirl:\ua exportag8.o.Apesar de tQdOlilOSsupli-
clados· na roda,ocomerclo de algodaoestampado cresc.eu em paz.
Apesar da desesperada oposiC;aoda VelhaGuarda, terras produtivas
foram desapropriadas de posses ancestrais, eapesar dos protestos
de empregados e patroes unidos, 0 trabalho domiciliar foiposWa
disposiC;aode aprendizes desempregados e dos lavradores sem terra.
A enorme carruagem da· sociedade,. que pOl'tanto tempo des-
!izara suavemente pela estrada macla datradigiio, encontrou-se
entao impulsionada pOl'uma verdadeir.a fornalha interior. Transa-
!.toes,transac;oes, transac;oes e lucro, lucro, lucro proporcionavam 0
despertar de uma nova e poderosa forga-motivo.
Que forgas teriam sido suficientemente poderosas para abalar
urn mundo estabelecido demaneira tao confortavel e introduzir
em seu lugar essa nova enaodesejada sociedade?
Naoexisteuma s6 causa. 0 novo modo de viver originou-se no
interior do vellio como a borboleta origina-se dacrisalida, no interior
do casulo, equando oimpulso de vida tornou-se forte 0 bastante,
rompeu a vellia estrutura. A revolugao econOlnica nao foi produzida
POl" gt.'andes.eventos,aventurasUnicas, leisindividmris ou personali-
dades poderosas. Foium processodecrescimento interno.
Primeiro, hOl.we·aemergenciagradual de unidades poUticas
na Europa.. Sob as explosoes delutascamponesas e conquistas da
realeza,a existenciade Umfeudalismo precoce abriu caminho para
as ltlonarquias centrallzadas. E com as monarquias deu-se 0 cres-
clmento do espirito nacional; sucessivamente, isso significou pro-
te~ao real para industrias favorecidas, tais como os grandes tra-
ballios de· tape~aria. francesa, 0 desenvolvimento de armadase de
exercitos, com todas as suas industrias satelites. A infinidade de
regras eregulamentosque atonnentaram Andl"eas Ryffe seus com-
panheiros mercadores· durante 0 seculo dezesseisabriu. caminho
para leis nacionais, medidas comuns e moedas circulantes maisou
menos padronizadas.
Um aspecto damudan~a polftica que estavarevolucionando
a Europa foi0 encorajamento da explora~ao eaventura de estran-
geil·os. Noseculo treze os innaos Polo empreenderam uma auda-
c:iOSf: 0 .. ~ .••.•.•••.•..•.••.•v,a...L.•.v .I,&.u.A.CJ.ICo.:tVO
mercadores; no seculo quinze Colomb025 navegou para 0 que ele
esperavaseromesmo destino, sob os auspiciosreais de Isabel. A
mudanc;a daexplora~aoprivada para a explora~ao nacional foiele"
mentoe parcela damudanc;a da vida privadapara a vida nacional.
Em·consequencia, asgrandesaventuras nacionais dos navegantes-
capitalistas ingleses, espanh6is e portugueseslevaram<uma onda
de riqueza e conscientizac;ao des sa riqueza de volta a Europa.
"Aquele que tem ouro", disseCrist6vao Colombo, "faz e con-
segue tudo que quiser no mundo e no fim aindao usa para enviar
almas ao parmso."
Os conceitos de Crist6vao Colombo eram os conceitos de uma
erae apressavam oadvento de uma sociedade orientada para 0 luero
e para a oportunidade, impulsionada pela ca~a ao dinheiro. Deve-se
notar, de passagem, que os tesouros do Oriente eram realmente fa-
bulosos. Com as participac;oes recebidas como acionista da viagem de
Francis Drake no Golden Hynd, a rainha Elizabeth pagau todas as
dividas externas da Inglaterra, equilibrou seu or,!amento e investiu
no<exterior uma alta soma, a juros compostos, que foi responsavel
POl"todasas riquezas de alem-mardaGra-Bretanha em 1930!26
A HISTOR1A no P~N1'O ECONOMICO
Verific()u~seuma segunda grande corrente de mudant;cts na
lenta decadencia do espirito religioso sob 0 impacto das visoes ce-
ticas,.inquiridoras ehumanistas do Renascimento italiano.Om~do
de Roje encontrava-se lado a lado com 0 mundode A:tnanhl,'lea
vida sobre a Terra tornou-se mais importante,assimcomo<ano,!ao
de padroes materiaise. confortos comuns:. POl"tras. da mu,danc;a na
tolerancia religiosa encontrava-se 0 surg'lr doProtestantunno, que
reforc;ou a nova atitude. em<relac;ElOao trabaJh,o e a riqUeZa. A
Igreja de Romasempre olhara os comerciantes com ollios duvidosos
e nao hesitara emclassincar a usura como pecado. Mas no momento
em que os comercianteselevavam-se cadadia mais na sociedade,
uma vez que elesjanaoeram apenas umacess6rio util, maSapenas
parte integrante de uma nova· especie de mundo, tornava-se ne-
cessaria uma reavalia,!ao de SUas func;oes. Os lideres .protestantes
pavimentaram o caminho para um aml;llgama das vidasespirit'\1~1
e temporal. Longe delollvar a vida de pobreza ede contemplac;ao
espiritllal, como se fosse separada da vida mundana,eles preg~vam
que era piedoso utilizar na vida diaria de neg6cios um dos m~ores
dons ofertados pOl"Deus. Daf faltava apenas umpasso Para a l~en-
tifica'tao de riquezas com excelencias espirituais e de homens l"lCOS
<'om sliI1J.tidaJle
. . Urn conto folc16rico local do seculo doze fala sobre um usurario
que foiesmagado pOl".Uma estatua que caiu· so'breeleno momento
em que entrava· numa igreja par~ .se casar.Quandofo~aF vel",
descobriram que se tratava da estatlla deumoutro usural"lO q~e,
assim, revelara odesgosto de Deus para com aqueles que negoCla-
vam com dinheiro. Devemos nos lembrar, tambem, de que em mea-
dOBdos anos 16600 pobreRobert Keayne colidiu de £rente com as
autoridades religiosas puritanasdevido as. su.aS praticas deneg6-
cios. Nessa atmosfera de hostilidade nao era facil para 0 sistema
de mercado se expandir. Dm pordiante a gradual aceitac;ao, por
parte doslideres espirituais, da m~nsidao ~, sem duvida, ~osbe-
neficlos do processo de mercado fOl essenclal ..para. 0 creSClmento
completo do sistema de mercado.
No entanto hd uma outra profunda corrente nas mudant;as
materiais que ev~ntualmente tornou 0 sistema demercado possivel.
Estamosacostumados a pensar na Idade Media comO um tempo
de estagna,!ao e ausencia de progresso. Contudo, em quinhentos
anos a era feudal criou mil cidades (uma grande obra), interligou-as
com estradas rudimentares, mas que funcionavam, e sustentou suas
populac;oes com alimentos vindos do campo. Tudo isso desenvolveu
a familia.ndade com 0 dinheiro, com os mercados e com·os hs.bitos
de vender ecomprar. Nodecorrer dessa mudan!;a, naturalmente,
opodel'comec;ou a.gravitarnas maos daqueles que entendiam de
dinheil'o --- os mercadores --- e distanciou ~seda desdenhosa nobreza ,
qu~nao entendia..
o pr0gJ.'essonao foi apenas conseqiiencia desse lento processo
detn0netizac;ao.Houve tambem 0 progresso tecnico, de maneira
enormemente impo1'tante. A revolu!;aocomercial nao pddecomec;ar
enquanto nao se desenvolveu uma forma de contabilidade racional
do dinheiro: embora os venezianos do seculo doze js. estivessem
ate usando metodos sofisticados de contabilidade, os comerciantes
da Europa el'am pouco mais do que estudantes do primeiro grau
em sua ignorancia sobreessa materia. Foi preciso tempo para que
sereconhecesse anecessidade da escriturac;aomercantil; ate 0 se-
Clilodezessete,a.s panidasdobradas2 ainda nao existiam como uma
praticapadrao. E ateentao 0 dinheiro naoera. racionalmente con-
tabilizadode mal,leira a permitir que um neg6cio em grande escala
fosse feito com inteirosucesso.
Podeser>q~e.omais imponante de tudo napenetra!;ao desse
efeito terthasi~~,\lln aumento de curiosidade cientifica.Embora 0
mundo p'.~d(;>!'ls!J;f"8p"'mr qte dn rlA
pirotecnku ",.'.pw~a\J Ut ~t:l;uowg.(a, (.t .(\.l::VVil.u;ao.i.WlUSLrial nao Ll;:l"la
podido.~cont~cerse. 0 terreno nao houvesse sido preparadopor uma
seIiededescob~rtas subindustriais basicas. A. era pre-capitalista
vitl..onascimento da hnprensa, da fabricac;ao do papel, domoinho
devento,doreJ6giomecanico, do mapa e deuma infinidade de
outrasinvenc;oescome~aram a.ser observadas comolhar amigavel.
Nemuma s6.dessas •correntes, .agindo sozinha,· poderia tel'
vitadoa humanidade de eabec;a para baixo. Mas,sem dtivida, mui-
tas delas poderiam provoear efeitos que causassem uma violenta
convu}saona ol'ganizac;aohumana. A mst6na nao sedesloca em
angtilosagudose a vasta sublevac;ao foi se alastrandoao ·longo do
tempo. As evid@nciasda maneira deexistir do mercado espalhou"'se
POI'todos os lados da antiga maneira tradicional e remanescentes
dos velhos habitos persistiram pOI' bastante tempo depois que 0
mercado havia, pOl' motivos praticos, se colocado a frente como 0
principio-guia daorganizagao economica. Assim, os privilegios feu-
dais e das guildas s6 foram abolidos na Franga em 1790 e os Ea·
2 $istema de eBcriturafilo em que cada lan~amento Befaz ao mesmo tempo no deve de uma
conta e no haver de outra. (N. do E.)
tatutos dos Artifices, que regulavam as praticasdaguilda na In-
glaterra, s6 foramrevogados em 1813.
Mas em 1700, vinte e tr@sanos antes de Adam Smith nascer,
o mundo que julgara Robert Keayne, que proibiraos mercadores
de transportal' desagradaveis trouxas, passou a se preocupar com
prec;os "justos" e 0 M.bito de lutar pelo privilegio deprosseguirno
mesmo caminho pereorrido pelos pais comegou a entrar em declinio.
Em seu Jugal' a sociedade comegouacolocar umnovo tipo de ditados
"pessoais". Eis alguns deles:
"Todo homem tem ambi!;ao natural pelo luero."
"Lei nenhuma prevalece sobre 0 ganho."
"0 ganho e 0 Centro do Circulo do ComerciO."27
Uma nova ideia come!;oua tomar corpo: "homem econamieo"
- urn palidoesbo!;o da criatura que seguia seu cerebro "maqmna
de somal'''· aondequer que este decidisse lev8."'lo.Os livros logo
comec;ariam a falarde Robinsons Crusoes em· ilhas desenas,· que
organizavam seus neg6cios como se fossem avarent6s eontadores;
No mundo dos neg6cios, uma nova febre de riqueza e· espe-
culac;ao apoderara-se da Europa. Na Fra.n!;a, em 1718,um a.ven"
tureiro escoces chamado JohnLaw28organizou uma arriscada aven-
tura denominada Mississippi Company, vendendo agoes de uma
empresa. que iria explorar montanhas de ouro na America. Romens
e mulheres lutavam nas ruaspelo priviIegio deconseguirac;oes,
eram cometidos assassinatos, fortunas surgiamda noitepara 0
dia. Umgar!;om de hotel ganhou tr@smilhoes>de libras;Quando
a companhia estava prestes arevelarenormes para todos os in.-
vestidores, 0 governo tratou de impedir 0 desastre reunindomil
mendigos, armando-os com picaretase pas, fazendo-os desfilar pelas
ruas de Paris como se fossem um grupo de mineiros prontos para
partir rumo ao Eldorado. Claro, a estrutura desabou. Masquemti ..
danga dos timidos capitalistas de cem anos antes para a multidao
dos fique-rico-depressa acotovelando-se na Rue de Quincampoix;
que imensa fome de dinheiro tinha esse ptiblicopara que houvesse
engolido Ullla fraude tao descarada!
Nao ha qualquer dtivida, 0 processo terminara e 0 sistema
de mercado nascera. Assim, 0 problema da sobrevivencia nao seria
resolvido pOI' costumes nem pOI' imposig8.o, mas pela ag8.o livre,
com finalidade de lucro, de homens que tinham em comum entre
si apenas 0 mercado. 0 sistema iria ehamar-se capitalismo. Ea
ideia de lucro, que era sua base, iria enraizar-se com tanta firmeza
que logo os homens poderiam afirmar vigorosamente .que ela era
parte eterna e onipresente da natureza humana.
ontao, durante duzentos anos antes de· Adam. Smith, osfil6sofos
teciam suas teorias a respeitoda vida diaria,
Em tese, a primeira e infeliz luta pela existencia encontrou
seus princfpios e sua finalidade noactimulo deouro. Crist6vao
Colombo, Cortez eFrancis Drake nao eram apenas simples aven-
tureiros; eram considerados tambam comoagentesdo progresso
economico. Para os Bullionistas (como denominamos 0 grupo de
panfletarios e. ensaistas que escreveram sobre· comercio), estava
mais do que evidente que opoder nacional era 0 objetivo natural
do esforQoeconomico e que 0 ingrediente mais import ante do poder
nacional era 0 ouro. Pertencia a eles, tambam, a filosofia dos grandes
exarcitos e das aventuras, a riqueza real e a avareza nacional,
alem de uma profundamente arraigadacrenQa de que se.tudo fosse
permitido na busca da fortuna, uma naQao nao podia deixar dese
tornar pr6spera.
All pelo saculo dezoito a enfase inicial peloouro. come~ava a
parecer ridiculamenteingenua. Novas escolas depensamento surgiam
enfatizando cada vez mais 0comercio como a grande fonteda vitalidade
nacional. A questaofllos6ficaque eles se propuseramnao foicomo
controlar 0 mercadodo ouro, mas como criar cadavez mais riqueza,
,x<£:uliando a dasse il1crcantiJ a increment:;> '::n""fa
A nova filosofia nasceu com urn novo problema: como manter
os pobres pobres.· Eragenetalizadamenteadrnitidoque, se os pobres
nao fossem pobres, naoseriarnas "ferramentas" honestas para otra-
balho diario· que· nao pedimnpagamentos exorbitantes. "Paraformar
a Sociedade Feliz ..., a necessario que grande ntimero de pessoas con-
tinue a ser Ignorante e Pobre",30escreveu Bernard Mandeville, 0 mais
perspicaz e malavolo cronista social do inicio do seculo dezoito. Assim,
tambem os escritores mereantilistas observavam e aprovavam obarato
trabalho agricola e industrial da Inglaterra.
Ouro e cometcio nM eram as tinicas ideias que iInpunham
alguma especie de otdem no caos da vida cotidiana. Ravia incon-
taveis panfletarios, vigarios,excentricos·e fanaticos que clamavam
por justifica~8.o - ou danat;8.o - para a sociedade, com dezenas
de explicat;oes diferentes. Mas 0 problema residia em que todos as
modelos eram insatisfat6rios. Urn dizia que uma naQao evidente-
mente nao podia comprar mais do que vendia, enquanto que outroafirmava, numa teimosia empacada, que era evidente que uma
na~ao ficaria melhor Se recebesse mais do que desse em troca.
Alguns insistiam que era 0 comarcio que enriquecia uma naQao e
exaltavam os comerciantes; outros argumentavam que 0 comercio
A ideia precisava deuma filosofia.
Ja foi dito e repetido ate a e:x:austao que 0 animal humano
distingue·se dos demais pelo raciocinio. Isto parece significar que,
uma vez tendo formado sua sociedade,ele nao se contenta em
deixaro barco cotter: precisa poder dizer a si mesmo que a sociedade
particular em que vive a a melhor possivel de todas e que os arranjos
feitos nela espelham, ao seu pequeno modo, os arranjos que a pro-
videncia fez fora. dela. Portanto, cada era produz seus fi16sofos,
apologistas, criticos e reformadores.
Mas as questOes com as quais os primeiros fil6sofos sociais
sepreocupavam focalizavam·se mais na politica do que no lado
economico da vida. Enquanto os costumes e a imposi~ao governavam
o mundo, 0 problema dos ricos e dospobres nao incomodava os
antig-osfil6sofos:eraaceito com urn suspiro ou rotuladocomomais
um.sinal da intimabaixeza humana. Enquanto oS homens,.como
abelhas, nascessempara ser ou nao zangoes, ninguem se preocu-
pana muitocom a racionalidade do trabalho dos pobres - os ca-
das i'uinhas 8i'aiH muito mais etevados e fascinanLes
"Desde a horado nascimento" - escreveu Arist6teles - "al-
guns estao desti:p.ados a sujei~ao, outros ao dominio"29, e nesteco-
menMrioretine·senao apenas 0 desdem como tambem a indiferenQa
cOmque oSantigos fil6sofos olhavam omundo trabalhador da epoca.
.A.existencia de urn vasto substratotrabalhador era simplesmente
tomadopor cerlo; asquestOes de dinheiro e de mercado eram nao
a.penas muito enfadonhas, cOmOtambemvulgares demais para me-
reCera consideraQao de cavalheiros e sabios. Eram urn direito dos
reis,divinoounao, e eram asgrandes questoes do poder temporal
e do poder espiritual que constituiam a arena para ideias contes-
tadol'as - nao as pretensoesde atrevidos mercadores. Embora os
ricos desempenhassem seupapel para fazer 0 mundo girar,ate
que a lutapela riqueza se tornasse generalizada, onipresente e de
uma clareza vital para a sociedade, nao houve necessidade de uma
filosofia geral para a riqueza.
Mas nao se pOde ignorar 0 desagradavel e batalhador aspecto
do mundo mercantil por muito tempo, porque coma-se 0 risco de
ser fulminado pOl'ele. Aflnal, quando 0 mercado .penetrou no san-
tuario dos fil6sofos, foi 0 caso de se indagar cOmoas evidencias de
alguns padroes principais podiam ainda nao tel' sido vistas. Ate
era apenas urn crescimento parasita sobre 0 corpo fortedos fazen-
deiros. Existia quem dissesseque Deus havia determinadoque os
pobres fos~em pobres e que mesmo que assim nao fosse, sua pobreza
era essenclal para a riqueza da nagao; e havia quem visse a miseria
como urn mal social. e nao conseguisse perceberde. que maneira a
pobre~a· podia. gerar riqueza.
A parte 0 melee de racionalizagoes contradit6rias, apenas uma
coisa sobressaiu com a maior clareza: 0 homem insistia em uma
especie de organiza(;ao intelectual que 0 ajudasse a compteender
o mundo no qual vivia. 0 duro e desconcertante mundo economico
que se tomava cada vez mais importante. Nao e de admirar que
? dr. Samuel Johnson tenha dito: "Nao ha nada que mais exija ser
l1ustrado pela filosofia do que 0 comercio. "31 Em urna palavra, che-
gara o tempo dos economistas.
Foracio melee surgiu tambem urn fil6sofo de espantosa en-
verglildura.A,damSmith publicou seuJnquiry.into·the Nature and
Ca,u8esofth,eWea,lth of Nations (Estudo sobre a NaturezaeCausas
daRiqllezadas Na(;oes)em 1776, adicionando.umsegundo acon-
tecimento revolucionario a esseano decisivo. Uma democracia po-
litica nascera de urn lado do oceano; urn program a de agao econo-
mica desdobrava-se do ou.tm. Mas se naif) e1('~ a totalida,:L", •. --_'~"'t"-
a seguir a lideranga politica da America, depois que Smith pintou
o ~rimeiro verdadeiroquadrodasociedade modema, todo 0 mundo
oCldental tomou-se 0 ml.indo de Adam Smith: suavisao tomou-se
areceita para os.olhos degera(;oes. Adam Smithnuncateria pen-
slil,cioeIIl si mesmo como urn revolucionario; apenas procurou ex-
pllcar o que parae1e era muito claro, sensivel e conservador. Mas
~euao IIlundo urna imagem. de sime~mo calcada. no que estava
pesquisando. Depois de Th,eWealth of Nations , os homens passaram
a.ver 0IIlundQ cQmnovoso!hos; perceberamde que modo os tra-
ba1llosquedeseIIlpenhavam encaixavam-sena sociedade e viram
que ..essasQciedadeestava. dando urn majestoso pasSQ nadiregaQ
de llma meta distante, mas ja claramente visivel.
o MUNDOMARAVILHOSODE
ADAM SMITH
AIguern que visitasse a Inglatetra nosanos1760>provave1-
mente ouviria falar de urn. certo Adam Smith, daUniversidacie de
Glasgow. 0 dr. Smith era· urn homem muito conhecido,se nao
famoso; Voltaire ouvira falar dele, David Hume era seu amigo in-
·:&studaIiltes Ie, "~-".r~/" 6:, 'i, '><1l";2;,{}; ~}~';I.}:,J
suaselaboradas, porem entusi€lsticas,exposigoes. AMrn dotenome
que angariara pelostrabalhos acad~micosquefizera, 0 dr. Smith
tomara-sefamosopelanotavelper~onalidade.Era,por ~"emplo,
notoriamente distraid~:. uma vez,catninh~ndoenquanto conver~aya
assuntos .serios. com urn ami~o, ••ele c~iu num .•buraco; .contatntaIll"
hem que fezuma bebida fennentada, a partir de pao e man-teiga,
bebeu-a e depois comentouque aquele era opiorcMquejatQmara.
Mas suassingularidades, que eram muitas, nao interferiamnas
habilidades intelectuais. Adam Smith estava entre os primeiros
fi1680f08·de sua epoca.1
Em Glasgow, Adam Smith davaaulas de Filo8ofia Moral, urna
disciplina deconcepl;ao muito mais ampla naquele tempo dQ que ha
atualidade. A Filos6fia Moral englobava TeologiaNatural, Etica, Ju-
risprudencia e EconQmia Politics: tudo isso orientado 0 tempo tQdo,
a partir dos mais sublimes impulsos do homem em relagao a ordem
e a harmonia, em dire~o a atividades rnenos ordeiras e harmcmiosas
na lirida atividade para conseguir viver por si mesmo.
A teologia· natural -. a ·husca.por urn designio na. confusao
do cosmo -- havia sido objetodo impulso racionalista humano desde
os tempos rernotos;nosso visitante iria sentir-se muito a vontade

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