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Educacao e Luta de Classes

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Dados lnternacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP) 
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Ponce, Anfbal, 1898-1938 
Educavao e !uta de classes I Anfbal Ponce, traduvao de Jose 
Severo de Camargo Pereira.- 18. ed.- Sao Paulo: Cortez, 2001. 
Bibliografia 
ISBN 85-249-0241-8 
1. Conflito social 2. Educavao- Hist6ria I. Titulo II. Serie. 
90-0131 
lndic~s para catalogo sistematico: 
1. Educavao : Hist6ria 370.9 
2. Educavao e Sociedade 370.19 
3. Luta de classes: Sociologia 303.6 
CDD-370.9 
-303.6 
-310.19 
ANiBAL PONCE 
Traduc;iio de 
Jose Severo de Camargo Pereira 
(Do Instituto de Matematica e Estatfstica da USP) 
18aedigao 
@C.ORTEZ 
~EDITORQ 
EDUCA<;:AO E LUTA DE CLASSES 
Anfbal Ponce 
Capa: DAC 
Revisiio: Agnaldo Alves de Oliveira 
Composit;iio: Dany Editora Ltda. 
Coordenar;iio editorial: Danilo A. Q. Morales 
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem 
autoriza(iao expressa do tradutor e do editor. 
©do esp6Iio 
Direitos para esta edi(iao 
CORTEZ EDITORA 
Rua Bartira, 317 - Perdizes 
05009-000 - Sao Paulo - SP 
Tel.: (II) 3864-0111 Fax: (II) 3864-4290 
E-mai I: cortez@ cortezedi lora. com. br 
www.cortezeditora.com.br 
Impresso no Brasil- abril de 2001 
SUMARIO 
Prefacio da segunda edic;:ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
Prefacio da traduc;:ao brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 
I. A EDUCA~AO NA COMUNIDADE PRIMITIV A . . . . . . . . . 17 
II. A EDUCA~AO DO HOMEM ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
Primeira parte - Esparta e Atenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
III. A EDUCA~AO DO HOMEM ANTIGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
Segunda parte - Roma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
IV. A EDUCA~AO DO HOMEM FEUDAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 
V. A EDUCA~AO DO HOMEM BURGUES . . . . . . . . . . . . . . . . 111 
Primeira parte - Do Renascimento ate o Seculo XVIII . . . . Ill 
VI. A EDUCA~AO DO HOMEM BURGUES ................ 133 
Segunda parte - Da Revoluc;:ao Francesa ao Seculo XIX . . . 133 
VII. A NOVA EDUCA~AO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 
Primeira parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 
VIII. A NOV A EDUCA~AO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 
Segunda parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 
5 
PREFACIO DA SECUNDA EDI<;AO 
Em fins de 1963, veio a luz a primeira edic,:ao da traduc,:ao brasileira 
deste livro de Anfbal Ponce, publicado originalmente em 1937, pouco 
antes da tnigica e prematura1 morte do scu Autor, num desastre, no 
Mexico. Foi bern acolhida pela crftica e pelo publico em geral, mas a 
epoca escolhida para o seu lanc,:amento nao foi muito feliz, como logo se 
constatou pelos acontecimentos polfticos que se desencadearam no Brasil 
logo no inicio do ano seguinte. Os exemplares existentes em livrarias e 
depositos foram recolhidos compulsoriamente e durante o "qtiinqiii!nio 
revoluciomirio" seguinte a presente obra esteve fora de mercado no Brasil. 
1. Anfbal Norberto Ponce Speratti nasceu em Buenos Aires em 6 de junho de 1898 
e faleceu na Ciudad de Mexico etn 18 de maio de 1938, em conseqiiencia dos ferimentos 
recebidos num desastre de autom6vel ocorrido perto de Zitacuaro, na estrada que liga Morelia 
a Capital. 
Anfbal Ponce fez seus estudos elementares na cidade de Dolores e os secundarios no 
Colegio Nacional Central da capital argentina, ingressando em seguida na Faculdade de 
Medicina, que abandonou no 3° ano, sem completar o curso. 
Sua carreira de escritor, primeiramente como ensafsta e depois como fil6sofo, historiador 
e cientista, comec,:ou muito cedo, em 1917, na revista Nosotros, dirigida por Alfredo Bianchi. 
Em 1920, Ponce conhece Ingenieros, com quem conviveu estreitamente nos cinco anos seguintes 
e que o influenciou profundamente, moldando a mentalidade liberal, positivista e pre-socialista 
do jovem Anfbal. Com a morte de Ingenieros, Ponce continua sozinho o seu amadurecimento 
intelectual, encaminhando-se pouco a pouco para o materialismo dialetico, que acaba abrac,:ando 
definitivamente por volta de 1930, depois de uma estada na Europa, principalmente em Paris. 
De volta a patria, inicia Ponce uma militancia socialista ativa entre operarios e estudantes, 
especialmente entre estes ultimos, pronunciando conferencias, ministrando cursos e escrevendo 
artigos. Em 1930, funda com outros intelectuais portenhos o Colegio Livre de Estudos 
Superiores, onde ministrou, em 1934, urn curso de Hist6ria da Educac,:ao que se converteria, 
7 
Hoje, decorridos quase 20 anos desde o seu lanc;arnento original, ja 
ern "plena abertura", a traduc;ao brasileira de Educaci6n y Lucha de Clases 
esta sendo relanc;ada, praticarnente sern rnodificac;oes. Apenas as alterac;oes 
ortograficas necessarias e a atualizac;ao da nota (do Tradutor) n° 7 da 
pagina 156, segundo os dados do Censo de 1970, publicados no Anuario 
Estatfstico do Brasil, 1978. Essas inforrnac;oes atualizadas ( os dados do 
Censo de 1980 ainda nao forarn publicados) sao as seguintes: 
1. Pessoas de 10 anos e mais que sabem fer e escrever: 44.848.108 
(68%), das quais 22.889.036 sao hornens (51%) e 21.959.072, rnulheres 
(49%); 
2. Pessoas de 10 anos e mais que niio sabem fer e escrever: 
21.098.428 (32%), das quais 9.657.476 sao homens (46%) e 11.440.952, 
rnulheres (54%); 
3. Pessoas de 10 anos e mais que tern curso primario (de 4 anos) 
completo, inclusive cursos supletivos: 8.796.754; 
4. Pessoas que possuem curso media completo, inclusive cursos 
supletivos ( r e 2° graus): 4.789.776; 
5. Pessoas que possuem curso superior completo: 593.009. 
Jose Severo de Camargo Pereira 
Sao Paulo, fevereiro de 1981 
tres anos mais tarde, no presente livro. Em 1933, preside em Montevideu o Congresso 
Latino-Americano Contra a Guerra lmperialista. Em 1936, funda a revista Dialetica. 
Essa atividade politica acaba despertando a ira das autoridades ditatoriais argentinas 
(em 6/9/30, o Presidente Yrigoyen havia sido deposto pelo General Uriburu) e Ponce e 
demitido pelo General-Presidente Agostini Justo da sua catedra de Psicologia do lnstituto 
Professoral Secundario e do seu cargo no Laborat6rio do Hospicio de las Mercedes, sob o 
pretexto de que !he faltava urn diploma de curso superior para exercer essas fun~6es. 
Impedido de continuar trabalhando em sua patria, Ponce emigra entao para o Mexico, 
no infcio de I 937, onde continua sua carreira de professor e de escritor ate sua morte, no 
ano seguinte. Suas obras sao numerosas, com destaque especial para as seguintes publica~6es: 
Problemas de Psicologia lnfantil (1931), Dos Hombres: Marx y Fourier (1933), Ambicidn 
y Angustia de los Adolescentes (1936), Educacidn y Lucha de C/ases (1937), Humanismo 
Burgues y Humanismo Proletario (1938) e £1 Viento en el Mundo (1939), titulos nem sempre 
respeitados nas diversas edi~oes que conheceram. 
8 
PREFACIO DA TRADU<;AO BRASILEIRA 
Poi corn inegavel prazer que indicarnos este livro de Anfbal Ponce 
para integrar esta COLEyAO DE ESTUDOS SOCIAlS E FILOSOFICOS, 
e que nos encarregarnos da sua traduc;ao. Nao nos rnoveu, ao faze-lo, 
outro rnotivo que nao o de alargar os horizontes bibliograficos do leitor 
brasileiro ern geral, e dos alunos das nossas escolas norrnais, institutos de 
educac;ao e faculdades de filosofia ern particular. 
No campo da Hist6ria da Educac;ao, a bibliografia acessfvel ao leitor 
brasileiro e extrernarnente pobre. N6s nos lernbrarnos rnuito bern de que 
quando iniciarnos o nosso curso de escola normal - e bern verdade que 
nurna cidade do interior do estado, mas nurna cidade relativarnente grande, 
Piracicaba -, s6 tfnharnos a nossa disposic;ao dois livros nesse terreno: 
urn antigo e ja bastante surradocompendia frances, escrito por Gabriel 
Cornpayre, que lfarnos na biblioteca da escola, e as No~oes de Hist6ria 
da Educa~iio, de Afranio Peixoto, hoje, ao que sabernos, esgotadas, mas 
que, na epoca, conseguirnos cornprar, nurna bela encadernac;ao de percalina 
verrnelha, ern urna das livrarias da cidade. Ja quase no firn do curso, 
apareceu nas livrarias da rninha terra, que naquela ocasiao erarn quatro, 
e eu acho que ainda sao, outro livro de Hist6ria da Educac;ao, que foi 
urn sucesso, apesar de ser urna simples brochura, sem capa de percalina 
verrnelha e sern tftulo ern letras douradas: o de Paul Monroe, nao o 
grande, ern cinco volumes, ern ingles, que isso seria exigir dernasiado de 
livreiros do interior, mas o pequeno, a traduc;ao publicada pela Cornpanhia 
Editora Nacional na sua colec;ao intitulada Atualidades Pedag6gicas. E esta 
situac;ao de verdadeira penuria bibliografica nao rnudou rnuito no decenio 
seguinte: os rnesrnos dois livros rnencionados, rnais tres novas publicac;oes: 
urna de L. Luzuriaga, outra de T. M. Santos, arnbas tarnbern da Nacional, 
9 
e urn compendia publicado pela Saraiva. Mais urn decenio e, novamente, 
apenas mais dois livros vieram enriquecer o mercado brasileiro, ambos da 
Editora Nacional, urn de Rene Hubert e outro do ja citado Lorenzo 
Luzuriaga, mas este ultimo tratando somente de urn aspecto do problema: 
a hist6ria da educac;ao publica. Em rela<;:ao aos livros estrangeiros, a 
situa<;:ao nao era muito melhor: no interior, nada, mas nas livrarias das 
grandes cidades existiam a venda alguns poucos exemplares da primeira 
edi<;:ao castelhana da presente obra, e uns tantos mais do bern documentado 
e bern escrito livro de H. I. Marrou (Histoire de !'Education dans 
l'Antiquite), e nada mais. 0 trabalho de Marrou e urn born livro de 
Hist6ria da Educa<;:ao, nao ha como negar, mas o seu alto pre<;:o coloca-o 
fora do alcance do bolso do publico estudantil em geral, ao mesmo tempo 
que as suas massudas 600 paginas desencorajam qualquer leitor que nao 
esteja decididamente interessado em Hist6ria da Educa<;:ao, e isso dando 
de barato que o frances seja urn idioma facilmente lido e compreendido 
pela maioria dos nossos estudantes de pedagogia. Alem disso, esse livro 
de H. I. Marrou aborda apenas urn campo relativamente restrito dentro 
da Hist6ria da Educa<;:ao, mais restrito ainda do que o seu tftulo sugere, 
porque ele, na realidade, praticamente s6 trata da educa<;:ao na Grecia e 
no Imperio Romano. 
Nessas condi<;:oes, nao temos duvidas em afirmar que o presente 
livro de Anfbal Ponce vern contribuir bastante para aumentar a bibliografia 
acessfvel aos que se interessam pelos problemas hist6rico-educacionais em 
nossa terra. 
Mas o presente trabalho nao foi indicado por n6s a Editora Fulgor 
apenas porque sao poucas as obras de Hist6ria da Educa<;:ao existentes no 
mercado brasileiro. A nosso ver, o trabalho de Anfbal Ponce apresenta, 
sobre os mencionados, algumas vantagens. 
Em primeiro Iugar, ele nao e uma simples exposi<;:ao das pniticas 
pedag6gicas, dos sistemas escolares e das correntes filos6fico-educacionais 
que encontramos nos diferentes povos e nas diversas epocas da hist6ria 
da humanidade. 0 autor considera a educa<;:ao como urn fenomeno social 
de superestrutura e, portanto, defende, ao Iongo de toda a obra, a ideia 
de que bs fatos educacionais s6 podem ser convenientemente entendidos 
quando expostos conjuntamente com uma analise s6cio-econ6mica das 
sociedades em que tern Iugar. Assim, juntamente com a apresenta<;:ao dos 
fatos educacionais e com a exposi<;:ao das concep<;:5es filos6fico-educacionais, 
o Autor procura sempre, e as vezes com rara felicidade, fazer uma analise 
da subestrutura economica da sociedade correspondente. 
Em segundo Iugar, o presente livro nao e uma exposi<;:ao desconchavada 
da Hist6ria da Educa<;:ao. De fato, lendo-se o trabalho de Anfbal Ponce, 
10 
percebe-se claramente a existencia de uma ideia central ao Iongo de toda 
a obra. 0 Autor defende uma ideia, defende uma tese; ele mostra, atravcs 
dos sucessivos capitulos, isto e, atraves dos diversos povos e das diferentes 
epocas, que a principal caracterfstica da educa<;:ao, desde 0 instante do 
aparecimento da sociedade dividida em classes - vale dizer, desde o 
infcio dos tempos propriamente hist6ricos -, pode ser encontrada numa 
progressiva "populariza<;:ao" da cultura. Propriedade praticamente exclusiva 
das classes dominantes, a educa<;:ao era, inicialmente, negada quase que 
totalmente as classes menos favorecidas. Mas as transforma<;:oes economicas 
por que passaram inevitavelmente todas as sociedades foram provocando 
modifica<;:oes sensfveis no status quo, foram fazendo com que massas cada 
vez maiores de indivfduos tivessem acesso a uma educa<;:ao conveniente. 
Todavia, e claro que essas transforma<;:oes mencionadas nao ocorreram 
sempre suavemente. Muito ao contrario. As mais das vezes, as classes 
desfavorecidas tiveram de lutar, e freqtientemente de modo violento -
Revolu<;:ao Francesa e Revolu<;:ao Sovietica, os dois exemplos principais, 
a emancipa<;:ao da burguesia e a liberta<;:ao do proletariado - pelos seus 
direitos. Nessas condi<;:oes, no fim de contas, o estudo da Hist6ria da 
Educa<;:ao e inseparavel do estudo dessas lutas mantidas pelas classes 
desfavorecidas contra as classes dominantes, no sentido de conquistarem 
o direito sagrado de se educarem. 
Alias, essa ideia de defender uma tese ao Iongo de urn trabalho de 
Hist6ria da Educa<;:ao nao e propria unica e exclusivamente do livro de 
Anfbal Ponce. E o que tambem acontece, por exemplo, com o de Marrou, 
citado logo no infcio deste Prefacio. De fato, esse autor, logo na Introdu<;:ao 
do seu livro, esbo<;:a o plano geral do seu trabalho, tece considera<;:oes a 
respeito do fenomeno educativo em geral e tenta tra<;:ar a sua "curva 
evolutiva" a partir do seculo X a.C., afirmando que, a partir dessa data, 
a hist6ria da educa<;:ao reflete a passagem progressiva de uma cultura de 
nobres guerreiros, para uma cultura de escribas. Nao ha duvida de que a 
afirma<;:ao de Marrou e verdadeira, s6 que ele percebeu apenas uma faceta 
do problema e, na realidade, apenas a faceta exterior. Por detras da 
mudan<;:a apontada, existe toda uma realidade s6cio-econ6mica, toda uma 
!uta de interesses, toda uma !uta de classes, que nao foi percebida pelo 
autor frances. 
Outra caracterfstica importante do livro de Anfbal Ponce reside no 
Capftulo II da sua obra, em que o Autor trata do problema da educa<;:ao 
grega. Nao que haja, af, grandes novidades, na apresenta<;:ao ou na 
interpreta<;:ao dos fatos. Quase tudo que se encontra nesse capitulo pode 
tambem ser encontrado em Morgan, por exemplo, ou nos autores da 
chamada escola do materialismo hist6rico, em Engels, por exemplo. Mas 
isso nao quer dizer que a interpreta<;:ao apresentada da sociedade grega e 
II 
da sua educac;ao seja bastante conhecida. Ao contrario, e bastante comum, 
mesmo nos chamados bons livros de Historia da Educac;ao, ou de Historia 
da Civilizac;ao, encontrarmos interpretac;oes "romanticas", inteiramente di-
vorciadas da realidade. 
De fato, a epoca cantada por Romero - cerca de 1500 a.C. 
tern sido freqiientemente descrita como uma verdadeira "idade media", em 
virtude de possfveis analogias formais existentes entre a estrutura polfti-
co-economico-social da sociedade de entao, e a da Idade Media propriamente 
dita. Nessa linha de ideias, reconhece-se, comumente, que, nos primordios 
da sociedade grega, existia urn rei, que vivia cercado por uma aristocracia 
de guerreiros, uma verdadeira corte, no sentido moderno do termo. Essa 
comunidade de guerreiros teria durado ate o momento em que o rei, em 
paga dos servic;os recebidos, distribuiu, aos seus companheiros de armas, 
verdadeiros "feudos" que, pouco a pouco, foram-se tornando hereditarios. 
A cultura grega, nas suas origens, tern sido apresentada, por muitos 
historiadores, como urn privilegio dessa classe de guerreiros, cujos membros 
aparecem comoverdadeiros cavaleiros, no sentido medieval do termo. Eles 
sao apresentados como se entretendo com jogos de salao, com divertimentos 
musicais, com torneios de cac;a, com batalhas, como apreciadores da beleza, 
como respeitadores da mulher e como amantes das coisas do espfrito. 
Essa imagem da vida grega e inteiramente falsa. Na epoca heroica, 
cantada por Romero, a Grecia ja havia sido conquistada pelos helenos 
que, descendo das regioes montanhosas do Norte, subjugaram e expulsaram 
os habitantes da Helade. Nessa ocasiao, as tribos gregas ja se apresentavam 
unidas e habitavam cidades nao muito numerosas nem muito populosas, 
onde as gens e as fratrias viviam mais ou menos independentemente umas 
das outras. Ravia ja urn comec;o de aristocracia, baseada na incipiente 
desigualdade de fortuna ( desigualdade essa que, alias, viria a se acentuar 
demasiadamente com o correr do tempo), e a escravatura ja era uma 
pratica estabelecida, mas os antigos costumes comunistas tribais primitivos 
ainda nao estavam inteiramente esquecidos, nem havia desaparecido total-
mente a antiga organizac;ao social gentflica. 0 proprio Romero nos da 
disso testemunho, ao por na boca de Nestor estas palavras, dirigidas a 
Agamenon, por ocasiao da Guerra de Troia: "... disponha as tropas por 
fratrias e tribos, de modo que a tribo auxilie a tribo, e a fratria auxilie 
a fratria ... " (Ilfada, II, 362.) Por essa ocasiao, os gregos, do mesmo modo 
que outros povos do estagio superior da Barbarie, estavam organizados 
em gens, fratrias e tribos que, mais tarde, viriam a se unir para formar 
cidades-nac;oes, como a ateniense e a espartana, por exemplo. A autoridade 
polftico-administrativa estava nas maos de urn Conselho (Bule, em grego), 
prototipo dos senados modernos, formado pelos chefes de gens. Esse 
Conselho tomava resoluc;oes a respeito de todos os assuntos, mas tinha a 
12 
sua liberdade de ac;ao limitada por uma Assembleia Popular (Agora, em 
grego) naqueles problemas de magna importancia. Essa Assembleia era 
constitufda por todos os gentios e, nela, todos, sem excec;ao, tinham o 
direito de se fazerem ouvir. Ravia, ainda, urn chefe, impropriamente 
considerado como urn rei por muitos autores, o Basileus, que era eleito 
livremente pelos gentios. Esse chefe tinha func;oes sacerdotais, militares 
e, em alguns casos, tambem judiciais. 0 Basileus nao era, portanto, urn 
rei, nem na acepc;ao moderna da palavra, nem no sentido medieval do 
termo. No proprio Romero, nunca urn Basileus aparece desempenhando o 
papel de rei. Agamenon, por exemplo, que era urn Basileus, aparece na 
Ilfada apenas como o comandante supremo de urn exercito confederado, 
em operac;oes de guerra. E, mesmo como comandante militar supremo, o 
seu poder nao era discricionario, porque as suas ac;oes eram limitadas por 
uma Agora democratica. Aristoteles tambem testemunha no mesmo sentido 
de que o Basileus nao pode ser considerado urn rei. De fato, ao se referir 
a epoca heroica, afirma que a Basileia (Governo do Basileus, expressao 
essa que, muitas vezes, tern sido impropriamente traduzida pela palavra 
reino) era urn governo sobre homens livres, e que o Basileus era, ao 
mesmo tempo, urn chefe militar, urn juiz e urn sacerdote. Confira-se, nesse 
sentido, Aristoteles: Polftica, capftulos IX e X. 
Urn dos principais responsaveis por essa falsa interpretac;ao da 
estrutura polftico-social da sociedade grega da epoca heroica foi urn escritor 
ingles do seculo passado, Gladstone, que, no seu livro Juventus Mundi, 
apresentou os chefes gregos como reis e prfncipes adornados por qualidades 
"cavalheirescas". Desde essa epoca, como faz ressaltar Haldane (La Filosoj{a 
Marxista y las Ciencias), essas inverdades historicas tern sido constantemente 
repetidas e difundidas. 
A respeito desse assunto, as palavras de Morgan nao deixam margem 
a qualquer duvida: "A Monarquia e incompatfvel com as instituic;oes 
gentflicas pelo fato de estas serem essencialmente democraticas. Cada gen, 
fratria ou tribo era urn corpo autonomo, completamente organizado; e onde 
varias tribos se fundiram em uma nac;ao, o governo resultante estava 
organizado em harmonia com os princfpios que animavam as suas partes 
constituintes." Confira-se Morgan: La Sociedad Primitiva, pagina 224. 
Consulte-se, tambem, no mesmo sentido, o excelente e poucas vezes citado 
livro de Fustel de Coulanges: A Cidade Antiga. 
Nao devemos, portanto, ter duvidas de que, nos seus primordios, as 
instituic;oes polftico-sociais dos gregos eram essencialmente democraticas, 
pela razao mesma de serem gentflicas. 
E so a partir do seculo VII a.C., mais ou menos, que essas instituic;oes 
comec;aram a sofrer transformac;oes de vulto, como uma conseqiiencia das 
13 
mudanc;:as experimentadas pela infra-estrutura econ6mica da sociedade grega 
de entao. Ate essa epoca, as tribos gregas viveram baseadas numa economia 
quase que inteiramente agricola. Ravia ainda alguma atividade pastoril e 
tambem urn pouco de industria domestica. Nao se cogitava de trocas de 
caniter propriamente comercial; nas obras de Romero, sao poucos os 
comerciantes que aparecem, e, assim mesmo, estrangeiros, fenfcios. Os 
gentios eram os donos da terra, e a trabalhavam por suas pr6prias maos, 
auxiliados por seus familiares e tambem por escravos. Mas e conveniente 
esclarecer que, ate essa epoca, esses escravos eram os descendentes dos 
antigos habitantes da regiao, ou eram prisioneiros de guerra, a quem se 
perdoara a vida em troca de trabalho; ainda nao se cogitava da escravizac;:ao 
dos companheiros tribais, mas esta nova escravidao nao deveria tardar a 
aparecer, com o advento do capitalismo comercial, que ja se fazia anunciar. 
Mas, a partir do seculo VII a.C., a economia comercial, com o 
maior rendimento do trabalho humano, produzido pelas novas tecnicas 
descobertas, comec;:ou a sobrepujar nitidamente a economia agricola gentflica 
que predominara ate entao, provocando modificac;:oes de vulto na estrutura 
social, as mais importantes das quais foram a acentuac;:ao das desigualdades 
de fortuna, que Jevaram ao aparecimento das classes sociais, o aparecimento 
da escravidao dos companheiros tribais, o desaparecimento das instituic;:oes 
gentflicas democraticas, a busca e a conquista de novos mercados etc. 
Essas modificac;:oes na estrutura social, como nao poderia deixar de ser, 
tiveram importantes reflexos na educac;:ao. Mas nao e necessaria continuar 
porque, agora, nao farlamos mais do que repetir a materia exposta, e com 
muita propriedade, no Capitulo II. Uma observac;:ao, ainda, em todo caso. 
0 Autor passa muito de !eve sobre urn dos importantes aspectos da 
educac;:ao grega: o problema da homossexualidade e da pederastia, que 
impregnaram toda a vida grega e, em particular, a educac;:ao. Nao e este 
o momento adequado para tecermos considerac;:oes a respeito do assunto, 
porque este Prefacio ja vai Iongo demais, mas nao nos podemos furtar a 
obrigac;:ao de chamar a atenc;:ao do leitor para a importancia do problema 
- basta lembrar, por exemplo, o "batalhao sagrado de Tebas", formado 
por pares de jovens amantes - indicando, por exemplo, o citado livro 
de Marrou, onde ha urn born estudo do problema, e onde o Jeitor interessado 
tambem encontrara indicac;:oes bibliograficas especializadas. 
0 presente livro de Anfbal Ponce apresenta ainda outra vantagem 
que, eventualmente, para certo tipo de leitor, poderia ser uma desvantagem. 
E urn livro de sfntese. Sao quase duzentas paginas para tratar de toda a 
hist6ria da educac;:ao, desde as sociedades primitivas, ate as tendencias 
educacionais contemporaneas. "Nessas condic;:oes, e evidente que o Autor 
tern de se Jimitar a discutir OS problemas tratados em rapidas pinceJadas, 
que apanhem, apenas, as linhas gerais de desenvolvimento, deixando 
14 
praticamente de lado qualquer analise mais detalhada da situac;:ao. Trata-se, 
portanto, de uma obra de sfntese e isso, como dissemos, pode ser urn 
bern, ou pode ser urn mal, dependendo do tipo de leitor considerado.E 
urn bern porque se trata de urn tipo de livro de leitura mais amena, menos 
cansativa e mais interessante, capaz de atingir urn publico bastante numeroso, 
composto tanto pelo leitor nao iniciado nos problemas de hist6ria da 
educac;:ao, que deseja, apenas, uma visao geral do assunto, quanto pelo 
leitor especialista na materia, que dcseja uma obra de coroamento de 
estudos, que possa sintetizar, em poucas linhas, as muitas informac;:oes, 
talvez urn pouco desconexas, que tern a respeito da educac;:ao das diversas 
sociedades e das diferentes epocas. E isso porque esta obra de Anfbal 
Ponce, apesar de ser de sfntese, nao e superficial. Por outro !ado, o 
presente trabalho nao se destina aqueles que pretendem realizar urn estudo 
minucioso e sistematico dos problemas hist6rico-educacionais, porque esses 
nao irao encontrar, nesta obra, os detalhes informativos por que anseiam. 
Foi pelas raz6es expostas acima que indicamos, com prazer, o 
presente livro de Anfbal Ponce, para integrar esta COLE<;AO DE ESTUDOS 
SOCIAlS E FILOSOFICOS, da Editora Fulgor. 
Sao Paulo, marc;:o de 1963 
JOSE SEVERO DE CAMARGO PEREIRA 
15 
Victoria Miranda
CAPITULO I 
A EDUCA\=AO NA COMUNIDADE PRIMITIV A 
Os trabalhos de Morgan· a respeito dos indios norte-americanos 
tao admirados por Marx, a ponto de inspirar-lhe urn livro que, alias, 
apenas teve tempo de esbor;ar, mas que Engels conseguiu reconstruir em 
grande parte
2 
- demonstraram a existencia de urn comunismo tribal como 
origem pre-hist6rica de todos os povos conhecidos. 
Coletividade pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra 
e unida por lar;os de sangue3, os seus membros eram indivfduos livres, 
com direitos iguais, qu~e ajustaram as suas vidas as resolur;oes de UIJl 
conselho forrnado democraticamente por todos os adultos, homens e 
IJ1Ulheres, da tribo. 0 que era produzido em comum era repartido com 
todos, e imedlatamente consumido. 0 pequeno desenvolvimento dos ins-
trumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que o necessaria 
para a vida cotidiana e, portanto, a acumular;ao de bens. 
Mesmo em tribos contemporaneas, como acontece no sudoeste de 
Vit6ria, muitas vezes nao se encontra nenhum instrumento de produr;ao 
alem de uma grosseira acha de pedra. Apenas com tais recursos, e 
I. Morgan: La Sociedad Primitiva. 
2. Engels: El Origen de Ia Familia, de Ia Propiedad Privada y del Estado. No pr6logo 
da primeira edic;:iio, aparecida em 1884, Engels afirmava que o seu Iivro constitufa a execuc;:iio 
de urn testamento, na medida em que procurava suprir, com dificuldade e baseado em 
anotac;:iies de Marx, o livro que este nao havia podido terminar. 
3. A palavra gens, que Morgan empregava para designar estas comunidades, significa 
engendrar e alude ao caniter de urn grupo que se jacta de ter uma ascendencia comum. 
17 
perfeitamente compreensfvel que a tribo despenda todas as horas de cada 
dia s6 para substituir o que foi consumido no dia anterior. Se o estagio 
de desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domfnio que 
ela conseguiu sobre a natureza, e evidente que o nfvel das comunidades 
primitivas nao poderia ser mais baixo. Escrava da natureza, a comunidade 
persistia, mas nao progredia. 
A execu~ao de determinadas tarefas, que apenas urn membra da 
comunidade nao podia realizar, deu Iugar a urn precoce come~o de divisao 
de trabalho de acordo com as diferen~as existentes entre os sexos, mas 
seni o menor submetimento par parte das mulheres. Como debaixo do 
mesmo teto viviam muitos membros da comunidade - e, as vezes, a 
tribo inteira -, a dire~ao da economia domestica, entregue as mulheres, 
nao era, como acontece entre n6s, urn assunto de natureza privada, e sim 
uma verdadeira fun~fi_o publica, socialmente tiio necessaria quanta a de 
fornecer alimentos, a cargo dos homens. Entre os bosqufmanos atuais, por 
exemplo, as mulheres, alem de cuidarem do acampamento, recolhem as 
larvas, as formigas e os gafanhotos que fazem parte da sua alimenta~ao, 
e sao tao conscientes da igualdade dos seus direitos em compara~ao com 
os homens que, segundo conta Paul Descamps, nao dao formigas aos seus 
esposos sempre que estes fracassam nas suas ca~adas ... 4. 
Na comunidade primitiva, as mulheres estavam em pe de igualdade 
com os homens5, e o mesmo acontecia com as crian~as. Ate os 7 anos, 
idade a partir da qual ja deviam come~ar a viver as suas pr6prias expensas, 
as crian~as acompanhavam os adultos em todos os seus trabalhos, ajuda-
vam-nos na medida das suas for~as e, como recompensa, recebiam a sua 
por~ao de alimentos como qualquer outro membra da comunidade. A sua 
educa~iio niio estava confiada a ninguem em especial, e sim a vigilancia 
difusa do ambiente. Merce de uma insensfvel e esponti'inea assimila~ao do 
seu meio ambiente, a crian~a ia pouco a pouco se amoldando aos padroes 
reverenciados pelo grupo. A convivencia diaria que mantinha com os 
adultos a introduzia nas cren~as e nas praticas que o seu grupo social 
tinha por melhores. Presa as costas da sua mae, metida dentro de urn 
saco, a crian~a percebia a vida da sociedade que a cercava e compartilhava 
dela, ajustando-se ao seu ritmo e as suas normas e, como a sua mae 
andava sem cessar de urn lado para o outro, o aleitamento durava varios 
4. Descamps: Etat Social des Peuples Sauvages, p:ig. 129. 
5. Uma das ideias mais absurdas que nos transmitiu a filosofia do seculo XVIII e a 
de que, na origem da sociedade, a mulher foi escrava do homem. Entre todcis os selvagens 
e entre os b:irbaros do estagio medio e inferior, e em grande parte ate mesmo entre os do 
est:igio superior, a mulher nao s6 tern uma posi~ao livre, como tambem e muito considerada. 
Engels, ob. cit., p:ig. 46. 
18 
1 
anos, a crian~a adquiria a sua primeira educa~ao sem que ninguem a 
dirigisse expressamente.6 
Urn pouco mais tarde, quando a ocasiao o extgta, os adultos 
explicavam as crian~as como elas deveriam comportar-se em determinadas 
circunstancias. Usando uma terminologia a gosto dos educadores atuais, 
dirfamos que, nas comunidades primitivas, o ensino era para a vida e 
por meio da vida; para aprender a manejar o arcos a crian~a ca~ava; para 
aprender a guiar urn barco, navegava. As crian~as se educavam tomando 
parte nas fun~6es da coletividade. E, porque tomavam parte nas fun~oes 
sociais, elas se mantinham, nao obstante as diferen~as naturais, no mesmo 
nfvel que os adultos. 
Nunca eram as crian~as castigadas durante o seu aprendizado. "Dei-
xam-nas crescer com todas as suas qualidades e defeitos. As crian~as sao 
mimadas pela mae e quando, em algtim momenta de impaciencia, esta 
chega a castiga-las, o pai por sua vez castiga a impaciente."7 Apesar de 
entregues ao seu proprio desenvolvimento - Bildung, como diriam seculos 
mais tarde Goethe e Humboldt -, nem por isso as crian~as deixavam de 
se converter em adultos, de acordo com a vontade impessoal do ambiente: 
adultos tao identicos uns aos outros que Marx dizia, com justi~a, que 
ainda se encontravam ligados a comunidade por urn verdadeiro "cordao 
umbilical". 8 
Este fato parece-me suficientemente importante para justificar urn 
momenta de reflexao. Se os pais deixavam os filhos em completa liberdade, 
como e que os adultos iriam assemelhar-se tanto, uns aos outros, mais 
tarde? Se nao existia nenhum mecanismo educativo especial, nenhuma 
"escola" que imprimisse as crian~as uma mentalidade social uniforme, em 
virtude . de que a anarquia da infancia se transformava na disciplina da 
maturidade? Estamos tao acostumados a identificar a Escola com a Educa~ao, 
e esta com a no~ao individualista de um educador e um educando, que 
nos custa urn pouco reconhecer que a educa~iio na comunidade primitiva 
era uma fun~iio espontanea da sociedade em conjunto, da mesma forma 
que a linguagem e a moral. E, do mesmo modo que e 6bvio que a 
crian~a nao precisa recorrer a nenhuma institui~ao para aprender a falar, 
tambem devemos reconhecer como nao menos evidente que, numa sociedade 
em que a totalidade dosbens esta a disposi~ao de todos, a silenciosa 
6. Letourneau: L'Evolution de !'Education dans les Diverses Races Humaines, p:ig. 39. 
7. Descamps, ob. cit., p:ig. 82. 
8. Marx: El Capital, tomo I, p:ig. 54, da tradu~ao de Justo. 
19 
imita~iio das gera~oes anteriores9 pode ser suficiente para ir levando a 
uma meta comum a inevitavel desigualdade dos temperamentos indivi-
duais. 
Devemos, entao, dizer que o primitivo niio recebia uma educa~iio 
de acordo com a sua "natureza"? Se, por "natureza", quisermos significar 
a "essencia do homem", tal como apareceria se eliminassemos as influencias 
sociais, salta aos olhos o absurdo da pergunta. Nunca, em nenhum momento, 
existiu urn homem nessas condic;oes. 0 homem, enquanto homem, e social, 
isto e, esta moldado por urn ambiente historico de que nao pode ser 
separado. 
0 homem das comunidades primitivas tambem tinha uma concep~iio 
propria do mundo, ainda que nunca a tivesse formulado expressamente. 
Essa concepc;iio do mundo, que nos parece pueril, refletia, por urn lado, 
o fnfimo domfnio que o primitivo havia alcanc;ado sobre a natureza e, 
pelo outro, a organiza~iio econ6mica da tribo, estreitamente vinculada a 
esse domfnio. Uma vez que na organiza~iio da comunidade primitiva niio 
existiam graus nem hierarquias, o primitivo sup6s que a natureza tambem 
estava organizada desse modo: por esse motivo, a sua religiiio foi uma 
religiao sem deuses. Os primitivos acreditavam em forc;as difusas10 que 
9. "Sob o regime tribal, a caracterfstica essencial da educa~ao reside no fato de ser 
difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do cia. Nao M mestres 
determinados, nem inspetores especiais para a forrna~ao da juventude: esses papeis sao 
desempenhados por todos os anciaos e pelo conjunto das gera~oes anteriores." Dukheim: 
Education et Sociologie, pag. 81. 
10. Os primitivos tern uma interessante "concep~ao religiosa" a respeito do mundo em 
geral: o animismo. De acordo com essa concep~ao, acreditam que o mundo, desde os objetos 
inanimados, ate o homem, esta habitado por uma multidao de espfritos benfazejos e malfazejos. 
Mas esses espfritos nao "pertencem" ao objeto que habitam no momento, porque sao passfveis 
de transmigra~ao. Originariamente, esses espfritos eram quase materiais, mas, depois de uma 
evolu~ao mais ou menos prolongada, come~aram a se desmaterializar, convertendo-se em 
"puros espfritos". 0 animismo pode ser dividido em dois perfodos: pre-animismo (animatismo, 
para alguns autores) e animismo propriamente dito. No primeiro perfodo, o mundo ainda 
nao esta povoado por espfritos, de modo que o homem seria capaz de influenciar diretamente 
a natureza, pela propria for~.a do seu pensamento. E de se notar que nunca se encontrou 
urn povo primitivo que estivesse exclusivamente na fase pre-animista. No perfodo animista 
propriamente dito surgem os espfritos e, simultaneamente, o primitivo passa a acreditar que 
e capaz de influenciar a natureza de dois diferentes modos: diretamente, pelo poder do seu 
pensamento (artes magicas), e indiretamente (sortilegios), influenciando em primeiro Iugar 
os espfritos que a governam. Esses dois modos de influenciar o mundo exterior coexistem 
e se completam. 
No pensar de certos autores, o animismo seria urn estagio natural na evolu~ao da 
humanidade, que passaria por Ires etapas principais no seu desenvolvimento, a saber: fase 
animista-mitol6gica, fase religiosa e fase cientffica. (Nota do Tradutor.) 
20 
f' 
I' 
I 
" 
impregnavam tudo o que ex1stia, da mesma maneira que as influencias 
sociais impregnavam todos os membros da tribo. 11 
Dessa concepc;iio do mundo - a unica possfvel numa sociedade 
rudimentar em que todos os seus membros ocupavam a mesma posic;iio 
na produc;iio - derivava logicamente o ideal pedag6gico a que as crianc;as 
deveriam se ajustar. 0 dever ser, no qual esta a raiz do fato educativo, 
lhes era sugerido pelo seu meio social desde o momento do nascimento. 
Com o idioma que aprendiam a falar, recebiam certa maneira de associar 
ou de idear; com as coisas que viam e com as vozes que escutavam, as 
crian~as se impregnavam das ideias e dos sentimentos elaborados pelas 
gera~6es anteriores e submergiam de maneira irresistfvel numa ordem 
social que as influenciava e as moldava. Nada viam e nada sentiam, a 
niio ser atraves das maneiras consagradas pelo seu grupo. A sua consciencia 
era urn fragmento da consciencia social, e se desenvolvia dentro dela. 
Assim, antes de a crianc;a deixar as costas da sua mae, ela ja havia 
recebido, de urn modo confuso certamente, mas com relevos pondeniveis, 
o ideal pedagogico que o seu grupo considerava fundamental para a sua 
propria existencia. Em que consistia esse ideal? Em adquirir, a ponto de 
torna-lo imperativo como uma tendencia organica, o sentimento profundo 
de que niio havia nada, mas absolutamente nada, superior aos interesses 
e as necessidades da tribo. 12 
Se desejassemos, agora, ir colocando marcos decisivos para o de-
senvolvimento deste curso, poderfamos dizer que, numa sociedade sem 
classes como a comunidade primitiva, os fins da educa~ao derivam da 
estrutura homogenea do ambiente social, identificam-se com os interesses 
comuns do grupo e se realizam igualitariamente em todos os seus membros, 
de modo espontaneo e integral: espontaneo na medida em que niio existia 
II. Nao creio ser necessano recor.dar aqui os trabalhos classicos de Durkheim, de 
Levy-Bruhl e .da sua escola, que confirmam amplamente as interpreta~oes marxistas, tal como 
Bucarin o indicou em La Tlu!orie du Materialisme Historique, pag. 218. 
12. Na sessao de 2 de junho de 1929 da Sociedade Francesa de Filosofia, quando de 
uma discussao a respeito da "alma primitiva", Levy-Bruhl mostrou bern que nas sociedades 
inferiores "a unidade nao reside no indivfduo e sim no grupo de que este sente ser membro. 
Em algumas sociedades, esta solidariedade assume urn carater quase organico". Cf. Bulletin 
de Ia Societe Franraise de Philosophie, agosto-setembro de 1929. Nestas condi~oes, em 
rela~ao a essas sociedades, e absurdo falar de "subordina~ao do indivfduo a sociedade", 
como muitos o fazem - Auspiais entre eles - e isso pela simples razao de que a no~ao 
de indivfduo ainda nao esta formada. 
Marx tinha razao quando dizia que "no infcio da civiliza~ao nao sao as pessoas 
individuais e sim famflias, tribos etc. que se opoem umas as outras" (Cf. El Capital, tomo 
I, pag. 269, da tradu~ao de Justo), mas se equivocava, como reconheceu mais tarde, ao crer 
que a familia fosse anterior a tribo. 
21 
nenhuma institui~ao destinada a inculca-los, integral no sentido que cada 
membra da tribo incorporava mais ou menos bern tudo o que na referida 
comunidade era possfvel receber e elaborar. 
Este conceito de educa~ao, como uma fun~ao espontanea da sociedade, 
mediante a qual as novas gera~6es se assemelham as mais velhas 13 , era 
adequado para a comunidade primitiva, mas deixou de se-lo a medida que 
esta foi lentamente se transformando numa sociedade dividida em classes. 14 
0 aparecimento das classes sociais teve, provavelmente, uma dupla 
origem: o escasso rendimento do trabalho humano e a substitui~ao da 
propriedade comum pela propriedade privada. 15 
}
0 Ja dissemos que, na comunidade primitiva, uma divisao rudimentar 
do trabalho distribuiu precocemente as tarefas, em fun~ao de sexo e idade. 
Mas a diferencia~ao nao parou af. A distribui~ao dos produtos, a admi-
nistra~ao da justi~a, a dire~ao das guerras, a supervisao do sistema de 
irriga~ao etc. foram exigindo, pouco a pouco, certas formas de trabalho 
social ligeiramente diferentes do trabalho material propriamente dito. Com 
as rudimentares tecnicas da epoca, o trabalho material era de tal modo 
cansativo que o indivfduo que se dedicava ao cultivo da terra, por exemplo, 
nao podia desempenhar, ao mesmo tempo, nenhuma das outras fun~6es 
que a vida tribal exigia. Portanto, o aparecimento de urn grupo de individuos 
13. Ernst Krieck escreveu paginas muito justas arespeito da educavao espontanea que 
brota da convivencia. Cf. Bosquejo de /a Ciencia de /a EducachJn, pags. 29, 34 e 67. No 
entanto, a sua incompreensao do marxismo impediu-o de desenvolver com exatidao o seu 
pensamento. Tudo quanto escreveu a respeito da influencia da "comunidade" e inatacavel 
enquanto se aplica a comunidade primitiva, mas carece de valor para as comunidades nao 
homogeneas, como sao todas as sociedades divididas em classes. 0 mesmo podemos dizer 
de Wyneken e de Durkheim, se bern que o ultimo tenha suspeitado que a educavao difere 
em funvao das classes sociais. 
14. 0 Capitulo LII do Le Capital (tomo XIV, pags. 219-221, da traduvao de Molitor) 
chama-se As Classes, e Marx, nele, perguntava que e que forma uma classe? Mas e sabido 
que, infelizmente, o manuscrito do Capital ficou interrompido nesse ponto. 
Bucarin define classe social como "urn conjunto de indivfduos que desempenham a 
mesma funvao na produ~ao, e que tern, na produvao, identicas relav6es com os indivfduos 
e os meios de trabalho". (La Theorie du Mate~lisme Historique, pag. 229.) 
Lenine, num discurso pronunciado no III Congresso Pan-Russo da Uniao das Juventudes 
Comunistas, de modo mais didatico e expressivo, definiu classe social do seguinte modo: 
"Que sao as classes em geral? E o que permite a uma fravao da sociedade ~propriar-se do 
trabalho da outra. Se uma fra~ao da sociedade apossar-se de todo o solo, passaremos a ter 
a classe dos proprietarios da terra e a classe dos camponeses. Se uma fravao da sociedade 
possui as fabricas, as av6es e o capital, enquanto a outra trabalha nessas fabricas, temos a 
classe dos capitalistas e a dos proletarios." \ 
15. Cf. Engels: Anti-Diihring, pags. 190 e 308. No mesmo sentido, cf. Bucarin: La 
Theorie du Materialisme Historique, pag. 309. 
22 
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libertos do trabalho material era uma conseqiiencia inevitavel da fnfima 
produtividade da for~a humana de trabalho. 16 
Apesar de estarem sob a tutela da comunidade - porque nao se 
lhes reconhecia nenhuma importancia especial -, os "funcionarios" que 
receberam a custodia de determinados interesses sociais fizeram derivar 
desses interesses certa exalta~ao de poderes. 0 encarregado da distribui~ao 
de vfveres, por exemplo, dispunha de alguns homens que cuidavam dos 
depositos, e nao e diffcil imaginar de que maneira a sua relativa preeminencia 
foi-se convertendo com o tempo numa verdadeira hegemonia. No entanto, 
para nos tern importancia ressaltar que as classes sociais, que, posterior-
mente, chegaram a ser "privilegiadas", desempenhavam, no inicio, fum;;oes 
uteis. A sua relativa supremacia inicial foi, a principia, urn fato aceito 
voluntariamente e, de certo modo, espontaneo. Qualquer desigualdade de 
inteligencia, de habilidade ou de carater poderia servir de base para uma 
diferen~a que, com o tempo, poderia engendrar urn submetimento. 
No punho de uma clava milenaria encontrada em Hieracompolis 
(Egito) podemos ver a figura de urn rei escavando urn canal de irriga~ao 
com as proprias maos17 ; da mesma forma, se examinarmos com alguma 
aten~ao os mais velhos cantos da literatura egfpcia, veremos que o Farao 
e sempre celebrado como o que irriga e cultiva. Essa intima liga~ao 
existente entre os monarcas egfpcios e a agricultura do pafs demonstra de 
que modo as suas fun~oes derivaram em grande parte da necessidade de 
centralizar o controle dos canais de irriga~ao. A medida que a pratica de 
represar as aguas do Nilo foi-se estendendo, mais deve ter-se acentuado 
a necessidade de urn organismo que tivesse a seu cargo a diffcil missao 
de dirigir e controlar essas tarefas, pais a abertura extemporanea das 
comportas poderia fazer com que as aguas baixassem antes da satura~ao 
adequada dos terrenos altos, e destrufssem, de passagem, as obras situadas 
em terrenos mais baixos. Tratava-se, sem duvida, de tarefas complicadas, 
16. "S6 quando os homens se alvaram do seu primitivo estado animal e o seu trabalho, 
portanto, ja se apresenta associado em certo grau e que apareceram relar;iJes em que o 
supertrabalho de uns constitui condir;iio para a existencia de outros. Nos prim6rdios da 
civilizavao, as forvas produtivas adquiridas pelo trabalho eram poucas, mas tambem eram 
diminutas as necessidades, uma vez que estas se desenvolvem paralelamente com os meios 
de satisfavao. Alem disso, proporcionalmente fi!lando, o numero dos que viviam d custa do 
trabalho alheio era, nesses primt5rdios, insignificante em rela(:iio d massa dos que se 
entregavam diretamente d produr;iio." Marx: El Capital, tomo I, pag. 395, da traduvao de 
Justo. (0 italico e nosso.) 
17. Gompertz: La Panera de Egipto, pag. 86. Os primitivos reis-pastores chineses 
tambem eram "os reguladores do tempo". Cf. Richard Wilhelm: Histoire de Ia Civilisation 
Chinoise, pag. 67. 
23 
que exigiam larga experiencia e um conhecimento exato do calenddrio 
solar. 
0 que dissemos a respeito do guardiao dos vfveres e o que acabamos 
de dizer do controlador da irrigac;:ao tambem se aplica aos outros funcionarios 
que representavam a tribo no seu contato diario com os poderes misteriosos 
da natureza. As forc;:as mfsticas que o primitivo supunha existirem nos 
seres inanimados e nos animados apresentavam urn carater caprichoso e 
urn humor diffcil. Cerim6nias complicadas e ritos precisos constitufam, 
por isso, como que antedl.maras inevitaveis, por que se teria de passar 
para alcanc;:ar essas forc;:as. 18 Urn "funcionario" - sacerdote, medico e 
mago -, tao necessario quanta qualquer outro, aconselhava, protegia e 
curava os membros da tribo. Da mesma forma que acontecia com os 
outros funcionarios, tambem nele ia surgindo essa nova caracterfstica, que 
iria acentuar-se, cada vez mais, na comunidade em transic;:ao: a direr,;iio 
do trabalho se separa do proprio trabalho, ao mesmo tempo que as forr,;as 
mentais se separam das Jfsicas. 
2a Mas esta divisao da sociedade em "administradores" e "execu-
tadores" nao teria levado a formac;:ao das classes, tal como hoje as 
conhecemos, se outro processo paralelo nao tivesse ocorrido ao mesmo 
tempo. As modificac;:oes introduzidas na tecnica - especialmente a do-
mesticac;:ao dos animais e o seu emprego na agricultura, como auxiliares 
do hornern - aumentararn de tal modo o poder do trabalho humano que 
a comunidade, a partir desse momenta, comer,;ou a produzir mais do que 
o necessaria para o seu proprio sustento. Apareceu urn excedente de 
produtos, e o interdimbio desses bens, que ate entao era exfguo 19, adquiriu 
tal vulto que se foram acentuando as diferenc;:as de "fortuna". Cada urn 
dos produtores, aliviado urn pouco do seu trabalho, passou a produzir para 
as suas pr6prias necessidades e tambem para fazer trocas com as tribos 
vizinhas. Surgiu pela primeira vez a possibilidade do ocio; 6cio fecundo, 
de conseqiiencias remotfssimas, que nao s6 permitia fabricar outros ins-
trumentos de trabalho e buscar materias-primas, como tambem refletir a 
18. Robinson: Introduction il l'Histoire des Religions, pags. 25 e 26. 
19. "A troca de mercadorias come~a onde terminam as comunidades; nos seus pontos 
de contato sao comunidades estranhas ou sao membros de comunidades estranhas. Mas, no 
momento em que, para a vida extragruJ'lT!, as coisas se transformam em mercadorias, a 
mesma transforma~ao tambem se da para a vida intracomunal... Ao mesmo tempo, a 
necessidade de objetos de uso de procedencia estrangeira vai-se arraigando pouco a pouco. 
A contfnua repeti~ao da troca faz dela urn processo social regular. Colin o decorrer do tempo, 
pelo menos uma parte dos produtos e intencionalmente produzida para fins de comercio. A 
partir desse momento ... consolida-se a separa~iio entre a utilidade das coisas para a satisfa~ao 
de necessidades imediatas, e a sua utilidade para o comercio: o valor de uso se separa do 
valor de troca." Marx: El Capital, tomo I, pag. (\0, da tradu~ao de Justo. 
24 
{ 
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respeito dessas tecnicas. Em outras palavras: criar os rudimentosmais 
grosseiros daquilo que, posteriormente, viria a se chamar ciencia, cultura, 
ideologias. 
Com o aumento do seu rendimento, o trabalho do homem adquiriu 
certo valor. Em outros tempos, quando a produc;:ao era exfgua, e o cultivo 
consistia, por exemplo, apenas em semear alguns graos depois de arranhar 
o solo entre troncos cortados20, o aumento da natalidade era severarnente 
reprimido.21 A comunidade se mostrava tao incapaz de assegurar a ali-
mentac;:ao de indivfduos alern de certo numero que, quando uma tribo 
vencia outra, ela se apoderava das riquezas desta, mas tambem matava 
todos os seus membros, porque recebe-los no seu seio seria catastr6fico. 
Mas, tao cedo o bem-estar da tribo aumentou, por causa das novas tecnicas 
de produc;:ao, as prisioneiros de guerra passaram a ser desejados, e o 
inimigo vencido passou a ter a sua vida garantida com a condic;:ao de 
transformar-se em escravo. A medida que cresciam os rebanhos, maior 
era a necessidade de indivfduos que cuidassem deles, mas como a reproduc;:ao 
dos animais era rnais rapida do que a humana, era 6bvio que apenas a 
tribo, com a sua natalidade, nao poderia satisfazer a mencionada exigencia 
de brac;:os.22 Agora, incorporar indivfduos estranhos a tribo, para explorar 
o seu trabalho, era, ao mesmo tempo, necessaria e possfvel. 
E desnecessario dizer que o trabalho escravo aumentou o excedente 
de produtos de que a comunidade dispunha, produtos esses que os 
"administradores", como representantes da comunidade, comerciavarn, tanto 
com as tribos vizinhas, quanta com as longfnquas. As coisas continuaram 
assirn ate que as func;:oes dos "organizadores" passararn a ser hereditarias, 
e a propriedade comum da tribo - terras e rebanhos - passou a constituir 
propriedade privada das famflias que a administravam e defendiam. Donas 
dos produtos, a partir desse momento as famflias dirigentes passaram 
tambem a ser donas dos homens.23 
Essa transformac;:ao tern grande importiincia para n6s. Na sociedade 
primitiva, a colaborac;:ao entre os homens se fundarnentava na propriedade 
20. Era assim que os indios da America do Norte plantavam o milho quando chegaram 
os conquistadores. Nao muito mais perfeita era a Tacla que os incas usavam para cavar, 
apoiando o pe sobre uns paus em forma de cruz. 
21. Descamps, ob. cit., pag. 45. 
22. Engels: El Origen de Ia Familia, de Ia Propiedad Privada y del Estado, pags. 
51-52. 
23. "Esse remanescente de urn fundo social de produ~iio e de reserva base de todo o 
progresso social, politico e intelectual, passou a ser patrim6nio de uma classe privilegiada 
que obteve nesse mesmo momento, e por esse meio, a hegemonia polftica e a dire(iio 
espiritual." Engels: Anti-Diihring, pag. 208. 
25 
coletiva e nos la<;:os de sangue; na sociedade que come<;:ou a se dividir 
em classes, a propriedade passou a ser privada e os vfnculos de sangue 
retrocederam diante do novo vfnculo que a escravidao inaugurou: o que 
impunha o poder do homem sobre o homem. Desde esse momento, os 
fins da educa<;:ao deixaram de estar implicitos na estrutura total da 
comunidade. Em outras palavras: com o desaparecimento dos interesses 
comuns a todos os membros iguais de urn grupo e a sua substitui<;:ao por 
interesses distintos, pouco a pouco antagonicos, o processo educativo, que 
ate entao era unico, sofreu uma parti<;:ao: a desigualdade economica entre 
os "organizadores" - cada vez mais exploradores - e os "executores" 
- cada vez mais explorados - trouxe, necessariamente, a desigualdade 
das educat;;oes respectivas. As famflias dirigentes que organizavam a 
produ<;:ao social e retinham em suas maos a distribui<;:ao e a defesa 
organizaram e distribufram tambem, de acordo com os seus interesses, 
nao apenas os produtos, mas tambem os rituais, as cren<;:as e as tecnicas 
que os membros da tribo deviam receber. Libertas do trabalho material, 
o seu 6cio nao foi nem esteril, nem injusto, a princfpio. Com os rudimentares 
instrumentos da epoca, nao seria concebfvel que alguem se entregasse a 
fun<;:oes necessdrias, mas niio produtivas, a menos que muitos outros 
trabalhassem para esse alguem. Mas, se a apari<;:ao das classes sociais foi 
uma conseqtiencia inevitavel da escassa produtividade do trabalho humano, 
tambem nao e menos certo que os que se libertaram do trabalho manual 
aproveitaram a vantagem conseguida para defender a sua situa<;:ao, niio 
divulgando os seus conhecimentos, para prolongar a incompetencia das 
massas e, ao mesmo tempo, assegurar a estabilidade dos grupos dirigentes. 
Nos primeiros tempos da comunidade primitiva, qualquer urn podia 
ser, momentaneamente, juiz e chefe, mas, agora que a estrutura social 
come<;:ava a complicar-se, certos conhecimentos passaram a ser requeridos 
para o desempenho de determinadas fun<;:oes, conhecimentos esses que os 
seus detentores come<;:aram a apreciar como fonte de dom[nio. Os que 
conviviam com os "organizadores" dispunham de mais facilidades do que 
os membros comuns da tribo, para aprender essa missao. Por esse motivo, 
os funcionarios que representavam os interesses comunais costumavam ser 
eleitos entre os membros da mesma familia. Cada "organizador" educava 
os seus parentes para o desempenho do seu cargo, e predispunha o resto 
da comunidade para que os elegess~. 24 Com o passar do tempo, essa 
elei<;:ao se fez desnecessaria: os "organizadores" passaram a designar 
aqueles que deveriam sucede-los e, desse modo, as fun<;:oes de dire<;:ao 
passaram a ser patrimonio de urn pequeno grupo que defendia ciufnentamente 
" 24. Bogdanof. Economia Polftica, pag. 39. 
26 
~ 
os seus segredos. Para os que nada tinham, cabia o saber do vulgo; 
para os afortunados, o saber de iniciat;;iio. 
As cerim6nias de iniciat;;iio constituem o primeiro esbo<;:o de urn 
processo educativo diferenciado, que, por isso mesmo, ja nao era espontaneo, 
mas coercitivo. Elas representam o rudimento do que mais tarde viria a 
ser a escola a servi<;:o de uma classe. Os magos, os sacerdotes e os sabios 
- primeiramente simples depositarios e, posteriormente, donos do saber 
da tribo - assumem pouco a pouco, juntamente com a fun<;:ao geral de 
conselheiros, a fun<;:ao mais restrita de iniciadores. Cada tribo foi recolhendo 
atraves dos anos uma larga experiencia que foi sendo cristalizada em 
tradi<;:6es e mitos. Mescla ca6tica de saber autentico e de supersti<;:oes 
religiosas, esse acervo cultural constitufa o reservat6rio espiritual que 
protegia o grupo na sua !uta contra a natureza e contra os grupos rivais. 
Nas cerim6nias de inicia<;:ao, os sacerdotes explicavam aos mais seletos 
dos jovens da classe dirigente o significado oculto desses mitos e a 
essencia dessas tradi<;:oes. Essas cerim6nias de inicia<;:ao eram acompanhadas 
ou precedidas por provas duras, dolorosas e, as vezes, mortais, destinadas 
a experimentar a tempera dos futuros dirigentes e a salientar de modo 
. impressionante25 o cardter intransfer!vel das coisas ensinadas. 
Do ponto de vista educativo, a partir desse momento ha uma diferen<;:a 
bern grande de nfvel entre os iniciados e os niio-iniciados; na classe 
superior, ainda vamos constatar o mesmo fato se compararmos a criant;;a 
com o adulto. Esta ja recebe menos educa<;:ao e alimentos do que o adulto. 
Da mesma forma, come<;:a a haver uma hierarquia em fun<;:ao da idade, 
acompanhada de uma submissao autoritaria que exclui o antigo tratamento 
benevolo demonstrado para com a infancia, ao mesmo tempo que surgem 
as reprimendas e os castigos. 
Quando a comunidade primitiva ainda nao se havia dividido em 
classes, quando a vida social era sempre igual a si mesma e diferia pouco 
de indivfduo para indivfduo, a propria simplicidade das praticas morais 
colocava as crian<;:as sem esfor<;:o no caminho do habito, e nao era necessaria 
nenhuma disciplina. Porem, agora que surgiram na tribo as relat;;oes de 
dominancia e submissiio, agora que a vida social se complicou ate diferir 
bastante de indivfduo. para indivfduo, de acordo com o Iugar que cada 
25. "Nas festasde iniciar,:ao, quando o jovem ingressa no cfrculo dos adultos, consegue-se 
cssa fin ali dade [ fazer com que ele conher,:a as obrigar,:iies sociais superiores] nao s6 fisicamente, 
por processos magicos, mas tambem atraves da inculcar,:ao dos costumes prescritos pela tribo, 
t:specialmente o respeito e a obediencia aos velhos, na alma dos jovens, sensibilizada a toda 
cspecie de impressiies por meio de jejuns e vigflias. E essa sugestao continua forte durante 
toda a vida." Graebner: El Mundo del Hombre Primitivo, pag. 38. 
27 
urn ocupa na produ~ao, resulta evidente tambem que ja nao e possfvel 
confiar a educa~ao das crian~as a orienta~ao espontiinea do seu meio 
ambiente. Estudando 104 sociedades primitivas, Steinmetz verificou que 
em apenas 13 delas a educa~ao era severa. Mas o interessante e notar 
que esses 13 povos ja eram relativamente mais civilizados do que os 
outros.26 
A educariio sistematica, organizada e violenta, surge no momenta 
em que a educariio perde o seu primitivo carater homogeneo e integral.27 
A primitiva concep~ao do mundo como uma realidade ao mesmo 
tempo mfstica e natural, uma realidade por onde circulam forras difusas, 
e agora substitufda por outra concep~ao, em que se reflete a mesma no~ao 
de hierarquia que apareceu na estrutura econ6mica da tribo: deuses domi-
nadores e crentes submissos dao urn matiz original as novas cren~as da 
tribo. Cren~as tao diretamente ligadas a essencia das classes sociais, que 
a continua~ao da vida depois da morte - comum a todos no infcio -
passa mais tarde a ser urn privilegio dos nobres.28 
Nao e necessaria dizer que a educariio imposta pelos nobres se 
encarrega de difundir e refor~ar esse privilegio. Uma vez constitufdas as 
classes sociais, passa a ser urn dogma pedag6gico a sua conservariio, e 
quanto mais a educa~ao conserva o status quo, mais ela e julgada adequada. 
Ja nem tudo o que a educa~ao inculca nos educandos tern por finalidade 
o bern comum, a nao ser na medida em que "esse bern comum" pode 
ser uma premissa necessaria para manter e refor~ar as classes dominantes. 
Para estas, a riqueza e o saber; para as outras, o trabalho e a ignoriincia. 
Esse fato se repete com uma regularidade impressionante nas origens 
de todas as culturas: entre os polinesios, entre os incas, ou entre os 
chineses. Relata-nos Letourneau que os primeiros europeus que visitaram 
as ilhas da Polinesia ouviram dos labios dos membros privilegiados das 
tribos a seguinte afirma~ao: "que lhes parecia muito conveniente instruir 
os seus pr6prios filhos, mas que era inteiramente inutil fazer o mesmo 
com os filhos do povo, que estavam destinados a viver sempre em estado 
servil e a nao ter, portanto, nem propriedades, nem servidores".29 Nao 
26. Citado por Durkheim em L'Education Morale, pag. 210. 
27. Saverio de Dominicis: Scienza Comparata della Educazione, pags. 325 e 470. 
28. "E sabido ha bastante tempo que os polinesios, que do ponto de vista da organiza\=iio 
social possuem classes nobres e nao-nobres, espw.iotuais e nao-espirituais, atribuem a essas 
classes destinos diferentes depois da morte. Ao plebeu, cabera depois da morte urn destino 
sombrio, ao passo que as almas dos nobres e dos caciques subirao ate os deuses... Em 
Tonga, tambem na Polinesia, a separa\=iio ainda e maior: sd os nobres tem alma imortal. 
Para os outros, tudo termina com a mrnte." Graebner, ob. cit., pag. 78. (0 grifo e nosso.) 
" 29. Letourneau, ob. cit., pag. 122. 0 grifo nao esta no original. 
28 
' 
pensavam diferentemente as classes dirigentes entre os incas; pelo menos 
e isso que deduzimos quando vemos Tupaque lupanqui afirmar que nao 
e Ifcito ensinar as crian~as plebeias as ciencias que pertencem aos nobres, 
para evitar que "gentes baixas se elevem, se ensoberbem, desprezem e 
apoquentem a republica; para elas e suficiente aprender os offcios dos 
seus antepassados, porque o mandar e o governar nao sao coisas pr6prias 
dos plebeus, ao mesmo tempo que seria urn agravo a republica e a 
profissao permitir que os plebeus fa~am essas coisas".30 Nao teria sido 
tambem a mesma voz a que ressoou varios seculos atras entre os sabios 
taofstas da China que acreditavam que nao se devia conceder o saber ao 
povo, porque ele desperta desejos, afirmando que ao homem do povo 
bastariam "musculos s6lidos e vontade escassa, est6mago satisfeito e 
cora~ao vazio"?31 
Acompanhando as transforma~5es experimentadas pela propriedade, 
a situa~ao social da mulher tambem sofreu modifica~5es de vulto. Na 
comunidade primitiva, em que imperava o matrimonio grupal, ou urn 
casamento facilmente dissoluvel, a paternidade era diffcil de ser estabelecida, 
e a filia~ao, por esse motivo, se transmitia pela linha materna. 0 matriar-
cado32 sempre aparece junto a essas formas de comunidade fundadas na 
30. Prescot: Historia de Ia Conquista del Peru, con Observaciones Preliminares Sobre 
Ia Civilizacidn de los Incas, pag. 33. 
31. Wilhelm, ob. cit., pag. 163. 
32. Parece que ha aqui uma impropriedade de linguagem da parte do Autor que, 
provavelmente, queria dizer matrilinearidade, em vez de matriarcado. Essa palavra matriarcado 
se presta a confundir o leitor nao versado em Antropologia, merce do significado popular 
do termo. Nesse sentido popular de "governo das mulheres", isto e, de uma sociedade em 
que o poder politico esta inteiramente nas maos das mulheres, nunca existiu, ou, pelo menos, 
nunca se encontrou uma sociedade primitiva em que se tenha positivado a existencia desse 
tipo de organiza\=iiO politico-social. Na concep~ao antropol6gica do termo, matriarcal seria 
qualquer sociedade em que a preeminencia feminina esta institucionalizada em varios aspectos 
importantes da cultura, em detrimento da posi~ao masculina. Nesse sentido do termo, temos 
varias sociedades primitivas - iroqueses, zufii, mairs etc. -em que encontramos organiza~ao 
matriarcal, mas no conjunto das sociedades primitivas conhecidas, a domina~ao masculina e 
bastante mais generalizada. Na opiniao de Margaret Mead ("Woman Position in Society" in 
Encyclopaedia '!f the Social Sciences, vol. XV), e entre os iroqueses que vamos encontrar 
"urn dos mais conspfcuos exemplos do poder politico da mulher na sociedade primitiva; as 
mulheres sao os eleitores, os crfticos oficiais e os censures dos seus jovens parentes 
masculinos" ... Em todo caso, e diffcil separar os "matriarcados" que encontramos em varias 
sociedades primitivas, da gerontocracia, que e uma institui~ao bastante mais difundida, quase 
universal. De fato, por causa da maior longevidade feminina - fato que e observado em 
todas as sociedades, e com maior intensidade nas sociedades primitivas - e possfvel que 
os exemplos encontrados de acentuada inlluencia politico-social das mulheres nao passem 
de uma conseqtiencia da gerontocracia. 
Por outro !ado, matrilinearidade seria urn sistema de usos e costumes baseado na 
dcscendencia em linha materna - heran~a do nome, da propriedade, da posi~ao social etc. -
29 
propriedade comum do solo. Mas quando a domestica<;ao dos animais 
provocou urn aumento da riqueza social, a propriedade privada come<;ou 
a substituir a coletiva: as terras foram repartidas entre os "organizadores", 
e tiveram Iugar grandes transforma<;6es. Para assegurar a perpetuidade da 
riqueza privada atraves das gera<;6es e o beneffcio exclusivo dos seus 
pr6prios filhos - e nao dos filhos dos outros, como ocorreria se o 
matriarcado tivesse subsistido -, a filia<;ao paterna substituiu a materna, 
e uma nova forma de famflia, mon6gama agora, apareceu.33 Com ela, a 
de que podemos encontrar abundantes exemplos, tanto em sociedades primitivas, quanta em 
sociedades civilizadas. 
E bastante comum encontrarmos a matrilinearidade associada ao matriarcado, mas e 
preciso nao esquecer que as pniticas matrilineares nao sao incompatfveis com uma acentuada 
predominiincia masculina na sociedade (patriarcado ). 
Alem de matriarcal e matrilinear, uma sociedade ainda pode ser classificada como 
matrilocal ou patrilocal. No primeirocaso, o marido vai morar na casa ou na aldeia da 
sua mulher, com exceyaO dos chefes, que permanecem sempre na sua casa. No segundo 
caso, a mulher e que se muda. E preciso distinguir ainda se a matrilocacidade e permanente, 
ou se e passageira (marido morando junto com a familia da sua mulher para pagar, com 
os seus serviyos, o "preyo de compra da esposa"). 
Os primeiros autores que chamaram a aten~ao dos estudiosos para os problemas do 
matriarcado e da matrilinearidade foram J. J. Bachofen (Das Mutterrecht), L. H. Morgan 
(La Sociedad Primitiva), R. Mac Lennan (Primitive Marriage) e E. Westermarck (A Short 
History (Jf Marriage), que, como evolucionistas que eram, admitiram o matriarcado e a 
matrilinearidade como institui~oes anteriores ao patriarcado e a patrilinearidade. Esse ponto 
de vista, extremamente "iecundo sem duvida, precisa, contudo, ser reconhecido como uma 
simples hip6tese de trabalho, e nao como uma conclusao estabelecida. (Nota do Tradutor.) 
33. Morgan encontrou entre os iroqueses uma forma de familia, mon6gama e facilmente 
dissoluvel, que denominou famflia por emparelhamento. Todavia, o sistema de parentesco 
vigente entre os iroqueses nao estava de acordo com o seu sistema familiar. Por exemplo, 
o iroques chamava filhos nao s6 os seus pr6prios, como ainda os dos seus irmiios, que, por 
sua vez, o chamavam pai; ja aos filhos das suas irmiis tratava ele de sobrinhos, e era por 
eles tratado de tio. Correspondentemente, os filhos de irmiios do mesmo sexo tratavam-se 
mutuamente de irmiios, ao passo que os filhos de irmiios de sexo d!ferente tratavam-se 
mutuamente de primos. Posteriormente foi descoberto nas Ilhas Sandufche (Havaf) urn tipo 
de familia que era perfeitamente coerente com o sistema de parentesco relatado por Morgan. 
0 curiosa e que tambem ali nao havia correspondencia entre o sistema familiar vigente e 
os la~os de parentesco. No Havaf, todos os filhos de irmaos e irmas tratavam-se mutuamente 
de irmiios, e chamavam os seus tios e as suas tias de pai e mile, respectivamente. 
Correspondentemente, todos eram chamados filhos, tanto pelos seus verdadeiros pais, quanta 
pelos seus tios e tias. 
Tanto o sistema de parentesco vigente entre os mencionados indios americanos, quanta 
o das II has Sandufche levavam a supor a existencia de urn tipo de organiza~ao ·familiar 
diverso do vigente no momento, organiza~ao familiar essa que, tendo desaparecido, deixou 
marcas visfveis no sistema de parentesco. 0 tipo de familia que poderia ter da~o origem 
ao sistema de parentesco encontrado por Morgan foi, como dissemos, encontrado posteriormente 
nas Jlhas Sandufche, mas o que poderia ter dado margem ao sistema de parentesco vigente 
nessas Jlhas nao foi encontrado em Iugar algum. Mas esse tipo de familia deveria ter existido 
30 
mulher foi relegada a urn segundo plano, passando a ocupar-se tiio-somente 
comfunroes domesticas, que deixaram de ser sociais. A mulher, antigamente, 
quando, juntamente com 0 homem, desempenhava fun<;5es uteis a comu-
nidade, gozava dos mesmos direitos que este; mas perdeu essa igualdade 
c passou a servidao no momento em que ficou afastada do trabalho social 
produtivo, para cuidar apenas do seu esposo e dos seus filhos. A sua 
educarao, ao mesmo tempo, passou a ser uma educariio pouco superior 
d de uma crianra. 
Nessa famflia patriarcal, que se organizou baseada na propriedade 
privada, Marx notou argutamente que ja existiam em germe todas as 
contradi<;6es do nosso mundo de hoje: urn marido autoritario, que representa 
a classe opressora, e uma esposa submissa, que representa a classe oprimida. 
Antes de abandonarmos o tema da educa<;ao do "homem primitivo", 
no momento da sua transi<;ao para o "homem antigo", chamemos a aten<;ao 
do leitor para urn fato que reputamos muito importante: no momento em 
que surgem a propriedade privada e a sociedade de classes, aparecem 
tambem, como conseqtiencias necessarias, uma religiao com deuses, a 
cduca<;ao secreta, a autoridade paterna, a submissao da mulher e dos filhos, 
c a separa<;ao entre OS trabalhadores e OS sabios. Sem deixar, entretanto, 
de ter fun<;5es socialmente uteis, a administra<;ao dos bens da coletividade 
transformou-se na opressao dos homens, e a dire<;ao, no poder de explora<;ao. 
Os defensores armados das obras de irriga<;ao ou dos depositos de vfveres 
passaram a ser os servidores armados do patriarca, do rei ou do "saquem".34 
porque, do contrario, seria diffcil arranjar uma explica~ao plausfvel para o sistema de 
parentesco encontrado no Havaf. 0 fato de persistir urn sistema de parentesco, mesmo depois 
do desaparecimento do tipo de familia que !he den origem, e facilmente compreensfvel por 
scr a familia urn elemento diniimico, e o sistema de parentesco, urn elemento estatico. Este 
·"' se modifica a largos intervalos, ao passo que a estrutura familiar muda dia a dia. 
No sistema de parentesco encontrado por Morgan, e que corresponde ao tipo de familia 
dcscoberto nas Ilhas Sandufche, dois irmaos nao podiam contrair matrimonio, isto e, nao 
podiam ser o pai e a mae da mesma crianya. Por outro !ado, o sistema de parentesco 
vigorante nas Ilhas Sandufche supoe urn tipo de familia em que isso seria possfvel. Continuando 
com esse raciocfnio, vamos chegar a urn tipo de familia, tambem nunca encontrado, que o 
Rev. Fison denominou matriml!nio grupal, e no qual certo numero de homens estaria casado, 
potencial ou realmente, com certo numero de mulheres. Evidentemente, nesta organiza~ao 
familiar, todas as crian~as iriam considerar-se, reciprocamente, irmaos, e encarar como pai 
,. como mae todos os homens e todas as mulheres do grupo, respectivamente. 
Esta hip6tese do matrimonio grupal, extremamente fecunda em conseqiiencias, tern sido 
uq•,ada por muitos autores. Westermarck, por exemplo, recusou-se sempre a admitir que esse 
I q>o de familia tivesse existido, e ainda hoje Thurnwald segue-lhe as pegadas. (Nota do 
Tradutor.) 
34. Denominayiio dos membros do conselho das tribos iroquesas da America do Norte. 
I ·:u1 iroques, esse nome significa "conselheiro do povo". Tratava-se de urn representante tribal 
31 
0 soberano e a sua famflia, os funcionarios e os magos, os sacerdotes e 
os guerreiros passaram, desde esse momento, a constituir uma classe 
compacta, com interesses comuns, em grande parte opostos ao do grupo 
total. 
Mas ainda estava faltando alguma coisa: uma instituic;:ao que nao so 
defendesse a nova forma privada de adquirir riquezas, em oposic;:ao as 
tradic;:oes comunistas da tribo, como tambem que legitimasse e perpetuasse 
a nascente divisao em classes e o "direito" de a classe proprietaria explorar 
e dominar os que nada possufam. E essa instituic;:ao surgiu: o Estado.35 
Instrumento poderoso nas maos da classe exploradora, o Estado teve 
no chefe supremo o seu representante e o seu cimo. Convinha aos interesses 
dos ricos revesti-lo de urn halo religioso. Guerreiros e escribas, sacerdotes 
e artistas - cada qual no seu campo - contribufram para cria-lo. E, 
ainda que eles, pessoalmente, nao tivessem a menor duvida a respeito da 
natureza do grande chefe, e que nao vacilassem em dep6-lo todas as vezes 
em que se mostrava inutil ou covarde - como o fizeram os chancas da 
America do Sui com o inca Urco, filho do Sol36 -, tambem e certo que 
fomentavam de todos os modos possfveis a submissao supersticiosa da 
plebe. Desde a piramide imponente, ate a cerimonia pomposa, tudo 
contribufa para reforc;:ar esse prestfgio, para infundir na alma das massas 
o carater divino das classes abastadas. Naqueles tempos, as classes favo-
recidas nao dispunham dos poderosos meios de persuasao e divulgac;:ao 
que hoje estao ao alcance dos seus herdeiros: o jornal de seis edic;:oes 
diarias, que se vende aos milhares, o telegrafo, que so transmite de urn 
hemisferio a 6utro as ri'otfcias que convem aos seus interesses. Mas os 
detalhes mais triviais em aparencia se carregavam, mesmo nas sociedades 
mais afastadas da nossa, com intenso significado de domfnio. As crenc;:asna superioridade das classes dirigentes esboroar-se-iam com o tempo, se 
nao fossem periodicamente reavivadas. 0 Professor Malinovisqui, da Uni-
versidade de Londres, que estudou cuidadosamente os atuais aborigines 
do noroeste da Melanesia, conta-nos o seguinte fato, que ele proprio 
presenciou: "0 cerimonial importante e complexo que acompanha as 
manifestac;:oes de respeito para com as pessoas de qualidade repousa sobre 
a ideia de que urn homem de nobre linhagem deve permanecer sempre 
em urn nfvel fisicamente superior ao dos indivfduos que nao pertencem 
eleito livremente pelos iroqueses para representa-los no conselho das tribos. Seria correspondente 
aos nossos vereadores, ou deputados. Cf., a respeito, L. H. Morgan: La Sociedad Primitiva, 
especialmente o Capitulo V. (Nota do Tradutor.) 
35. Engels: El Origen de la Familia, de la Propiedad Privada y del Estado, pag. 101. 
36. Baudin: El Imperio de los Incas y /a Conquista Espwiola, pag. 13. .. 
32 
"' 
;, sua classe. Em presenc;:a de urn nobre, todos os homens de classe inferior 
dcvem abaixar a cabec;:a, ou inclinar-se, ou ajoelhar-se, de acordo com o 
scu grau de inferioridade. Sob nenhum pretexto devem levantar a cabec;:a 
de modo que esta fique mais alta do que a do seu chefe. A casa deste 
G guarnecida de pequenos estrados; durante as reunioes da tribo, o chefe 
coloca-se sobre urn deles, de modo que os assistentes possam circular 
livremente, mantendo-se sempre em urn nfvel inferior ao seu. Quando urn 
plebeu tern de passar junto a urn grupo de nobres que estao sentados no 
chao, ele deve gritar de Ionge tocai (de pe); imediatamente os chefes se 
lcvantam, enquanto o plebeu passa de rastros. Poder-se-ia pensar, por 
causa da complicac;:ao, que chega a ser embarac;:osa, desse cerimonial, que 
os indivfduos freqiientemente se sintam tentados a desrespeita-lo, mas tal 
nao se da. Quando estava na aldeia conversando com o chefe, tive a 
oportunidade de ve-lo varias vezes levantar-se imediatamente ao grito de 
tocai. Isso acontecia cada quinze minutos, mais ou menos, e o chefe 
permanecia de pe, enquanto o plebeu passava lentamente, inclinado ate o 
chao."37 Mas riao eram so as cerimonias do protocolo que contribufam 
para educar as massas na submissao e no respeito. A religiao, a arte e 
a sabedoria as hipnotizavam diariamente com uma exaltac;:ao das classes 
governantes. Existia uma escrita sagrada e outra profana, uma musica dos 
grandes e outra dos miseraveis, uma imortalidade para aqueles e uma 
mortalidade para estes e, alem disso, o desenho do corpo humano variava 
de acordo com a hierarquia social do retratado. Urn dos maiores egiptologos 
modernos, Ehrmann, assegura que os pintores egfpcios representam os 
simples mortais empregando uma tecnica naturalista, ao passo que estili-
zavam o corpo dos poderosos. Urn amplo peito, por exemplo, era uma 
caracterfstica so permitida nos desenhos que representavam nobres, e essa 
caracterfstica tinha tal intenc;:ao social que o artista nao a alterava, mesmo 
que a perspectiva o exigisse.38 
Descrevemos os modos de atuac;:ao da religiao e da arte para podermos 
compreender de que modo a educac;:ao ministrada pela classe dominante 
sufocava, com variados recursos, as possfveis rebeldias das classes domi-
nadas. Mas como a nos interessa, em especial, a conduta dos "conselheiros" 
c dos "iriiciadores" da tribo, escolhamos urn fato que mostre bern de que 
modo o saber uniu, desde o infcio, o seu destino ao das classes opressoras. 
Havia no Egito antigo urn dispositivo admiravel para a epoca, chamado 
ni!Ometro, que permitia conhecer com boa exatidao o crescimento das 
37. Malin6visqui: La Vida Sexual de los Salvajes del Noroeste de la Melanesia, 
rag. 36. 
38. Citado por Bucarin: La Theorie du Materialisme Historique, pag. 209. 
33 
aguas do Nilo e prognosticar o volume da futura colheita. De acordo com 
essas informa~6es, que eram mantidas em segredo, os sacerdotes aconse-
Ihavam os lavradores. As classes inferiores recebiam desse modo urn 
excelente servi~o, que a propria ignorancia em que viviam, provocada por 
urn trabalho ininterrupto, impossibilitava que realizassem. Mas o nil6metro 
servia duplamente as classes dirigentes, ainda que 0 objetivo fosse urn s6. 
Por urn !ado, quanto maior fosse a colheita, maiores os impostos39, por 
outro, aquelas informa~6es precisas a respeito da iminencia do crescimento 
das aguas - informa~6es essas que s6 as autoridades estavam em condi~6es 
de possuir - emprestavam ao soberano a ascendencia das divindades: no 
momento oportuno, o Fara6 Ian~ava no rio as suas ordens escritas, e entao 
- s6 entao - as aguas obedientes come~avam a subir ... 
I 
39. Nao e necessaria dizer que na comunidade primitiva nao exmtiam impastos. 
34 
CAPITULO II 
A EDUCA<;AO DO HOMEM ANTIGO 
Primeira Parte - Esparta e Atenas 
A passagem da comunidade primitiva para a sociedade dividida em 
classes exige algumas advertencias previas para nao incorrermos em erros 
muito comuns. Quando estudamos as origens das classes sociais, temos a 
tendencia de supor que logo em seguida aparece a !uta consciente entre 
essas classes. 
A !uta consciente propriamente dita entre as classes de uma sociedade, 
no entanto, nao se desenvolve, a nao ser em determinado momento da 
evolu~ao dessa sociedade, 1 e requer, portanto, urn extenso perfodo preliminar 
em que ja existem contradi~6es entre os interesses das classes existentes, 
mas em que essas contradi~6es apenas se manifestam de modo obscuro 
e insidioso. Poi o que afirmaram Marx e Engels no primeiro paragrafo 
do Manifesto Comunista, quando disseram que a hist6ria da sociedade 
humana era a hist6ria das Iutas entre opressores e oprimidos, "!uta 
ininterrupta, velada algumas vezes, franca e aberta outras"?b"S"se-escla-
recimento fica complementado com a distin~ao fundamental que Marx ja 
havia feito em Mise ria da Filosofia, entre classe em si e classe para si. 3 
A classe em si, apenas com existencia econ6micaJ...se define pelo papel 
I. Bucarin: La Theorie du Materialisme Historique, pag. 33. 
2. Marx e Engels: El Manifiesto Comunista, pag. 60. (0 grifo e nosso.) 
3. Marx: Miseria de Ia Filost!ffa, pag. 106-107. 
35 
que desempenha no processo da produc;ao; a classe para si, com existencia 
econom1ca e ps1col6gica, se define como uma classe que ja adquiri:u 
consciencia do papel . hist6ricq que desempenha, is to e, como ;rna classe 
que sabe a q~ Para que a classe em si se converta em classe 
para si, e necessaria, portanto, urn Iongo processo de esclarecimento, em 
que os te6ricos e as pr6prias peripecias da !uta desempenham uma 
amplfssima func;ao.4 
Mais ciumentas dos seus bens, por causa da imporHincia dos interesses 
que deviam defender e pela possibilidade de refletir a respeito desses 
interesses, mediante o "6cio" que lhes era assegurado pelo trabalho alheio, 
as classes opressoras adquiriram, em relac;ao as oprimidas, uma consciencia 
mais clara de si pr6prias. Em virtude desta maior precisao de prop6sitos, 
elas adaptaram bern a sua educac;ao, e a que ministravam aos outros, aos 
fins que visavam. 
Para ser eficaz, toda educac;ao imposta pelas classes proprietarias 
deve cumprir as tres finalidadesessenciais seguintes: I o destruir os vestfgios 
d~uer tradic;ao inimiga, 2o consolidar e ampliar a ;ua pr6Qria sitld.!!S:~..O 
ct'e classe dominante, e 3° prevenir uma possfvel rebeliao das classes_ 
dominadas. No plano da educa(:iio, a classe dominante opera, assim, em 
ires frentes distintas, e ainda que cada uma dessas frentes exija uma 
atenc;ao desigual segundo as epocas, a classe dominante nao as esquece 
nun ca. 
No momenta da hist6ria humana em que se efetua a transformaQiio 
da sociedade comunista primitiva em sociedade dividida em classes, a 
educac;ao tern como fins especfficos a !uta contra as tradi<;6es do comuniSil!_O 
tribal, a incu!cac;ao da ideia de que as classes dominantes s6 pretendem 
assegur~r a vida das domin'idas, e a vigilancia atenta para extirpar e 
corrigir qualquer movimento de protesto

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