Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNINASSAU - CENTRO UNIVERSITÁRIO MAURÍCIO DE NASSAU CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO Thiago Luis de Oliveira COMO MORA O PROLETÁRIO BRASILEIRO: Da Senzala a Habitação Popular. RECIFE 2012 Thiago Luis de Oliveira COMO MORA O PROLETÁRIO BRASILEIRO: Da Senzala a Habitação Popular. Trabalho de Graduação apresentado à UNINASSAU - Centro Universitário Maurício De Nassau para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. . Orientador: André Lemoine RECIFE 2012 Dedico a todo trabalhador... “Calçada pra favela, avenida pra carro Céu pra avião e pro morro descaso” Criolo AGREDECIMENTOS Agradecer vai ser a parte mais difícil desta monografia, porém cheia de prazer, pois a contribuição de muitos foi importante para meu amadurecimento durante o curso como também a abertura dos meus olhos a enxergar tema tão rico e, se caso me esquecer de alguém desculpem. Gostaria de começar pelos hoje apenas nas lembranças meus avós maternos operários de outros tempos responsáveis pela minha veia nesta atmosfera proletária. Aos meus avós paternos, exemplo a todos aqueles que desejarem viver de forma justa e plena em sociedade. A minha mãe Márcia dona de um coração de ouro e que me deu a oportunidade da vida, ao meu pai Mano Som das bikes responsável pela possibilidade dos meus estudos durante minha vida, a Dionísio meu padrasto exemplo de força, hombridade e agora construtor das minhas obras, a todos meus familiares que estão sempre a me apoiar ou repreender nos momentos que precisei. Aos vários personagens diário ou esporádico da faculdade pela convivência durante o curso (galegosa, os charas, W.I.C., Jô rudeboy, Mita-mitológica e todos do Bloco “M”) ao grupo de futuros Arquitetos e Urbanistas Alene Morais, Felipe Nunes, Ravena Souza, Stein Herculano, Erick “federal”, Marina Rocha e, sobretudo a Jorge Pedro “o africano” com o qual depois de vários trabalhos, perrengues e rocks criei laços verdadeiros de irmandade. Ao meu orientador, Professor André Lemoine pela cautela, estímulo, entendimento e forma com que acompanhou este trabalho. Aos professores os quais realmente entenderem o significado de transmitir conhecimento. A esses tenho apenas que agradecer pela nossa convivência e crescimento, Obrigado! Para meus Avôs Bau Peinha e Antônio. RESUMO A cidade é uma teia, construída por fios de natureza diversa, privada, pública, grupal ou independente, formando o que vimos a denominar o corpo do espaço urbano. Esse pode ser analisado justamente a partir das intervenções exercidas por todos os agentes da sociedade, mudanças que acompanham a evolução do governo, e consequentemente a estrutura social brasileira, tornando-se muitas vezes determinante no plano de ação tomado por todos os personagens como também no resultado dos mesmos. Possibilitando a compreensão do processo sofrido pela habitação operária no decorrer da história do Brasil, este iniciado no período colonial, porém amplamente implantado no âmbito da revolução industrial por volta do século XIX até metade do século XX, época que as condicionantes da construção de moradia operária já se confundiam com as da habitação social culminando no momento da explosão demográfica nas cidades, fazendo a problemática sair do controle governamental, encontrando por aqui referencial nas experiências de industrialização europeia como nos modelos pós-guerra da Alemanha, França, Estados Unidos e Inglaterra, essas que caracterizaram o cenário de surgimento do capitalismo e deste modo o embasamento da sociedade moderna. Para isso será tomado como base de estudo o complexo habitacional construído pela Companhia Industrial Pirapama na cidade de Escada, Pernambuco em 1925 o qual originou o bairro da Vila Operária, levando em conta desde sua fundação, expansão, influência socioeconômica como interferências no desenho urbano, estilo arquitetônico das construções, capacidade das unidades residenciais em atender as necessidades dos moradores e futura descaracterização. Palavras-chave : habitação proletária, vilas operárias, revolução industrial, sociedade moderna. ABSTRACT The city is a web, built by wires of different nature, private, public, group or independent, forming what we saw to name a body of urban space. This can be analyzed precisely from the interventions undertaken by all agents of the society, changes that follows the evolution of the government and consequently the Brazilian social structure, often becoming determinant the plan of action taken by all the characters as well as the result of themselves. Allowing the understanding of the process suffered by workers dwelling along the history of Brazil, this begun on the colonial period, but, widely deployed in the context of the industrial revolution around the nineteenth to mid twentieth century, at the time of determinants of housing construction workers were already confused with the social housing, culminating when the population demographic explosion in the cities, making it to be out of the governmental control, finding here the referential experiences of European industrialization postwar models from Germany, France, America and England, those that characterized the scenario of emergence of capitalism and hence the foundation of modern society. This will be taken as the basis for the studies of the habitational complex built by the Pirapama Industrial Company, in the city of Escada, Pernambuco, in 1925 which gave the distract name of workman village, considering since the foundation, expansion, social economy influence as part of the urban design and architecture style of the constructions, capacity of the residential units to comply the needs of the future residents and mischaracterization. Keywords: housing proletarian, workers' villages, industrial revolution, modern society. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 – Engenho Noruega, Escada – PE, por Cícero Dias, 1933..................... 16 Figura 02 – Ilustração da estrutura dos engenhos de açúcar do sec. XVII. ........... 17 Figura 03 – Comunidade Sapucají, vila de trabalhadores livres do Engenho Sapucají, 2013. ....................................................................................................... 19 Figura 04 – Trem da Usina União Indústria antigo engenho do sec. XVIII.............. 20 Figura 05, 06, 07 – Cortiços no Rio de Janeiro. ...................................................... 21 Figura 08 – Entrada para cortiços no Vale Do Bixiga, São Paulo............................ 22 Figura 09 – Plano de imola por Leonardo da Vinci, 1502........................................ 24 Figura 10 – Representação artística da ilha da Utopia de Thomas More................ 25 Figura 11 – Complexo da vila de Saltaire, atualmente............................................ 27 Figura 12 – Mietkasernen, elevações de fachada externa (dir.) e interna (esq.). ... 28 Figura 13 – Sanzala2 Quicongo, noroeste de Angola. ............................................ 32 Figura 14 – Planta de casas operárias a serem acrescidas à vila já existente no antigo Largo Conde de Sarzedas (1901), Hoje Praça Mário Margarido ................................................................................................................ 32 Figura 15 – Casa popular situada nas imediações da baixada do Glicério, Travessa Ruggero, 1901. ........................................................................................ 34 Figura 16 – Favela no moro da providência, provável 1º favela do Rio De Janeiro, ao fundo a cidade industrial. .........................................................35 Figura 17 – Vila de Paranapiaba, Santo André, SP (2008). ................................... 39 Figura 18 – Vila de subtenentes e sargentos em Bayeux, PB (2009). ................... 40 Figura 19 – Reforma no bairro do Recife, iniciada em 1910. .................................. 41 Figura 20 – Capela de Santa Filonila, com a entrada já alterada, 2013.................. 48 Figura 21, 22 e 23 – Detalhes das Residências da Vila Operaria, Escada – PE, 2013. ................................................................................................ 49 Figura 24 – Mapa setorizado da Vila Operária da CIP em 1925 e evolução. ......... 50 Figura 25 – Único detalhe encontrado nas Residências para operários em geral da CIP 2013. .................................................................................................. 51 Figura 26 – Rua Carlos Burles, Vila Operária, escada – PE, 2013. ....................... 41 Figura 27 – Residência destinada aos cargos administrativos da CIP, 2013. ........ 52 Figura 28, 29, 30 e 31 – Elementos arquitetônicos da esquerda para direita, foro estilo muxarabi, piso de taco e diferentes ladrilhos hidráulico, residências C.I.P., Escada – PE, 2013..................................................................................... 52 Figura 32 – Castelo da Vila Operária da CIP, 2013. ............................................... 53 Figura 33 – Mapa da cidade de escada em 1965, tendo os principais pontos identificados. ............................................................................................... 55 Figura 34 – Rua das casas novas, 2013. ................................................................ 56 Figura 35 – Visão atual da vila operária da CIP, 2013. ........................................... 57 Figura 36 – Cidade de escada, PE, em destaque bairro da vila operária. ........... 59 Figura 37 – Bairro da Vila Operária e bairros ao seu redor, em destaque o complexo industrial original. .................................................................................... 60 Figura 38 – Bairro da Vila Operária, destacando o complexo industrial original... 61 LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS Gráfico quantitativo do êxodo rural no Brasil ............................................................ 41 Tabela 01 – Fonte Bonduki (1998) ............................................................................ 42 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNH – Banco Nacional da Habitação CEF – Caixa Econômica Federal CIP – Companhia Industrial Pirapama FCP – Fundação da Casa Popular FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPASE – Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado JOC – Juventude Operária Católica PME – Prefeitura Municipal da Escada SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SFH – Sistema de Financiamento Habitacional LISTA DE ANEXOS Poema Favelário Nacional, Carlos Drummond de Andrade...................................... 74 Contrato de compra da casa, Nº05 na Rua Noé Barros, 1981.................................. 75 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11 2. A FACE SOCIAL .................................. ................................................................ 16 3. CONCEITOS E MOLDES IMPORTADOS .................. .......................................... 24 4. A MODERNIZAÇÃO NA REPÚBLICA VELHA .............. ...................................... 31 5. O NOVO ESTADO POPULISTA ........................ .................................................. 41 6. ESTUDO DE CASO – A VILA OPERÁRIA DA C.I.P....... ..................................... 47 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................... ....................................................... 62 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64 APÊNDICE ................................................................................................................ 66 ANEXOS ................................................................................................................... 74 GLOSSÁRIO ......................................... .................................................................... 82 11 1 INTRODUÇÃO Muitos estudos são dirigidos ao tema desta monografia, porém a abordagem acaba ficando apenas nas eventuais interferências do governo, ou na tentativa de descobrir quem fez ou não as primeiras ações sociais e ainda apenas no tardio processo de desenvolvimento industrial brasileiro ocorrido no final do século XIX. Dessa vez a pretensão será abrangente e buscará examinar vários fatos da história do Brasil relacionados com o tema, pois deles é preciso para o entendimento dos acontecimentos que cadenciam a situação da sociedade em seus momentos, sendo imprescindível a identificação dos atuantes, assim como, a importância desses no sistema, o que caracteriza quase sempre os modificadores a fim de garantir seus interesses e os modificados com a necessidade de se enquadrar ao ambiente social, portando os dois irão assim transformar e adaptar os espaços do campo a cidade, criando formas, distribuições e limites que definem o variado conjunto de intervenções adotadas na produção habitacional do proletário no Brasil. Gilberto Freyre brilhantemente no livro Casa-Grande & Senzala de 1936, remete toda a formação da sociedade brasileira a família patriarcal rural definindo-a como “agrária, escravocrata e híbrida”, Freyre ainda vai mais além e esmiúça a mentalidade que outorga o sistema familiar e o espaço doméstico. ... tendo a família rural e semi -rural por unidade, quer através de gente casada vinda do reino, quer das famílias aqui constituídas pela união de colonos como mulheres caboclas ou com moças órfãs ou mesmo à-toa mandadas vir de Portugal pelos padres casamenteiros. Vivo e absorvente órgão da formação social brasileira, a família colonial reuniu, sôbre a base econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo, uma variante de funções sociais e econômicas. (FREYRE, 1936). “À noção de campo social acrescenta-se o conceito de habitus – (sistema de disposições duráveis, estruturas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes)” (BOURDIEU 1994 apud STANCHI 2008). Com isso fica entendido que a moradia, seja maior que a construção em um logradouro, a edificação é um dos pontos primordiais para entendimento e identificação do nosso status na sociedade, a qualidade de vida sendo reflexo dessa condição habitacional é inclusa como importante fator que propícia o desenvolvimento humano. 12 Nessa argumentação Zarankin (2002) apud Stanchi (2008) apoia o conceito defendido, qual a configuração espacial onde se vive é ampla, responsável e definidora da posição, relação e sentimento do homem com o grupo social qual se encontra inserido como também o espaço ao qual esse pertence. Os prédios são objetos sociais, e como tais estão carregados de valores e sentidos próprios de cada sociedade. No entanto, não são um simples reflexo passivo desta, pelo contrário, são participes ativos na formação das pessoas, dito de outra forma, a arquitetura denota uma ideologia, e possui a particularidade de transformá-la em real –material–, para desta forma transmitir seus valores e significados por meio de um discurso material. Assim, se considerarmos que os prédios são formas de comunicação não- verbal, então eles podem ser lidos. (ZARANKIN, 2002 apud STANCHI 2008 É preciso se valer deste entendimento assim como do conhecimento das muitas outras questões que afetam o desenvolvimento e relações, histórico-sócio-cultural das cidades, buscando entender a participação desses catalisadores no resultado do produto físico-espacial. Destrinchar as vertentes do pensamento sobre qual o material, as construções em si, e desenho do espaço físico criam simbologias que se pluralizam nos costumes da sociedade, é vital para alcançar sua compreensão, tanto quanto sua participação no sistema. Vicente Del Rio abrange o pensamento sobre a paisagem ser o cenário da sociedade quando fala que A paisagem deve ser entendida como o cenário que nos rodeia, participa e conforma o nosso cotidiano. Até a economia política marxista já admite que a paisagem não é um simples subproduto da luta de classes, mas que participa desta luta e influência as relações sociais se apenas por sua inércia histórico-funcional como físico (DEL RIO, 1995) O autor ainda continua neste ponto de vista revelando a paisagem como fonte mágica de estudo para os diversos campos profissionais Arquitetos, Urbanistas, geógrafos, paisagistas, escritores, agrônomos, biólogos, engenheiros de transporte, sociólogos e tantos outros, querem produzir, moldar, estudar, complementar, descrever, destruir, conservar, usar, se apropriar da paisagem (DEL RIO, 1995) Uma interpretação aberta e concisa do sistema onde o proletário está condicionado ao patrão pela moradia desde a escravidão não pode parar nos volumes físicos, é preciso explanar o pensamento sobre o produto das relações entre espaço urbano, condições sociais, econômicas e seus modificadores, devendo-se ressaltar a percepção e modo de influência destes agentes no meio social qual está inserido, 13 abrindo questionamento pertinente às alterações causadas às características e costumes das pessoas integrantes da sociedade. Desse modo o escravo africano e o indígena não podem ser excluídos, visto que o processo de dominação existente na sociedade colonial no movimento de catequese indígena e com o branco das casas-grandes o dono da terra e os negros nas senzalas qual recebia comida para apenas sobreviver e trabalhar, vai ser encontrada no decorrer da nossa história culminando no processo da industrialização e posteriormente mascarado pela intenção social. De extrema importância também é encontrar as bases filosóficas que vão influenciar os modelos habitacionais para a classe de baixa renda na América do norte, Alemanha, França e principalmente Inglaterra, pois é das experiências governamentais nestes países que o arquétipo brasileiro vai encontra base para seu planejamento. Questionamento importante sobre essa condicionante é: nós importamos ou fomos empurrados a essa via de regras? Anna Finger (2009) propicia a resposta enquanto é categórica ao afirmar que ... no panorama europeu, visando oferecer melhores condições de habitação aos seus funcionários, os empreendimentos industriais começaram a investir na construção de vilas para, por um lado, manter os operários próximos aos seus locais de trabalho e, por outro controla-los de perto, exercendo um duplo papel de benfeitoria e dominação... Já no caso brasileiro, sendo um país calcado na produção agrícola desde os tempos coloniais, a introdução dos conceitos e hábitos “modernos” não se deram da mesma forma. Na maior parte dos casos foram importados os modelos utilizados nos países europeus, introduzidos no Brasil em meio a uma sociedade rural e escravocrata, contribuindo para ressaltar ainda mais as contradições dos modelos econômicos até então adotados. O período da Primeira República será avaliado seguindo estudos de Eudes Campos (2008) que concluiu: O pensamento liberal da época reconhecia a necessidade de construção de casas populares em quantidade suficiente para abrigar a classe trabalhadora e extinguir os cortiços, mas sempre deixou esse encargo inteiramente à iniciativa privada, que mediante incentivos e favores propiciados pelo Estado, deveria construí-las e explorá-las modicamente. Os empresários, porém, só se interessavam pela questão da construção da moradia proletária, pelo viés imediatista da rentabilidade. Ao mesmo tempo, a mentalidade discriminatória da burguesia daquele tempo não admitia a presença do pobre dentro da área urbana da cidade. Apoiando-se no trabalho de Bonduki (1998) que analisa as iniciativas e intervenções da produção habitacional como de interesse governamental até a “social” 14 entre 1930 e 1964, para que a cidade urbana-industrial brasileira não passe de um nível desorganizado que sempre fez parte para um plano caótico, a vila operária passa a ser enfocada por fazer parte do complexo sistema qual a indústria atrela a cidade, grande causadora do paradigma habitacional que deu possibilidade do controle dos seus funcionários dentro da fábrica e fora pela moradia e outros serviços oferecidos pelo patrão o que gerava um domínio múltiplo. Portanto, enxergar que o envolto social fabril, está submetido a valores materiais e simbólicos, acrescido de visões amplas como da filosofa Viviane Mosé qual no estudo das simbologias sobre a vida fabril adicionado ao cotidiano escolar, remete a estrutura e nomenclaturas da escola brasileira ao processo fordista, os níveis escolares são séries, a matéria agora é disciplina, o sinal sonoro ao fim de cada aula é o apito da fábrica, o aluno não é mais levado a ter opinião, nesta configuração escolar, há um desestímulo a crítica e ao questionamento do papel de cada cargo, uma total ausência de criação e então a apreciação da repetição, a finalidade escolar torna-se a transformação da massa popular em proletário pacífico. Na sociedade industrial, a diferenciação tornou-se desejada pelos que se viam ameaçados por uma suposta igualdade social e a arquitetura foi mantida como um instrumento poderoso para afirmação da superioridade de uns e consequentemente inferioridade de outros. Podemos perceber uma grande diferença entre o discurso e a prática burguesa no que se refere à construção da moradia para classes subalternas. (STANCHI, 2008) É necessário fazer uma abordagem em linha cronológica a fim de buscar os aspectos relevantes ao capítulo da permanência imprópria como mora o proletário no Brasil, levando em conta os parâmetros econômicos e a situação governamental, manobristas da sociedade, da questão habitacional e assim do plano arquitetônico e urbanístico, mostrando o entendimento da causa pelos profissionais, mas a nem sempre liberdade de atuação, resultando propostas que simbolizam os momentos pelo qual a moradia pode ser examinada. Sendo principalmente após a revolução industrial quando o camponês abandona a terra, a manufatura, migrando para a cidade que se vão criar métodos de garantir o homem explorando o homem. Sob esse enfoque identificar às diretrizes que serviram de embasamento para origem das construções destinadas a habitação proletária no Brasil depende não só apenas da análise da situação dos conjuntos habitacionais, mas também da reflexão sobre os fatos históricos, que abrangem e renovam o ponto de vista sobre a 15 organização, produção e evolução desses espaços durante os vários períodos da história. Desta forma, fundamentado no método de Stanchi (2008) a análise deverá envolver três níveis de pesquisa, o primeiro restringe-se ao discurso qual apoia a sustentação de um modelo de construção, no segundo acontece à busca do entrosamento entre o discurso e o produto desse pensamento, a sua representação física, e o terceiro e mais difícil o comportamento dos atores sociais mediante ao discurso e prática. 16 2 A FACE COLONIAL A história sobre a origem da habitação das classes mais baixas no Brasil desenvolve-se por volta de 1532 com a chegada dos colonizadores portugueses e, portanto dos primeiros esboços de “vida social” pelos fidalgos da metrópole estabelecidos entre as quinze capitanias hereditárias, decisão decisivana efetiva colonização das terras brasileiras. Portugal se encontrava eticamente ligado à moralização imposta pela religião, por lá entendida como religião apenas o catolicismo; a colônia sua extensão extra continental não poderia ficar muito distante dessa benção recebida pela metrópole, grande seria os investimentos para tornar esse anseio em realidade, a domesticação indígena acontecida neste processo vai ser uma das primeiras formas de subjugar costumes de uma classe em dominação. ... sob a pressão técnica e moral da cultura adiantada, esparrama-se a do povo atrasado. Perde o indígena a capacidade de desenvolver-se autonomamente tanto quanto a de elevar-se de repente, por imitação natural ou forçada, aos padrões que lhe impõe o imperialismo colonizador” (FREYRE, 1936) FIGURA 01 – ENGENHO NORUEGA, ESCADA – PE, POR CÍCERO DIAS, 1933. FONTE: HTTP://COMIDAEHARTE.BLOGSPOT.COM.BR/ 17 A era colonial em linha geral vai caracterizar-se pela mão-de-obra escrava de início indígena, na extração de pau-brasil e a partir da segunda metade do século XVI africana nos engenhos de açúcar, no latifúndio de algodão ou na mineração. O engenho de açúcar está nas raízes da questão sobre a criação dos primeiros núcleos habitacionais com destino a empregados ainda que escravos por patrões, com a instalação dos engenhos de açúcar na terra brasilis foi possível articular a exploração da América e da África – fornecedora de mão-de-obra – Aqui no Brasil, Pernambuco e São Vicente hoje São Paulo ganham destaque como principais produtores, vai ser nesses complexos agroindustriais que surgem em adjacência pequenas vilas quais apresentam além da casa-grande, moita, capela, senzalas para os escravos as moradias para trabalhadores livres. Gaspar Barléu relata sobre a Paraíba no período de domínio holandês além da cidade de Filipéia “não possui outras povoações senão os lugarejos dos engenhos, que, pela multidão dos trabalhadores, constituem verdadeiras aldeias” (BARLÉU, 1974, 71). FIGURA 02 – ILUSTRAÇÃO DA ESTRUTURA DOS ENGENHOS DE AÇÚCAR DO SEC. XVII. FONTE: HTTP://WWW.ESSASEOUTRAS.XPG.COM.BR A produção açucareira ampliava e estava voltada para exportação, neste momento da história o açúcar atingia preço bastante elevado, o ouro branco. No final do século XVIII a economia sob as regras da política mercantilista estava direcionada para produção agrícola ou extração mineral sendo totalmente controlada por poucos comerciantes (burgueses) portugueses. O fato é que a riqueza da colônia está baseada em produtos agrícolas “sendo inadmissíveis os desvios de esforços ou de 18 investimentos paralelos a este objetivo” Stanchi (2008), esse modelo fica conhecido por a economia de plantation e desfruta de mão-de-obra escrava, impactando diretamente o desenvolvimento industrial brasileiro, resultando seu atraso, pois sendo a base da estrutura constituída por escravos, não se tornava atrativo aos profissionais livres ou mão-de-obra qualificada, em maiorias imigrantes europeus. Essas condicionantes validam o que se pode classificar como primeiro estágio da habitação proletária colonial no Brasil. Um segundo estágio configura-se com o aparecimento de novos países produtores de açúcar que provocaram a alta concorrência no mercado incidindo na sua desvalorização, o deslocamento do eixo econômico do nordeste para o sudeste com o aparecimento do cultivo do café e a recém-transferência da corte para o Rio de Janeiro, em 1808. Em situação financeira delicada o império desembarca buscando novas fontes de renda para desenvolver e sustentar-se, suspende as proibições sobre manufaturas tal como da indústria têxtil restringida pelo alvará de 1785, pois até então a produção de tecido deste período visava apenas à fabricação de roupas para os escravos, o café encontrando as condições naturais ideais de cultivo se torna o principal produto de exportação, marcando início do ciclo econômico cafeeiro que conduz a economia por cerca de 100 anos, este estruturado no mesmo modelo açucareiro, estava organizado de maneira a atender as necessidades do mercado externo e continuava a explorar o escravo. A intenção durante o regime colonial é sustentar-se na economia de plantation, utilizando como base estruturadora à agro exportação dos produtos, para isso buscava o governo apoiar essa produção e escoamento, a tarifa Alves Branco de 1844, servindo de retaliação às taxas de importação impostas pela Inglaterra ao açúcar brasileiro, passava a atribuir taxas de 30% para a grande parte dos produtos manufaturados importados, inclusive os tecidos de algodão, foi um dos poucos atos interventivos que foram de encontro essa vontade, o debate sobre o atraso industrial e os novos meios de produção estavam abertos quando “pouco depois houve uma suspensão das taxas alfandegárias que incidiram sobre máquinas e matérias-primas, o que estimulou a fundação de fabricas de fiação e tecelagem”. Stein (1979) apud Stanchi (2008). Há uma intensificação das lutas e leis em prol do fim da escravidão. 19 Em meados do século XIX os engenhos tinham dado lugar às usinas “que se difundiram a partir da década de 1860” (AZEVEDO, 1949, p. 62). Esta fase acontece apenas 10 anos após a Lei Eusébio de Queiroz, que proíbe o tráfico negreiro, período ainda em que se alastrava o pensamento liberal/modernista idealizado na Inglaterra por Francis Bacon e na França por René Descartes em defesa da “lei da oferta e procura”, apenas o senhor de engenho consumia bens, a ideia é todos, e porque não!?, tornando crescente o número de trabalhadores livre nos campos e cidades, a favela se iniciaria por esta época com os negros se refugiando nos morros do Rio de Janeiro, a forma construtiva de uma raça possui características próprias, por vezes ímpar de acordo com região, cultura, crença e certamente o principal fator a disponibilidade de material, é nesse período e contexto que a arquitetura popular vai ganhar variada contribuição devido à grande diversidade de origem dos ex-escravos e como narra Günter Weimer (2005) “Certamente o capítulo mais difícil da história da arquitetura popular brasileira é o da contribuição das civilizações africanas, por serem as menos conhecidas e as mais mal estudadas.” FIGURA 03 – COMUNIDADE SAPUCAJÍ, VILA DE TRABALHADORES LIVRES DO ENGENHO SAPUCAJÍ, 2013. FONTE: ACERVO PRÓPRIO A ascensão dos engenhos a usina de açúcar desfrutando do maquinário moderno, invenções possibilitadas pela tecnologia do vapor, vê insípida a quantidade de residências necessária para atender seus funcionários e operários, o que faz ampliar o número de unidades residenciais a ser construído, como torna mais completo o programa das casas neste embrião de centro industrial. 20 “... em alguns casos, verdadeiras cidades em miniatura, em que se aglomera, em lugar da escravaria das senzalas, numerosa população constituída pelo proletariado rural e pelos operários das fábricas e empregados nos serviços de administração e de transportes” (AZEVEDO, 1949, 61). As linhas férreas foram de grande importância para a firmação desse processo, a capacidade obtida por esse meio de transporte tanto para o escoamento das principais plantações quanto das mais remotas, até o transporte da mão-de-obra se dava por meio das estradas de ferro que ligavam diretamente os produtos ao porto para as sua exportação. O valor dos trens nesse processo semi-industrial fica explícito com as linhas privadas das usinas de açúcar, a locomotiva a seguir fazia parte de um sistema ferroviário privado com 60 km de extensão, sete locomotivas e capacidade de transportar o produto final de 500 toneladas de cana. FIGURA 04 – TREM DA USINA UNIÃO INDÚSTRIA ANTIGO ENGENHO DO SEC. XVIII. FONTE: ARQUIVO PRÓPRIO Nas cidades surgem soluções habitacionais insalubres, essas não levavam em conta os devidos cuidados com a higiene, tipos dehabitação que por algum tempo supririam a lacuna imobiliária do rápido desenvolvimento urbano, os quais favorecidos por privilégios se tornariam um bom investimento para quem possuísse condições de fazer pequenas aplicações no setor como ampliação da sua renda mensal, a organização no terreno era buscada para haver economia de material e total aproveitamento espacial. 21 O Rio de Janeiro concentrando cerca de 50% dos imigrantes portugueses e com uma população que chegaria aos 522.651 em 1890 (TEXEIRA, 1994) vê nascer o cortiço, uma adaptação claramente inspirada nas “ilhas” da cidade do Porto, possuindo também diferentes nomes: estalagens, avenidas, casa de cômodos, entre outros, tais variações justificadas de acordo com a forma da habitação ou até mesmo a habitação, porém em momentos diferentes. “As casas de cômodos eram casas locadas em partes mais antigas da cidade, que, conforme a procura de habitação de baixo custo aumentava, eram subdivididas em vários apartamentos, quartos, cubículos, a fim de alojarem um número cada vez maior de pessoas... O cortiço do Rio de Janeiro era descrito como um tipo de habitação popular composto de fileiras de casas pequeninas — às vezes mesmo apenas de quartos — edificadas ao longo de um terreno mais profundo, abrindo para pátio Ou corredor, com feição de ruela. Nesses casos era frequente a existência de um só conjunto de instalações sanitárias e tanques, dispostos no pátio, para uso comum” (TEIXEIRA, 1994). A infraestrutura dos cortiços era bastante miserável, e nestes assentamentos se chegou a alojar mais de 25% da população do Rio de Janeiro estimando-se até os 36%, os moradores dos cortiços pertencia basicamente às classes baixas e profissionais autônomos, equipamentos como cozinhas e sanitários era de uso comum a todos os seus habitantes, relatórios realizados em 1883, referem a exemplos de cortiços com uma latrina para dez ou vinte habitações –esses números chegavam às centenas– podendo alguns cortiços ainda estar completamente desprovidos de instalações sanitárias. Não existia canalização de esgotos, sendo, em vez disso, utilizadas fossas. O abastecimento de água era feito através de fontes públicas, que podiam estar situadas fora ou no interior desses conjuntos. FIGURA 05, 06, 07 – CORTIÇOS NO RIO DE JANEIRO. FONTE: ACERVO CORREIO DA MANHÃ: ARQUIVO NACIONAL 22 Em sua expressão no estado de São Paulo o cortiço também foi protagonista da habitação proletária não existindo diferença das alcovas com porta do Rio, erguidas lado a lado em série por primórdios especuladores, os proprietários dos cortiços. O lucro sobre os cortiços era tão grande que fortes impostos foram aplicados desde 1877, mas apenas em 1881 é que os vereadores de São Paulo conseguem estabelecer uma real definição de cortiço para que pudesse haver devida fiscalização, o que não aconteceu em prática. “quartos encarreirados cobertos de meia-água, com pé-direito variando de 10 a 12 palmos (2.20 m a 2.64 m) e cujas frentes não davam para a via pública” (Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 1881. p.77 apud Santos. FIGURA 08 – ENTRADA PARA CORTIÇOS NO VALE DO BIXIGA, SÃO PAULO. FONTE: HTTP://SAUDADESAMPA.NAFOTO.NET/ No proceder dos anos 70 e 80, seriam criados vários cursos voltados para a formação de mão-de-obra qualificada – a Sociedade Propagadora de Instrução Popular (1874), o Instituto dos Educandos e Artífices (1874), Instituto D. Ana Rosa (1874), Liceu de Artes e Ofícios (1882), Liceu do Sagrado Coração de Jesus (1885). 23 Nesse momento já se tem a preocupação dos salubristas da corte com a condição e qualidade das construções particulares e da cidade –não sendo fato exclusivo da República como levanta alguns pesquisados– “Em 1886, por exemplo, havia sido criada na Província de São Paulo a Inspetoria de Higiene Provincial, dependente da Inspetoria Geral de Higiene do Império” (EUDES). A introdução de novas noções de higiene as moradias a fim de evitar as entre outras doenças, às epidemias de varíola que eram constantes, procuram garantir as condições do proletário, uma mão-de-obra barata, exercer suas funções, nesse sentido de acordo com Gilberto Freyre desde o primeiro estágio colonial sempre houve preocupação com a condição do trabalhador ao menos a garantia de comida. Em 1888, pleno ciclo econômico do café a abolição da escravidão é deflagrada, um período de mudanças está estabelecido, a imigração de trabalhadores livres para o Brasil que não se via favorecida por causa da mão-de-obra escrava agora encontra novas condições nesse modelo em que na base da pirâmide está o trabalho remunerado, marcando a mudança do perfil dos imigrantes, assim como do comércio, a função do governo entra em pauta esse momento é ponto chave para definir a ritmo da industrialização. 24 3 CONCEITOS E MODELOS IMPORTADOS A habitação é um dos fatores básicos que condicionam a vida em sociedade. Nas cidades elas são parte constituinte dos diversos problemas que as afligem, contudo é após a revolução industrial que o processo do êxodo rural explode, é devido à precária urbanização e acelerada produção imobiliária a fim de fomentar o mercado que os problemas das cidades vão se agravar. Filósofos, arquitetos, urbanistas, economistas, médicos entre tantos outros atores fazem parte de um coro que sempre esteve “atento” ao debate sobre as condições do meio-urbano, a fim de idealizar cidades belas e funcionais que existam sob a sombra de um governo justo, pondo em datas, a cidade planejada faz parte do imaginário e das ações humanas desde 3500 a.C. com o planejamento urbano grego, sendo considerado como pioneiro Hippodamus com suas teorias e ideias sobre o uso ideal da terra e da localização de ruas e edifícios nas cidades de Mileto e Pireu, no século IV a.C., de muita importância a leitura do diálogo de Plantão A República onde narra o que seria as ideias elementares de organização social e política na cidade fictícia de Calípole (Kallipolis, que significa cidade bela), onde nestes dois sentidos a sociedade estaria em harmonia, entretanto é no renascimento que são concebidas formas práticas para organização física do meio-urbano o que significa uma real intenção do controle e produção do espaço urbano, são exemplares desse período: De re aedificatoria de Leon Battista Alberti (1452), como também o Trattato de Antônio Avelino, o Filarete (1400-1466) vindo até o próprio Leonardo Da Vinci a desenvolver detalhado modelo urbanístico que ajudaram a embelezar cidades italianas. FIGURA 09 – PLANO DE IMOLA POR LEONARDO DA VINCI, 1502. FONTE: HTTP://CAMILO0109.BLOGSPOT.COM.BR 25 Outro personagem nesta cadeia do pensamento de organização espacial socialista é Thomas More que em 1516 no seu livro a Ilha da Utopia, de onde provém o termo utopia, engloba todas as questões anteriores, nele More descrever uma ilha imaginária com uma sociedade perfeita composta por 54 cidades idênticas em toda sua organização, um plano uniforme, racional, regular e repetitivo, onde a base estrutural está apoiada na família camponesa qual tem responsabilidades sobre as terras da cidade e também direitos, a propriedade privada não existe, mercados são estabelecidos entre os quatros bairros da cidade e fornecem a comida necessária aos chefes de família não sendo preciso comprar ou fazer trocas de produtos, utopia. FIGURA 10 – REPRESENTAÇÃO ARTISTICA DA ILHA DA UTOPIA DE THOMAS MORE FONTE: HTTP://THEGOSPELANDUTOPIA.BLOGSPOT.COM.BR As cidades utópicas estão conectadas com a racionalização do estilo de vida burguês e não obrigatoriamente seriam cidades para serem construídas, são modelos que favorecem a explanação do tema, trazem concepções de cidades mais ordenadas que as existentes até aquele momento, com crescimento de instinto vernácular sem planos, são ensaios de condições: social,política e urbana buscando 26 combater o desenvolvimento desordenado das cidades a fim de organizar e obter melhorias de vida para a sociedade qual estavam inseridos. A partir do século XIX a explosão demográfica nas cidades juntamente com a precária situação da habitação para a classe proletária europeia faz ressurgir pensamentos e propostas com intuito de tornar a sociedade em suas muitas escalas algo um tanto ideal, incorruptível, digno; o filósofo francês Charles Fourier (1772 – 1837) lança em 1822 suas ideias do Palácio Societário ou Falanstério onde ele discorre sobre “um grande edifício onde, além das habitações para três mil e quinhentas pessoas, alguns equipamentos de uso coletivo complementariam a vida doméstica comunitária” (TRAMONTANO, 1998, p.22 apud VIANNA (2004). No Brasil em Santa Catarina por volta de 1841 o Falanstério do Saí foi desenvolvido, chegando até obter resultados positivos por alguns anos, porém sem sucesso prolongado. No campo da indústria com posicionamento de vanguarda o britânico Robert Owen (1771 – 1858) foi um dos precursores da visão de controle social, acreditando que o caráter humano era fruto das condições do local em que ele se formava. Defendendo a adoção de práticas sociais que primassem pela felicidade, harmonia e cooperação, assim, poderia ser superado os problemas causados pela economia capitalista. Seguindo seus princípios de visão progressista, Owen reduziu a jornada de trabalho seus operários das comuns 14 a 16 horas para 10,5 horas diárias, defendeu a melhoria de suas condições de moradia e educação como organizou seus funcionários para que entendessem dos seus direitos. Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos estão no centro das experiências de habitação para o proletariado patrocinada pelo setor privado e governo, são nestes países onde acontecem as primeiras intervenções por meio de leis regulamentadores nesta esfera e também quando já no final do século XIX abre- se a visão para este problema de política social. Na Inglaterra por volta de 1825 passou a existir construções patrocinadas por pequenos investidores visando rentabilizar o espaço do desregrado processo de desenvolvimento fabril, associações entre industriais, denominadas building societies, juntos eles criaram um conjunto de vilas operárias na região das cidades de Bradford, Halifax e Leeds, os slums, em português literalmente favela, como ficou conhecido o modelo inglês de vila operária, Titus Salt outro grande industrial da Inglaterra absorveu 27 todo conhecimento possível do socialismo utópico e foi o responsável por empregar estas novas teorias em seu complexo industrial a vila de Saltaire, construída entre 1851 e 1872, ficando a três milhas do centro de Bradford ele conseguiu apresentar alto nível de crescimento com base no controle das necessidades dos seus funcionários dentro do próprio conjunto, o modelo de Titus seria um dos mais importados pelos industriais fora da Europa, em Saltaire a vida era totalmente distinta do que acontecia na cidade de Bradford, qual se encontrava em pleno caos industrial, suja, onde surtos de epidemias se tornaram comuns, a poluição industrial extrapolava o habitual e os conflitos políticos eclodiam o que caracterizava um segundo modo de vida fabril, a crise habitacional era fato consumado no país e foi, sobretudo após a primeira guerra mundial que as políticas sociais tiveram mudanças significativas, os agora desprovidos de habitação acabara de voltar da guerra como retrata Silva (1997) seria uma situação vergonhosa que ex-combatentes não possuíssem residência, o autor ainda dimensiona o tamanho do problema “entre 1919 e 1933/34, em toda Inglaterra, as autoridades locais foram responsáveis pela produção de 763.000 moradias, estando por essa data cerca de 30% dela concluídas.” (SILVA, 1997). FIGURA 11 – COMPLEXO DA VILA DE SALTAIRE, ATUALMENTE. FONTE: NTURISMO.COM A Alemanha possivelmente é dos países que apresentam maior intimidade com a questão, por volta de 1847 surgem exemplares de habitação provinda de bases cooperativas, uma intenção de caráter social fica percebida pelo público acolhido no 28 programa, apenas na cidade de Berlim estima-se que existiam cerca de 222,000 mil habitantes sem residência em 1825, passando esse número a ser maior que o dobro em um período de 30 anos. As Mietkasernen “casernas de aluguel” como se denominou a variante berlinense para as edificações, possuiu incentivos desde Frederico, o grande (1712-1786) sendo ele visto como “pai” do modelo, várias cidades da Alemanha desenvolveram as Mietkasernen (Hamburgo, Hanover, Celle), porém as mais importantes foram as experiências de Berlim e Frankfurt, tais construções caracteriza-se por seguidos blocos de apartamentos com cinco pavimentos que podem ser descritos com a seguinte estrutura de acordo com as unidades habitacionais e seus respectivos preços de aluguel: 4º piso: três unidades à 100 Taler1; 3º piso: duas unidades por 150 Taler; 2º piso: três unidades por 200 Taler; 1º piso: uma unidade por 500 Taler; Térreo: duas unidades por 200 Taler; Porão ou construção posterior: unidades à 50 Taler. FIGURA 12 – MIETKASERNEN, ELEVAÇÕES DE FACHADA EXTERNA (DIR.) E INTERNA (ESQ.). FONTE: PALACE PRISON MIETSKASERNE, ROLF KUCK. A França está entre os países que vivenciaram o início e crescimento ápice da revolução industrial, em razão disso, aliado a falta de projetos com soluções aceitáveis para as classes de menor renda e uma política de visão atrasada e convencionalista fez com que suas cidades desenvolvessem problemas sociais e de infraestrutura grandíssimo, mas por lá o combate à falta de residência para população do nível base do sistema não obteria resultado significativo perto do acontecido na Alemanha e Inglaterra. Entre 1894 e 1914, apenas 10.000 moradias foram produzidas em toda região de Paris, grande fator disso foi o aumento dos valores imobiliário, neste período Paris passava pelas reformas urbanísticas de Haussmann, grande número da 1 Taler – moeda de prata que foi usada na Europa por mais de 400 anos. 29 população sem poder monetário passa então a ocupar e subdividir imóveis em antigos bairros. Os bidonvilles ocupações ilegais se espalharam por todas as regiões, ocupando terrenos vazios, “nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, são bastante evidentes as similaridades com os cortiços, favelas e loteamentos periféricos atualmente existentes nas grandes cidades brasileiras” (SILVA, 1997). A França tem importância neste grupo de países devido ao modo que tratou a regulamentação da produção das residências, por meio de (secretarias de habitação) organizada por cada gestão municipal, fica introduzida a ideia de que o estado tem obrigações com o povo. Os Estados Unidos igualmente em diversas temáticas apresentaram uma configuração própria de solução para habitação proletária, devido ao liberalismo não existia uma política de habitação social podendo se falar até em antipolítica já que o estado parecia não querer interferir no sistema, por lá os primeiros investimentos também acontecem por parte do capital privado e com o intuito obvio de apenas rentabilizar a cidade, aparecem os tenements construções sem regulamentação, edificadas de forma que fosse aproveitada toda a extensão do terreno com blocos de vários andares, na cidade de Nova York bairros inteiros viriam a ser constituído com este tipo de moradia, havia ainda os dumb-bell tenements um progresso nesse tipo de habitação onde a iluminação e ventilação foram tratadas com mais cuidado, não o devido. Em 1901 a condição de não intervenção do estado se altera, acontecendo uma grande contra partida para novas construções, leis agora organizam a sua configuração básica levando ao desenvolvimento de melhorias significativasnas mesmas, muitos tópicos são abordados, porém os mais relevantes eram ventilação, iluminação, sistemas elétrico, hidráulico e dispositivos de proteção contra incêndios, estes antigos resíduo de imigrantes foram transformados em museus, o modo característico dos americanos do norte tratar e valorizar sua cultura e tudo que por lá se produz. O desenvolvimento do modelo urbanístico americano não levava em conta a residência como uma unidade base do plano, isso reflete o pensamento do governo da não intervenção, as ações estavam concentradas na implantação de parques e áreas verdes, o movimento City Beautiful, da Civic Art e do City Efficient são o limiar consolidado desse raciocínio, a explicação para isso acontecer é que as leis foram eficientes e postas em prática, sobretudo as contra incêndio. 30 A primeira guerra mundial foi verdadeiramente um fator importante nos países que dela participaram. Em 1917 o governo da América do Norte deflagrou um programa conhecido como “economia da guerra” esquema onde o estado tornou-se durante cerca de um ano o responsável pela garantia de “serviços e bens em setores específicos... as war villages construídas nesse breve período foram responsáveis pela provisão de moradias para cerca de 360.000 trabalhadores e suas famílias.” (SILVA, 1997). Depois de a fase caótica passar e então conseguir se estabilizar que os Estados Unidos voltam a sua posição de origem –o não intervencionismo– reabrindo assim o mercado da habitação aos investidores. 31 4 A MODERNIZAÇÃO NA REPÚBLICA VELHA O império se entrelaçava com a escravidão, e a abolição em 1888 tornou uma questão de tempo até que os republicanos obtivessem a vitória, porém: longe de corresponder às inspirações populares, a república não passaria de um mero golpe militar. A prova da escassa receptividade à ideia republicana pretende-se encontrá-la no insignificante número de pessoas inscritas no Partido Republicano e na sua escassa penetração nos meios parlamentares. A proclamação da república teria sido facilitada pelo desprestigio que recaia sobre a Monarquia, em virtude das críticas que os próprios monarquistas lhe dirigiam. (COSTA 1987). As iniciativas tomadas pelos governos da República Velha (1889-1930) no sentido de produzir habitação ou de regulamentar o mercado de locação residencial são praticamente nulas (GAP, 1985). Aos moldes do liberalismo onde o poder público não tem intenção direta de intervir nas decisões individuais, o conjunto do livre mercado faz a produção privada ficar responsável por satisfazer todas as necessidades do sistema inclusive assim à construção de casas para seus trabalhadores, ficando o estado com a responsabilidade de fazer intervenções apenas nos casos mais graves de insalubridade como aconteceram com os cortiços do Rio de Janeiro e posteriormente nos mocambos de Recife, e como será apontado o resultado dessas ações não soluciona como aumenta a problemática e revolta da população desabrigada. A produção de moradia operária no período de implantação e consolidação das relações de produção capitalista e de criação do mercado de trabalho livre, que corresponde aos primórdios do regime republicano, era uma atividade exercida pela iniciativa privada, objetivando basicamente a obtenção de rendimentos pelo investimento na construção ou aquisição de casas de aluguel. (BONDUKI, 1998). No final do século XIX a frágil e pequena classe industrial, planejando sua afirmação passa a pleitear parceria com o governo, oferecendo proposta para atualizar a estrutura do estado oligárquico objetivando alcançar os novos modelos de produção, esta instaurada a transição do país agrícola mercantilista em moderno, industrializado e endividado. Mesmo tendo atrapalhado a insípida indústria brasileira foi do estreitamento nas relações entre Brasil e Inglaterra, que ficou possibilitado a 32 vinda da era das máquinas, e assim a instalação das primeiras indústrias no país, quando igualmente chegamos ao desenvolvimento das primeiras experiências de vilas operárias por aqui, pesquisadores corretamente defendem que o princípio de controle nesses complexos não se diferenciava muito do presente nas senzalas. FIGURA 13 – SANZALA2 QUICONGO, NOROESTE DE ANGOLA. FONTE: HTTP://WWW.IHGRGS.ORG.BR/ FIGURA 14 – PLANTA DE CASAS OPERÁRIAS A SEREM ACRESCIDAS À VILA JÁ EXISTENTE NO ANTIGO LARGO CONDE DE SARZEDAS (1901), HOJE PRAÇA MÁRIO MARGARIDO. FONTE: ACERVO AHMWL 2 Sanzalas, as aldeias norte-angolanas formadas por duas filas de casas geminadas ao longo de uma rua, zoneadas conforme os clãs e separadas por famílias, quando as casas passavam a fazer parte do contexto urbano de uma cidade. 33 A estimulada industrialização ocupava ainda o segundo plano na estrutura econômica, estando o comércio da produção agrícola com a maior fatia de participação; com a abolição e imigração vinda ao final do século XIX o Brasil agora dispõe de uma classe de trabalhadores livres que além de trabalho nas lavouras veem-se atraídos pelas várias atividades decorrentes do desenvolvimento econômico da cafeicultura, o capitalismo abraça a cidade e vice-versa. Cidades de todo o país estavam em crescimento, porém no sudeste o quantitativo populacional passa a duplicar e até mais que quadruplicar em um período muito curto do tempo, exemplo São Paulo qual “a população da cidade cresceu de 40.000 habitantes em 1886 para 260.000 em 1900 e 580.000 em 1920” (BONDUKI, 1998) o déficit no número de residências faz com que construções para atender esse quantitativo sejam promovidas como também recebam o incentivo do estado, por volta de 1910 quase toda a população paulista morava em casas de aluguel, cerca de apenas 19% das construções estava ocupada por seus donos, com o apoio da Lei de isenção de impostos definitivamente transforma-se numa alternativa rentabilizar os espaços da cidade, sobretudo os localizados nos contornos das fábricas, a absorção de todas as classes por esse mercado reflete no variado tipo de habitação produzido já que a posição econômica de uma camada está ligada a sua escolha e possibilidade de moradia, a valorização imobiliária. Com a crise habitacional instaurada desde a metade do século, está em discussão um novo padrão para suplementar os problemas de habitação operária/popular, agora com base em diferentes pontos de vistas, adequando-se aos condicionamentos do poder público, da base econômica, atributos sanitários exigidos e viabilidade –o que significa barato–. O problema de moradia já era significativo desde 1850 e é apenas crescente com o passar do tempo e expoente desenvolvimento das cidades, como referido anteriormente na tentativa de estabelecer as regras para a produção e exploração habitacional pelo poder privado é instituída fortes taxas desde 1877, conseguindo se estabelecer reais regras por volta de 1881, mas apenas vindo a ser posta em pratica após 1886 “ para a construcção de casas, para trabalhadores a imitação das conhecidas no Rio de Janeiro com o nome de Villas, isto é, com entrada para um pateo commum, porém em melhores proporções que as dos actuaes cortiços.” (transcrição do Correio Paulistano de 18 de Agosto de 1886.) 34 O governo republicano, aliado às oligarquias, visava o progresso por meio da instauração da ordem pública. Assim, confinou-se os pobres para as margens do perímetro urbano, para além do calçamento e do saneamento das ruas do centro. “Trata-se do problema do relacionamento entre o cidadão e o Estado, o cidadão e os sistema político, o cidadão e a própria atividade política” (CARVALHO, 1987, p. 10). Nesse cenário espalham-se as práticas de criação de vilas operárias, podendo ser estas diferenciadas em dois distintos moldes de acordo com seu construtor/proprietárioe serventia, a primeira eram vilas promovidas por empresas com destino apenas aos seus funcionários e de acordo com a serventia consistiam em assentamentos habitacionais patrocinados por investidores privados dedicados ao aluguel. “Inserida em estratégia de disciplina da mão de obra, fundamentada na sedenterização, na moralização dos costumes e na difusão de novas noções de higiene” (CORREIA, 1997, p.2). FIGURA 15 – CASA POPULAR SITUADA NAS IMEDIAÇÕES DA BAIXADA DO GLICÉRIO, TRAVESSA RUGGERO, 1901. FOTO: HUGO SEGAWA ACERVO SEMPLA 35 Do Nordeste brasileiro os ex-combatentes da Guerra dos Canudos trouxeram mais que a morte dos seguidores de Antônio Conselheiro, por ficarem desamparados pelo governo, os que não tinham condições de vida passaram a se instalar nos morros do Rio de Janeiro juntamente com ex escravos, ao lembrar uma planta característica e bastante resistente da caatinga a Favela característica do Morro da Favela na original Canudos, este tipo de “assolação construtiva” foi lembrada pelos moradores pela força e rapidez que evoluía nos diversos espaços da cidade e assim foi batizada de favela. FIGURA 16 – FAVELA NO MORO DA PROVIDÊNCIA, PROVÁVEL 1º FAVELA DO RIO DE JANEIRO, AO FUNDO A CIDADE INDUSTRIAL. FONTE: HTTP://MEDIOCRIDADE-PLURAL.BLOGSPOT.COM.BR/ Um dos primeiros centros fabris da América Latina é também encontrado no estado Pernambucano na cidade de Camaragibe, propriedade do empresário argentino Pereira Carneiro em parceria de outros investidores foi fundada em 1891 a Companhia Industrial Pernambucana essa qual possuiria amplo complexo além da vila para moradia. É sobre tudo devido a gerencia de Carlos Alberto Menezes engenheiro civil, líder católico e bacharel em letras, influenciado pela encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários do Papa Leão XIII –documento dirigido a todos os bispos qual fala sobre as condições operárias– e de correntes europeias de gerência cristã fabril que ele desenvolve progressista atuação sobre a questão, 36 chegando a fundar a em 1900 a Corporação Operária de Camaragibe entidade responsável por representar todos operários da cidade. Esta representação atuava em todos os assuntos dos trabalhadores e suas famílias ministrando o que seria moral, espiritual e intelectual. “... A solução socialista 3. Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social. A propriedade particular 4. De facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito da propriedade mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação ... Obrigações dos operários e dos patrões 10. Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas. 37 Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo. Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos»(6). Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis — pergunta- mos Nós — não bastaria, só de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?.”(Transcrição de trechos da Rerum Novarum: sobre a condição dos operário) A igreja que desde outras épocas estava silenciada sobre o condicionamento dado a mão-de-obra entra neste panorama concebendo a visão de que a moral do ser humano havia sido perdida no último século com a revolução industrial, a massa popular não mais detendo o meio de produção em suas mãos estava a mercê do industrial, a posição no topo da pirâmide social onde estava o clero juntamente com o governo estava ameaçada por revoltas preste a ser declarada, a igreja reivindica assim a posse da terra aos trabalhadores, mas nega totalmente a qualquer desvio de pensamento para igualdade entretodos, condenando o Socialismo e Comunismo como práticas que atiçam as classes pobres contra os ricos, podendo ser até mesmo a cauda do empobrecimento, havia incentivo ao conformismo desta classe em suas funções na sociedade, delegando o poder a própria natureza que fez eles assim, uma medida que tem o aspecto de servir como método de controle para as prováveis revoltas proletárias contra o patrão, para os ricos ela guarda a posição de que “as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo”. (Mt 19,23-24). 38 O bairro de Vila Isabel no Rio de Janeiro é uma porção visível da mentalidade e processo de industrialização vivido pelo país no final século XIX, Stanchi (2008) relatando o período da instalação das várias indústrias no bairro sendo elas as: Fábrica do Sabão Russo, Fábrica Sabonete Santelmo, Fábrica de Barcos, Fábrica de Vidros Scarrone, Fábrica de Uniformes Militares Moraes Alves, Fábrica de Móveis Walter Soares, Fábrica de Cerveja Portugal, Indústria de Bebidas Amazônia LTDA e a Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial, está última objeto de sua pesquisa, ele revela a permanecia e existência da fragmentação social assim como o atrelamento da força de trabalho ao patrão causando uma amarração desde quando ainda o país era escravocrata, muito longe do discurso de tratamento moderno dado a questão. Ainda no Rio de Janeiro, numa ação governamental de cunho social é provável que as primeiras moradias produzidas tenham sido as 120 unidades habitacionais construídas na Avenida Salvador de Sá em 1906 pela prefeitura do então Distrito Federal esta que se via em alvo constante de críticas em relação à situação deixada os antigos moradores dos cortiços recém-derrubados, a atitude vem a ser apenas paliativa e não resolve a assunto, já que o número de desabrigados na derrubada dos cortiços era imensamente maior que este número de unidades edificadas, nesta mesma cidade as vilas proletária de Marechal Hermes começaram a ser edificadas contudo sendo abandonada ainda nos alicerces por quase duas décadas. Em Recife apenas no ano de 1926 é que vieram a ser construídas 40 unidades pela Fundação A Casa Operaria (GAP, 1985) sendo este órgão “a primeira instituição pública do país a ser criada especificamente para produzir habitação com caráter social.” (BONDUKI, 1998). As vilas fabris foram intencionalmente a forma escolhida pelo estado e classes ricas para servir de modelo para habitação operária durante a fase do estado velho. de modo que pelo lado do estado facilitava o controle de produção enquanto garantiria a qualidade “apropriada” para as casas, o que de fato não tenha tido real significado já que estudos apontam que cerca de 72% dos projetos tenham sido modificados, a vila também ajustava-se ao pensamento do patrão qual a intenção era obter “controle ideológico, político e moral aos trabalhadores, muito bem visto frente ao sempre presente temor de uma revolta operária” (Rago, 1985), poucas empresas construíram vilas dignas com casas e aluguel a preços justos. 39 No Brasil além da vila fabril aconteceram outras manifestações de vila construída por empresas estatal ou privada para seus funcionários, por consenso geral de muitos escritores sobre o tema nestes complexos a intenção e maneira que são edificadas essas vilas não se distingue muito do que promoveu a igreja o governo ou a indústria, a diferença acontecia no âmbito do discurso que defendia sua implantação e no melhor dos casos o fator de maior relevância e influência era a presença do arquiteto, por isso tais vilas aqui não serão estudadas a fundo e apenas apresentadas para fazer jus ao conhecimento. As vilas ferroviárias vão ser encontradas no Brasil entre a primeira metade do século XIX e a segunda metade do século XX o que representa mais de um século em construção, FINGER (2009) possibilita dimensionar um quantitativo dessas construções quando diz que nos tempos de origem aproximadamente a cada 20km de linha deveria ser alojado um funcionário, mas revela que esse mapeamento seria praticamente impossível a autora ainda vai discorre sobre o modo que o governo introduz as vilas na época de construção das primeiras linhas férreas e as mantem por um período, fazendo enfoque na pesquisa ao projeto arquitetônico e urbanístico qual estavam inseridas e a origem das companhias que as edificaram “em sua maioria estrangeiras, destacando-se as inglesas, belgas, americanas, francesas e alemãs). FIGURA 17 – VILA DE PARANAPIABA, SANTO ANDRÉ, SP (2008) FOTO: ANNA FINGER (2008) Os escritores BONATES e VALENÇA (2010) são concisos e exatos ao descreverem as Vilas militares no Brasil em sendo “No geral, as vilas militares reúnem 40 número pequeno de casas e/ou blocos de apartamentos – não mais do que 50, aproximadamente –, mas, pelos motivos a seguir discutidos, exercem um papel importante no contexto local, chegando, excepcionalmente, até a dar nome a bairros. De baixa densidade, com vastos terrenos e equipamentos urbanos, anexas quase sempre a outras instalações militares, ocupam largas áreas das cidades. As vilas, que são classificadas e alugadas conforme o rank da Corporação, são de suma importância para as Forças Armadas devido à natureza do trabalho militar, que exige o movimento espacial de seu efetivo. São geridas pela Corporação, que as mantém preservando o seu modelo original (a maioria foi construída nas décadas de 1930- 60s) e realizando apenas pequenas adaptações às novas necessidades da vida urbana que surgem ao longo do tempo, tais como: garagens, instalações para condicionadores de ar e internet, entre outras.” FIGURA 18 – VILA DE SUBTENENTES E SAGENTOS EM BAYEUX, PB (2009) FOTO: BONATES E VALENÇA (2009) Já as vilas das hidrelétricas, como relata Mônica Vianna (2004) eram vilas bem construídas e com boa manutenção, podiam ser definitivas buscando a acomodação dos engenheiros e departamento técnico, ou, provisória objetivando a moradia dos trabalhadores no período da construção do conjunto que “além das casas, possuem pequenos hotéis, clubes, piscinas, áreas para prática esportiva e cuidadoso tratamento paisagístico” (VIANNA, 2004). 41 5 O NOVO ESTADO POPULISTA Após a primeira guerra mundial o Brasil vivia uma crise generalizada. A recessão econômica acentuada com o crash mundial de 1929, a insatisfação das camadas médias urbanas e dos trabalhadores com o predomínio político dos fazendeiros e então a ruptura do governo café-com-leite culminaram no golpe de 1930. É a partir e durante o governo do estado novo que o poder público passa a interferir definitivamente no sistema de produção habitacional, tomando posição social, estruturadora, construtiva e até então radical visto a sempre posição de privilegiar os interesses dos investidores da economia. “depois de 1930, um longo processo de criação das novas condições que passam a fazer das atividades urbano- industriais as centrais na nossa economia.” (OLIVEIRA, 1971). Getúlio Vargas foi o escolhido para assumir a presidência, precisando adotar soluções que pudessem legitimar o poder do estado novo, que se via formado por grupos da classe média, tenentes, oligarquias regionais, entre outros, porém ainda sem força perante a totalidade, as massas populares/trabalhadora tornam-se o alvo para conseguir este respaldo. “necessitados do apoio das massas urbanas, os detentores do poder se vêem obrigados a decidir, no jogo dos interesses, pelas alternativas que ser enquadram nas linhas de menor resistência ou de maior apoio popular” (WEFFORT, 1966, 144) “assim legitimado e de certa forma pairando sobre todas as classes, o que significava abrir-se a todos os tipos de pressões sem se subordinar exclusivamente aos objetivos imediatos de qualquer uma delas, o Estado brasileiro pós-30 pode formular umpolítica econômica e social que, apresar de às vezes ser contraditória e descontinua, apresenta certas características bem definidas.” (BONDUKI, 1998) A habitação sempre foi um assunto penoso às classes menos abastadas, e mesmo que o assunto passe a ser tratado de modo mais organizado não se consegue estruturar uma política habitacional articulada e coesa entre os órgãos e ministérios visto a proporção tomada pela crise e seus vários aspectos. Ações como a criação das: Caixas de Aposentadoria e Pensão da Estrada de Ferro em 1928, 42 Carteiras Imobiliárias das Caixas de Aposentadoria e Pensões pela Lei Eloi Chaves e em esfera nacional a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) em 1933, originam a organização do seguro social, tendo estas entidades reunindo em 1937 o significativo número de 844.800 associados (FINEP-GAP, 1985). Até a década de 40 há um grande incentivo à produção de casas populares por investidores privados o que tornava esta prática totalmente rentável, fato disso é que apenas 25% dos domicílios eram ocupados por seus proprietários (IBGE, 1940), sofrendo constantes aumentos desde 1938 o custo de vida do trabalhador fica cada vez mais fora do que podemos chamar adequado; Os governantes atentos as condições do proletário veem a abertura suficiente para tomar iniciativa que se alinharia a própria necessidade –o aquecimento da industrialização– é, portanto em 1942 que a Lei do Inquilinato entra em prática congelando os preços do alugueis. “com esse objetivo o governo tomou uma série de medidas de controle administrativos que substituem os mecanismos de mercado, visando fazer a economia funcionar de forma não automática” (Oliveira, 1971). GRÁFICO QUANTITATIVO DO ÊXODO RURAL NO BRASIL FONTE: BONDUKI (1998) 43 Em 1946 no já então governo do presidente Dutra é criado a Fundação da Casa Popular (FCP) primeiro órgão nacional destinado exclusivamente a solucionar a prolongada crise da habitação no país, está qual novamente agravou-se durante o período pós-guerra, propondo financiar, além de moradia, infraestrutura, saneamento, indústria de material de construção, pesquisa habitacional e até mesmo a formação de pessoal técnico dos municípios, realmente muito ambicioso, o órgão acaba não alcançando o feitio esperado, devido à falta de articulação entre os diversos órgãos responsáveis pelo tema, como pela necessidade de centralização sob única gestão exigindo a extinção e controle dos recursos dos IAPs sendo este último um fator de peso visto que apresenta alta resistência principalmente por sua ligação e influência com “esquemas políticos” e organizações trabalhistas, as ações do órgão ficam assim limitadas fazendo com que não aconteça uma estratégia aprimorada em nível nacional, não foi a falta de entendimento sobre o tema, mas sim o fato da FCP não obter legitimidade e poder devidos, porém a mesma deve ser creditada como marco na habitação de intenção social provida pela estado, já que as IAPs mesmo sendo anteriores e com programa mais efetivo em número de residências construídas, eram instituições previdenciárias que tinham por função garantir e investir o capital acumulado da Previdência Social. NÚMEROS DA PRODUÇÃO OU FINANCIAMENTO ESTATAL DE HAB ITAÇÃO IAPs (Plano A) IAPs (Plano B) FCP TOTAL 47.789 76.236 16.964 140.989 TABELA 01 – QUANTITATIVO DE HABITAÇÃO PRODUZIDA FONTE BONDUKI (1998) Várias prorrogações da Lei do Inquilinato fizeram com que ela perdurasse até 1964, contrariamente a função pensada a lei provocou uma reação no setor imobiliário com impacto desfavorável aos rentistas. O resultado do congelamento abalou a produção de moradias por seus principais investidores e com o acentuado êxodo da população rural atraídos para as grandes cidades pelas novas condições econômicas, a crise habitacional brasileira tomou proporções de uma gravidade drástica, como mostra Bonduki (1998) o problema era diariamente retratado pela imprensa, o óbvio acontecia à falta de casas para aluguel nas principais cidades fez com que os proprietários procurassem todos os meios de tornar novamente rentável 44 suas habitações e terrenos, o valor do aluguel estabilizado não trouxe nenhum proveito aos já alojados, o fato do reajuste da base salarial depender diretamente de fatores ligado a moradia e inflação do período os torna vítimas categóricas, o despejo passa a fazer parte da ação dos proprietários das casas e se torna talvez o maior problema nos bairros operários, estima-se que neste período 10% da população paulistana tenha sido despejada, como previsto por lei o despejo deveria ser uma prática bastante limitada assim como o reajuste dos valores do aluguel que só poderiam ser conseguido em caso de novos contratos, porém, os casos de despejos estavam limitados aos proprietários que conseguissem provar terem necessidade da casa para moradia própria, para si ou para ascendente ou descendente direto, ou que tivesse planta aprovada para construir edificação de maior área no terreno resultante da demolição do prédio alugado. Muitas ações foram, no entanto, montadas de modo artificial, com alegações mentirosas. Segundo pareceres de advogados da época, apenas 30% das ações havia sinceridade. (BONDUKI, 1998) São Paulo, Recife, Santos, Rio de Janeiro entre outras grandes cidades que haviam passado por intensiva transformação urbana no início do século, apoiadas no ideal de “saneamento urbano” plano dirigido por Saturnino de Brito que proponha a requalificação das áreas centrais entendidas como deteriorada visto que estavam ocupadas pela população pobre, o centro das cidades eram espaço de intensa obsessão dos investidores. Com a possibilidade do despejo para ampliação e valorização dos terrenos perto de áreas reformadas, ocorre um acelerado processo de verticalização atividade que muito interessava a indústria da construção civil e buscava atender uma população que não era o pobre –sistema muito idêntico ao de hoje– ao lado proletariado coube mais uma vez procurar habitar as periferias, é neste circuito onde acontece a propagação da casa autoconstruída uma forma própria encontrada para combater ao colapso e abusiva situação da habitação. FIGURA 19 – REFORMA NO BAIRRO DO RECIFE, INICIADA EM 1910. FONTE: RECIFE.GOV.BR 45 O seminário Habitação e Reforma Urbana de 1963 durante o governo de João Goulart realizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) com o apoio do governo federal através do Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), gerou várias propostas para uma nova política habitacional e urbana, o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) ambos criados em 1964 pelo regime militar fazem parte desta proposta. “Propostas, que, por serem progressistas e antagônicas ao caráter conservador do novo regime, não foram implementadas, mas que permaneceram latentes, sendo retomadas quase duas décadas depois” (FELLOWS, 2011). O golpe militar de 1964 que durou até 1985 parece ter atacado não apenas o governo, mas também os órgãos recém-criados para conduzir a política habitacional do Brasil, as ações do BNH são contestáveis e não apenas por ser um banco atrelado à ditadura miliar, avaliando o investimento, a quantidade e qualidade em relação ao produzido pelos IAPs, como explica (FELLOWS, 2011) fica claro que houve uma ruptura entre arquitetura e moradia popular, até 1970 o banco estava empenhado na sua função social e estima-se que durante estes cincos primeiros anos foram construídas 178.227 unidades habitacionais, porém a partir deste ano os recursos são direcionadas para a habitação de classe média muito mais rentáveis que o mercado popular, durante o seu funcionamento o BNH produziu em torno de 4,5 milhões de unidades sendo 33% das unidades com direção ao setor popular. Em 1988 o Brasil volta
Compartilhar