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EA D Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja 3 1. OBJETIVOS • Apresentar alguns gêneros literários presentes na Bíblia e o gênero literário dos Atos. • Evidenciar os diversos "atos" dentro do livro de Atos dos Apóstolos. • Ler o texto sobre o Concílio de Jerusalém e compreender o seu significado no tempo de Atos e na sequência da história. • Compreender o passo decisivo em direção ao mundo pa- gão e as implicações disso para a teologia e a história. • Analisar alguns textos dos Atos dentro de seu contexto de consolidação da comunidade dos fiéis. 2. CONTEÚDOS • Gêneros literários. • Diversos "atos" dentro de Atos dos Apóstolos. © Atos dos Apóstolos92 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO • Sumários de Atos. • O texto de Atos dos Apóstolos. • Teologia de Atos dos Apóstolos. • Amostra de interpretação. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) A melhor descrição de cada gênero literário do Novo Tes- tamento podemos encontrar na obra: BERGER, Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998. p. 27–330 (Coleção Bíblica Loyola, nº 23). 2) Para um comentário (extenso) dentro de uma perspecti- va teológica, sugerimos: KÜMMEL, Werner Georg. Intro- dução ao Novo Testamento. Paulinas: São Paulo, 1982. p. 199-219. 3) A respeito dos sumários, confira os comentários de J. Dupont na obra: DUPONT, J. Estudos sobre os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1974. (Coleção Bíblica, n. 17) p. 41-42. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, estudaremos alguns conceitos relacionados aos passos fundamentais da Igreja, os quais estão embasados em Atos dos Apóstolos. Desse modo, veremos alguns gêneros literários, ou seja, mo- dos de escrever que determinam os textos bíblicos, dando-lhes ca- racterísticas específicas. Em seguida, veremos que, dentro de Atos dos Apóstolos, há diversos "atos" de Apóstolos e discípulos; estes textos serão indicados. Observaremos, também, os sumários de Atos, que resumem em poucas palavras os fatos que ocorriam e a evolução das comunidades primitivas. 93© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja Outro momento importante dos Atos, a ser estudado nesta unidade, será o Concílio de Jerusalém ou Assembleia de Jerusa- lém, que está referenciado no capítulo 15. Lá, os Apóstolos e os demais membros da Igreja decidem em conjunto algumas posi- ções a respeito dos cristãos de origem pagã. Veremos, também, os dois acentos dos Atos: o anúncio e a catequese. Em seguida, o discurso de Paulo em Atenas nos ajudará a compreender esta dimensão de anúncio e catequese. 5. GÊNEROS LITERÁRIOS Os textos bíblicos apresentam-se em diversos gêneros. Des- se modo, o assunto "gêneros literários bíblicos" é muito rico. Con- siderando que são muitos os tais gêneros, podemos elencar, de um modo resumido, os seguintes: Gêneros no Antigo Testamento Gêneros literários quanto ao conteúdo teológico: • Torah e textos legislativos (Pentateuco). • Profetas: textos oraculares (textos proféticos). • Escritos: textos de sabedoria (livros sapiências). Estilos ou formas literárias 1) Narração. 2) Profetismo. 3) Apocalipsismo. 4) Poesia e Cântico. 5) Carta. 6) Listas e genealogias. 7) Exortações. © Atos dos Apóstolos94 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Gêneros no Novo Testamento Gêneros literários quanto ao conteúdo teológico: 1) Evangelhos ou Narrações teológicas. 2) Descrições. 3) Listas e genealogias. 4) Cartas ou Epístolas. 5) Apocalipses. Estilos ou formas literárias: 1) Querigma. 2) Catequese. 3) Hino. 4) Carta. O gênero que é chamado evangelho apresenta característi- cas muito peculiares. A palavra evangelho vem da língua grega, eu- angélion, "boa notícia", "boa nova", mais especificamente "remu- neração para quem traz uma boa notícia", ou, simplesmente,"boa notícia". É neste sentido que a palavra irá ser usada no Novo Tes- tamento. Não é apenas um conceito interessante que os textos expressam. É,sobretudo,uma ação, uma atividade que antes foi vivenciada e contada de pessoa para pessoa. Agora, é algo escrito, ou seja, uma atitude escrita: anuncia-se a Pessoa e a Missão de Jesus Cristo. É Ele mesmo, Jesus Cristo, a boa nova, o Evangelho, que deve ser anunciado. Não foi o Cristianismo que inventou a palavra ou o conceito evangelho. Ele já existia na antiguidade. Quando um general, um imperador ou alguém de notável importância realizava um feito também grandioso, isso era anunciado e, antes do herói chegar a uma cidade, um arauto, um mensageiro ia à frente e anunciava o que havia acontecido e quem havia feito. Este era o evangelho, a boa notícia ou o fato de anunciar a boa notícia. Se a palavra "evangelho" e o seu conceito não foram inven- tados pelo Cristianismo, o gênero literário evangelho foi usado 95© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja pela primeira vez por ele. Assim, os quatro evangelhos são os pri- meiros textos identificados como tais na literatura. O gênero evangelho é complexo, com diversos outros gêne- ros constituintes. Para efeito de simplificação, ele é um gênero nar- rativo. Quando se fala de narração, o conceito que surge esponta- neamente é o de crônica, de descrição de fatos e apresentação de pessoas, chegando-se muito facilmente à ideia de biografia. É muito comum que apareça alguma questão a respeito de por que não se narra toda a vida de Jesus nos quatro evangelhos canônicos. Pode-se, também, ampliar a questão perguntando: por que são narrados apenas alguns fatos da vida e ação dos Após- tolos no livro de Atos dos Apóstolos? Não seria o caso de o texto chamado justamente Atos dos Apóstolos ser sobre "os Apóstolos"? No entanto, têm-se apenas alguns deles apresentados lá! Também nos evangelhos: por que não apresentar mais detalhes da vida de Jesus, por que não prolongar certas narrações? Porque o gênero evangelho não é biografia! É uma narração, mas não é crônica, jornal ou biografia. O livro de Atos dos Apóstolos também está nesta linha. Pode-se incluí-lo junto aos evangelhos sinóticos e ao evangelho de João, portanto, entre os textos narrativos do Novo Testamento. Os outros textos são missivos (cartas) e apocalípticos (o Apocalipse). Tais textos põem à mostra não apenas a ação de um ou mais personagens. Não é uma descrição, uma história mítica ou coisa parecida, tampouco é uma narração sistemática, uma biografia, como dissemos. É uma narração mais teológica, e as melhores ex- pressões para identificar esta narração teológica são querigma e catequese. Atos dos Apóstolos é um texto narrativo, no sentido que tam- bém os textos dos Sinóticos e João o são. Contudo, Atos, que é nar- rativo e com a qualidade teológica, expressa não uma história da Igreja primitiva, mas um conjunto de catequeses e querigmas que eram feitos nos mais diversos lugares e não em todos os lugares, © Atos dos Apóstolos96 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO tampouco por todos os tais apóstolos. Atos dos Apóstolos é, por- tanto, sob o ponto de vista literário, muito seletivo, demonstrando ou narrando poucos fatos e ações de poucos protagonistas. Fica muito difícil indicar Atos como uma "história da Igreja primitiva". 6. DIVERSOS "ATOS" DENTRO DE ATOS DOS APÓS- TOLOS Dissemos, nas unidades anteriores, que Atos dos Apóstolos apresentam relatos e dados com mais destaque sobre dois Após- tolos: Pedro, na primeira parte, e Paulo, na segunda parte do tex- to. A maioria dos outros Apóstolos, identificados em 1,13, não são citados, e os que são aparecem em poucos versículos, consideran- do que tais apóstolos têm alguma importância que deve ser ana- lisada. Na realidade, pode-se dividir o Livro Atos dos Apóstolos ten- do em vista o foco que é lançado sobre os personagens, além de Pedro e de Paulo. É assim que encontramos, dentro de Atos, os assim chamados: 1) Atos de Pedro. 2) Atosde Felipe. 3) Atos de João. 4) Atos de Paulo. 5) Diário de viagem. Vamos compreender melhor. Os Atos de Pedro já nos são conhecidos, conforme estudados na Unidade 1. Eles compõem uma parte importante de Atos, do capítulo 1 ao capítulo 12, com um intervalo entre os capítulos 6-8. Os Atos de Pedro são completados com a indicação dos fatos e da sua atuação na Assembleia de Jerusalém, no capítulo 15. Indicamos, aqui, os pas- sos em que encontramos o Apóstolo Pedro em destaque: 97© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja Atos de Pedro (1) e Primeiros acontecimentos: 2,1—5,42 1) 2,1-13 Pentecostes. 2) 2,14-36 1º Discurso de Pedro. 3) 2,37-41 Primeiras conversões. 4) 2,46-47 Sumário: Primeira Igreja. 5) 3,1-10 Pedro cura um aleijado. 6) 3,11-26 2º Discurso de Pedro. 7) 4,1-22 Pedro e João perante o Sinédrio. 8) 4,23-31 Oração Apostólica. 9) 4,32-37 Sumário: Primeira Igreja. 10) 5,1-11 Crise na Igreja: Uma fraude. 11) 5,12-16 Sumário: Situação da Igreja original. 12) 5,17-20 Crise na Igreja: perseguição. 13) 5,21-42 Testemunho perante o Sinédrio. Atos de Pedro (2) Os gentios entram na Igreja: 9,32—12,25 1) 9,32-35 Pedro em Lida. 2) 9,36-43 Pedro em Jope. 3) 10,1-33 Pedro batiza Cornélio em Cesareia. 4) 10,34-43 3º Discurso de Pedro. 5) 10,44-48 Segundo Pentecostes: entre os gentios. 6) 11,1-18 Pedro em Jerusalém. 7) 11,19-26 A Igreja em Antioquia: os Cristãos. 8) 11,27-30 Paulo e Barnabé em Jerusalém. 9) 12,1-19 Prisão e libertação de Pedro. 10) 12,20-23 Morte de Herodes. 11) 12, 24-25 Sumário. Concílio de Jerusalém: 15,1–35 1) 15,1-6 Crise. 2) 15,7-12 4º Discurso de Pedro. 3) 15,13-21 Discurso de Tiago. 4) 15,22-29 Carta dos Apóstolos. 5) 15,30-35 Em Antioquia. © Atos dos Apóstolos98 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Atos de Estêvão: 6,1—8,3 Compõe-se das informações sobre a escolha dos "diáconos" e da descrição dos fatos relativos a Estêvão: sua prisão, seu teste- munho e morte. 1) 6,1-6 Os sete. 2) 6,7 Sumário. 3) 6,8-15 Prisão de Estêvão. 4) 7,1-54 Testemunho de Estêvão. 5) 7,55—8,3 Martírio de Estêvão. Atos de Filipe: 8,4-40 Apenas alguns versículos nos apresentam a atuação de um dos diáconos, Filipe. Ele exerce atividade missionária logo após a morte de Estêvão. • 8,4-8 Ida para Samaria. • 8,9-25 Crise na Samaria. • 8,26-40 Filipe e o eunuco. Atos de Paulo Os Atos de Paulo preenchem a segunda grande parte do livro de Atos dos Apóstolos. É dividido em: (1) Vocação de Paulo (9,1- 30); (2) 1ª viagem (13,1—14,28); (3) 2ª viagem (15,36—18,22); (4) 3ª viagem (18,23—21,14); (5) Em Jerusalém e Cesareia (21,15— 26,32); (6) 4ª viagem (27,1—28,31). Paulo é vocacionado: 9,1-30 É a primeira aparição destacada de Paulo no texto de Atos. Paulo é chamado para ser Apóstolo de forma repentina, quase vio- lenta, de acordo com a imagem de perseguidor que antes lhe fora dada (8,3). 1) 9,1-19 Conversão de Paulo. 2) 9,20-25 Pregação de Paulo e crise em Damasco. 99© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja 3) 9,26-30 Paulo em Jerusalém. 4) 9,31 Sumário. Primeira Viagem Missionária: 13,1—14,28 A primeira viagem tem início com a liderança de Barnabé. Co- meça como uma viagem de visitas e evolui para a pregação. O relato é interrompido pela apresentação do Concílio de Jerusalém. 1) 13,1-3 Missão de Paulo e Barnabé. 2) 13,4-12 Em Chipre. 3) 13,13-15 Em Antioquia da Pisídia. 4) 13,16-43 Paulo prega aos Judeus. 5) 13,44-52 Paulo prega aos gentios. 6) 14,1-7 Em Icônio. 7) 14,8-10 Uma cura. 8) 14,11-17 Crise. 9) 14,18-20 Crise. 10) 14,21-28 Conclusão da missão. Segunda Viagem Missionária: 15,36—18,22 Paulo assume a liderança da missão, especialmente pela se- paração de Barnabé. Esta viagem segue à carta apostólica de 15, 22-28. 1) 15,36-40 Paulo e Barnabé se separam. 2) 15,41—16,4 Em Licaônia. Timóteo. 3) 16,5 Sumário. 4) 16,6-10 Na Ásia Menor. 5) 16,11-15 Em Filipos. 6) 16,16-24 Prisão de Paulo e Silas. 7) 16,25-40 Libertação de Paulo e Silas. 8) 17,1-9 Em Tessalônica. Crise. 9) 17,10-15 Na Bereia. Crise. 10) 17,16-21 Em Atenas. © Atos dos Apóstolos100 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 11) 17,22-34 Discurso de Paulo. Crise. 12) 18,1-11 Em Corinto. 13) 18,12-17 Crise. 14) 18,18-22 Em Antioquia. Terceira Viagem Missionária: 18,23—21,14 A terceira viagem missionária é uma viagem de consolidação e, de certa forma, expressa a maturidade em Paulo. Ele decide, nesta viagem, fazer uma visita a Jerusalém, consciente das dificul- dades que seguramente irá encontrar por lá. 1) 18,23 Início da Terceira Viagem Missionária. 1) 18,24-28 Apolo. 2) 19,1-12 Em Éfeso: fundação da Igreja. 3) 19,13-20 Crise: exorcistas judeus. 4) 19,21-22 Decisão de ir para Jerusalém. 5) 19,23-40 Crise: os ourives em Éfeso. 6) 20,1-6 Em Éfeso: partida. 7) 20,7-12 Paulo ressuscita um morto. 8) 20,13-16 De Trôade a Mileto. 9) 20,17-38 Em Éfeso: despedida. 10) 21,1-14 Ida para Jerusalém. Em Jerusalém e Cesareia: 21,15—26,32 Estes são capítulos que fogem do esquema tradicional de Atos. Até agora o que foi apresentado era a sequência de expansão da Igreja por meio de seus líderes, Apóstolos e discípulos. A par- tir deste momento, o texto enfoca Paulo em um embate pessoal contra as autoridades. Primeiro com as do próprio Cristianismo, depois com as autoridades judaicas. Mas é, sobretudo, com as au- toridades romanas que a história tem desenvolvimento. No final, a decisão de ir a Roma é o que de mais importante poderia aconte- cer, iniciando a última parte do projeto de Lucas–Atos. 101© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja 1) 21,15-26 Em Jerusalém. Chegada, diálogos, ida ao Templo. 2) 21,27-40 Crise em Jerusalém. Prisão de Paulo. 3) 22,1-21 Defesa de Paulo. 4) 22,22-29 Intervenção de Roma. 5) 22,30—23,10 Paulo perante o Sinédrio. 6) 23,11 Paulo é confirmado pelo Senhor. 7) 23,12-22 Complô contra Paulo. 8) 23,23-35 Em Cesareia. 9) 24,1-9 Acusação de Paulo. 10) 24,10-21 Defesa de Paulo. 11) 24,22-26 Prisão de Paulo. 12) 24,27 Saída de Félix e entrada de Pórcio Festo. 13) 25,1-12 Paulo apela para César. 14) 25,13-27 Paulo e o rei Agripa. 15) 26,1-23 Paulo se defende e faz o querigma. 16) 26,24-32 Reações. Quarta Viagem Para Roma. Em Roma: 27,1—28,31 Não é uma viagem missionária, mas uma "viagem do cativei- ro". O livro de Atos narra algumas etapas desta viagem demons- trando o testemunho de Paulo. Em todas as páginas de Atos dos Apóstolos encontramos a ideia fundamental do "testemunho", afirmado como programa original em 1,8. A quarta viagem tem início, mas não tem término. Paulo estará em Roma dois anos, anunciando sem impedimento o Reino conforme a proposta de Jesus Cristo. É assim que o livro Atos dos Apóstolos é concluído: abruptamente! 1) 27,1-8 Paulo parte para Roma. 2) 27,9-44 Viagem, tempestade, naufrágio e salvação. 3) 28,1-10 Em Malta. 4) 28,11-16 Até Roma. Chegada em Roma. 5) 28,17-22 Com os Judeus de Roma. © Atos dos Apóstolos102 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 6) 28,23-28 Reação dos Judeus e decisão de Paulo. 7) 28,30-31 Paulo em Roma. Final de Atos. 7. SUMÁRIOS DE ATOS Os sumários (resumos) são textos muito comuns na Escri- tura. São poucos versículos que "resumem", fazem uma "suma" (resumo) de muitos fatos, ditos, sequências que, se fossem todos escritos, ocupariam muito espaço e não iriam corresponder ao pla- no literário do autor do livro. Assim, em Atos encontramos muitos sumários. Eles ocupam um lugar que pode ser indicador de divisão do texto. Até o sumário tem um tema ou uma sequência que deve ser considerada como um conjunto, assim, depois do sumário, co- meça outro tema ou outra sequência. Esta não é uma característica dos sumários de Atos dos Após- tolos somente, visto que outros livros bíblicos também possuem sumários.Mas em Atos os sumários têm uma forte conotação de divisão de texto, por isso os indicamos aqui. Além disso, os su- mários indicam situações específicas da Igreja primitiva e dão-nos uma noção de conjunto do que ocorria em cada etapa na qual eles estão inseridos. Temos, então: 1) 2,42-47:"Frequentavam com assiduidade a doutrina dos apóstolos, as reuniões em comum, o partir do pão e as orações. De todos apoderou-se o medo à vista dos muitos prodígios e sinais que faziam os apóstolos. E todos que tinham fé viviam unidos, tendo todos os bens em comum. Vendiam as propriedades e os bens e dividiam o dinheiro com todos, segundo a necessidade de cada um. Todos os dias se reuniam unânimes no Templo. Partiam o pão nas casas e comiam com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus entre a simpatia de todo o povo. Cada dia o Senhor lhes ajuntava outros a caminho da salvação." 2) 4,32-35:"A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava sua propriedade o que pos- suía. Tudo entre eles era comum. Com grande efeito os 103© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja apóstolos davam testemunho da ressurreição do senhor Jesus e todos os fiéis gozavam de grande estima. Não ha- via entre eles indigentes. Os proprietários de campos ou casas vendiam tudo e iam depositar o preço do vendido aos pés dos apóstolos. Repartia-se, então, a cada um se- gundo sua necessidade."5,12-16:"Muitos eram os sinais e prodígios que se realizavam entre o povo pelas mãos dos apóstolos. Estavam todos de comum acordo no Pór- tico de Salomão. Ninguém dos outros ousava unir-se a eles, mas o povo os tinha em grande estima. Aumenta- va cada vez mais a multidão de homens e mulheres que acreditavam no Senhor, até o ponto de trazerem para as ruas os doentes, colocando-os nos leitos e em macas para que, chegando Pedro, ao menos sua sombra os co- brisse. Também das cidades vizinhas de Jerusalém afluía muita gente, trazendo os enfermos e os atormentados de espíritos impuros, e todos ficavam curados."6,7: "E a palavra de Deus se difundia e aumentava de maneira extraordinária o número dos discípulos em Jerusalém. Também grande multidão de sacerdotes aderia à fé". 3) 9,31: "A Igreja gozava, então, de paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se fortalecia, andava no temordo Senhor e, pelo impulso do Espírito Santo, aumentava em número". 4) 12,24:"A palavra do Senhor crescia e se espalhava cada vez mais". 5) 16,5:"Assim as Igrejas eram confirmadas na fé e cres- ciam em número de dia para dia". 6) 19,20:"Assim ia crescendo e se confirmando a palavra do Senhor". 8. O TEXTO DE ATOS DOS APÓSTOLOS O livro de Atos dos Apóstolos apresenta momentos decisivos nas primeiras décadas da Igreja. Um desses momentos é o chama- do Concílio ou Assembleia apostólica de Jerusalém, em Atos 15. Veremos parte por parte deste episódio. © Atos dos Apóstolos104 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO O Concílio de Jerusalém: Atos 15 A terceira parte de Atos dos Apóstolos, centrada em Paulo, apresenta no capítulo 15 uma ruptura textual: muda-se o argu- mento, o enfoque e os personagens com suas ações. Trata-se de um passo interessante e significativo, não tanto pelos resultados que expressa, mas pela motivação, pelo processo de solução e pela participação. Trata-se do assim chamado "Concílio" ou Assembleia de Jerusalém. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A palavra "concílio" significa reunião de notáveis, especialmente reunião de Bis- pos. Na ocasião do "Concílio" de Jerusalém não podemos ainda dizer que havia Bispos como nós os conhecemos hoje. Tampouco que a ideia de colegialidade, que dá forma ao concílio, existisse. Dessa forma, é um pouco anacrônico cha- mar este fato de "concílio", mas em muitas obras de comentaristas é assim que encontramos. O que podemos dizer é que foi uma assembleia de grande impor- tância, pois reuniu os primeiros discípulos e alguns Apóstolos que deviam decidir caminhos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A controvérsia O Concílio ou Assembleia de Jerusalém aconteceu em fun- ção de uma controvérsia. Ela surgiu em Antioquia, mas certamente era difundida em muitos lugares pelos cristãos de origem judaica ou "judaizantes". Em Atos 15,1 há a informação de que "[...] haviam descido alguns da Judéia e começaram a ensinar aos irmãos: 'Se não vos circuncidardes segundo a norma de Moisés, não podereis salvar- vos' ". Em Gálatas 2,12, Paulo cita "[...] alguns vindos da parte de Tiago [...]", referindo-se aos que tinham ligação com este líder, Tiago, chamado também de "irmão do Senhor". Ele tinha a lide- rança entre aqueles de origem judaica. Estes, com ou sem o con- sentimento de seu líder, manifestavam uma proposta de compor- tamento que Paulo, muito claramente, considera inadequada e desnecessária. Para eles, os chamados judaizantes, era necessário 105© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja observar a lei de Moisés, a Torah e, inclusive, cumprir os ritos lá prescritos, especialmente, a circuncisão. Neste ponto temos uma grande crise que somente será re- solvida quando da separação entre a Igreja, comunidade dos dis- cípulos de Jesus, e o Judaísmo, o que ocorrerá no final do século 1º. No livro de Atos dos Apóstolos encontramos o problema ainda muito vivo. Na Igreja de Antioquia a controvérsia causava agitação, sen- do decidido que Paulo e Barnabé iriam até Jerusalém para tentar solucionar o problema com os Apóstolos e anciãos (15,2). Percebe- se que, junto aos Apóstolos, haviam outros que também tinham experiência e autoridade na comunidade. É quando Paulo e Bar- nabé apresentam a todos os que estavam lá presentes os fatos de seu ministério e a forma como as coisas têm acontecido, deixando claro, especialmente, que foram coisas que Deus fez por meio de- les (15,3). A apresentação de Paulo e Barnabé, contudo, não convence e entram em cena, como diz Atos, "[...] alguns que antes de ter abraçado a fé eram da seita dos fariseus". Segundo Atos, eles afir- mavam que "[...] era necessário circuncidar os pagãos e impor-lhes a observância da Lei de Moisés" (10,5). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A prática da circuncisão é a inserção no povo de Israel. Ela é o sinal da Aliança e a distinção de uma escolha mútua: Deus escolheu seu povo e este povo deve escolhê-lo como seu Deus. No entanto, ocorre que esta relação nem sempre foi amistosa ou serena. A circuncisão não era costume unicamente dos judeus. Outros povos também a praticavam (e ainda hoje a praticam). Os judeus, contudo, tinham esta prática como elemento e identidade religiosa. Os primeiros discípulos, quase todos de origem judaica, não poderiam pensar diferente: a circuncisão era um elemento necessário para entrar no grupo! Quando Paulo insiste que não há necessidade disso, surge a ruptura e as dificuldades aparecem de modo muito evidente. Esta situação somente será superada quando Igreja e Sinagoga (metáfora para o Judaísmo) se separarem em definitivo, o que se deu, como já aludimos, no final do século 1º. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Atos dos Apóstolos106 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Em Atos 15,8, lemos: "Reuniram-se os apóstolos e os anciãos para tratar desta questão". Atos coloca em plano de igualdade os Apóstolos e esta figura: os "anciãos" ou "presbíteros", em uma tra- dução mais literal do grego. Parece que eram pessoas de destaque da comunidade, que tinham prestígio e liderança. Talvez a institui- ção dos "diáconos" tenha se desenvolvido e até se ramificado em outras funções e neste sentido formado o grupo dos "anciãos", os quais têm poder de debater a situação. De qualquer forma, é prati- camente impossível identificar quem eram estes "anciãos", senão que tinham poder e influência. O que os Apóstolos (dos quais não se citam os nomes) e os anciãos debatem acaba em "acesadiscussão" (15,7) e Pedro, le- vantando-se, intervém. Esta entrada de Pedro, assim súbita e sem qualquer anúncio, o coloca novamente no centro da comunidade. Ele havia sido deixado de lado na metade do capítulo 12, depois de sua libertação milagrosa. Agora ele aparece repentinamente e, com autoridade de Apóstolo, relembra fatos e situações que foram decisivas, das quais ele participou em primeira pessoa. O discurso de Pedro: 15, 7–11 Pedro discursa em 15,7b–11. Este discurso, o quarto e der- radeiro do Apóstolo, foi decisivo no momento da Assembleia de Jerusalém, embora pareça que não tenha realmente solucionado a questão. Esse discurso pode ser dividido em três partes: 1) Primeira - introdução e motivação: 15,7b. "Irmãos, vós sabeis que já há muito tempo Deus me escolheu den- tre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a palavra do Evangelho e cressem." Pedro recorda o que ocorrera e que fora citado em Atos, capítulo 10, espe- cialmente quando Cornélio aceita e adere à fé de modo livre e decidido. Mas parece que não bastou a fé e a ade- são: foi necessário o "selo", a confirmação do Espírito Santo que Pedro irá alegar na segunda parte. Contudo, é de se notar neste versículo a declaração de Pedro de que foi ele quem deu o passo inicial. Este passo é identi- 107© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja ficado como escolha de Deus e anúncio aos pagãos, por meio do qual acontece a fé. Parece que Pedro toma para si a responsabilidade inicial da fé que agora os pagãos demonstram. 2) Segunda - A ação de Deus nos gentios: 15,8-9. "Ora, Deus, que conhece os corações, testemunhou a seu res- peito, dando-lhes o Espírito Santo, da mesma forma que a nós. 9 Nem fez distinção alguma entre nós e eles, pu- rificando pela fé os seus corações." Estes dois versículos evidenciam a ação de Deus, identificado por Pedro como o "conhecedor dos corações", subentende-se dos "co- rações pagãos". Este conceito "corações", que podemos entender como a pessoa inteira, seus valores, história e identidade, é colocado em paralelo com os judeus que Pedro aponta como "nós". Dessa forma, Deus deu a eles (pagãos) o mesmo Espírito Santo que a nós (judeus), pu- rificando a realidade deles (pagãos). Parece que Pedro iguala, nivela os dois grupos, o judeu e o pagão, em fun- ção da graça ou dom do Espírito Santo. Ele lança as bases para a consideração fundamental da igualdade na Igreja. Deste ponto de vista, ele evolui seu argumento para o passo seguinte. 3) Terceira -Questionamento e declaração: 15,10-11. "Por que, pois, provocais agora a Deus, impondo aos discí- pulos um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar? Nós cremos que pela graça do Senhor Jesus seremos salvos, exatamente como eles." Assim, se há igualdade no chamado de pagãos e judeus, por que "tentar a Deus" quanto à imposição dos costumes judai- cos sobre os pagãos? O mais interessante aqui, porém, é a afirmação que pode passar quase despercebida: Pe- dro informa que estes costumes e práticas, que não de- vem ser impostos aos pagãos nem aos antepassados dos apóstolos, nem eles próprios conseguiram suportar… Parece que a observância dos costumes e ritos judaicos não era uma situação tão marcante e difundida assim. Em seguida, Pedro faz um anúncio aos que o ouvem, de- clarando que é pela graça do Senhor Jesus, aceita pela liberdade e adesão, que acontece a salvação. Este anún- © Atos dos Apóstolos108 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO cio do versículo 11 é a conclusão deste importante dis- curso. Pedro afirma a nova ordem estabelecida por Jesus Cristo. E, ao deixar isto claro, determina a face futura da Igreja: não mais uma unidade pela carne ou sangue, isto é, descendência, grupo cultural ou étnico, mas sim pela graça do Senhor Jesus. A reação do grupo foi de atenção a Pedro, o que deu possibi- lidade de Paulo e Barnabé, enviados da Igreja de Antioquia, relata- rem o que havia acontecido em meio aos pagãos. Atos 15,12 é um pouco evasivo na formulação, pois sugere que os ouvintes aceitam a narração dos sinais e prodígios operados por Paulo e Barnabé entre os pagãos, mas não que tenham manifestado interesse na argumentação de Pedro, muito menos aderido a ela. O discurso de Tiago: 15, 13-21 Entra em cena Tiago, importante figura da Igreja de Jerusa- lém. Em 12,17, Pedro, depois de sua libertação da prisão, pede que avisem a Tiago do fato e, em seguida, vai para outro lugar. Este Tiago tem, como sugere Gálatas 2,9, um notável destaque junto a Pedro e João. Tiago toma a palavra e, citando Simeão (Pedro) na sua expo- sição, afirma que Deus dignou escolher os gentios para que conhe- cessem seu Nome. Isto é uma imagem metafórica, pois "conhecer o Nome de Deus", é estar em comunhão com Ele. Em seguida, Tia- go afirma a abertura aos pagãos como uma profecia, citando Amós 9, 11-12. Tiago, então, declara-se favorável à aceitação dos pagãos no grupo de cristãos, os convertidos a Deus. Acrescenta, depois, apenas algumas normas de natureza universal: que os convertidos não consumam carnes sacrificadas aos ídolos, isto é, animais mor- tos em cultos pagãos, o que configura uma participação no sacrifí- cio aos deuses. As carnes sufocadas e o sangue reduzem-se a um ponto: o animal sufocado retém o sangue, e ele é a fonte da vida. Assim, não se deve consumir o sangue, nem a carne sufocada. As uniões ilegítimas são um elemento de influência ritual, fruto dos 109© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja costumes judaicos de pureza e impureza, mas, dentro do contexto da controvérsia, tudo isso é de menor importância e parece que a situação será solucionada assim. O que não fica bem explicado aqui é o porquê de Tiago ter de fazer um discurso, sendo que Pedro já tinha feito o seu. Está bem evidente que este Tiago detinha sobre os cristãos de origem judai- ca uma notável autoridade. E mais: na realidade, a situação ain- da não está solucionada, como se pode ler em Gálatas 2, em que Paulo apresenta sua versão deste Concílio de Jerusalém com bem menos reverência às autoridades (e até com uma ponta de ironia). Ele recorda que depois das decisões, quanto ao comportamento de cristão–judeus e cristão–gregos, Pedro comportou-se de modo ambíguo em uma situação que poderia causar contradição. Como já falamos em outro passo, esta situação somente será soluciona- da com a separação definitiva entre a Igreja e a Sinagoga. Note bem que as expressões "Igreja" e "Sinagoga", usadas aqui, são metáforas. "Igreja" não é a instituição, mas é o grupo cristão, com suas realidades concretas, bem como "Sinagoga" não é a construção material para reuniões nem a reunião em si, mas o Ju- daísmo e seus valores e realidades. De tal forma, separação entre Igreja e Sinagoga quer dizer ruptura entre os dois grupos e o que eles representam e são. A carta apostólica: 15, 22-33 A solução encontrada pelo grupo é expressa em uma carta, dirigida aos irmãos "gentios" ou "pagãos" que moravam em Antio- quia, na Síria e na Cilícia. Imediatamente a carta cita "alguns dos nossos", isto é, da parte dos Apóstolos e dos anciãos. Estes "alguns dos nossos" foram sem mandato deles, os Apóstolos e anciãos, anunciar os costumes judaicos como necessários aos pagãos. A carta informa que o grupo de Apóstolos e anciãos enviou Paulo e Barnabé, que antes vieram com o problema para ser exposto, para os pagãos com as informações necessárias. Os dois, Paulo e Barna- bé, são reconhecidos como homens que expuseram sua vida pelo © Atos dos Apóstolos110 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO nome do Senhor Jesus Cristo (versículo 26). Judas e Silas também são enviados pelo grupo de Apóstolos e anciãos de Jerusalém para afirmar e confirmar a decisão. Esta decisão implica algo notável, pois, em 15,28, lemos: "[...] pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias". As tais "coisasneces- sárias" já sabemos o que são: a abstenção das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, carnes sufocadas e uniões ilegítimas. O que cha- ma a atenção, e é realmente importante aqui, é a formulação: "pa- receu bem ao Espírito Santo e a nós". Já não se alega a autoridade da Torah, mas sim a presença do Espírito Santo e a autoridade de "nós", isto é, o grupo de Apóstolos e anciãos. O que ocorreu aqui é que aqueles cristãos das origens, com todos os seus limites e, em muitos casos, visões estreitas, deixam de seguir a Torah (ao menos como fonte única de autoridade) e começam a fazer, eles próprios, a "didaké", isto é, a instrução, a determinação, a orientação que vem do fato de terem o dom do Espírito e serem discípulos de Jesus. É neste sentido que este epi- sódio, o Concílio ou a Assembleia Apostólica de Jerusalém, tem uma notável importância. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A expressão "didaké" é o nome de uma obra, provavelmente do século2º. "Di- daké: doutrina dos Apóstolos", é um texto atribuído aos Apóstolos, embora não seja realmente de origem direta deles. Aqui, a palavra "didaké" significa o proces- so de transmitir o conhecimento e a adesão da fé de um modo magistral, isso é, no ensino com autoridade de quem viveu antes o que apresenta. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 9. TEOLOGIA DE ATOS DOS APÓSTOLOS A Igreja, no tempo de Atos dos Apóstolos, não era o que hoje conhecemos. Em nossos dias há ritos, planos pastorais, ministé- rios definidos, organização etc.Entretanto, nos tempos de Atos dos Apóstolos não havia estes elementos, mas apenas uma novidade 111© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja que deveria ser partilhada com a vida: Jesus Cristo, sua Pessoa e Missão. Os Apóstolos e discípulos que haviam conhecido Jesus po- diam partilhar isso com seus ouvintes. Esta partilha é o que cha- mamos de "Anúncio" e "Catequese". Anúncio O anúncio é a declaração solene, forte e decidida de uma notícia muito importante. A palavra "anúncio" é a tradução da pa- lavra grega "kerigma"ou "querigma". Trata-se de uma atitude que insiste no destaque, na valorização da notícia que se deseja trans- mitir e, no caso bíblico, valorização da Pessoa que se anuncia. O que se anuncia é o Evangelho, conceito que já foi estudado por nós. Recordemos que esta palavra significa "boa nova", "boa no- tícia" e outras possíveis combinações cujo sentido último é sempre este: algo bom, alegre, válido e de grande repercussão que aconte- ceu e deve ser difundido. Visto desta forma, Evangelho não tem uni- camente uma conotação "religiosa" ou "de fé", mas é toda notícia boa. Desta notícia boa se faz o querigma, isto é, o anúncio. O anúncio é também a difusão da notícia. Em Atos dos Após- tolos e nos Evangelhos, bem como em todo o Novo Testamento, a ideia de anúncio é o pano de fundo para todos os textos. De diver- sas maneiras e sob muitos estilos, o Novo Testamento, em seus 27 livros, é um conjunto de fórmulas de anúncio, sendo que o grande e decisivo anúncio é a ressurreição de Jesus Cristo. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A ideia de anúncio ou querigma é um ponto de grande importância para a com- preensão dos textos bíblicos. Enquanto eles são lidos como biografia, perde-se a força de sua expressão e o seu conteúdo pode se diluir em vagas noções de ação e reação de personagens. Se os mesmos textos forem observados como querigma, então o que sobressai é a novidade de uma presença ou a proposta de um jeito novo, inédito de ser, agir e pensar. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A sociedade daqueles tempos era marcada pela morte. Esta acontecia não como nos nossos dias, muitas vezes restrita às UTI's © Atos dos Apóstolos112 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO de hospitais. A morte acontecia dentro de casa, com enfermidades que são combatidas hoje com simples comprimidos. Havia, tam- bém, um desprezo pela vida humana e, por isso, não era fora do comum ver a luta armada em praça ou como forma de diversão. Recordemos dos jogos que ocorriam nos estádios romanos, onde a vida, tanto de animais como de seres humanos, em geral escra- vos, era colocada à disposição do humor da multidão. Além disso, havia também o costume hediondo de abandonar crianças recém- nascidas no lixo. Isso tudo fazia que a mensagem cristã, o anúncio de Jesus Cris- to morto e ressuscitado, fizesse sucesso entre as pessoas, especial- mente, entre as mais marcadas pela fragilidade de seu físico e sua realidade e assustadas com a opressão da sociedade, em especial a do Império Romano. Era, portanto, uma "sociedade de morte", de forma que o anúncio do Ressuscitado se apresentava como uma possibilidade de vida e um caminho de esperança de salvação. Pedro declara em Atos 2,22-24: [...] Jesus de Nazaré, homem de quem Deus deu testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele realizou, como vós mesmos o sabeis depois de ter sido entregue, segundo os desígnios da presciência de Deus, vós o crucificastes e o matastes por mãos dos ímpios. Mas Deus, desfazendo as angústias da morte, o ressuscitou, pois não era possível que a morte o mantivesse em seu poder. Esta palavra decidida de Pedro, tantas vezes repetida entre os discípulos e exposta por outros cristãos, marca o anúncio. Note que todo o Novo Testamento está assinalado pela presença do anúncio. Este anúncio, porém, diz respeito não apenas a Jesus Cristo, mas envolve também seus discípulos. Se o Mestre morreu e res- suscitou, quem está vivendo em uma sociedade de morte poderá também, mesmo morto, encontrar a vida pela ressurreição. Por isso o Cristianismo fez sucesso no início: pela proposta da vida que apresentava. 113© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja Catequese A palavra "catequese" significa "ensino", "instrução". Pode- se entender catequese, também, como caminho a ser percorrido mediante uma instrução. É a apresentação do modo de ser cristão, de caminhar e crescer na fé e na experiência de Deus. O ponto de partida é a aceitação de Jesus Cristo, morto e ressuscitado e a pos- sibilidade de, com Ele, também ressuscitar. Os textos que apresentam catequeses em Atos dos Apóstolos e em todo o Novo Testamento são de fundamental importância. Eles são os testemunhos de como a Igreja das origens apresentava o mistério de Jesus Cristo e o propunha para ser seguido e compre- endido pelos seus ouvintes. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Juntamente com querigma ou anúncio a expressão catequese é de notável im- portância para a compreensão dos textos bíblicos. Catequese é a proposta de um caminho, de um roteiro; pode ser o próprio roteiro de ensinamento. Moderna- mente este conceito passou a referir-se à instrução religiosa e à reprodução de fórmulas, o que esvaziou muito o sentido original. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Diversos são os textos "catequéticos" presentes em Atos. Estas "catequeses" acontecem em forma narrativa: conta-se uma história, um fato de modo articulado, que manifesta um caminho cristão. O texto existe para ensinar a seguir o Senhor de um modo coerente, conforme uma proposta específica. Por exemplo, em al- guns dos textos que já vimos em Atos 10, 1-33 há o episódio de Pedro e Cornélio. Temos ali uma catequese sobre a abertura do Cristianismo a todos os povos, lembrados pelo romano Cornélio. O texto seguinte, Atos 10,34-43, apresenta Pedro demonstrando sua convicção de que o que aconteceu, a abertura dos pagãos na aceitação da fé, é um dado que merece um anúncio de Jesus Cris- to. Então, Pedro faz um anúncio mais longo nos versículos 34–43, apresentando a Cornélio, e aos outros que com ele estavam, a pos- sibilidade de entrar no grupo cristão e motivo pelo qual isso seria bom para eles. © Atos dos Apóstolos114 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A catequese completa e preenche o anúncio e é introduzidapor ele, que a torna aceitável e possível. Estes dois conceitos, ca- tequese e anúncio, são os que mais se destacam em todo o Novo Testamento. Em Atos dos Apóstolos, especialmente na prática de Paulo, expressa na segunda parte do livro, vemos claramente como isto acontecia. Na segunda viagem missionária de Paulo, ele chega a Filipos. Atos 16,11-15 apresenta-nos em poucos versículos o que lá acon- teceu e nos dá uma ideia da ação apostólica. Inicialmente, Paulo e seus companheiros ficam na cidade e observam. No Sábado, dia de oração dos judeus, Paulo vai até o rio que passa pela cidade. Se- gundo Atos 16,13 eles haviam observado que lá se reunia um gru- po para a oração. Ao que tudo indica, era um grupo unicamente de mulheres que ouviu o anúncio de Jesus Cristo. Dentre elas sobres- saiu Lídia, uma negociante de púrpura que aceitou o anúncio de Jesus Cristo e começou um processo de conversão de todos de sua casa, como podemos ler em Atos 16,15. O texto é concluído com a informação de que Paulo e seus companheiros hospedaram-se, depois, na casa de Lídia. Este foi o passo inicial, com um anúncio e uma catequese pe- quena, mas já esboçada no texto. Esta estadia de Paulo em Filipos não foi muito proveitosa, pois acabou em perseguição. Todavia, o "caminho", nome pelo qual o Cristianismo era conhecido, come- çou a ser "percorrido", vivido pelos filipenses. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Esta expressão "caminho", aplicada ao Cristianismo e ao grupo de discípulos, é o modo de indicar não apenas a conduta do fiel que tem uma "direção" ética, mas sobretudo é a adesão a quem se declarou, ele próprio, como sendo O Caminho. Em João 14,6 Jesus se identifica como "caminho, verdade e vida". Estar no Ca- minho é identificar-se com o Senhor e fazer parte de um grupo específico. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Um pouco mais adiante, em Atos 17,16-34, vemos Paulo indo a Atenas, importante cidade da Grécia, onde percorre as ruas e tenta compreender a mentalidade dos gregos. Em 17,22-33 Paulo 115© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja faz uma catequese e um anúncio de Jesus Cristo, o ressuscitado. O livro de Atos mostra o fracasso deste empenho paulino, quando os atenienses o deixaram, alegando que o ouviriam outra vez (17,32). De um aparente fracasso, surgiu uma pequena semente. Em 17,33 lemos que a fé foi abraçada por alguns: Dionísio, o aeropagita (mo- rador do "areópago", um lugar de Atenas) com sua esposa, Dama- ris, e outros com eles. Assim é que o Evangelho era difundido: pela apresentação do anúncio e da catequese. Atos dos Apóstolos e os Evangelhos, bem como todo o Novo Testamento, são diversos conjuntos de anúncio e catequese e devem ser lidos desta forma, não como biografia de Jesus (caso dos Evangelhos) ou da Igreja (caso de Atos). É uma narração de índole teológica que expressa, em diversos passos e situações, o anúncio de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e como segui-lo. 10. AMOSTRA DE INTERPRETAÇÃO Discurso de Paulo em Atenas (Atos 17,22-31) O discurso de Paulo em Atenas marca um passo importante na segunda viagem missionária. Ele se dirige ao mundo grego, isto é, à cultura dominante da época. Ir até esta cultura é abrir a comu- nicação com a língua, os costumes, estruturas e o modo de pensar que marcava toda a bacia do Mediterrâneo. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O grego era a língua franca daqueles tempos, um pouco como o inglês é hoje em dia. Isto teve início com as conquistas de Alexandre Magno, três séculos antes de Cristo. Ele expandiu o modo de pensar e falar da Hélade (Grécia) por todo o Mediterrâneo, passando pelo Egito e pela Palestina, chegando até o rio Indo. Com a sua morte prematura, suas conquistas foram divididas entre os generais que o acompanhavam e que continuaram o processo de helenização. Todo este processo foi dramático para os Judeus e suas tradições: basta recordar os dois livros dos Macabeus. A opressão helênica foi seguida pela conquista romana, mas a sociedade era basicamente dominada pela cultura grega, inclusive a lín- gua. O próprio Judaísmo precisou adaptar-se e foi em Alexandria, no Egito, que © Atos dos Apóstolos116 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO o texto hebraico das Escrituras foi traduzido para a língua grega, formando o que se chama de "Septuaginta" ou Bíblia dos "Setenta" (LXX). Este é um dos fatores que fez o Cristianismo nascente se difundir rapidamente: a língua, as possibilidades de comunicação em grego, conhecido por muitos, ao invés do hebraico, conhecido apenas pelas comunidades da Judeia. A Septua- ginta era o texto de referência na pregação entre os pagãos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Paulo dirige-se aos pensadores e políticos gregos, bem como à gente do povo, os quais estavam preocupados com o estilo de vida, as facilidades e as vantagens comerciais que uma boa aparên- cia e ideias claras poderiam dar. Paulo explora a cidade de Atenas e vê, cheio de um tipo de sentimento difícil de identificar (17,16) o quanto os gregos eram apegados aos deuses e à sua idolatria. Ele faz então a tentativa inédita de, partindo de supostos argumentos racionais, próximos da filosofia, apresentar Jesus Cristo como cami- nho de vida. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A filosofia nasceu na Grécia. Antes dela, o que havia eram os mitos: explica- ções fantásticas para a realidade, para a vida, o mundo, o homem etc. O mito fazia referência aos deuses e semideuses. A filosofia tenta explicar as mesmas realidades (vida, mundo, homem) racionalmente, encontrando padrões e conse- quências. Primeiro, é a natureza que os filósofos tentam explicar; depois o ser humano e, por último, vem Deus. Simplificando este argumento, vem depois o "Ser". Com Platão e Aristóteles a busca da compreensão do "Ser" atinge uma altura notável. Paulo conheceu filósofos, como o texto de Atos informa em 17,18 (epicureus e estóicos), mas parece que os argumentos paulinos não lograram sucesso. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O discurso pode ser dividido em três partes: 1) Uma introdução (17,22-23). 2) Argumentos sobre a criação (17,24-28). 3) Anúncio de Jesus Cristo e da ressurreição (17,29-31). Vamos compreender melhor cada uma das partes Introdução: 17,22-23 Paulo entra em cena de modo solene. No areópago, na praça central de Atenas, Paulo chama a atenção dos homens livres, dos 117© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja pensadores e políticos. Recordemos que não estamos mais nas épocas gloriosas daquela cidade e de seus habitantes, bem como não temos os grandes filósofos ali presentes. Paulo inicia a argumentação tentando criar em seus ouvin- tes algum interesse, o que parece muito lógico: entre os Judeus o interesse já existia, pois havia as profecias, mas entre os pagãos, Paulo deve apresentar outros argumentos. Ele escolhe o argumen- to religioso, evidenciando o grupo de deuses que os atenienses cultuavam. Talvez Paulo devesse não ter partido deste argumento, e sim ido ao encontro das pessoas falando da sabedoria de Deus em agir na história das pessoas. Paulo anuncia então sua proposta, afirmando que encon- trou, entre os altares e estátuas de deuses, uma dedicada ao "deus desconhecido". É aqui que Paulo entra em seu verdadeiro assunto. No final de 20,23, ele diz claramente: "O que adorais sem o conhe- cer, eu vo-lo anuncio!" Sobre a Criação: 17,24-28 Paulo inicia afirmando que Deus fez tudo o que há no mundo. Em uma sociedade marcada pelo mito de diversos deuses e semi- deuses, Paulo apresenta um Deus único, independente de templos feitos pela mão humana (17,24-25). Paulo estabelece uma relação de proximidade entre este Deus criador supremo e sua criatura humana (17,27-28), sugerindo uma aliança com toda a natureza e com o ser humano, seja ele de que nação for. É uma mensagem ou um testemunho, sem dúvida,universalista. Paulo conclui citando alguns poetas gregos, como ele mes- mo anuncia, que afirmaram sobre si mesmos: "nós também somos de tua raça [...]" (17,28). Dá a entender que também os gregos, isto é, pagãos, poderão compreender a mensagem da salvação, do Cristo que é Jesus e que Paulo está para anunciar. © Atos dos Apóstolos118 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Anúncio de Jesus Cristo e da Ressurreição: 17, 29-31 Paulo preparou este momento e chega a ele com intensida- de de orador, convencido de que irá apresentar a grande verda- de da vida e da história. Declara, finalmente, que todos podem ter acesso ao conhecimento da verdade que antes lhes havia sido impossível compreender. Esta compreensão, que Paulo supõe ser desejada pelos gregos, vem por meio de Jesus Cristo, aquele que Deus ressuscitou, isto é, fez levantar da morte. Infelizmente, a reação dos ouvintes não é das melhores e Paulo sai, aparentemente, frustrado com o anúncio feito e a re- cepção dos atenienses. Sabemos, contudo, que as sementes darão frutos e dali sairá muito do que hoje somos como tradição cristã, e do que temos como símbolos e expressões. 11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, na sequência, as questões propostas para verificar seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Os gêneros literários são de grande importância para o entendimento da Bíblia. Sem seu conhecimento corre-se o risco de ler todos os textos do mes- mo modo e, assim, entendê-los erroneamente. Quais são os principais gê- neros literários da Bíblia? Observação: A resposta para esta questão pode ser bem simples, bastando consultar as listas nesta unidade. Contudo, o que você deve fazer não é reproduzir as listas, mas sim, partindo delas, tentar identificar os textos bíblicos em seus grupos maiores. Por exemplo: gênero literário de "poesia": Livro dos Salmos, e assim por diante. 2) Descreva o gênero literário "evangelho" e o sentido que ele expressa, tanto no mundo antigo quanto na literatura bíblica. 3) Quais aspectos são mais distintos (diferentes) entre a biografia e o gênero evangelho? 4) Como é composto o texto de Atos dos Apóstolos? De uma única narração com um único foco e personagem ou com vários focos e personagens? São vários os "atos de apóstolos" dentro de "Atos dos Apóstolos"? 5) O que são "sumários" e qual a sua importância dentro do texto de Atos? 6) Quantas viagens missionárias de Paulo encontram-se indicadas em Atos? 119© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja 7) Voltando para os conceitos fundamentais sobre Atos, apresentados ainda em outras unidades, qual é o projeto teológico fundamental da obra de Lu- cas–Atos? 8) O Concílio ou Assembleia apostólica de Jerusalém foi motivado por ques- tões particulares. Quais foram estas questões? E quais foram as soluções apresentadas? 9) Mesmo que o Concílio ou Assembleia de Jerusalém não tenha tido êxito como se esperava, algo importante aconteceu. A carta de Tiago expressa este ponto importante, não na solução dos problemas, mas no modo de expor a solução. Qual é este ponto? 10) Como articular os conceitos "anúncio" e "catequese" no texto de Atos dos Apóstolos? Qual o sentido de cada um destes termos e como devem ser compreendidos? 12. CONSIDERAÇÕES O livro dos Atos dos Apóstolos faz parte do gênero narrativo teológico. Junto aos Evangelhos Sinóticos e João, Atos dos Após- tolos evidencia o anúncio e a Catequese sobre Jesus Cristo e sua ação salvadora. Embora o texto tenha o título de "Atos dos Após- tolos", nem todos os tais Apóstolos têm lá sua ação anotada, mas podemos encontrar a relação de fatos e ditos de alguns persona- gens importantes. O que o livro de Atos apresenta é uma seleção de fatos escolhidos e significativos. O autor selecionou o que lhe parece mais importante e necessário para o anúncio e a catequese que desejava apresentar. Desse modo, encontram-se diversos elementos interessan- tes em Atos que sinalizam a evolução da Comunidade Cristã e que vimos nesta unidade. O Concílio de Jerusalém, no capítulo 15, tam- bém chamado de assembleia apostólica de Jerusalém, que anali- samos nesta unidade, é um momento decisivo no texto. Aqui, as tensões entre o Cristianismo de origem pagã e o de origem judaica são evidenciadas e alguma solução é tentada. Pedro tem notável importância nisto tudo, embora muitas vezes não apareça em pri- meiro plano sozinho, mas acompanhado por Tiago. O que se nota é uma liderança partilhada ou dois grupos que vão aos poucos se © Atos dos Apóstolos120 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO firmando. Pedro é o que primeiro dá o passo em direção ao mun- do pagão, como já vimos na unidade anterior. Depois dele outros poderão fazer o trabalho da evangelização. A Assembleia de Jerusalém (capítulo 15) e a entrada de Pau- lo no mundo grego (capítulo 17, analisado anteriormente) marcam a nova etapa da expansão do Evangelho. Vemos claramente que o autor do texto evidencia o testemunho indo até os confins da ter- ra, conforme o "versículo programático" de 1,8. Isso tudo é muito notável e até surpreendente. Vejamos: 1) O anúncio de Jesus como Messias, Cristo em grego, isto é, pessoa escolhida (Cristo: ungido, marcado com o sinal da unção, portanto escolhido, determinado para uma identidade e missão) deveria interessar inicialmente aos judeus. Afinal, eles são o povo da Aliança, herdeiro das Promessas do Antigo Testamento. 2) No entanto, este anúncio não se limitará ao mundo ju- daico. Felizmente, devemos dizer, pois a grande evolu- ção da Igreja se dará no mundo pagão. 3) A aceitação do Cristianismo no mundo pagão transfor- mou a figura de Jesus. Ele não era apenas o Messias esperado por Israel, mas passou a ser o realizador das esperanças humanas, respondendo não somente às ex- pectativas judaicas, mas às necessidades mais interiores do ser humano. 4) Além disso, Paulo e os evangelizadores do mundo pagão souberam apresentar Jesus sem os elementos muito liga- dos ao Judaísmo, o que o fez ser mais facilmente aceito. Lamentavelmente, a Assembleia de Jerusalém não solucio- nou os problemas evidentes na evangelização, o problema da con- vivência entre cristãos de origem pagã e os de origem judaica per- manecerão por muito tempo. Somente com a separação definitiva entre o Judaísmo e o Cristianismo pôde haver mais segurança na evangelização. Talvez o mais importante em tudo isso é que, na Assembleia ou Concilio de Jerusalém os apóstolos deixaram de apenas ouvir e 121© Atos dos Apóstolos: Passos Fundamentais da Igreja seguir a Torah e passaram a fazer as suas decisões, a "didaké", en- sinamento. Este é um dos elementos a ser evidenciados no texto de Atos dos Apóstolos: a catequese, precedida pelo anúncio. 13. E-REFERÊNCIA BASÍLICA SÃO PAULO. São Paulo fora dos muros. Disponível em: <http://www.vatican.va/ various/basiliche/san_paolo/po/san_paolo/concilio.htm>. Acesso em: 11jun. 2011. 14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGER, K. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998. (Coleção Bíblica Loyola, nº 23). BÍBLIA DE JERUSALÉM. Atos dos Apóstolos. Introdução. São Paulo: Paulus, 2006. BÍBLIA DO PEREGRINO. Atos dos Apóstolos. Introdução. São Paulo: Paulus, 2002. BÍBLIA. Tradução Ecumênica. Atos dos Apóstolos. Introdução. São Paulo: Loyola, 1994. CARMONA, A. R. Obra de Lucas (Lucas - Atos). In: MONASTERIO, R. A.; CARMONA, A. R. Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Ave Maria, 2000. (Coleção Introdução ao estudo da Bíblia, v. 6). DUPONT, J. Estudos sobre os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1974. (Coleção Bíblica, n. 17). KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. Paulinas: São Paulo, 1982. MAROCCO, G.; GHIDELLI, C. Atos dos Apóstolos. In: BALLARINI, T. et al. Atos e as grandes epístolas paulinas. Petrópolis: Vozes, 1974. v. 1. SCHREINER, J.; DAUTZENGERG, G. Forma e exigências do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1977.Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO
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