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A presa estremece enquanto é devorada, às pressas. Contudo, não consegue mais ficar calada, e confessa: “Quero seus dentes nos ossos. Ou nada!” RICARDO COIRO 4 QUARENTENA Medo da morte? Tenho, admito. Mas, ainda jovem, muito antes destes tempos plásticos infestados por coaches que espirram autoajuda e vendem a alma por likes, descobri que meu maior pavor é não viver até o talo, custe-me o que me custar. Desperdício, a meu ver, significa: perder chances de gozar das possibilidades deste fugaz agora. Bonito, né? Então tatue na bunda! Tenho me entregado às mãos do hedonismo desde os meus quatorze, quando, após uma festinha de aniversário regada a brigadeiros, empadas e Fanta, fui levado à parte mais fervorosa da Lapa por um primo mais velho, carioca da gema e sambista de carteirinha, daqueles que, cagando à moda, por causa de uma paixão incompreensível à maioria, vestem- se de branco e usam chapéu bege pendendo a TESÃO – VOL. 1 5 um dos lados, escapando da cabeça, sempre ameaçando ir à lona. Pura malandragem. O cantor do boteco abafado e sua trupe sorridente mandavam Cartola, Melodia, Beth Carvalho, Bezerra, pedidos bregas de casais recém-picados pelo bichinho da paixão... Nunca vou me esquecer. A Lua parecia mais próxima da Terra, acobreada, aumentando de maneira proporcional à nossa euforia. Não havia brisa além da etílica; meu primo mamava uísque nacional, cowboy, e, vez ou outra, quando o garçom se afastava carregando dúzias e mais dúzias de pedidos na memória, deslizava o copo em minha direção para que eu desse umas bicadinhas. “Bebe que tu não é mais moleque, porra!”, ordenava; fazia o mesmo com o cinzeiro plástico sobre o qual repousava sempre um cigarro de filtro vermelho, e ria dos meus tragos curtos seguidos por acessos de tosse. Risada RICARDO COIRO 6 maquiavélica que é só dele, ainda é, e talvez do Satanás. Se é que podemos separar um do outro... Mas o foco desta confissão não é o Gustavo nem o Lúcifer: citei-os, apenas, para que entenda por que sou assim, um esganado por todas as chances de me lambuzar, eterno magnetizado por tudo quanto é tipo de prazer imediato, em especial aqueles que, a longo prazo, quem sabe ainda neste ano sinistro ― ou amanhã! ―, certamente me cobrarão um preço alto que não poderei quitar. Frituras, açúcar, industrializados, sedentarismo, erva, mulheres... É disso que eu falo. Só sei que eu já aceitei meus instintos, a torrente crônica de impulsos, e que após muitas falhas, cabeçadas na parede, murros em pontas de faca e sessões de terapia nas quais fui perfumado na esperança de comer a terapeuta, fartei-me de tentar domar a parte de mim que não pode ser contida por rédea alguma, muito TESÃO – VOL. 1 7 menos pelas tramadas com o couro da razão. Por essas e outras que, em meio ao pico da maior pandemia já vista pela humanidade desde a gripe espanhola, num período em que todos os cidadãos brasileiros ― exceto trabalhadores da saúde e segurança e outros classificados pelo governo como essenciais ― estão proibidos de sair de casa sem justificativa e autorização, num momento nebuloso em que voos nacionais e internacionais estão suspensos, bolei um plano para chegar à Florianópolis. Mesmo sabendo que, se for parado, estarei sujeito a multas altíssimas e, até, acredite se quiser, a ser preso; caso o oficial da polícia ou do exército ― tanques tomaram as ruas faz três semanas ― não vá com a minha fuça, o que é bem provável por causa da minha tendência à insubordinação, dos meus braços tatuados e da cabeleira que só abandonarei em caso de calvície irreversível, RICARDO COIRO 8 hipótese que me parece cada dia mais distante, já que tenho trinta e sete, e meu pai, que morreu com sessenta e nove, nem sequer tinha entradas. De volta ao presente, antes de lhe contar detalhes sobre o plano cuja execução eu pretendo iniciar ainda nesta hora, eu preciso falar um pouco a respeito da Larinha, minha prima de segundo grau e razão ― se é que tal palavra e a moça podem coexistir na mesma frase ― para que eu queira cruzar três estados em meio à segunda onda do coronavírus, que até pouco tempo era hipótese já descartada por especialistas de todo o globo. “O vírus não sofrerá mutações tão rápidas. Não a ponto de contaminar os sobreviventes da doença e os vacinados”, cientistas e infectologistas nos garantiram. Mas o vírus não deu ouvidos às previsões da ciência e voltou ainda mais devastador. Sacou? Eu também. No entanto, mesmo sabendo que a patologia agora tem TESÃO – VOL. 1 9 potencial de letalidade ainda maior, chegando a sessenta por cento em diabéticos e fumantes convictos como eu, não vejo nada mais importante do que ceder às provocações da Larinha que tiveram início tímido ― embora irreversível ― no casamento do meu irmão, no começo de 2020, um pouco antes de o país ser invadido pela primeira marola da desgraça invisível, quando sequer podíamos imaginar pessoas andando com máscaras pelas ruas, psicopatas por higiene manual com a pele dos dedos em carne viva. Só soube quem seria meu par, minha madrinha, minutos após chegar à igreja, ainda ofegante. E antes que você me pergunte: não, não me juntaram com a Larinha. Talvez, já prevendo faíscas: meu irmão sabe da minha queda por exemplares sardentos. Ele e todos que comigo conviveram mais de meia hora e alguns RICARDO COIRO 10 chopes. Sendo assim, acabei de braços dados com os brações de uma moça de costas largas e voz anabolizada, o exato tipo que não me endurece por nada. Já próximo ao altar, liguei meu radar, que após sondar um bando de mulheres sem sal ostentando penteados em forma de capacete e faces rebocadas por demãos de maquiagem, pousou numa das madrinhas que estavam do lado oposto à fila em que a cerimonialista me colocou. Eu já a tinha visto em fotos, e topado com ela num dos poucos natais em que conseguimos reunir toda a família Mattos. Mas, apesar das sardinhas salpicadas na medida em todo o rosto e do charmoso nariz de Uma Thurman já guardados em alguma gavetinha da minha memória faixa preta em fisionomia, não parecia se tratar da mesma pessoa: tinha deixado o casulo da inocência, estava imponente, confiante, ofensiva, coxuda... Parecia carregada TESÃO – VOL. 1 11 do poder que farejo de longe, a capacidade estritamente feminina à qual sempre acabo me curvando, mesmo quando finjo dominar e possuir absoluto comando na dança. Ela também me notou, vale dizer, e não fez questão de dissimular: apesar de estar ao lado do namorado, uma subcelebridade do Instagram, por vários minutos, quase ininterruptos, fez questão de me fitar. Nos olhos e também no corpo. Em alguns momentos, até, suspeitei que mirava o volume da minha calça social cinza. Mas eu ainda não a conhecia o bastante para ter certeza de que não se tratava de coisa da minha mente tarada e egocêntrica ― não esperava sinceridade? Pois acostume-se! Após nossa primeira centelha pecaminosa, porém, já no buffet, eu não a vi mais. Procurei-a por quase uma hora, perdi a maior parte dos canapés e a valsa dos noivos, até que, pelo meu RICARDO COIRO 12 irmão de voz já amolecida, fui informado que ela havia saído cedo, nem vinte minutos depois de chegar, quando eu ainda estava na igreja à espera de um Uber-tartaruga ― um senhor quase cego que só tinha feito doze viagens antes daquela. Ainda segundo meu irmão, a Larinha deixou o buffet discutindo com o namorado, puxada pelo braço, uma ceninha daquelas. “Será que ele percebeu a atitude dela e teve um ataque de ciúme?”, era a pergunta que ricocheteava em minha cabeça enquanto eu intercalava idas ao bar com visitas sorrateiras à mesa de doces, ainda não liberada oficialmente a ninguém, muito menos a diabéticos comoeu. “Será que ele percebeu a atitude dela e teve um ataque de ciúme?”, eu ruminava em looping, e soava como presunção, importunava feito farpa, massageava o ego, colocava pilha numa sucessão vertiginosa de projeções apetitosas das quais transbordavam línguas, uivos, mamilos eriçados, TESÃO – VOL. 1 13 tapas que marcam bem além da pele e fluídos corporais ácidos. “O mundo não gira ao seu redor, Rodrigo”, eu cheguei a repetir algumas vezes, com meu narigão de Adrien Brody ― vivem falando que eu me pareço com ele ― apontando a um reflexo já em desmanche e um pouco suado, tomado pela sensação de que eu não demoraria a ser atingido por um velho e embriagante conhecido: o tesão. E fui... Dois dias após o casamento, dando cara de sexta a uma segunda-feira infinita, veio a resposta ao direct que eu tinha enviado à Larinha já na prorrogação da festa, quando, no espaço com capacidade para mais de quinhentas pessoas, só havia eu, garçons bufando e um punhado de velhos bêbados implorando por mais uísque, mais Gloria Gaynor. RICARDO COIRO 14 “Eu quase não fiquei na festa. Entrei e saí. Meu namorado cismou contigo, acredita?”, ela respondeu. Punheta de primeira ao meu egão. “Acredito, claro. Um homão desses!”, enviei sem muito pensar. “Pior que é”, “hahahahahahaha” e carinhas amarelas de bochechas rubras. Não demoramos a mergulhar num mar de piadinhas de duplo sentido, gatilhos verbais que me incitaram a evocar a imagem dela na igreja, de vestido turquesa com fenda na coxa, baixando o olhar decidida, fazendo um raio X do recheio da minha única calça social, nem aí ao namorado que deve levar horas para arrumar o cabelo e ter nojo de chupar um cuzinho. “Homão em todos os sentidos?”, ela soltou após o papo dar muitas voltas. TESÃO – VOL. 1 15 E antes que eu achasse o tom, uma maneira de responder sem correr riscos de assustá-la ou ofendê-la, ela disse que precisava sair e me deixou apenas uma carinha amarela disparando uma piscadinha. De repente, voltei aos meus catorze: baixei a calça jeans e a cueca até os tornozelos, e, analisando as fotos praianas dela do Instagram, materializei-a em meu escritório, de quatro e empinadinha para mim, pedindo para fodê-la, lamber-lhe fundo na fenda, e também os seios, e para mordê-los, sugá-los, contorná-los em todos os sentidos e direções... Esporrei mesmo sem querer esporrar, querendo preservar um pouco do estímulo atômico que beirava a dor quando a imaginava ajoelhada para mim, dada aos meus caprichos e anseios mais primitivos, recorrendo à minha rigidez sincera para saciar-se e envaidecer-se, entregue ao pau RICARDO COIRO 16 até onde pudesse engoli-lo, suportá-lo, sustentá- lo no estado mais animal. No dia seguinte, minutos após o ministro da Saúde anunciar o primeiro infectado pelo novo coronavírus no país e enfatizar a possibilidade de uma pandemia de proporções catastróficas até mesmo à economia, ela puxou papo, deu nova trela; ainda mais decidida e excitada, deixou de lado as frases dúbias e foi direto ao ponto: “Aposto que já bateu uma pensando em mim.” Fiquei sem respostas. Logo eu, sempre bem afiado, não esperava ler algo tão animador na sequência de uma notícia tão preocupante. O mundo prestes a desabar e o cacete inchando, virando um baita de um cacetão, cortando os circuitos do cérebro e pedindo por mais sangue, orifícios estreitos, quentes e úmidos. Um belo ato de otimismo, não acha? TESÃO – VOL. 1 17 “Como sabe?”, respondi. “E foi gostoso?”, ela emendou num tiro, como se já estivesse com a tréplica engatilhada, mostrando a verdadeira face. “O que imaginou?” “Prima!”, mandei. Fazendo papel de homem comportado tentando lutar contra uma tentação inaceitável, fingindo disposição a dar as costas às delícias inerentes ao proibido e imoral, a tudo que vivem nos dizendo para resistir, não fazer, deixar para lá, onde quer que lá seja. Exclamei certo de que cuspia gasolina em direção à brasa que, àquela altura, já me parecia incapaz de ser apagada por ações não terminadas em porra escorrendo e pernas fracas, em leveza passageira da alma e caixa torácica retumbante. “O que foi, primo? Me imaginou sentando em você?” RICARDO COIRO 18 “Prima!”, repeti. Como ela também já vinha fazendo, enfatizei nossos laços de sangue para tornar o enredo ainda mais excitante; insisti no teatrinho por ambos manjado para deixá-la em posse da garantia de que estava no caminho certo, atiçando-me, dando-me sinal verde para liberar aquilo que preciso enjaular quando estou na redação, no shopping ou em outro ambiente público. “Não só isso...” Já agarrado ao relevo em crescimento. “Ah é? Que mais?” “Imaginei-a de quatro num sofá de couro de sala de tevê, daqueles muito macios, sabe? Baixando sua calcinha bem devagar para fazê-la sentir o tecido atritando na pele, escorrendo pernas abaixo; daí, com você já escancarada para mim, vi-me beijando a parte de trás de suas coxas, mordiscando em várias intensidades, TESÃO – VOL. 1 19 lambendo da dobrinha da perna até a polpinha da bunda, fazendo movimentos circulares com o indicador e o dedo do meio...” “Onde?” “Você sabe.” “Fala!” “Na bucetinha.” Escrevi com “u” mesmo, coloquial, pois, apesar de o correto ser “boceta”, e de eu ser o chatão da língua portuguesa, acho anticlimático e me permito algumas licenças poéticas em prol de causas nobres. Também me recuso a usar “pepeca” e “piroca”, por exemplo; são engraçadinhas demais, infantilizadas. “Isso, assim que eu gosto, primo. Agora continua que eu tô passando a mão nela. Bem gostoso.” RICARDO COIRO 20 Então prossegui, e, segurando o pau que já latejava, subindo e descendo muito devagar, fiz com que ela se imaginasse ― com riqueza de detalhes e um quê de lirismo ― sendo bebida de quatro, arrebitada, com a barra do vestido da festa jogada sobre as costas; para que em vez de os próprios dedos sentisse minha língua em sua greta, que escorria de acordo com as breves autodescrições que ela fazia; breves porque estava ocupada demais se friccionando rumo ao merecido deleite, não por desinteresse. “Assim eu gozo, primo. Pega leve comigo.” Mas não peguei, fiz exatamente o contrário. Não é assim que teimamos em nos comportar desde sempre? Nada atiça tanto o tesão quanto o bom e velho joguinho de contrariedades e desobediências, especialmente se não podemos prever os limites da rebeldia, quando sentimos TESÃO – VOL. 1 21 que estamos sendo empurrados, à força, contra o delicado vidro de nossas morais. Contei como pretendia ― pretendo! ― usar os dedos para prepará-la ao falo, falange por falange, atento ao ritmo ditado pelas ofegadas; primeiro a pontinha não tão “inha” do indicador, brincando de provocar até o dedo todo acabar enterrado, daí o maior, o do meio. Então os dois, aliados, penetrando, entrando e saindo, saindo e entrando, entrando e saindo, estocando rápido e a deixando pouco a pouco, em slow motion; escorregadios, atritando só o necessário para estimular os gatilhos do complexo sistema do prazer; abrindo caminho, os grandes e fartos lábios, esquentando-a às minhas vontades e, claro, também às dela; afinal, os alicerces do meu prazer egocêntrico pedem demonstrações ― teatrais não servem ― de que sou capaz de prover espasmos e arfadas, de garantir minha RICARDO COIRO 22 dose de êxtase as livrando dos questionáveis mandamentos que as impedem de realizar as fantasias que, mesmo no momento mais íntimo, quando se encontram trancadas no quarto sob o edredom, sentem-se culpadas por portar. “Se continuar assim eu não vou aguentar. Juro!” “Mas já? Eu nem lhe disse o que vou fazer depois.” “Ai... Fala logo... Não tô me aguentando mais. Não tem ideia do que tá fazendo comigo.” “Tenhocerteza de que vai gostar. Imagine só: os dois dedos fodendo fundo, e você, sem qualquer aviso prévio, é surpreendida pela língua pousando na bunda, só a pontinha; daí, já arrepiada, percebe que ela, como um pincel de passo lento e calculado, sem descolar do seu corpo que arqueia e se contorce, segue em TESÃO – VOL. 1 23 direção ao cuzinho, ao seu tabu. Os dedos entrando e saindo, aquele barulho de carne melada, de humanos nadando em felicidade, e a língua-pincel, decidida que só, chegando perto do cuzinho, quase nele. Então, já à beira de tocá- lo, ela para. A meio centímetro. Nem isso. À margem do seu proibido. Tenho certeza de que você me puxaria pelos cabelos para continuar, só mais um pouco.” “Primo, não posso nem encostar em mim. Não tô zoando”, ela afirmou. Eu também estava muito sensível, com o pau pulsando, literalmente babando por ela, uma materialização do desejo mais lancinante do momento ― e de agora. Meia lambida bastaria para iniciar minha erupção branca. Até mesmo um sopro, acredito, seria suficiente para que qualquer um de nós explodisse no mais potente RICARDO COIRO 24 tremor de satisfação. Mas respirei bem fundo, larguei o pau que mirava o teto, e, decidido a dar o golpe que me colocaria para sempre como titular nas masturbações dela, escrevi: “Você não pode, mas eu posso, ué! E vou maltratá-la, tocá-la mesmo quando implorar por um tempinho, um segundinho para não gozar. ‘Para um pouquinho... Ai... Só um tempinho, por favor!’, você me pedirá. Mas eu farei exatamente o oposto: vou esfregá-la, passar o pau na buceta, meter e tirar; porque a quero se debatendo, incapaz de conter gritos e pedidos sinceros. Quero sua boca, seus buracos e contornos, a pele marcada por tapas, dentadas, por tudo que eu quiser fazer para que, mesmo na minha ausência, morra de vontade de ser fodida. Não por qualquer um: por mim, seu primo. Quero meter gostoso, encaixar com jeitinho no cuzinho, arrombar até virar pedido de clemência e gana que a fará, numa reunião qualquer, perder o fio TESÃO – VOL. 1 25 da meada, cruzar as pernas, espremendo-as, querendo meu toque, a sonora colisão de minhas coxas contra sua bunda enquanto, por um rabo de cavalo, transformo-a na putinha que ama ser. Transformo-a, não: liberto-a para que seja quem deveras é. Sua própria putinha; minha putinha, de joelhos na calçada suja de uma rua pouco movimentada se eu quiser, com a boca aberta, pronta, salivando amedrontada, temendo ser flagrada em sua essência mais pura, e ansiosa pelos meus urros, pelo meu calor líquido e melado, pela certeza de que também me deixa extenuado, quase à beira da desidratação e, mesmo assim, querendo mais, mais pequenas mortes, as únicas coisas que batem de frente com o incômodo causado pela certeza da nossa finitude.” Ela gozou. Contou-me e depois me mandou uma foto dos dedos ligados por um fio da seiva RICARDO COIRO 26 que, se tudo der certo, logo provarei. E não parou por aí: enviou-me uma foto dela só de calcinha, entretida com um tablet, deitada de bruços numa cama redonda. De motel, acredito. Parte de um ensaio amador, talvez. É, talvez... E talvez tirada pelo influencer que, ao que tudo indica, em vez de preocupado em satisfazê-la, está focado em manter o baixo percentual de gordura e o ângulo do topete. Peguei pesado, eu sei. Não precisa me dizer. Mas, àquela altura, mesmo tomado por impulsos primais, pelo meu lado mais afoito e arredio, parte de mim agia pensando no depois, em prepará-lo com capricho, na real possibilidade de nossas peles se encontrarem e tudo que tinha sido escrito e imaginado acabar, também, no terreno da realização, onde o coice do prazer costuma ser mais perigoso e, justamente por isso, mais memorável. O que rala sempre é mais valioso. O virtual ainda precisa remar muito para TESÃO – VOL. 1 27 chegar aos pés daquilo que só é possível com conexão real, engate com calibre para terminar em divórcio ou, até, em crime passional, desses que só parecem absurdos a quem não está envolvido e assiste a tudo de fora, num dos muitos programas sensacionalistas voltados à audiência-urubu cuja felicidade se nutre da carniça alheia. De volta ao presente, agora que já sabe da Larinha e de tudo que ela me causa, vamos ao plano: terminarei o café e o cigarro e pegarei a estrada rumo a Floripa. Em oito horas, se tudo der certo, estarei lá. Não contei a ela que vou e, devido à situação atual, à ordem repetida à exaustão para ninguém sair de casa, sei que a surpresa terá maior impacto. Como sei onde ela mora? RICARDO COIRO 28 A real é que eu só sei o bairro: Campeche. Como descobri? Ainda não percebeu quanto as pessoas se expõe nas redes sociais? Pois comece a observar. Melhor ainda: preocupe-se, exponha- se menos, nunca subestime a maldade existente fora das cercas embandeiradas que separam seu quintal do resto. Eu até estava cogitando pedir o endereço dela, dizer que mandaria um presente ou algo do tipo, mas, mas, mas... Muito manjado, não acha? Eu tenho certeza. E mesmo sabendo que, sem dar avisos, correrei riscos além dos ligados à pandemia e às autoridades, resolvi que será assim, com dose tripla de emoção, do jeito que eu gosto. E já que mencionei as autoridades, eis a carta na manga que bolei para lidar com elas caso eu seja parado em alguma blitz: criei um documento em nome do jornal em que trabalho, uma carta em papel timbrado e tudo com a assinatura ― falsa, lógico! ― do Rubão, meu TESÃO – VOL. 1 29 diretor, na qual “ele” explica minha designação para cobrir um estudo pioneiro que está sendo feito na ilha, numa área lotada de startups, com o intuito de testar um aplicativo capaz, entre outras coisas, de mapear os contaminados em tempo real e, com isso, evitar novos contágios. Se vai funcionar, eu não sei. Mas me pareceu o melhor dos planos. Então vambora! Bolo seis finos ouvindo, no repeat, The Harder They Come no timbre nicotinoso do Keith Richards. Aperto bem a erva dentro da seda me sentindo num filme, uma versão mais amassada, nariguda, magrela e maconheira do 007; feliz por não ter as travas inúteis da maioria, que costuma bater as botas portando vontades não realizadas por covardia, por falta de coragem para dar o primeiro passo. Pensando bem, agora com os baseados já dentro do maço de Marlboro, o que me falta, de fato, talvez seja o interruptor da RICARDO COIRO 30 autopreservação, o que deve ser reflexo da minha descrença em vida após a morte. Não entendeu? Para mim, morrer é como ser sedado numa endoscopia, com a diferença de que, depois da endoscopia, você acorda. Ponto. Ponto final. Acho o Time Out of Mind, do Dylan, num pen drive povoado por discos geniais; pulo direto para Not Dark Yet, acendo o primeiro cigarrinho da Jamaica e deixo a garagem atento às ordens do Waze. Segundo ele, estarei no Campeche em sete horas e cinquenta e cinco minutos. Oito horas, alguns minutos e muitos tragos depois... Cruzo a ponte que dá acesso à ilha. Não há muitos carros na estrada. Apenas caminhões, mascarados com o cotovelo saindo da janela, prestadores de serviços considerados essenciais, gente que transporta nossa comida, a sujeira que TESÃO – VOL. 1 31 fazemos, remédios e o tanto que insistimos em achar que precisamos por causa de comerciais de TV e influenciadores de redes sociais. Ainda está escuro, mas, à minha direita, saindo de um mar sem ondas nem faixa de areia, vejo os primeiros sinais do Sol que, de acordo com o aplicativo de previsão climática, acordará em vinte minutos. Uma bola de luz arroxeada ganhando espaço no breu. De SP até SC, por várias vezes cruzei com barreiras policiais, e também com uma muralha militar que mais parecia estar lá para capturar terroristas envolvidosno atentado de onze de setembro. Mas não fui parado nem preso nem torturado, como já deve imaginar. Fitei os oficiais nos olhos, convicto da minha inocência, certo do valor desta missão. Se não fosse ateu, atribuiria meu sucesso a Deus, a uma mão invisível abrindo rotas à realização dos meus pecados. Foi apenas RICARDO COIRO 32 sorte, porém. Como sempre. Sorte nesta imensa roleta chamada vida. Sorte minha e, claro, do meu pau. Afinal, se eu sou protagonista desta história que você acompanha em tempo real, por mais estranho que possa lhe parecer, não posso deixar de dizer: ele é protagonista da minha. Agora, quem segue comigo é o Neil Young. Não consigo ouvi-lo e não pensar em cavalos; soltos, em planícies e cânions do tipo que pouco temos em nossa terra. Penso neles, musculosos e brilhosos, nos poucos que ainda não perderam o que têm de mais valioso, bichos que não foram domesticados, que não conhecem as toneladas da sela e do arreio; e sinto inveja, pois, mesmo ciente de que sou mais livre do que a maioria, não me considero ingênuo o bastante para crer que sou totalmente, como os cavalos que ainda não se encontraram com os homens. Ou melhor: que por eles ainda não foram achados, e apenas vivem, dia após dia, para estancar necessidades TESÃO – VOL. 1 33 primárias: cagar, mijar, esporrar, comer, dormir... Cavalos que não perdem o sono à procura de propósito ou respostas ao que simplesmente não tem, que não passam vidas desejando carreiras em multinacionais nem corpos diferentes, que não tentam entender por que alguns têm câncer e outros acabam atirados a abutres e vermes, incapazes de erguerem o peso do próprio corpo por causa de um simples escorregão numa fenda escondida no pasto. Ambulance Blues, minha crina esvoaçante devido ao vento que entra pelas quatro janelas, ar puro de litoral apesar do vírus que parece decidido a ficar. Paro num posto para matar a larica, atrás de uma coxinha bem gordurosa, mas a conveniência está fechada. Peço um pacote de salgadinho ao frentista de máscara e luvas e encho o tanque. Sigo até o Campeche e estaciono em frente a uma casa que tem uma ovelha no quintal. Quem RICARDO COIRO 34 é o doido que tem uma ovelha de estimação? Devoro a batata sabor barbecue, fumo a metade restante do fino que acendi para comemorar minha passagem pela barreira antiterrorismo e, na companhia da tesônica PJ Harvey (Rid Of Me), aguardando um horário decente para mandar a primeira mensagem à Larinha, penso na última vez em que fodi na praia e no quão gostoso é trepar ao ar livre, com o sol esquentando a pele, o suor escorrendo dos poros, tudo escorregadio, grudento, viscoso. Foi com uma das minhas ex- namoradas, na remota época em que eu ainda possuía sonhos padrões, como casar, ter filhos e labradores babões. Estávamos na Barra do Sahy, numa ilha que fica a poucos quilômetros da costa. Era nossa segunda viagem e ainda havia o fogo que tende a acabar em relações longas, quando a coisa se torna paternal, maternal, previsível, quando a entonação dos gemidos já foi muito escutada e o ineditismo que move o TESÃO – VOL. 1 35 tesão já não pode mais ser resgatado nem por fantasias, nem por pintos de borracha, nem por personagens extras topando participar das fodas. Estávamos sozinhos na ilha, captando os últimos suspiros do astro-rei. Ela tirou a parte de cima do biquíni. Despiu-se e sorriu. Não resisti àqueles seios simétricos e pontiagudos, à marquinha recém-adquirida naquelas férias movidas por muito haxixe, trepadas e lula à dorê. Comecei a chupá-los com medo de sermos flagrados, tenso, fingindo estar apenas repousando no ombro dela, recuperando-me de alguma mazela. Depois, porém, já com o paladar salgado e amargo por causa do potente bloqueador que ela passava à toa, apesar da cor de Camila Pitanga, passei a me lixar à chance de nos pegarem sendo felizes num fim de tarde de verão. Menos de meia hora para a chegada do barqueiro incumbido de nos levar de volta à cidade e eu estava de bunda colada a RICARDO COIRO 36 uma pedra porosa, mais de dois terços submersa, segurando a moreninha pela cintura, impondo o ritmo das quicadas dela; ambos de frente à praia pequena em formato de ferradura salpicada de pontinhos coloridos. Foi a primeira vez em que a chamei de piranha, e a cara que ela fez bastou para eu chamá-la de cadela, vadia, puta... Para não hesitar em aumentar a força dos tapas enquanto ela me chamava de filho da puta e pedia mais. Usei a parte de cima do biquíni de mordaça, cravado bem no fundo da boca, e mandando-a ficar quietinha, abrindo a bunda para socar tudo que dava, finalmente entendi o que Philip Roth quis dizer com “Pois no sexo não há um ponto de equilíbrio absoluto” ― procure o parágrafo todo no Google. Gozei com o pau enterrado no cu dela, mandando-a calar a boquinha e rebolar, de olho no barquinho que crescia em nossa direção. Poucos minutos depois ele ancorou e eu pisei num ouriço. Mas isso fica TESÃO – VOL. 1 37 para outro capítulo, né? Afinal, essa lembrança me deixou com um puta tesão e já está na hora de mandar mensagem à Larinha. “E aí, o que anda fazendo?”, envio. “O mesmo de ontem e anteontem e antes... Comendo sem parar, treinando em casa para não virar uma baleia, fazendo vídeochamada com o namorado, torcendo por vacina, remédio, fim da quarentena.” “Tédio, né?” “Muito.” “Então tire a roupa e deite na cama.” “Já tá querendo me tentar.” “Já deitou?” “Calma, seu tarado.” RICARDO COIRO 38 “Deitou?” “Aham... Peladinha. E agora, primo, o que quer que eu faça?” Então mando um áudio pedindo para ela se imaginar chupando meu pau enquanto outro homem a chupa. “Consegue sentir a boca dele em você, a barba dele raspando na parte interna de suas coxas, o clitóris sendo pressionado pela pontinha da língua em todos os ângulos e intensidades?”, pergunto. “E o gosto do meu pau grosso, consegue sentir? Então escolha uma mão e chupe os cinco dedos dela de uma vez. Coloca tudo na boca pensando que sou eu, seu primo, duro por você.” “Delícia”, ela responde. Por áudio. “Se estivesse com cinco dedos na boca não conseguiria falar, não acha? Então chupe como vai fazer com meu pau, encha a boca. Chupe, sua TESÃO – VOL. 1 39 putinha! Bem direitinho, deixando bastante baba escorrer”, ordeno. “Afim?”, ela pergunta. Está chupando como eu mandei, falando de boca cheia. Por isso o efe em vez de dois esses. “Isso... Agora eu quero que você coloque um vestido. Bem curtinho. Sem nada por baixo.” “Ai... Mas tá tão bom assim, sem nada, enfiando o dedo na bucetinha bem molhadinha, me imaginando com seu pau na boca. Tudinho!” “Coloque o vestido e me dê seu endereço.” “O quê?” “Já colocou?” “Mas por que quer meu endereço?” “Faça o que eu tô mandando.“ RICARDO COIRO 40 “Ai meu Deus... Por que tá falando isso?” “Mande seu endereço e coloque o vestido mais curto do seu armário.” Por segundos, temo que ela não responda, que tenha ficado assustada, travado, que não seja a mulher corajosa que aparenta ser. Mas logo recebo uma rua seguida de um número. Nem cinco minutos daqui. “É prédio?” “É.” “Então pode descer.” “Ficasse louco?” “Não. Mas tô aqui.” “Tá zoando, né?” “Prédio de tijolinho, portão verde.” TESÃO – VOL. 1 41 Ela caminha em direção ao carro ainda sem conseguir digerir o que está acontecendo, não consegue disfarçar que foi pega desprevenida. Está deliciosa num vestido mínimo, florido e bem soltinho. Puxa-o para baixo logo após sentar, demonstra um decoro que logo sumirá. “Ficasse louco, não acha?”, ela me pergunta depois de um beijo na bochecha. Ainda parece desnorteada. Por alguns segundos, num breve lapso de sanidade, penso em tudo que estou fazendo, nas regras rompidas,nos múltiplos riscos, nas minhas prioridades neste momento tão delicado... Mas o princípio de preocupação com culpa se desfaz quando direciono a visão às coxas dela, cruzadas, lindas, naturais, muito diferentes das toras que tenho visto em saídas de academias. RICARDO COIRO 42 Ela me pergunta meu plano e eu respondo com um beijo. You Want It Darker é a trilha. “Aqui não”, ela diz se desvencilhando. Pede que eu ligue o carro. Rodo algumas quadras à frente e ela me pede para encostar. “Aqui tá bom.” Nem bem encosto o carro sob uma árvore, em frente a um terreno baldio, e ela já se joga em mim. Agora sim a moça do casamento e das mensagens, a fêmea decidida que tem sido protagonista de todas as minhas esporradas solitárias. As línguas começam a se explorar devagar, intercalando trançadas com chupadas nos beiços. Mordidinhas aparecem. A principio, indolores. Inofensivas. Até gentis. Mas a sede não demora a aumentar e os dentes e línguas se tornam mais afoitos, quase raivosos. E as mãos... TESÃO – VOL. 1 43 Bom... Elas também se libertam: toco os seios, livres da prisão dos sutiãs, por cima do vestido; as unhas rosadas dela arranham minha coxa, bem perto do pau que já implora para deixar a calça jeans gasta que um dia foi preta. Pulo ao pescoço, como o mamífero alado culpado por ter começado a transmissão do vírus que atordoa o planeta. Sugo um pouco abaixo da orelha, esbarrando com o narigão no pendente turquesa de um brinco dourado; desço um pouco, milímetros, repito a sucção, baixo mais um tanto, sem separar os lábios da pele fina e quase transparente, e sugo de novo, agora um pouco mais forte embora ainda incapaz de deixar marcas. “Ai”, ela sussurra, tão baixo que não sei se é só coisa da minha cabeça. A Thousand Kisses Deep. RICARDO COIRO 44 Os mamilos marcam o tecido fino do vestido estampado ― flores e costelas-de-adão ―, dois botões aos quais é impossível resistir: aperto-os, os dois de uma vez, forte o bastante para que ela perceba minha inclinação à quebra abrupta de limites. Agarro os seios, que somem em minhas mãos; junto-os desejando meu pau abraçado por eles. Puxo uma das alças do vestido para fora do ombro enquanto travo meu olhar no dela e sorrio de canto de boca. Faço o mesmo com a outra alcinha, com a fita de tecido que impede o vestido de cair. Mas puxo bem devagar, ainda a encarando e sorrindo à la Elvis. “Continua...”, ela diz quase sem emitir som, sopra as palavras. Reduzo ainda mais a marcha do dedo, arrastando lentamente a alça à beira do ombro, até o vestido escorregar e o busto sardento e áspero de arrepio aparecer. O busto e os mamilos que, à mostra, parecem ainda mais perfurantes. Passo a língua num deles, circulando-o como se quisesse, TESÃO – VOL. 1 45 com saliva, repintar a aréola rósea; aí toco o mamilo de baixo para cima e vice-versa; vou ao outro, chego chupando, mamando, engolindo-o e, também, o seio; e deixo uma dose de saliva escorrer sobre ele, um pequeno riacho que corre em direção ao mamilo, agora ameaçando pingar. Mas não permito, recapturo meus líquidos com uma grande lambida que começa no Chuí do peito e sobe, varando o pescoço, até encontrar, de novo, com os lábios dela, e neles fico só o tempo suficiente para fazê-la precisar de mais, então escapo de repente, deixando-a, apenas, com meu indicador fugidio tateando os quase imperceptíveis sulcos dos beiços, acariciando o queixo, provocando-a, incitando-a a abocanhá-lo. Ela me segura pelo pulso e coloca o dedo na boca. Chupa o indicador comprido ao passo que, com os dedos pequenos, tenta envolver o pau RICARDO COIRO 46 por cima da calça. Sinto o botão e zíper abrindo, e, em seguida, a mão dela sacando o pau. Dou partida e arranco com tudo. Seguro o volante com a esquerda e, com a direita, usando o dedo em que ela mamou, encontro-me pela primeira vez com a bucetinha dela. Macia. Lisa. Carnuda. Quente. Melada. Muito melada. Está assim por mim, para mim, e nada parece capaz de me endurecer mais. Ela me pergunta aonde estamos indo, por que saí. Punhetando. “Vou te comer na praia.” “Pirasse?” Não respondo. Apenas continuo a dedilhá- la, acelerando em direção a um emaranhado de arbustos que, se minha capacidade de raciocínio ainda estiver com alguma funcionalidade, abriga uma das entradas à praia. TESÃO – VOL. 1 47 Meto o carro nos arbustos, mais da metade. “Maluco”, ela afirma. Há uma trilha que leva à areia. Um caminho onde os raios solares quase não entram devido à vegetação densa. Fico apenas de cueca e saio do carro. “Você não vem?”, pergunto. Ela parece não acreditar na cena, mas repõe o vestido, suspira fundo e desce. Descalça. Vira o pescoço para todas as direções. Não há ninguém, porém. Muito menos nesta trilha úmida onde, mais uma vez, começamos a nos beijar. Beijo que começa normal, um de frente ao outro, mas que acaba comigo por trás, segurando-a, com apenas uma mão, pelos pulsos; ela agarrada ao galho tortuoso de uma arvorezinha e eu a beijando na última e proeminente vértebra da coluna. Roço o RICARDO COIRO 48 pau na bundinha que reage empinando, dando ré para me sentir mais, pedindo-me dentro. “Quer que eu te coma, putinha?”, pergunto dentro do ouvido, agachando alguns centímetros para esfregar o cacete na buceta. “Quero... Come...” “Aqui?” “Aqui”, responde tentando se desvencilhar das mãos que a prendem. Mas eu não permito, e, enfiando um dedo nela, provoco: “Mas eu sou seu primo, não posso colocar meu pau aqui.” Ela solta todo o ar pela boca e arrebita ainda mais o rabo. Projeta o corpo para trás, descola os calcanhares do chão. Tiro o pau da cueca e começo a bater na fenda dela, de baixo para cima, forte. Um dos TESÃO – VOL. 1 49 ruídos que mais amo. Depois do som dos riffs nada ortodoxos do Johnny Marr, claro. “Isso que você quer, não é, putinha? Não é priminha?” “É.” Quase sem força. Coloco só a cabeça. Entra fácil. Tiro. “Deixa”, ela pede. A cabeça e mais um pouco. Tiro. “Põe tudo, caralho!”, ela manda, solta-se das minhas mãos com um puxão e, pela cueca, com a mão que não mantém apoiada à árvore, puxa-me contra ela. Metade do pau dentro e ela fazendo toda força do mundo para eu não tirá-lo. Não dá mais para seguir com o jogo que inventei: segurando-a pela cintura, deixo tudo entrar. RICARDO COIRO 50 “Assim”, ela afirma aliviada, com a lacuna finalmente preenchida. “Continua...” Continuo... Com uma mão agarrada ao seio, aumento um pouco o ritmo, deixo o pau entrar inteiro, o saco bater na bunda, aí eu recuo quase tudo, sem deixar o caralhão escapar. Estou me segurando para não encher a bucetinha de porra, estapeando a bunda. “Mais forte, caralho!”, ela pede. Não sei se fala dos tapas ou se quer ser comida com mais vigor. Na via das dúvidas, bato mais, meto mais, tudo mais intenso. “Quer um pouquinho no cuzinho, quer?”, pergunto. Mas ela não aguenta esperar e estrebucha testando a elasticidade de minha boxer branca e espremendo o galho da árvore que transformou em apoio. Começa em tom contido, mas acaba se TESÃO – VOL. 1 51 permitindo, ecoando nesta ilha deserta. Depois fica um tempo em silêncio, retomando o fôlego. Vejo a caixa torácica inflar e murchar repetidas vezes. Então ela ajoelha no chão de terra fria e escura e coloca o pau entre os lábios. Aviso que vou gozar e ela não para de me abocanhar. Limpa a única gota que escapou em minha cueca. Seguimos a trilha até a praia, nem dois minutos de caminhada. Ela também parece se sentir imbatível agora. “Não quer voltar ao carro para pegar suas roupas?”, ela pergunta. “E qual a diferença entre sunga e cueca?” Sentamos na parte fofa da areia, com as costas apoiadas num banco de areia que parece ter sido esculpido sobmedida às nossas costas. RICARDO COIRO 52 Além de nós, apenas algumas aves e um cachorro vira-lata. “Bucica”, segundo ela. Dou um pique ao carro para pegar meu cigarro. Volto com o coração na boca. Fumo um Marboro e, na sequência, aproveitando a brasa da bituca, acendo um beckão. Ela me pede um peguinha, diz que não fuma muito, que às vezes bate errado. “Nada vai bater errado hoje”, afirmo como se pudesse controlar tudo. “Só mais unzinho”, ela diz, e puxa fundo. Solta a fumaça que se mistura à brisa fresca que vem do mar. Nem eu acredito que estou aqui, realizando o sonho de muitos tarados e “quarenteners” ― é assim que os prisioneiros domiciliares têm sido intitulados nas redes sociais. A cabeça de cima voltou a funcionar, a transa me tirou do transe... TESÃO – VOL. 1 53 Estou em Florianópolis, acabei de comer minha prima. O país sendo engolido pela porra de um vírus e eu de cueca na praia queimando um verdinho e tentando entender por que alguém chama vira-lata de bucica. Sem saber se volto hoje, se fico até tudo ruir de vez, se abro uma cerveja e saio para procurar um lar sem mofo por aqui. “No que tá pensando?”, ela pergunta para me resgatar de um longo devaneio. “No depois.” “Depois do quê? Do corona?” “Não... Depois daqui.” “Depois daqui a gente pode ir pra minha casa, tomar um banho, pedir um xis.” “O que é isso? RICARDO COIRO 54 “É um lanche. Parece um hambúrguer, mas bem maior e prensado. Tem vários recheios, até coração de galinha. Acho que é coisa de gaúcho, não sei direto.” “Hum... Parece uma boa.” Pensando num espeto repleto de corações, em tudo que como sem contar ao cardiologista, ignorando o fato de que meu pai também passou a vida ignorando e acabou como acabou, às vésperas de completar setenta. “Mas você vai ter que entrar escondido, os porteiros conhecem o Jonas”, ela diz, resgata-me da sessão de autoanálise. “Tudo bem, eu deito no banco de trás.” Ela acha arriscado, diz que os porteiros são fuxiqueiros e me coloca no porta-malas. Sorte a minha que tenho um Sedan. Ela também me pede para subir pela escada de incêndio, onde, TESÃO – VOL. 1 55 segundo ela, não há câmeras. Volto a me sentir um 007 junkie e safadão. Uma buzina. Tudo ainda mais escuro neste caixão móvel onde testo minha flexibilidade. Freio de mão puxado. “Como destravo o porta- malas?” Sou libertado e, por trás de uns carros, conduzido até a porta de ferro da escada. Ela sobe primeiro e vou atrás pensando em tudo que ainda posso fazer com aquela bunda redondinha. O apartamento é pequeno, mas bem arrumado. Tudo no devido lugar, não tem livros e canecas vazias por toda parte como no meu. Cozinha americana, balcão e banquinhos amarelos de madeira, facas e panelas coloridas penduradas sobre a pia. Na varanda gourmet, uma adega com seis vinhos e uma hortinha vertical com algumas plantinhas que não dão barato algum. Porta-retratos. Ela e o cornudo. Ela criança e o RICARDO COIRO 56 tio-avô que nunca conheci. Ela adolescente numa pose cafona de book. Pergunto onde é o banheiro, não sei há quanto tempo não esvazio a bexiga. Nossa, que alívio! O sabonete líquido tem cheiro de alguma fruta exótica ― lichia? ―, dessas que custam um rim no Pão de Açúcar, do tipo que a gente só leva até o caixa. Da vontade de passar no corpo todo. Encaro-me no espelho de borda iluminada, daqueles de camarins, e fico com a sensação de não combinar com tudo isso, de ser o objeto fora do lugar neste universo limpo, claro e ordenado. “Gosta de espaguete com frutos do mar?”, ela me pergunta assim que eu saio do banheiro enxugando as mãos na calça. “E quem não gosta?” “Então farei para nós, pode ser?” TESÃO – VOL. 1 57 “Claro”, respondo. Feliz e triste ao mesmo tempo. Confuso. Feliz porque carboidratos e frutos do mar nunca são demais; triste por ter acabado dentro de um quase namoro relâmpago, algo que me lembra dos domingos padrões com minhas ex. Saca? Só falta ela me sugerir um filme e depois começar a fazer planos para o Réveillon. Temo que a próxima frase seja: “O que acha de Noronha?” Por sorte, ela apenas me oferece um vinho branco e abre uma garrafa de Pinot Grigio. “A nós”, fala depois de bater a taça contra a minha. Volto ao modo preocupado. Talvez seja a hora de inventar algum esquecimento, qualquer treco para pegar no carro. Mas ela acabou de tirar camarões, lulas e mariscos do congelador. RICARDO COIRO 58 Parece até que estava me esperando. Afinal, se fosse o contrário, minha pergunta a ela seria: “Prefere Miojo de galinha caipira, legumes ou uma mistura dos dois com requeijão?” Então decido ficar. Pelo menos até depois do almoço. “De sobremesa teremos sorvete de doce de leite, o que acha?” “Acho perfeito”, digo. E sou subitamente tomado pela imagem dela chupando meu pau todo lambuzado com essa bomba de açúcar e gordura. Deve ser gostoso enfiá-lo no pote e depois deixá-la limpar. No pote e na boca dela, no pote e na boquinha, no ― “Ei... Tá viajando?”, ela me interrompe. Resolvo dizer a verdade: TESÃO – VOL. 1 59 “Imaginei-a me chupando, sorvete de doce de leite no pau.” Ela deixa a taça sobre o balcão e ajoelha à minha frente. “Pode ser sem doce de leite?”, pergunta olhando para cima, tirando meu pau semipronto. Aí todo o medo de criar vínculos, de ela estar confundindo as coisas e querer mais do que posso dar, liquefaz-se, funde-se à saliva dela. “Não existe nada melhor do que um boquete”, concluo apoiado ao balcão. Sei que é raso, que não vai salvar o mundo. Mas é o que eu penso, oras. Por enquanto, ao menos, minha vontade é ficar, morar na boca dela, convencê-la a me deixar meter o pau no pote e no cu. E isso me bastará até, em retinas dilatadas ou perguntas RICARDO COIRO 60 inesperadas, de novo trombar com expectativas que nunca se realizarão. Porque é o que é, sou o que sou. Depois de alguns anos por aí você aprende que certas coisas são imutáveis, no máximo disfarçáveis, e para de sofrer e fazer sofrer por elas. Para de se controlar, de pensar no depois, no tal do futuro. Para de buscar pelas receitas da longevidade no Google, para de pensar em parar fumar, de tentar controlar todas as variáveis capazes de entupir suas artérias mais imprescindíveis. Para, simplesmente. E aí, só aí, mesmo sem saber até quando, você goza desta existência. Goza rios, sem pensar na pandemia seguinte, nas pessoas que continuarão a comer morcegos, pangolins, cachorros, tatus, cobras... Goza, simplesmente. Goza, goza e goza. Como um cavalo de comercial antigo de cigarro, sem a ciência devastadora de que um ser invisível pode inutilizar seus pulmões. Goza como se a trilha da vida fosse Always With Me, Always With You. TESÃO – VOL. 1 61 A SURPRESA Naquela terça, diferentemente das cento e trinta anteriores a ela, fui a primeira a pisar na agência. Arrisco dizer que foi a única vez na longa história da City of Ideias em que um membro da criação apareceu antes do Marcos, diretor de atendimento, workaholic assumido, puxador de tapetes e sacos e cidadão que possui meia garrafa de uísque em cada inferninho de São Paulo. Nem a mocinha do café, a Jô, estava lá para salvar meu cérebro do modo walking dead. Cheguei bem cedo porque eu realmente precisava sair mais cedo, simples assim. Devido às violentas turbulências que meu namoro estava atravessando, eu sabia que não podia correr o risco de deixar o Paulo me esperando por horas em um bistrô, como já havia feito em nosso RICARDO COIRO 62 último aniversário de namoro. E no penúltimo, se não me engano. Ou foi no antepenúltimo? Eu precisava sair antes das 19h00 e estava mais do que ciente da dificuldade das minhas pendências daquele dia: eu tinha que criar um “slogan irrecusável”― palavras do meu chefe ― e terminar um roteiro imenso, para um cliente que, por motivos óbvios, chama o veneno que vende a preço de ouro de “defensivo agrícola”. Apesar da escassez de cafeína no sangue, o slogan brotou fácil, antes mesmo de o relógio marcar onze da matina. E, para me inundar de alívio, meu blábláblá publicitário não custou muito a ser aprovado pelo cliente mais pentelho da agência, um babaca roliço e de testa oleosa que passa reuniões inteiras vidrado em meus seios e tentando me cativar com conhecimento inútil e enfadonho. O roteiro, por outro lado, pouquíssimo evoluiu; só andou até o instante em TESÃO – VOL. 1 63 que a menina da recepção colocou uma caixa preta e aveludada sobre minha mesa. A princípio, assim que vi o pacote pousar sobre a pequena área de madeira ainda não coberta por briefings, amostras de macarrões instantâneos e papéis repletos de ideias ruins pela metade, presumi que estava diante de um presente de aniversário de namoro. Você não pensaria o mesmo? Contudo, logo notei que a letra do envelope era bem arredondada e legível, o oposto do garrancho desafiador do Paulo. “Abra somente quando estiver só”, estava escrito sobre um papel grosso com textura de arrepio. “Só pode ser uma pegadinha do pessoal da agência”, pensei alto, segundos antes de enfiar o cubo de papelão na bolsa e tentar voltar ao roteiro. Entretanto, minha mente curiosa não RICARDO COIRO 64 sossegou, ficava me dizendo para abrir a porra do pacote. Então, decidida a desvendar o que havia dentro dele, fui até o banheiro. Tranquei a porta, retirei a caixinha da bolsa e, quando eu estava pronta para abri-la, meu celular vibrou para informar que um número desconhecido tinha me enviado uma mensagem de texto: “Banheiro? Ótima escolha!” “Quem é?”, respondi. “Alguém prestes a descobrir o que há sob seu vestido. Aliás, aposto que sua calcinha de hoje é bem fininha. Acertei?” Minha primeira reação? Fiquei puta com o tamanho daquela ousadia. Você não ficaria? Tudo me levava a crer que as mensagens haviam sido enviadas por alguém que estava dentro da agência. Afinal, como é que uma TESÃO – VOL. 1 65 pessoa de fora seria capaz de descobrir a cor do meu vestido e o exato instante em que entrei no banheiro? Um informante? Não, não me pareceu uma hipótese provável. Também não estava com cara de se tratar de uma atitude do Paulo, pois depois de quatro anos de namoro, nas raríssimas vezes em que ainda transávamos, ele nem me lambia. Metia, gozava, dormia. “Quem é?”, insisti. “Alguém que a fará gozar. Hoje mesmo. Agora abra a caixa e aguarde a chegada das minhas próximas instruções.” Senti raiva, muita raiva mesmo. Raiva da audácia daquela incógnita e, principalmente, daquilo que ele estava começando a provocar em mim. Por alguns segundos, pensei em jogar a caixinha fora e voltar à minha vidinha previsível, à minha rotina de merda. Porém, dominada pelo RICARDO COIRO 66 impostergável desejo de descobrir o conteúdo da surpresa, segui a primeira ordem do mensageiro anônimo. O que tinha dentro da caixa? Uma calcinha. Não qualquer uma, preciso enfatizar. Dentro da caixa havia uma calcinha vermelha com um vibrador embutido. “Vista.” “Vai tomar no seu cu”, respondi. “Coloque a calcinha!” “Você acha que é quem para ficar me dando ordens?” “Vista a calcinha e para de retrucar!”, a incógnita enviou, e conseguiu converter parte da minha desconfiança em tesão, preciso confessar. Não o suficiente para que eu vestisse aquela bosta de imediato, mas foi impossível não TESÃO – VOL. 1 67 levantar aquela hipótese, no mínimo, exótica. Você não cogitaria? Não só isso: senti-me, de alguma forma, presa àquele objeto; eu precisava voltar à minha mesa, ao roteiro longe do fim e à vida mais ou menos de redatora, mas um pedaço dominante de mim, que há tempos hibernava por falta de estímulo, mostrava-se muito a fim de pagar pra ver e correr os riscos inerentes àquela experiência diferente de tudo que eu já tinha vivido até o momento. “Já vestiu? Vista logo ou demorará a gozar.” E meu tesão cresceu, abocanhou o pavor, eclipsou parte da raiva ― deixando o necessário para nutrir o tesão ― e se tornou bem maior do que a razão, que sempre foi apontada pelos meus colegas e gestores como meu ponto forte. A excitação tomou minhas entranhas, sabotou os circuitos da racionalidade, tirou o superego da RICARDO COIRO 68 tomada, convenceu-me a aceitar o convite nada convencional àquela maluquice. Senti-me uma pirada, uma completa irresponsável, mas troquei minha calcinha sem graça pela recém-recebida, e de imediato percebi que em contato com minha xana existia um plástico côncavo, frio e liso. Um capô contra o meu. “Está usando a calcinha?” “Sim”, respondi. “Ótimo. Agora volte à sua mesa.” “Que caralho eu tô fazendo?”, pensei com meus botões, com um transatlântico navegando a consciência. Procurava forças para expulsar o demônio que já tinha se apossado do meu interior. Não consegui, contudo. Ponto pra ele. Eu estava vulnerável às ordens da parte de mim que não sossegaria até saber o fim da história. TESÃO – VOL. 1 69 Apesar do roteiro inacabado, passei as horas seguintes tentando identificar o responsável por aquela engenhosa maluquice e à espera de novas mensagens de texto. Mas nenhum dos trinta e sete homens do meu andar apresentou atitudes suspeitas, e, para o fim das minhas unhas, feitas no dia anterior, o celular só vibrou novamente às 16h00. “Imagine meus dedos longos afastando os grandes lábios de sua bucetinha para deixá-la à mercê da valsa da minha língua, ao sopro que virá depois de muitas lambidas, à vontade que estou de fazer com que algo dentro do seu peito comece a batucar de maneira carnavalesca, sem ritmo ou dono. Imaginou?” “Que mais?”, perguntei. Se é que estava no controle de mim. RICARDO COIRO 70 “Minha língua bem úmida desvendando, com calma, muita calma, cada milímetro de pele do único lugar que agora me importa; dando atenção aos seus pontos mais sensíveis, àqueles que nem você imagina ter, e aumentando sua vontade de ser ferrada até que suas palavras, sempre tão claras, objetivas e elogiadas, sejam reduzidas a ruídos abafados de contentamento”, ele continuou, pouco antes de a minha calcinha começar a vibrar, forçando-me agarrar firme à borda da mesa, de olhos fechados, como se estivesse no topo de uma montanha-russa, na primeira fileira, prestes a desabar. Quase berrei quando aquela coisa começou a tremer ainda mais forte, mas respirei fundo, controlei-me como deu, e, finalmente, rendi-me por completo à apetência que, naquele instante, parecia inadiável. Pedi mais ― “Que mais” ―, pois estava ficando foda, no melhor sentido da palavra. E recebi um textão delicioso: TESÃO – VOL. 1 71 “Depois de bebê-la com a sede de alguém que encara o líquido que sai do seu corpo como a cura à monotonia do mundo, vou lhe dar meu pau, para nele se acabar. Quando estiver em meu colo, de costas, rebolando como mandarão as mãos que estarão pregadas à sua cintura, vou chamá-la de ‘puta’, ‘vadia’, ‘piranha’, ‘cachorra’, daquilo que eu quiser. Morderei as suas costas, e você, em vez de temer as enrascadas em que as fundas impressões dos meus caninos poderão colocá-la, desejará mais, mais, mais. ‘Mais forte’, dirá. ‘Mais fundo’, implorará. Pedirá, apenas com os tremores de suas pernas, bambas, para ser arregaçada, humilhada, invadida e, depois de tudo, refeita.” A coisa começou a vibrar mais forte ainda. “Cadê você, seu filho da puta?” RICARDO COIRO 72 “Agora? Não importa. Mas não falta muito para estarmos juntos, para que suplique por mais palmadas na bunda e no rosto, para que eu esfregue meu pau em tudo. Não é isso que quer?Não é disso que gosta, piranha? Sei que é. E sei, também, que precisará controlar o volume dos gemidos para que a agência toda não perceba a vadia deliciosa que você é.” O tremor intensificou. Não só isso: era uma vibração itinerante que ia da parte inferior à parte superior do negócio, uma espécie de ola. Senti uma puta vontade de gozar. Tive que afastar a calcinha da pele por alguns segundos. Àquela altura, usava o indicador como mordaça e já havia me tornado uma profissional cem por cento inútil, incapaz de adicionar meia vírgula a uma frase. E as mensagens não paravam de chegar: TESÃO – VOL. 1 73 “Quanto estiver prestes a gozar, com as palmas das mãos e os joelhos apoiados no piso frio e sujo do banheiro da agência, taparei sua boca e, em seu cuzinho, cravarei meu dedão para fundir prazer e tortura nas exatas proporções.” Corri para o banheiro na hora, eu precisava tirar aquele terremoto de perto de mim. Eu já estava ofegante, tendo contrações involuntárias no abdômen, respirando sem ritmo e fazendo um esforço brutal para não gozar. Minha buceta salivava, pedia para engolir um pau ou, na pior das hipóteses, dedos. Enquanto eu cogitava arrancar a calcinha, o celular vibrou mais uma vez: “Não goza ainda! Ouviu?” RICARDO COIRO 74 “Não sei se consigo”, mandei. Minhas mãos estavam muito trêmulas, erravam as teclas. Tive que recorrer ao revisor para acertar as palavras. “Quando seu relógio marcar 17h30 você destrancará a porta para mim.” “O quê?” Ele não respondeu mais. E eu tinha apenas quatro minutos para decidir se ficaria lá, à espera de sei lá quem, ou se meteria logo o dedo em mim para me livrar daquele desejo atômico e displicente, da vontade que eu estava sentindo de ser consumida. Se o negócio não tivesse sido tão bem arquitetado e eu precisasse esperar só um pouco mais, eu teria acabado com tudo sozinha. Fim de papo. Mas o desgraçado me deixou somente o tempo para ficar sem reação, apenas o querendo TESÃO – VOL. 1 75 mais, incapaz de terminar sozinha o que tinha sido atiçado por ele. Eles, melhor dizendo. Toc-toc sucinto na porta e meus batimentos chegaram ao limite. A descarga de adrenalina foi tão violenta que me lembrei dos ataques de pânico que eu tive por volta dos quinze. Mais uma batida e o celular vibrando. Abri a porta quase sem conseguir parar de pé e tive a maior surpresa do dia: eu não estava diante de um desconhecido. Nada disso. Era o Lucca, o cara com quem eu tive um breve e memorável lance um pouco antes de conhecer o Paulo. Mas o que ele estava fazendo ali, na agência? Não obtive respostas. Ele já entrou calando minha boca e sorrindo cheio de si. Empurrou-me em direção à privada até que nela eu acabasse sentada. Com o indicador perpendicular aos lábios, ele me pediu silêncio. Trancou a porta e tirou RICARDO COIRO 76 minha blusa e meu sutiã fazendo movimentos suaves e silenciosos. Colocou o pau para fora, já pronto ou quase lá, e, atento à minha expressão de surpresa, à mistura de incredibilidade com excitação que eu exalava, passou-o em meus seios, dando batidinhas para que eu sentisse o peso e a rigidez; depois circundou meus mamilos sem demonstrar qualquer sinal de ansiedade; então colocou o pezão entre minhas pernas, um sapato oxford impecável, e deslizou o caralho por minhas bochechas, queixo, boca... Estava quente. Febril. Parecia maior do que em nossa primeira e única transa, que rolou poucos dias antes de eu, baseada em critérios racionais como segurança e futuro, optar pelo Paulo e apagá-lo de vez da agenda. Daí, segurando-me pelo rabo de cavalo, como se retocasse meu batom, percorreu meus lábios com o pau. Caminhou pela parte externa TESÃO – VOL. 1 77 da minha boca até que eu não aguentei e a abri para ele. “Gosta de mamar, né, cachorra?”, ele disse bem baixinho, tão sem volume que pode até ter sido uma voz da minha cabeça. Mas não foi: ele murmurou. E na sequência, enquanto eu me servia daquele pau reto e bonito, banquete perto do regime de Spa oferecido por Paulo, religou o vibrador. O desgraçado só precisava apertar um botão no celular para controlá-lo. Reativou-o na menor das potências, apenas alguns graus na Escala Richter, só o bastante para me incentivar a embocá-lo com mais voracidade. A intensidade do tremor aumentou, deixou- me inquieta, sem conseguir permanecer sentada sobre a tampa do vaso. Pedi alguns minutos de clemência, mas ele negou. Com a sola do sapato de brilho perfeito me fez colar de novo a bunda RICARDO COIRO 78 na privada e, mais uma vez no mínimo volume, falou para eu não sair de lá, continuar mamando, engolindo o pau todo, sendo a vadiazinha dele. Aqui faço um adendo: o Paulo nunca me chamou de vadiazinha. Nem de cachorra. Nem de puta. Piranha então... Eu até já cheguei a tentar incentivá-lo indiretamente: por e-mail, enviei um conto erótico com doses e mais doses do tipo de humilhação consentida que me molha inteira, mas ele me falou que acha estranho, que sou a futura mãe dos filhos dele. Ficou por isso mesmo. Faz uns três anos. Uma vida! Mas voltando ao Lucca... Ele continuou me chamando de todos os nomes possíveis, elevou um pouco a potência das vibrações e me deu alguns tabefes no rosto e nos seios. Apertou meus mamilos. Quando mais ele batia, mais eu chupava, e perdia a noção de onde estávamos, já não me importava mais como no começo. TESÃO – VOL. 1 79 Foi aí que ouvi mais uma batidinha na porta. Gelei. De novo, taquicardia. E para minha quase parada cardíaca, o Lucca se desvencilhou da minha mão que tentou impedi-lo e foi em direção à porta. Destravou. O coração subiu para a garganta e a boca secou. Uma mulher entrou. Não qualquer uma: uma morena alta e magrela com ar de metaleira, uma mexa de cabelo roxo, calça skinny preta, maquiagem carregada, muita sombra, tudo dark. Se aquilo fosse um casting, seria a figura perfeita para uma campanha da coleção de inverno da Ellus, daquelas em PB nas quais todos os modelos parecem drogados e de ressaca. Mas não era uma seleção, ela já estava lá, e a forma como trocou olhares com o Lucca não me deixou dúvidas: fazia parte do plano. E sabe o mais doido? Fiquei ainda mais excitada. Aqui vai mais um apêndice: eu às vezes penso em mulheres quando me masturbo, gosto de assistir RICARDO COIRO 80 a vídeos lésbicos, eu já tive até um tesãozinho platônico por uma professora da Smart Fit. Ah, e mais um detalhe que deixou tudo ainda mais maluco: quando ela entrou, apesar do inevitável susto, continuei com os seios expostos, em momento algum pensei em me cobrir, e ao vê-la trancar a porta e se aproximar, em vez de agir como uma pessoa normal, e simplesmente me vestir e sair correndo dali, eu esperei a reaproximação do Lucca e recoloquei o pau na boca. Exibi minhas habilidades linguais à garota, que não hesitou em ajoelhar ao meu lado, aos pés do Lucca, e a começar a explorar meu corpo, iniciando pela costela, tocando-a com as pontas das unhas grandes e roxas. Foi me arranhando até a barriga, entrou com a ponta dos dedos pelo espaço entre minha calça social e a pele, fez o mesmo com a calcinha, chegou até o comecinho da xana vibrante e voltou, deixando-me maluca. Daí acariciou os meus seios, suave, beijou as TESÃO – VOL. 1 81 aréolas, o espaço entre eles, beijou-os como nem sabia ser possível, beijos molhados, carinhosos, nos lugares exatos. Vez ou outra, deixava-me um pouco de lado para chupar o pau do Lucca. Tirava-o da minha boca e colocava na dela, ainda de olho em mim, mostrando-se muito versátil nas habilidades eróticas. Mas não demorava a voltar as energias todas a mim, decidida a me explorar mais. Tirou meus sapatos, beijou meus pés, desfez-me da calça, criou uma pilha de roupas e nela, sem dizeruma palavra nem usar força bruta, colocou-me de joelhos. No meio do banheiro. O Lucca, que parecia estar lá apenas como coadjuvante, a mando dela, foi à minha frente para que eu continuasse a chupá-lo enquanto ela fazia o mesmo em mim. O mesmo, não: algo muito mais gostoso. Pois ao passo que ela me lambia eu ia perdendo a capacidade de lamber o pau do Lucca, que ajudava a privar o RICARDO COIRO 82 resto da agência dos meus gemidos. Aliás, nesse momento eu estava tão entretida, tão extasiada e envolvida, que já não me importava mais com o que havia da porta para fora, não queria saber se outras pessoas já tinham tentado entrar, se os meus sussurros, os nossos barulhos, mesmo que abafados, já tinham sido percebidos pelo resto. Não me importava, e apesar de agora ser motivo de aflição, na hora era como se tudo tivesse sido congelado para nós, como se aquele banheiro estivesse fora da Terra, acima da estratosfera. Não havia mais Paulo, aniversário de namoro, presente, roteiro. O que havia, e me bastava, era uma língua em minha buceta e um pau em minha boca. Aquela era minha realidade, e nada parecia tão urgente, tão agradável, tão verdadeiro. Foi aí que fui escorraçada pelas mãos frouxas do Paulo Em meu ombro. TESÃO – VOL. 1 83 “Amorzinho, hoje é nosso dia, e está lindo!”, ele disse. Insuportavelmente empolgado como em todas as manhãs antes daquela. Tentei dormir mais, voltar aos caprichos do Lucca, a ser objeto da magrelona. Não consegui. Espremi as pálpebras, tentei relaxar, mas não deu. Bateu um vazio sem fim. Estava molhada, escorrendo, mas eu possuía um rombo que só alargou quando o Paulo saiu do banho com a toalha enrolada até o peito, peludo, manso, infantil, imutável; tão imutável que, mesmo sendo minha vontade, meu desejo, ele nunca mudaria a forma de me tratar durante o sexo. Iria me deixar para sempre com aquelas fantasias incríveis intocadas em algum dos meus guarda- roupas interiores, e um sonho maravilhoso como aquele, apesar de o inconsciente carregado de material para reconstruí-lo, não aconteceria de novo, não daquela forma, tão vívido. Além do RICARDO COIRO 84 mais, eu não queria apenas sonhar, não podia virar a mãe desgostosa de tudo intercalando aniversários de criança com idas ao parque. Ainda tinha muito a realizar, uma tempestade de fetiches incompatíveis com o Paulo. Por isso que o deixei. Não pelo Lucca nem pela drogadinha que sabia me pegar de jeito. Mas por mim. TESÃO – VOL. 1 85 CAM GIRL Já a conheci de pau para fora, acariciando-o apenas o suficiente para mantê-lo duro. E não era o único que esfregava o caralho para ela, com certeza. A “sala” estava cheia de gente a fim de alguns segundos de anestesia, olhos virados e fluídos liberados, suponho. Usava calcinha e sutiã de renda. Nem fio dental nem ceroula. Tudo negro. De quatro sobre uma cama coberta por um edredom xadrez com um quê de kilt, não demorou a rebolar solta, em todas as direções e velocidades, movendo-se como se fosse invertebrada com a bundona virada para mim. Ou melhor... Para a câmera que tornava possível nosso encontro de interesses. Até aquele domingo, eu não tinha recorrido a cam girls para incrementar minhas punhetas. Possuía até certo preconceito com a modalidade, RICARDO COIRO 86 confesso. Achava coisa de nerd que não come ninguém, sabe? Acontece que os filmes do xvídeos.com, todos eles, pareciam insuficientes para o prazer que buscava. Tudo muito teatral, dos gemidos às lambidas às metidas “britadeirianas”. Ações para lá de fakes com as quais eu não conseguia me envolver por completo. Eu até fiz força para me sentir protagonista daquelas cenas, acredite; mas eu estava muito mais exigente, impossível de ser tapeado naquela noite. Eu pulava de um vídeo para outro enquanto uma voz interna afirmava coisas: “Você acha mesmo que uma secretária já entraria com a polpinha da bunda aparecendo na sala do chefe?” e “Quem é que geme assim depois de duas passadinhas de língua secas?”. E recorrer aos vídeos amadores, postados muitas vezes sem consentimento de quem os protagoniza, estava fora de cogitação. Dão tesão, TESÃO – VOL. 1 87 não posso negar. Neles existe a verdade sem roteiros que considero afrodisíaca. Mas venho tentando fazer as coisas certas, me colocar mais na pele do outro, sabe? E assistir a vídeos desse tipo é tão maléfico quanto comprar um celular roubado. Só sei que, graças a uma publicidade que apareceu antes de um vídeo, eu acabei em um strip club virtual. Um lugar onde você assiste a performances ao vivo de garotas de todos os tipos, desde mocinhas siliconadas e dentro dos padrões da indústria pornô até seminovinhas carregadas de base para esconder os pés de galinha que se descrevem usando palavras como “MILF” e “experiência”. No topo do site havia um aviso luminoso, uma mistura de letreiro de Las Vegas com painel de aeroporto. E nele os horários dos próximos RICARDO COIRO 88 shows ao vivo piscavam de maneira escandalosa. Bastava escolher um, clicar, inserir os dados do cartão e esperar. Foi o que eu fiz. Polly era o nome dela. Nome fantasia, off course. E entraria às 22h00. Esperei-a totalmente nu, sentado sobre a única herança que meu avô materno deixou: uma cadeira de couro marrom com alguns remendos e queimaduras de cigarro. 21h50 começou uma contagem regressiva bem no meio de uma tela preta. Números que, de vez em quando, davam lugar a anúncios de produtos para aumentar o pau, bonecas infláveis de boca sempre aberta e outras coisas que me deixaram com certa culpa por estar lá. Começou em ponto com um “Oi, gente”, o que me amoleceu um pouco, já que nunca fui muito fã de sexo grupal nem de ménage à trois ― vejo a exclusividade como requisito básico para o tesão. TESÃO – VOL. 1 89 Mas ela logo se redimiu colocando um bom blues lentinho, meu gênero musical preferido. Acho que Love In Vain. Quase certeza. Então, com os bicões dos peitos tirando finas do edredom, engatinhou feito uma felina; foi bem devagar no sentido oposto à câmera até chegar a uma cabeceira de veludo azul, aí, com as duas mãos espalmadas sobre ela e as pernas bem abertas, como se fosse ser revistada, começou uma sessão de rebolado hipnótico ao extremo, um remelexo coordenado de invertebrada que me fez esporrar bem antes do previsto, na palma da mão que precisou entrar em cena para poupar o tapete do quarto da minha lava de sementes que, se eu tiver sorte, não brotarão neste mundo cada dia mais egoísta, artificial e raso. Depois ela começou a brincar com um pau preto de borracha. Engoliu-o quase inteiro sem dificuldade, instigando-me a pensar que tiraria RICARDO COIRO 90 meus dezoito centímetros de letra, sem qualquer esforço. Fiquei duro de novo e, mais uma vez, apesar dos mais de trinta anos nas costas, dei uma de adolescente espinhento: não fui capaz de segurar o gozo quando ela, com a pica negra cravada na buceta e encarando a câmera por cima do ombro direito, começou a meter o dedo do meio no cu e morder os beiços de olhos semicerrados. Foi a faísca de algo que, até então, não sei se é obsessão, paixão ou tesão confundindo a porra toda ― com o perdão da dubiedade. Mas tanto faz também... Foda-se o que é ou deixa de ser... Foda-se! A única coisa que me importa agora é encontrar uma forma de tê-la no mundo real, no mesmo espaço, ao alcance do desejo que ela continua a incitar todos os domingos com shows que se desenrolam de maneira idêntica: da engatinhada lentinha à pica preta desafiando TESÃO – VOL. 1 91 os limites do cu. Desejo, vale dizer, que parece ultrapassar as barreiras do campo sexual: quero comê-la, claro que quero... Mas carrego uma estranha vontade de levá-la parapassear num domingo qualquer, de me enfiar com ela numa pousada no meio do nada e ficar só falando besteira, revendo filmes de Sessão da Tarde, enchendo a pança de bolacha e outras coisas que andam sendo demonizadas por nutricionistas virtuais que não comem açúcar nem glúten nem frutose nem amido nem farinha nem... Quero trepar com ela, repito para que fique bem claro e não ache que estou fazendo tipo. Não apenas isso, contudo. Mas como fazer com que ela preste atenção em mim? Como? Se ela fizesse showzinhos particulares, como algumas outras, até poderia tentar convencê-la RICARDO COIRO 92 de que não sou um serial killer e que vale a pena me encontrar à moda antiga; para uma cerveja, um cinema, um cappuccino ou qualquer outra merda dessas que as pessoas usam como desculpa para se provarem de cabo a rabo. Mas ela só se exibe para vários seres e mal lê as mensagens que esse bando de tarados sem um pingo de educação fica mandando sem parar, como se ela fosse uma atração bizarra num circo. “Enfia no cu, seu lixo!”, é o tipo de coisa que eles escrevem enquanto ela se abre. Eu não tenho acesso às mensagens que recebe, mas a expressão de frustração que ela às vezes deixa escapar não me resta dúvida: de tanta baixaria ofensiva e degradante que já recebeu apesar dos shows dignos de aplausos e bis, já não lê mais quase nada. Turva a visão para transformar tudo em borrão. Então como? TESÃO – VOL. 1 93 Passei o último show em busca de algum detalhe capaz de me dar uma pista de onde fica o quarto do qual se apresenta. Sessenta minutos caçando algum indício com potencial para me levar até ela. E nada. Só cama, o pau preto, a cabeceira de veludo azul, muito rebolado e um sotaque que parece ser do interior de São Paulo. Ou Minas. Mas de que adiantaria saber de onde ela é? Eu preciso saber onde ela está, porra! Aliás, o que está fazendo agora, hein? O que faz quando não está servindo como matéria-prima à imaginação de gente carente como eu? Eu consigo imaginá-la patinando no gelo, comendo bolo de cenoura com as amigas, puta da vida porque a calça 38 já não fecha mais... Fodendo comigo, claro. Fodendo muito. Mas não apenas na cama: fodendo comigo em todas as possibilidades da palavra. RICARDO COIRO 94 Pensei também em ligar ao site para pedir um contato. Mas logo vi que eles não têm nem telefone. As dúvidas dos clientes precisam ser enviadas para a bosta de um e-mail. “Boa tarde, tudo bom? Aqui é o Bruno Fontes, um cliente do site, e quero muito me encontrar com uma cam girl de vocês. Podem me enviar um contato dela? Ficaria eternamente agradecido. Juro que não sou maníaco e que estou disposto a retribuir todo o prazer que ela me dá; a fazer cafuné, bolo de banana da vovó e massagem no pé também. Também prometo chupá-la com esmero, não esquecendo dos seios, das costas, dos macetes individuais que ela certamente me ensinará para fazê-la gozar mais e melhor. É possível? Obrigado!” Não, não colaria... Então como? TESÃO – VOL. 1 95 Já sei... Não, não sei... Como, caralho? Que tipo de mensagem posso mandar para fazê-la prestar um pouco de atenção em mim e me achar de fato diferente de todo o resto? Domingo, 21h59. Já paguei pelo show. Hoje, porém, tentarei falar com ela. O máximo que pode acontecer é não me notar, certo? Até aí... No campo destinado às mensagens, copio e colo o texto que escrevi ontem à noite, no intervalo do Altas Horas: “Sei que pode parecer idiota, e até um pouco assustador, mas eu estou faz vários dias sem conseguir tirá-la da minha cabeça. Quero conhecê-la de verdade, sem câmeras por perto, RICARDO COIRO 96 levá-la para tomar um sorvete. Meu preferido é pistache, e o seu? Se seus dentes forem muito sensíveis, tudo bem... A gente conversa até o sorvete derreter, mete o pau na vida, ri na cara dela. Ah, e se estiver fugindo de doces e preferir algo mais fitness, podemos ir de açaí. O meu com bastante granola e banana picada, e o seu? Não vai me dizer que coloca Leite Ninho? Sabe o que é? É que passei a semana toda pensando numa forma de descobrir seu telefone, endereço, sei lá... Sem saber como fazer com que me note sem ter medo ou me achar igual a todo o resto que não enxerga as possibilidades que vejo em você, mesmo só a tendo visto de longe, daqui de SP. É claro que me dá tesão e que sinto vontade de fazer tudo e mais um pouco com seu corpão, não vou mentir. Mas uma imagem doida insiste em voltar à minha mente: você e eu patinando numa pista de gelo, num outro país, eu caindo sem parar e você gargalhando, como nos filmes bem TESÃO – VOL. 1 97 clichês, sabe? Se tiver preguiça, posso descascar o abacaxi para você também. Fazer macarrão ao pesto e ainda lavar as louças. É provável que nem leia esta mensagem. E, mais provável ainda, que não perceba o quanto quero conhecer uma nudez diferente da que mostra por aqui. Mostrar a minha também. Não sei nem onde mora, mas, se estiver a fim de tomar um sorvete ou uma cerveja com um cara que não para de pensar em você, mesmo só tendo visto o personagem que exibe, mande um ‘oi’ para este número: 11 983837623. Sei que isto não é Tinder, mas aí vai um pouco mais de mim: meu nome é Bruno Fontes, sou advogado, amo cinema e cozinho bem, quase um Masterchef. Sei fazer o melhor bolo de cenoura recheado de brigadeiro da Terra. Ou do meu bairro, sei lá. Não sei mais o que dizer. Beijo.” RICARDO COIRO 98 Ela não olha para a tela. Continua enfiando o caralho preto e gemendo gostoso, fazendo-me imaginar o que esse som causaria se entrasse direto em meu ouvido sem ajuda de microfone, internet e outras modernidades do tipo. Tento bater uma punheta e não consigo, é como se não existisse mais clima, não sei explicar. Continuo com tesão, mas o virtual, depois do que escrevi, parece pequeno demais para nós, insuficiente perante as idealizações que criei. Escrevi de coração, essa que é a real. Deixei escapar vontades que até eu desconhecia. E me masturbar impulsionado pelos atos ensaiados da personagem, agora, parece-me pouco perto do que quero. Você me entende? Acho que não... Porque nem eu me entendo às vezes. Enquanto ela termina o show, penso no quão estranho meus amigos me achariam se dissesse que me apaixonei por uma cam girl. TESÃO – VOL. 1 99 “Logo você, Brunão? Que é tão certinho...”, é o que diriam, eu até consigo imaginá-los. Mas ela tocou num ponto diferente, não sei explicar. Nem Freud saberia. Talvez seja só coisa da minha cabeça, sentimento que criei para me livrar do tédio que minha vida se tornou depois que me mudei de escritório. Não descarto. Mas é como se eu soubesse que ela se encaixará bem em mim, e não apenas na cama. Um sentimento demasiadamente esotérico para um racionalista convicto como eu, que caga para signos, tarô, energia... Aliás, se não fosse cético, diria que temos química e que só falta um encontro para que as coisas se desenrolem, sabe? O show termina, ela se despede e, segundos antes de desligar a câmera, franze a testa em direção àquilo que imagino ser a telinha do notebook dela. Será que viu? Talvez tenha ficado curiosa devido ao tamanho da mensagem. Tanto RICARDO COIRO 100 talvez que... Quer saber? Vou dormir... Amanhã começa mais uma semana. ... Era uma quinta-feira. Estava comemorando o aniversário de um amigo quando recebi a mensagem dela. “Oi”. Nem mais um ponto. “Oi”. Já não tinha mais esperanças de resposta e havia desencanado de pagar para ser provocado por ela. Demorei para ligar a fotinho do WhatsApp à figura que tinha tirado meu sono por um tempo. Quando a reconheci, porém, gritei: “Caralho, é a Polly!” Todas as pessoas da mesa se viraram a mim de olhos arregalados, sem entender a razão daquela
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