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Anarquismo-e-comunismo-2013-1

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ANARQUISMO E COMUNISMO
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ANARQUISMO E COMUNISMO
EVGUENI PREOBRAZHENSKI
São Paulo, 2013
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Editora José Luís e Rosa Sundermann
Avenida 9 de Julho, 925 • 
Bela Vista • São Paulo • Brasil • 01313-000 • 
55 -11 4304 5801 
vendas@editorasundermann.com.br • www.editorasundermann.com.br
 2013, Editora José Luís e Rosa Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins acadêmicos e/ou de 
divulgação eletrônica, desde que mencionada a fonte.
Coordenação editorial: Henrique Canary, João Simões, Jorge Breogan e 
Martha Piloto
Tradução: Paula Maffei
Revisão: João Simões
Diagramação e capa: Martha Piloto
Revisão final: Henrique Canary
 ©
Dados internacionais de catalogação (CIP) elaborados na fonte
 por Iraci Borges – CRB-8 - 2263
 Preobrazhenski, Evgueni
 Anarquismo e comunismo. Tradução de Paula Maffei
São Paulo: Sunderman, 2013.
 144p. 
ISBN: 978-85-99156-24-7
 1.Comunismo. 2. Anarquismo. 3. Estado. I Título. II. 
Maffei, Paula, trad.
CDD 320
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SUMÁRIO
Nota dos editores, 7
Introdução, 17
O Estado autocrático da nobreza, 19
O Estado burguês, 23
O Estado proletário, 31
O Estado proletário e seu desaparecimento progressivo, 41
Os anarquistas e o Estado proletário, 51
Economia comunista e economia anarquista, 63
As bases de classe do anarquismo, 91
A tática dos anarquistas, 103
Do anarcossindicalismo ao comunismo, 109
O anarquismo russo em 1921, 121
Conclusão, 137
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NOTA DOS EDITORES
O livro que o leitor tem em mãos dispensa uma longa apresentação. 
Considerado um dos trabalhos mais importantes do grande revolucio-
nário e economista russo Evgueni Preobrazhenski, Anarquismo e co-
munismo continua sendo uma obra fundamental para o entendimento 
do pensamento marxista em sua sua oposição ao anarquismo. Partindo 
das questões mais concretas colocadas pela construção socialista na 
Rússia no início dos anos 1920, Preobrazhenski apresenta um quadro 
completo da incapacidade do pensamento anarquista de responder à 
complexa e contraditória realidade da revolução proletária. E o faz de 
tal forma, que o mais simples camponês ou operário simpático ao anar-
quismo possa entender e refletir de maneira independente.
A publicação de Anarquismo e comunismo é mais importante ain-
da porque ocorre em um momento de grande efervescência políti-
ca no país, o que tem provocado, por distintos caminhos, um certo 
fortalecimento das ideias e sentimentos anarquistas em toda uma 
camada de jovens ativistas e lutadores sociais. Tal fortalecimento não 
é uma novidade histórica, e ocorreu todas as vezes em que as massas, 
ao se levantarem contra seus opressores, não encontraram um forte 
partido marxista organizado e influente, capaz de dirigir e inspirar os 
trabalhadores no espírito da luta política de classes, ou seja, da luta 
pelo poder de Estado. A esse respeito, podemos estabelecer uma ver-
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Evgueni Preobrazhenski8
dadeira lei histórica: quanto mais as massas se encontrem desiludidas 
e desgastadas por terem confiado durante anos a fio nos partidos da 
esquerda reformista, maior tende a ser a influência exercida pelo anar-
quismo nos conflitos de rua e nos movimentos em geral, principal-
mente entre aqueles indivíduos que apenas despertam para o combate 
e dão seus primeiros passos no caminho das lutas sociais. Assim, se 
confirma a ideia de Lenin, segundo a qual “o anarquismo foi, muitas 
vezes, uma espécie de expiação dos pecados oportunistas do movi-
mento operário.”1 Infelizmente, ao longo da história, esta frase tem se 
confirmado com uma terrível precisão, inclusive hoje no Brasil, o que 
torna a obra de Preobrazhenski ainda mais atual e indispensável.
Sendo a obra de Preobrazhenski absolutamente auto-explicativa 
em seu conteúdo, nos limitaremos nesta apresentação a descrever o 
momento histórico em que o livro surgiu.
A classe operária chegou ao poder na Rússia em outubro de 1917. 
Até meados de 1918, existiu no país um governo de coalização entre 
bolcheviques e socialistas-revolucionários de esquerda2, porém, com 
grande preponderância bolchevique. Em julho de 1918, o governo sovi-
ético começou um amplo processo de nacionalização das fábricas e em-
presas, deixando sem meios de subsistência milhares de capitalistas, que 
rapidamente se constituíram em um enorme campo hostil ao bolche-
vismo. Logo em seguida, em agosto do mesmo ano, um atentado contra 
a vida a Lenin, realizado por Fani Kaplan, uma velha militante ligada 
aos socialistas-revolucionários de esquerda, marca o fim da coalização 
entre os dois partidos e o início da Guerra Civil, na qual o jovem Estado 
proletário lutará com todas as forças por sua sobrevivência, enfrentando 
14 exércitos estrangeiros e uma infinidade de inimigos internos, tanto à 
esquerda quanto à direita. Serão três longos anos de fome, terror e sacri-
fícios, mas também de enormes esperanças e heroísmo revolucionário.
1 - LENIN, V. I. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. 6. ed. Rio de 
Janeiro: Global Editora, 1989. p. 25.
2 - Ruptura à esquerda do Partido dos Socialistas-Revolucionários, ou ape-
nas socialistas-revolucionários (SR), partido revolucionário não-marxista, de 
orientação camponesa, próximo das tradições terroristas e anarquistas russas 
dos anos 1870. 
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Anarquismo e comunismo 9
Anarquismo e comunismo foi escrito ao final da Guerra Civil, em 
1921, sob o impacto da rebelião de Kronstadt e no início da imple-
mentação da NEP, fatos de magnitude histórica, que influenciaram 
profundamente o destino ulterior da Revolução Russa, e com mais 
razão ainda, o conteúdo e a forma do livro que ora apresentamos.
A rebelião de Kronstadt foi, certamente, um dos eventos mais con-
troversos da Revolução Russa e da Guerra Civil que esta desencadeou. 
Até hoje, anarquistas de todas as vertentes se referem a este levante 
como a prova da suposta falência da concepção marxista de transi-
ção ao comunismo. Segundo os anarquistas, a ditadura do proleta-
riado fracassou por completo no exato momento em que as tropas 
do Exército Vermelho lançaram seu ataque contra uma rebelião justa 
e correta, que (sempre segundo os anarquistas) exigia apenas mais 
democracia, direitos sociais e conquistas econômicas. Mas a verdade 
histórica não é esta, e sobre isso é preciso fazer alguns esclarecimentos.
Resumidamente, poderíamos dizer que a rebelião de Kronstadt 
foi um levante armado dos marinheiros da fortaleza homônima, 
localizada numa pequena ilha do Golfo da Finlândia, considerada 
a porta de entrada para Petrogrado e base para toda a frota báltica 
russa, e portanto de localização e importância estratégicas para a re-
volução. Foi, além disso, o último grande conflito da Guerra Civil. 
Politicamente, a rebelião concentrou suas reivindicações na palavra 
de ordem de “soviets sem bolcheviques”, além de algumas bandei-
ras democráticas e econômicas gerais. A situação ainda delicada no 
front, a possibilidade de uma nova tentativa de invasão a Petrogrado 
por parte do Exército Branco contrarrevolucionário e a extrema fra-
gilidade da economia soviética naquele momento levaram o governo 
bolchevique a reagir com extrema dureza contra a rebelião. Zinoviev, 
dirigente do partido em Petrogrado, apresentou aos rebeldes um ul-
timato, que foi logo rechaçado, dando início à resposta militar sovi-
ética. Milhares de soldados do Exército Vermelho foram utilizados 
na ofensiva, que durou 10 dias e acarretou gigantescas baixas de 
ambos os lados (os números são extremamente controversos, mas 
todos admitem que foi um enfrentamento de grandes dimensões). 
Diferentemente do que em geral se divulga, o operativo militar não 
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Evgueni Preobrazhenski10
foi dirigido por Trotski, mas sim por MikhailTukhachevski, militar 
bolchevique de larga trajetória. Ao final, a fortaleza foi tomada; e os 
rebeldes, fortemente reprimidos. 
A rebelião de Kronstadt ocorreu durante o X Congresso do 
Partido Comunista da Rússia, em março de 1921. Este congresso, 
que foi marcado por inúmeras polêmicas políticas e estratégicas, foi 
ao mesmo tempo unânime na condenação ao levante e na decisão 
de resolver militarmente o conflito. Como explicar tamanha unani-
midade? Aqui, a chave se encontra na interpretação mais profunda 
sobre as reais relações existentes entre o partido revolucionário e os 
soviets operários, e o verdadeiro significado da palavra de ordem de 
“soviets sem bolcheviques”. Trotski abordou o assunto muitos anos 
depois, em 1937:
O proletariado apenas pode conquistar o poder por intermédio de sua van-
guarda. A necessidade do poder estatal é, por si, um produto do insuficiente 
nível cultural e da heterogeneidade das massas. A vanguarda revolucionária, 
organizada em partido, cristaliza as aspirações de liberdade das massas. Se 
a classe não confia na vanguarda, se a classe não apoia a vanguarda, nem 
sequer se pode falar de conquista do poder. Neste sentido, a revolução e a 
ditadura proletária são obra da classe em seu conjunto, porém sob a dire-
ção da vanguarda. Os soviets são somente a forma organizada do víncu-
lo entre a vanguarda e a classe. Apenas o partido pode dar a esta forma o 
conteúdo revolucionário, tal como demonstram a experiência da Revolução 
de Outubro e a experiência negativa de outros países (Alemanha, Áustria e 
agora Espanha).3
E ainda:
Como representante sagaz do capital, o professor Milyukov4 compreendeu 
imediatamente que libertar os soviets da direção bolchevique significaria, 
em pouco tempo, a própria destruição dos soviets. A experiência dos so-
viets russos durante o período de dominação menchevique e socialista-
3 - Do artigo “Bolchevismo e stalinismo”, 1937.
4 - Pavel Milyukov foi dirigente do Partido Constitucional-Democrata, de 
orientação liberal clássica, conhecido na literatura histórica como Partido Ka-
dete, por sua sigla em russo (KD). Durante a Guerra Civil, foi um dos principais 
inspiradores e conselheiros do movimento contrarrevolucionário. 
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Anarquismo e comunismo 11
-revolucionária5, e ainda mais claramente, a experiência dos soviets alemães 
e austríacos sob a dominação dos social-democratas, comprovaram este 
fato. Os soviets socialistas-revolucionários e anarquistas só podiam servir 
como uma ponte entre a ditadura proletária e a restauração capitalista. Não 
podiam desempenhar outro papel, apesar das “ideias” de seus integrantes. 
A rebelião de Kronstadt tinha, portanto, um caráter contrarrevolucionário.6
Também ao contrário do que comumente se afirma, os marinhei-
ros de Kronstadt de 1921 já não eram os mesmos de 1917, que foram, 
segundo a justa expressão de Trotski, “a honra e a glória da revolução”. 
A quase totalidade dos marinheiros que serviam em Kronstadt em 
1917 já havia morrido em 1921, fruto da Guerra Civil, ou se encon-
trava espalhada pelos vários fronts que a guerra abrira. A ampla reno-
vação da frota do Báltico havia trazido à fortaleza toda uma leva de 
novos marinheiros, recém-saídos do campo, e que rapidamente caí-
ram sob influência do anarquismo, cuja agitação contra os males do 
governo bolchevique se apoiava na enorme crise econômica e social 
em que o país se encontrava mergulhado desde 1918, ou seja, desde 
o início da Guerra Civil, quando novos e inauditos sacrifícios foram 
mais uma vez exigidos da classe trabalhadora e do campesinato. Sob 
tais condições, a propaganda dos anarquistas encontrou solo fértil e 
eles puderam passar à ação.
O problema é que esta ação não consistia em uma greve fabril, uma 
petição assinada ou manifestações de rua (fatos comuns naqueles dias 
revolucionários), mas em pegar em armas contra o Estado proletário 
e apontar os canhões de Kronstadt contra Petrogrado, capital da revo-
lução. Isso, obviamente, em meio à Guerra Civil, colocava em risco a 
própria existência do Estado soviético, o que não poderia ser tolerado. 
Daí a dura resposta dada aos rebeldes pelo governo. O apoio unânime 
que a repressão a Kronstadt encontrou entre os bolcheviques (profun-
damente divididos em uma série de outras questões) é testemunha da 
clareza e do senso de estratégia com que este partido se movia na dura 
tarefa de dirigir o primeiro Estado proletário da história. Os bolchevi-
5 - Refere-se ao período de março a setembro de 1917, quando, sob a direção 
menchevique e socialista-revolucionária, os soviets prestavam seu apoio ao Go-
verno Provisório.
6 - Do artigo “Barulho por Kronstadt”, 1938.
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Evgueni Preobrazhenski12
ques não ignoravam o fato de que, apesar das profundas transforma-
ções de conteúdo, o simples pronunciar da palavra “Kronstadt” ainda 
era capaz de causar emoção e inspirar paixões entre os operários mais 
revolucionários. Obviamente, a repressão ao levante cobraria seu preço 
e nenhum bolchevique jamais comemorou aquela vitória, que tinha o 
sabor amargo de uma terrível derrota. Nesse sentido, prevaleceu a dura 
verdade expressa por Trotski: “Quaisquer que tenham sido as causas 
imediatas ou remotas da rebelião de Kronstadt, ela era, em sua própria 
essência, um perigo mortal para a ditadura do proletariado.”
“Anarquismo versus estatismo”?
Apesar das inúmeras lendas contadas pelos próprios anarquistas, 
a verdade é que estes nunca foram os inimigos centrais na Guerra 
Civil. Em 1917, quando os soviets triunfaram sob a direção dos bol-
cheviques, o movimento anarquista russo se encontrava em franca 
decadência, resultado de sua incapacidade de se ligar às grandes 
massas despertadas pela revolução. Depois de 1917, é verdade, entre 
os soviets e os anarquistas houve escaramuças, principalmente no 
sul da Rússia, onde o anarquismo chegou a ter influência política e 
militar de massas na figura de Nestor Makhno, líder de um exército 
camponês de algumas dezenas de milhares de combatentes. Mas estes 
embates devem ser analisados por seu conteúdo, não por sua forma, 
e muito menos pelo que os próprios participantes da luta pensavam 
de si e do inimigo. Longe de ser um embate entre princípios abstratos 
como “anarquismo” e “estatismo”, as várias lutas contra os anarquistas 
durante a Guerra Civil tiveram em todos os casos o conteúdo de uma 
luta entre as necessidades da revolução proletária de um lado e as 
pressões camponesas e pequeno-burguesas de outro. 
Makhno, chamado de “paizinho” por seus comandados, era a 
expressão não do ideário anarquista, mas da revolta do camponês 
pequeno-burguês russo e ucraniano contra as requisições forçadas de 
trigo e as exigências da cidade em relação ao campo. Estes pequenos 
proprietários apenas encontraram no anti-estatismo anarquista a filo-
sofia perfeita para justificar seu apego à propriedade privada. Ao longo 
do livro, Preobrazhenski explicará de maneira profunda esta relação.
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Anarquismo e comunismo 13
Mas a política em si dos bolcheviques para com os anarquistas 
nunca foi o enfrentamento físico, a não ser quando os próprios anar-
quistas tomavam a iniciativa da violência. Em um de seus escritos, 
Trotski chegou a confessar:
Na época heróica da revolução, os bolcheviques marcharam junto com os 
anarquistas verdadeiramente revolucionários. Muitos deles foram absorvi-
dos pelo partido. Mais de uma vez Lenin e o autor destas linhas discutiram a 
possibilidade de entregar aos anarquistas alguns territórios para que ali apli-
cassem, com o consentimento da população, suas experiências de supressão 
imediata do Estado. Porém, as condições da Guerra Civil, do bloqueio e 
da fome não permitiram a aplicação de tais planos. Mas e a insurreição de 
Kronstadt? É preciso compreender que o governo revolucionário não po-
dia entregar aos marinheiros insurretos uma fortaleza que protegia a ca-
pital simplesmente porque algunsanarquistas duvidosos haviam se unido 
à rebelião reacionária dos soldados e dos camponeses. A análise histórica 
concreta dos acontecimentos não deixa lugar para as lendas que a ignorân-
cia e o sentimentalismo criaram em torno de Kronstadt, Makhno e outros 
episódios da revolução.7
Assim, em toda esta polêmica histórica, os anarquistas tentam 
passar a ideia de que tiveram, durante a Guerra Civil, alguma im-
portância como corrente filosófica e de pensamento, coisa que na 
verdade jamais aconteceu. Foram, isto sim, o desaguadouro das la-
mentações camponesas. E só.
A rebelião de Kronstadt e a virada na economia
A vitória militar sobre os marinheiros-camponeses de Kronstadt 
evitou o colapso do Estado, mas não resolveu seus problemas mais 
profundos. A rebelião foi o sinal de que algo precisava ser feito com a 
economia do país, que se encontrava totalmente arruinada. Até então, 
as relações entre a cidade e o campo se baseavam essencialmente no 
sistema de requisições forçadas, ou “comunismo de guerra”. Ou seja, 
o Estado tomava do camponês todo o trigo de que tinha necessidade 
para alimentar a cidade e o exército. Em muitos casos, não restava ao 
camponês nem mesmo o mínimo para sua subsistência. O resultado 
era óbvio: o camponês passou a esconder a produção ou simplesmen-
7 - “Bolchevismo e stalinismo”.
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Evgueni Preobrazhenski14
te deixou de produzir, já que nada ou quase nada lhe restaria no final. 
Em troca, a cidade não entregava ao camponês praticamente nada, 
já que a pouca indústria que havia estava totalmente voltada para as 
necessidades da guerra. Este sistema, que havia salvado a república so-
viética da invasão imperialista, encontrava agora seu limite na rebelião 
de Kronstadt. Se a economia do país não voltasse a crescer e o cam-
ponês não voltasse a produzir, a ditadura proletária estaria ameaçada. 
Assim, na primavera de 1921, logo depois da rebelião de Kronstadt, 
o comunismo de guerra foi abolido e um novo sistema de relações 
econômicas foi introduzido: o imposto único em espécie. 
A partir de agora, o Estado passava a retirar do camponês uma 
quantidade muito menor de produtos, e sempre proporcional à pro-
dução. Pago este imposto, o camponês poderia comercializar livre-
mente todo o restante da produção. Assim, dezenas de milhões de 
camponeses voltaram a ficar interessados em sua própria produção e 
o país pôde emergir (não sem consequências, é verdade) do caos e da 
miséria dos anos 1918-1920. Além do imposto em espécie, foi intro-
duzida a liberdade de comércio e uma parte da indústria nacional foi 
entregue a capitalistas privados, em um sistema de concessões tem-
porárias. O conjunto dessas medidas passou a ser conhecido como 
NEP, sigla em russo para Nova Política Econômica, cujo conteúdo 
era a introdução consciente e controlada de elementos capitalistas na 
economia soviética, com o objetivo de desenvolver as forças produ-
tivas do país e acumular forças para uma futura transição socialista.
Tais são os eventos que compõe o pano de fundo sobre o qual 
Evgueni Preobrazhenski escreverá Anarquismo e comunismo. Como 
se percebe, o problema do poder e suas múltiplas facetas (a relação 
partido-soviets, a participação das massas na gestão do Estado, o ca-
ráter de classe da nova sociedade etc.) foi a mais importante e mais 
complexa questão enfrentada pelos bolcheviques em todo esse perí-
odo e depois. Toda sua tarefa consistia em conduzir a construção de 
um Estado totalmente novo, de caráter proletário, sem que tivesse 
se desenvolvido na história da humanidade qualquer experiência si-
milar. Nada havia além de indicações teóricas gerais e experiências 
históricas pontuais e fracassadas.
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Anarquismo e comunismo 15
Diante de toda a complexidade e dificuldades na consolidação do 
Estado soviético, Preobrazhenski produz um texto repleto de con-
fiança na concepção marxista de que o Estado proletário, apesar de 
toda sua imperfeição e seus erros, é um instrumento indispensável 
na luta contra os inimigos da revolução e na reconstrução socialista 
da economia rumo à sociedade comunista. Não se poderia pensar 
em um momento mais rico (e mais cheio de perigos!) do que incrível 
ano de 1921 para escrever uma obra como Anarquismo e comunismo.
* * *
Evgueni Alekseievitch Preobrazhenski nasceu em 15 de feverei-
ro de 1886 no vilarejo de Bolkhov, região de Oriol, Império Russo. 
Filho de um padre cristão ortodoxo, aos 17 anos se tornou membro 
da fração bolchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo. 
Preobrazhenski teve um papel importante na revolução de 1905, as-
sumindo tarefas de organização partidária nos montes Urais e Sibéria. 
Formado em Direito, Preobrazhenski estudou também economia, 
e em 1921 foi eleito presidente do Comitê Financeiro da República 
Soviética. Neste posto, Preobrazhenski se ocupou dos problemas do 
restabelecimento da produção e do abastecimento de grãos em todo 
o território russo. Com base nessa experiência, escreveu vários tra-
balhos sobre a planificação econômica e a necessidade de industria-
lização da URSS, sendo A nova econômica o mais importante deles. 
Neste livro, Preobrazhenski formula sua famosa teoria da “acumu-
lação primitiva socialista”, que seria o resultado da luta estabelecida, 
nas sociedades de transição ao socialismo, entre a lei do valor como 
um resquício do capitalismo, e a planificação econômica como medi-
da consciente do governo socialista.
Após a morte de Lenin, Preobrazhenski adere à Oposição de 
Esquerda e, junto com Trotski, se torna um dos mais consequentes 
defensores de uma linha industrializadora nas cidades e coletivista 
no campo. Em 1927, com o exílio de Trotski, passa a organizar clan-
destinamente o trabalho oposicionista. Posteriormente, é expulso do 
partido; e em 1929, exilado por organizar uma gráfica ilegal.
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Evgueni Preobrazhenski16
Com a coletivização forçada do campo e com a pesada campa-
nha de industrialização do primeiro plano quinquenal conduzidas 
por Stalin, Preobrazhenski capitula e renega a Oposição de Esquerda. 
Porém, a perseguição stalinista continua, e em 1933 ele é novamente 
preso, expulso do partido e exilado, fazendo nova autocrítica em 1934. 
Em 1936, é mais uma vez preso; e em 1937, no auge dos processos 
de Moscou, executado. Diferente de muitos outros dirigentes assas-
sinados por Stalin, Preobrazhenski jamais confessou qualquer crime, 
reduzindo suas “autocríticas” aos aspectos políticos. Provavelmente de-
vido a esta recusa altamente incoveniente para a burocracia dirigente, 
Preobrazhenski não chegou a ser levado a julgamento público, tendo 
sido fuzilado às escondidas, em circunstâncias que só foram conhe-
cidas muito tempo depois. Até hoje seu nome é uma das principais 
referências nos estudos de planificação e política econômica de Estados 
operários.
* * *
Com a publicação de Anarquismo e comunismo, a Editora 
Sundermann deseja fazer justiça ao gênio intelectual e revolucionário 
de Preobrazhenski, bem como contribuir com o debate teórico, políti-
co e ideológico aberto no país desde as grandes manifestações de junho 
de 2013.
Os editores
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INTRODUÇÃO
O termo “anarquia”, de origem grega, significa ausência de qual-
quer poder. Portanto os anarquistas são pessoas que aspiram a um 
regime social no qual não haja nenhum tipo de poder ou imposição, 
no qual deve reinar a liberdade absoluta.
Mas por acaso os bolcheviques-comunistas – algum leitor se pode 
perguntar – consideram que a liberdade absoluta é pior do que uma 
vida sob imposição, independentemente de onde esta venha?
Não, responderão os comunistas. Para o homem e para a socie-
dade, a liberdade absoluta é melhor do que a vida com liberdade 
restrita, melhor do que a necessidade de fazer quaisquer coisas obri-
gado pela violência e contra sua vontade. Mas se perguntássemos, 
por exemplo, a um burguês liberal qual é, em última instância,o 
ideal do partido liberal, este também responderia que o objetivo de 
sua luta consiste na liberdade absoluta do homem e da humanidade. 
Desse modo, a aspiração à “liberdade absoluta” não permite diferen-
ciar o comunista do anarquista e ainda obriga a aceitar a companhia 
do burguês liberal e de todas as pessoas, com ou sem partido, que 
reconheçam francamente os benefícios da liberdade em vez da im-
posição e da violência, ou que achem proveitosos e construtivos os 
debates sobre a liberdade.
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Evgueni Preobrazhenski18
Por isso, para vislumbrar qual é a principal divergência entre anar-
quistas e comunistas, devemos buscar outros pontos. Utilizemos, por 
exemplo, a seguinte frase que os anarquistas repetem em todos os 
seus panfletos, jornais ou discursos: “Nós somos inimigos de qual-
quer violência, somos inimigos de qualquer poder governamental 
como órgão de violência”. Baseados nesta afirmação, colocamos aos 
anarquistas a seguinte questão: mas se o poder governamental for 
conquistado pelas massas trabalhadoras, e estas o usam para aniqui-
lar seus inimigos, vocês também estarão contra esse poder?
Aqui já teríamos respostas diferentes dos anarquistas. Uns respon-
deriam: “Nós não seremos inimigos deste poder enquanto ele realizar 
uma obra útil para as massas trabalhadoras”. Outros responderiam: 
“Nós somos contra qualquer poder e tentamos destruí-lo, qualquer 
que seja e em qualquer circunstância”. Eis, então, uma divergência 
radical entre os bolcheviques-comunistas e os anarquistas: sua con-
cepção diferente de Estado, não tanto em relação ao Estado em geral, 
como veremos mais adiante, mas em relação ao Estado-comuna, ao 
Estado de operários e camponeses.
Vejamos, pois, o que é o Estado e qual a concepção que os comu-
nistas têm sobre ele. 
Que o Estado é um órgão de violência, o sabe qualquer pequeno-
burguês quando recebe a visita do arrecadador de impostos, qualquer 
camponês que tem de vender sua única vaca por não ter pago o im-
posto ou qualquer operário punido com o cárcere ou o fuzilamento 
por fazer greve contra o capital. Que o Estado é um órgão de violên-
cia o sabe também hoje, felizmente, a burguesia, da qual o governo 
soviético tirou pela força seus bancos, palácios, fábricas e capital.
A questão principal está, portanto, em saber: a serviço de quem se 
realiza esta violência e o que aconteceu para que se levantem contra 
o poder governamental de operários e camponeses não somente os 
contrarrevolucionários e toda a burguesia, mas também os anarquis-
tas, tornando-se, desta forma, seus aliados.
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O ESTADO AUTOCRÁTICO DA NOBREZA
Houve uma época em que o Estado não existia. Nesse tempo 
também não existiam classes. Os homens não se dividiam em ricos 
e pobres, em trabalhadores e exploradores do trabalho alheio. Mas 
esta coincidência – a não existência do Estado quando não existia a 
divisão da sociedade em classes – não é casual.
 Nos tempos da comunidade agrícola primitiva, quando a princí-
pio todos eram iguais, começa a se destacar uma camada de pessoas 
abastadas que logo se coloca à cabeça das forças militares da comuni-
dade. Este grupo vai se aproveitar desta situação para aumentar seus 
domínios através da guerra com seus vizinhos, da prática do bandi-
tismo e à custa dos povos vencidos primeiro, e de seu próprio povo 
mais tarde. Assim, vão surgindo as condições propícias para o apare-
cimento do Estado. Barões, condes e duques, na qualidade de chefes 
militares das tribos e de grandes proprietários de terras, começam a 
se cercar de instituições que representavam um embrião de Estado.
 O conde julgava seus súditos e, naturalmente, como juiz, cuidava 
acima de tudo de seus próprios interesses e privilégios, protegendo-os 
da cobiça de seus fiéis servidores. Eis o tribunal de classe em sua origem.
As decisões desse tribunal eram executadas por seus lacaios. Eis o 
embrião da polícia.
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Para fazer a guerra ou para sufocar distúrbios importantes dentro 
de seu território, utilizavam-se de bandos armados. Eis as futuras for-
ças armadas.
Adotando o cristianismo e obtendo o favor dos representantes 
religiosos mediante presentes e concessões de terras, o conde ou o 
duque tinha à sua disposição uma polícia espiritual, e assim sustenta-
va seus privilégios para a exploração não apenas por meio do chicote, 
mas também da cruz e do Evangelho. Eis a origem da união entre 
Igreja e Estado, ou – o que dá na mesma – da transformação da Igreja 
em instrumento da classe dominante para a escravização espiritual e 
material do povo.
Posteriormente, com as lutas entre os distintos condes, barões e 
duques e a vitória do mais forte, este último assume o título de grão-
-duque, rei ou imperador, tornando-se o governante supremo no 
país. Ocorre, deste modo, a transformação do embrião de Estado em 
um verdadeiro e grande Estado monárquico. O barão, que antes rei-
nava apenas sobre seus servos de seu território, agora se une com os 
demais barões, condes e duques. Todos se reúnem ao redor do trono 
do “amado monarca” e dirigem o povo unidos, e não mais isolados 
como antes. Da unificação do poder de diferentes pequenos nobres, 
barões, condes e grandes proprietários da nobreza, surge o poder de 
toda a classe dos proprietários de terra e aristocratas. Criava-se, po-
demos dizer, uma sociedade de acionistas, que constituem um con-
junto único dirigido contra o povo e no qual cada participante, ao 
ingressar, garante para si o apoio de todos os membros de sua classe.
A partir de agora, quando é necessário realizar ações contra os 
camponeses por um descumprimento no pagamento de impostos, 
defender a propriedade privada etc., o conde ou o duque já não atu-
ará por si próprio. Disto agora é responsável um juiz, designado pelo 
Estado, quer dizer, pela união de todos os nobres. Quando é neces-
sário executar uma condenação ou castigar quem protesta contra a 
exploração do camponês pobre, já não se ocuparão os capatazes de 
cada senhor, mas sim a polícia do Estado, quer dizer, os agentes de 
toda a classe de nobres e condes. No que diz respeito ao monarca em 
si, ainda que seja considerado o poder supremo, este na realidade dis-
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simula a autocracia dos proprietários de terra sobre todo o resto do 
povo. Essa dissimulação é claramente benéfica para os nobres. Nela, 
o monarca representa o papel de governante justiceiro ante o qual to-
dos são iguais. De vez em quando o monarca, realizando uma ínfima 
concessão à justiça, castiga um ou outro proprietário de terras com o 
objetivo de facilitar ainda mais a exploração de milhões de homens 
em proveito de toda a classe de nobres na forma de arrendamentos, 
impostos ao Estado etc.
Com esta união da nobreza se reforça naturalmente a classe dos 
exploradores, e as massas trabalhadoras ficam divididas, dispersas, e 
os levantes isolados ficam condenados ao fracasso. Assim, se antes o 
camponês vítima da violência do conde ou do barão era apoiado por 
todos os camponeses do condado; se antes as forças armadas do se-
nhor podiam não estar em condições de sufocar o movimento (che-
gando a acontecer o caso de barões ou condes serem expulsos de suas 
aldeias e cidades, que então se tornavam cidades e regiões livres), 
agora tudo isto se tornara impossível. Se, por exemplo, a vaca de um 
camponês pisoteia o trigo de propriedade do nobre, o juiz condenará 
o camponês a pagar uma multa; se o camponês não tem como pagar 
a multa ou a considera injusta, o fiscal venderá a vaca do camponês 
para garantir seu pagamento. Se o camponês oferece resistência, será 
preso pela polícia. Se toda a aldeia ou região tenta impedir a prisão, 
serão enviados mais policiais ou até o exército. Se toda a província ou 
várias províncias se insurgem, o governo da nobreza enviará todas 
as forças militares e policiais disponíveis com o objetivo de sufocaro 
movimento, e finalmente, depois do sacrifício, de milhares de mortos 
e de perdas de milhões, o camponês será obrigado a pagar a multa 
pelo trigo pisoteado. Dessa forma, o Estado da nobreza fortalecerá 
seu aparato militar com o objetivo de apoiar até o fim qualquer nobre 
isolado contra o campesinato, mesmo nas menores questões. Assim, 
a organização dos nobres em Estado autocrático fortaleceu enorme-
mente tal classe e debilitou as massas trabalhadoras, deixando-as in-
defesas frente a seus exploradores.
De tudo isto é necessário tirar duas conclusões: a primeira e mais 
importante é que, em geral, o Estado surge com a divisão da socie-
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dade em classes, quando a propriedade privada fica nas mãos de 
poucos, quando é necessário que essa propriedade seja defendida por 
toda a classe de proprietários; quando aparece uma classe privilegia-
da que deve defender estes privilégios contra as massas, e quando esta 
classe “distinta e rica” não só defende suas riquezas e direitos, mas os 
aumenta sobre as costas do povo trabalhador.
A segunda conclusão a que chegamos é que não é o Estado que dá 
origem à divisão da sociedade em classes, nem é ele que cria a desi-
gualdade e a exploração de uma pessoa por outra, mas ao contrário: 
a divisão em classes e a desigualdade econômica originam o Estado 
como organização dos exploradores. Porém, uma vez que surge, o 
Estado reforça as classes dominantes e aumenta cada vez mais a desi-
gualdade econômica da qual surgiu.
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O ESTADO BURGUÊS
Mas o Estado autocrático da nobreza (comumente conhecido 
como Estado feudal) não é eterno, como também não é eterna a força 
econômica sobre a qual ele foi construído, que é a força da grande 
propriedade latifundiária.
 Paulatinamente, no interior do Estado da nobreza surge e se de-
senvolve outra classe: a da burguesia comercial e industrial.
 A nobreza, devido à sua afeição pelo luxo e pelo prazer, começa 
a empobrecer, enquanto a burguesia vai adquirindo gradualmente as 
terras dos senhores feudais. Ao final, toda a indústria, todo o comercio 
e parte da economia agrícola vão parar nas mãos da burguesia. A bur-
guesia deseja se apropriar dos ingressos da classe feudal, ingressos que 
esta obtém do arrendamento da terra, de diversas obrigações dos ser-
vos e, principalmente, dos impostos do Estado. Todos estes ingressos 
vão para as mãos da nobreza, que governa o país. A burguesia precisa 
retirar da nobreza suas fontes de renda para transformá-las em proprie-
dade do capital. Para consegui-lo, e assim evitar as cargas de impostos 
aos quais é submetida no Estado da nobreza, assim como para poder 
adaptar o Estado às necessidades dos meios capitalistas de exploração, 
incompatíveis com os procedimentos da nobreza, a burguesia expulsa 
do poder seu concorrente na exploração do povo trabalhador. Esta ex-
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pulsão acontece através das revoluções burguesas, e termina ou com a 
passagem do poder para as mãos da burguesia, ou com um pacto entre 
a burguesia e a nobreza. De uma maneira ou de outra, o novo Estado 
se adapta aos interesses do capital, aos interesses da acumulação deste e 
de sua defesa frente aos ataques das massas trabalhadoras.
De fato, se considerarmos a questão do ponto de vista da classe 
oprimida, da perspectiva do proletariado, o Estado burguês se dife-
rencia muito pouco do Estado autocrático da nobreza. Assim como 
para um pássaro que é preso em uma armadilha sua transferência de 
uma gaiola menor para outra maior não significa ainda sua liberdade, 
também para a classe operária a substituição do Estado autocrático 
da nobreza pelo Estado burguês é somente uma mudança de jaula, 
mas não a destruição desta.
Vejamos primeiro a diferença entre estes dois tipos de Estado. Sob 
o regime autocrático da nobreza, o país é governado por esta classe 
social que se oculta atrás de um monarca, que, segundo dizem, está 
acima de todas as classes e deseja o melhor para todos. As massas 
trabalhadoras devem fazer o que ele manda sem pensar. Aqui a vio-
lência de um grupo de aristocratas exploradores sobre a maioria dos 
trabalhadores não se esconde atrás de nada, é descarada, aberta e 
grosseira.
Ao contrário, no Estado burguês a violência da minoria proprie-
tária sobre a maioria é admiravelmente mascarada, especialmente 
onde o poder governamental está concentrado nas mãos de um 
parlamento eleito em base ao voto universal ou a qualquer proce-
dimento parecido. O burguês contemporâneo realiza o trabalho de 
“direção” das massas trabalhadoras de uma forma mais sutil que os 
nobres, que sabiam agir somente através do coletor de impostos. 
Aqui a violência está mascarada sob o aspecto da liberdade formal, 
do mesmo modo que se encontra mascarada a exploração da classe 
operária pelos capitalistas no terreno econômico. Assim, durante o 
regime da servidão, o camponês era obrigado a trabalhar, por exem-
plo, três dias por semana diretamente para o senhor, e deste modo 
ficava claro para todos que o camponês era obrigado a entregar a 
metade de seu trabalho ao latifundiário parasita.
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 Em compensação, no sistema capitalista o operário tem a possibi-
lidade de “escolher livremente” entre morrer de fome ou ir trabalhar 
para o capitalista pelo salário que este queira pagar. Aqui se mascara, 
usando uma suposta liberdade, o próprio fato da exploração e de que 
parte do trabalho é entregue pelo operário ao capitalista, assim como 
o servo, em forma de trabalho não pago. A mesma coisa ocorre em 
relação à violência organizada, da forma como esta se apresenta, ou 
melhor, como tratam de ocultá-la na sociedade burguesa.
Demonstrar de uma vez por todas que o parlamento eleito pela 
maioria da população não passa de um órgão de apoio ao conjunto 
dos capitalistas em sua dominação sobre a maioria dos trabalha-
dores não é algo simples. Somente a própria experiência ensina 
a classe trabalhadora a compreender toda a mecânica oculta do 
capitalismo e a entender o real valor do Estado, que responde aos 
interesses e exigências do capital vitorioso. 
Na sociedade burguesa o poder supremo pertence ao parlamento. 
Enquanto no regime autocrático da nobreza o operário e o camponês 
somente recebiam ordens e, em caso de resistência, eram castigados 
sem discussão, agora até se pergunta à classe trabalhadora uma vez a 
cada três ou quatros anos quem ela quer enviar ao parlamento.
Que honra enorme! Como é possível resistir ao desejo de se con-
siderarem seriamente homens livres? É verdade que só perguntam 
isto aos trabalhadores a cada quatro ou cinco anos, somente nas 
eleições, somente porque sabem de antemão qual vai ser a resposta: 
sabem que um camponês elegerá um padre ou um kulak8 “instruí-
do”, como ocorreu até agora no Ocidente. Sabem que os operários 
enviarão ao parlamento advogados que se passam por socialistas, 
ou social-patriotas e agentes da burguesia como Scheidemann9, e 
8 - Kulak: camponês rico da Rússia, que se utilizava da mão de obra assalariada 
para cultivar suas terras, todavia menores que as dos grandes proprietários da 
aristocracia (N. do E.).
9 - Philipp Scheidemann (1865-1939) foi dirigente do Partido Social-Democrata 
Alemão e chanceler da Alemanha durante a primeira onda da revolução alemã. 
Foi com a conivência de seu governo que os paramilitares assassinaram Rosa 
Luxemburg e Karl Liebknecht, bem como diversos revolucionários comunistas. 
Social-patriotas: diz-se, pejorativamente, dos deputados dos partidos social-
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que só uma minoria do proletariado dará seu voto aos verdadeiros 
socialistas revolucionários.
A burguesia sabe de tudo isto, e por isso prefere, em vez da violên-
cia direta sobre as massas, em vez da designação do governo vinda de 
cima, organizar a sociedade de modo que as massasescolham por si 
mesmas as autoridades que vão oprimi-las.
Mas quando existe o risco de que o parlamento tenha uma maioria, 
nem sequer de socialistas verdadeiros, mas simplesmente de elemen-
tos conciliadores, a burguesia não hesita e atua consequentemente, 
acabando com o voto universal, como por exemplo na Saxônia10, ou 
dissolvendo um parlamento pouco favorável, como fez Kerenski com 
o parlamento finlandês. Nestes casos, em vez do voto geral e obri-
gatório, é introduzido o sufrágio somente para grandes e pequenos 
proprietários. Toda a mentira e o engodo do parlamento, tido como 
expressão da vontade popular, se dissolve no ar. O parlamento existe 
para isso, e a burguesia o tolera enquanto responda inteiramente à 
sua vontade. E se nesses momentos somente tem direito ao voto os 
proprietários, declarando-se abertamente que na sociedade capita-
lista o poder pertence exclusivamente àqueles que têm dinheiro, isto 
não quer dizer que durante a vigência do sufrágio universal o assunto 
se coloque de outro modo. Simplesmente ocorre que as circunstân-
cias não obrigam a burguesia a admiti-lo.
Na prática, o voto universal é encontrado muito raramente na 
sociedade burguesa. A burguesia que acaba de vencer a nobreza ou 
que conciliou com esta considera inclusive que as atuais formas de 
voto universal constituem uma experiência perigosa ou então que 
são completamente supérfluas. Posteriormente, a burguesia se con-
vence de que não há perigo em proporcionar direitos eleitorais aos 
trabalhadores; que se pode conceder livremente às massas oprimi-
democratas que, em 1914, votaram pelo apoio a seus respectivos países na 
Primeira Guerra Mundial, abandonando assim o internacionalismo (N. do E.).
10 - A Saxônia, província do Império Alemão, aboliu o voto universal em 1890, 
substituindo-o pelo voto censitário (onde votam apenas os cidadãos com 
determinada quantia em dinheiro ou propriedades), com medo do desempenho 
eleitoral dos socialistas, cujo partido acabara de reconquistar a legalidade (N. do E.).
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das pelo capital o direito de votar a cada três ou quatro anos, prin-
cipalmente quando estas começam a lutar por reformas eleitorais 
democráticas.
E somente em períodos pré-revolucionários, momentos em que 
acontece o despertar da classe operária e dos camponeses, a burgue-
sia, sentindo novamente sua debilidade, se vê obrigada a se desfazer 
de suas roupagens democráticas e a reduzir o parlamento a uma ins-
tituição de discursos impotentes ou a esmagar as massas através de 
uma violência aberta. 
No entanto, o parlamento é, em geral, necessário à burguesia não 
apenas para enganar o povo (enquanto este meio sirva), mas também 
por uma série de outras razões.
 Em primeiro lugar, ele serve para isolar em sua ala direita o antigo 
inimigo da burguesia, a aristocracia latifundiária, e assim demons-
trar que a maioria do povo não está ao lado da classe dos nobres. 
Em segundo lugar, o parlamento tem importância para a burguesia 
como mesa de negociação para diversas operações entre diferentes 
grupos das classes abastadas da sociedade capitalista. Há que ter em 
conta que a burguesia está unificada somente quando intervém con-
tra o proletariado. Dentro da burguesia existem diferentes grupos 
com distintos interesses: a burguesia financeira (os proprietários de 
bancos), a grande burguesia industrial, a média burguesia e a parte 
da pequena burguesia que não se alia ao proletariado.
Todos estes grupos, frente ao inimigo comum, quer dizer, frente à 
maioria do povo trabalhador e explorado, estão interessados em que 
suas discussões não cheguem a um enfrentamento aberto, mas se limi-
tem somente à luta e às intrigas de gabinete. Por último, o parlamento 
é um meio formidável para desviar a atenção das massas da política 
de rapina dos tubarões capitalistas, que realizam nos bastidores seu 
trabalho de empobrecimento do povo e dirigem a maioria dos par-
lamentares como se fossem fantoches. E enquanto levam a cabo suas 
manobras, meditam e executam distintos planos de banditismo, as 
massas inconscientes escutam de boca aberta os discursos de um ou 
outro orador do parlamento, imaginando que ali está sendo feita a von-
tade do povo.
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 Este autoengano se agrava devido à presença no parlamento de 
diversos Scheidemann, que encenam uma peça de oposição sem tré-
gua contra o capital, fazendo com que os operários acreditem que 
seus interesses também estão sendo defendidos ali. Somente quando 
começa o verdadeiro ataque contra o capital, como ocorreu conosco 
durante a Revolução de Outubro, somente então, se dissipa toda esta 
fraude parlamentar e empalidecem as fisionomias de todos os socia-
listas de mentira. Desta maneira, a diferença entre o Estado feudal e 
o Estado burguês é que neste último a violência contra o povo está 
mais bem dissimulada.
Sob o governo autocrático da nobreza, o operário e o camponês 
são despojados diretamente e sem nenhuma cerimônia; em compen-
sação, sob o parlamentarismo burguês, lhe permitem que “expresse 
seu acordo” com esta operação.
A semelhança entre ambos Estados consiste em que além da alta 
camada governamental (em alguns casos, o monarca, em outros, o 
parlamento eleito), também o resto do aparato de governo, ou me-
lhor, de opressão, ficam no mesmo lugar. 
Ficam os tribunais, ainda que as leis condenatórias tenham 
sido revisadas segundo os interesses do capital. Ficam as diversas 
forças policiais, só que agora atuam segundo a tática dos novos 
patrões. Fica o exército permanente, só que a oficialidade é reno-
vada, ainda que não totalmente, com membros da própria bur-
guesia. Fica, na grande maioria dos casos, a Igreja, na qualidade 
de polícia espiritual do capital, adaptando-se rapidamente às suas 
exigências. E se os capitalistas consideram que a religião é desne-
cessária para si mesmos, para o povo, em compensação, a utilizam 
com êxito. Ficam os enormes contingentes de funcionários, nome-
ados de cima para baixo. Fica a diplomacia secreta, só que agora 
se implementa uma política internacional voltada menos para os 
interesses pessoais de um ou outro monarca, e mais para o interes-
se dos grupos mais influentes da burguesia. Consequentemente, 
a guerra, tanto sob a dominação burguesa, quanto no Estado 
autocrático, é declarada sem o acordo do povo, com o objetivo 
de defender um pequeno grupo de grandes capitalistas. Para isso 
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utiliza todo o aparato burguês de governo, causando as maiores 
violências contra milhões de trabalhadores.
Toda esta semelhança entre o Estado feudal e o Estado burguês é 
facilmente explicada. Tanto um como o outro são um aparato para 
que uma minoria insignificante domine a imensa maioria do povo. 
De outro modo, esta coincidência não poderia acontecer.
 Por isso, se perguntarmos a um burguês consciente de seus pró-
prios interesses o que mais aprecia, se o parlamento ou a polícia, dirá 
sempre que a polícia.
“Eu amo o parlamento, mas se tivesse que escolher entre os dois, 
é claro que escolheria o prato mais saboroso”. Em última instância, é 
sabido que se o parlamento falhar, a polícia defenderá de uma forma 
mais segura o prato “saboroso” dos gulosos burgueses.
Todos estarão de acordo, por exemplo, que na França todo o apa-
rato de opressão sobre as massas e de sustentação da ordem burguesa 
está mais bem preparado para defender o capital sob a república do que 
estava antes da revolução para a defender a aristocracia latifundiária e a 
Igreja. Se agora o desempregado não paga o aluguel de sua moradia ao 
proprietário, todo o aparato jurídico, policial e, se preciso, todo o apa-
rato militar da nação se colocarão em marcha para garantir ao burguês 
os lucros provenientes de sua propriedade privada. É mais fácil realizar 
uma revolução social completa do que conseguir a revogação da deci-
são sobre uma multa a um operáriodecidida por um juiz.
Assim, pois, o Estado burguês representa também a violência or-
ganizada da classe burguesa sobre as massas trabalhadoras. Para o 
burguês liberal a diferença entre a autocracia da nobreza e o Estado 
parlamentar nacional é imensa. Para o operário, em compensação, 
essa diferença pode ser expressa em duas palavras: a jaula é mais am-
pla, o chicote é mais leve e os golpes acontecem com o acordo prévio 
do parlamento11.
11 - Mas o partido do proletariado sempre levou em conta a diferença entre a jaula 
mais ou menos ampla, e por isto, quando lutavam entre si a monarquia e o parla-
mentarismo burguês, apoiava o parlamentarismo burguês contra a monarquia e se 
aproveitava da luta parlamentar com o objetivo de ir diretamente do parlamenta-
rismo à ditadura do proletariado e dos camponeses pobres. (N. do A.)
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O ESTADO PROLETÁRIO
Vimos que o Estado autocrático da nobreza é, na realidade, uma 
organização da nobreza a nível nacional, que a princípio representa 
uma força militar única, poderosa e coesa e, portanto, uma força ca-
paz de transformar milhões de trabalhadores em seu instrumento, 
colocando-se à frente de enormes forças organizadas de opressão que 
adotam a forma de polícia e exército regular. O Estado da nobreza é 
o guardião dos privilégios desta, privilégios que defende contra o ata-
que do povo trabalhador explorado, utilizando frequentemente para 
isso as forças do próprio povo.
O Estado burguês também é um instrumento para a dominação 
sobre as massas trabalhadoras, mas agora a serviço do capital e tam-
bém da nobreza, cujos direitos se igualaram aos direitos de toda a 
burguesia. Este aparato opera no interesse de uma minoria sufocan-
do a resistência da enorme maioria da população.
Vejamos agora o que representa o Estado proletário e em que ele 
se diferencia das duas formas de Estado de banditismo e de explora-
ção a que nos referimos.
Primeiro vejamos como surge o Estado proletário, qual é sua es-
trutura, quais são suas tarefas e quando este Estado pode deixar de 
existir.
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O Estado proletário surge como resultado da revolução proletária 
vitoriosa. Destacamentos isolados do proletariado intervindo de forma 
dispersa contra o governo estão condenados ao fracasso, uma vez que a 
burguesia (que em si representa uma força não muito grande, compara-
da com milhões de operários) é suficientemente forte para destruir estes 
destacamentos um por um com a ajuda de seu aparato governamental. 
É especialmente importante lembrar isto, porque este dado da 
enorme superioridade da organização governamental burguesa na 
luta contra a classe explorada invalida por si só e completamente 
todos os discursos anarquistas sobre lutar contra o inimigo através 
de destacamentos não ligados por um centro dirigente, por uma 
disciplina e por um plano comum. Se nossa revolução operário-
-camponesa venceu o poder burguês na Rússia, foi somente porque 
o proletariado empregou o máximo de organização e porque a união 
governamental da classe burguesa foi enfrentada em nível nacional 
com a união de todas as forças proletárias, organizadas nos soviets e 
no Partido Bolchevique. A organização burguesa se chocou contra a 
organização proletária e foi vencida por esta.
Deste modo, o Estado proletário já se encontra de forma embrioná-
ria no partido que dirige a luta pelo poder e nas organizações de mas-
sas do proletariado, que, no começo, têm como tarefa a subordinação 
do proletariado a si mesmo, quer dizer, lhe ajudam a se organizar como 
classe, com fins determinados, e a subordinar a estes fins a atuação 
de diferentes grupos. Quando o proletariado, constituído em unidade 
determinada de classe, vence a burguesia e conquista o poder, todas 
suas organizações se transformam em organizações governamentais.
Isto significa que os soviets passam de órgãos de unificação do 
proletariado a órgãos que subordinam todas as demais classes e gru-
pos do país ao poder do proletariado. A mesma coisa, ainda que mais 
lentamente, ocorre com as organizações de classe, como os sindicatos 
revolucionários. Deste modo vemos que o Estado proletário nasce 
no combate, surge no calor da luta de classes e, como logo veremos, 
continua a ser a organização de combate do proletariado.
Vejamos agora em que se diferencia o Estado proletário do Estado 
autocrático da nobreza e do Estado burguês, como a diferença de ob-
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Anarquismo e comunismo 33
jetivos se reflete na própria estrutura do Estado proletário. A nobreza 
se apodera do poder governamental com o objetivo de defender seus 
privilégios, quer dizer, a renda da terra e o poder sobre as massas, frente 
aos ataques contra sua classe. A burguesia conquista o poder mediante 
a revolução burguesa para a defesa dos privilégios do capital e para fa-
cilitar a tarefa de extrair da classe operária a maior quantidade possível 
de mais-valia. Estas duas formas de Estado facilitam a espoliação das 
massas e o uso da violência contra elas por um grupo de exploradores.
O Estado proletário, em compensação, persegue o fim oposto. Sua 
tarefa é terminar o que ainda não foi feito pela revolução proletária e 
para o qual se exige um tempo determinado: arrancar definitivamente 
das mãos da burguesia todos os instrumentos de produção, quer dizer, 
fábricas e oficinas; destruir a divisão da sociedade em classes; pôr fim 
à exploração do homem pelo homem; introduzir a obrigatoriedade do 
trabalho e transformar toda a sociedade em um exército único e labo-
rioso de companheiros trabalhadores.
No entanto, o Estado proletário, antes de empreender a tarefa de 
realização prática deste programa, deve quebrar a resistência das clas-
ses abastadas. Mas estas classes só abandonam sua posição de poder 
depois de um combate duro. E, uma vez vencidas nos principais cen-
tros, organizam pontos de sublevação em distintas regiões do país. O 
governo proletário russo precisou de quase três anos para esmagar as 
fontes da contrarrevolução no Don, na região dos Urais, na Sibéria e 
no Norte; teve que defender sua existência na guerra contra a Polônia, 
dominada pelos guardas brancos e contra outras nações limítrofes, 
apoiadas por todo o mundo capitalista contra a Rússia soviética.
Desta forma, entre o Estado proletário e os Estados burgueses e 
feudais existe uma diferença básica. Enquanto o Estado burguês e o 
Estado autocrático defendem os interesses das classes dominantes, 
o Estado proletário tem como fim a destruição de qualquer privile-
gio, qualquer desigualdade e de toda exploração. Ao tomar o poder, 
o proletariado o utiliza não para se tornar um explorador, mas para 
destruir qualquer exploração no futuro, para destruir todas as classes 
e a possibilidade de seu ressurgimento12.
12 - Além de todas as vantagens que a organização comunista proporciona à eco-
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Mas para destruir as classes, há que destruir a causa que dá origem 
ao Estado. Nesse sentido, se pode dizer que o Estado proletário é o 
último de todos os Estados possíveis. O Estado proletário é a forma 
na qual morre o Estado em geral, transformando-se em organização 
da maioria trabalhadora, em vez de organização da minoria.
Mas, faz sentido dizer, por exemplo, que o poder soviético é um po-
der governamental? Sim, se pode e dever dizer assim. Qualquer Estado 
é uma forma de organização da violência, e o Estado proletário também 
o é. Mas de quem e contra quem? Da união de explorados e oprimidos 
contra os exploradores, da união dos trabalhadores contra os parasitas, 
da união da maioria contra a minoria. 
Vemos, assim, que por seus fins, o Estado proletário se diferencia 
do Estado feudal e burguês como o céu da terra. E do mesmo modo 
se diferencia em sua estrutura. Nas portas do Estado autocrático da 
nobreza está escrito: aqui só pode chegar ao poder aqueleque per-
tence à aristocracia latifundiária, à classe dos proprietários de terra, 
aquele que vive do trabalho alheio e não suja suas mãos aristocráti-
cas com o trabalho. Nas portas do Estado burguês se pode ler: aqui 
domina quem possui o capital e a grande propriedade, quem utiliza 
o trabalho assalariado para seu enriquecimento, quem tenha um 
certificado que lhe dá direito a participar do poder, representado 
por um capital de centenas de milhares e milhões e por centenas e 
milhares de operários, ocupados nas fábricas e oficinas.
No Estado proletário não se permite que participe do poder quem 
vive de trabalho alheio, quem explora outro ser humano, quem uti-
nomia em comparação com o capitalismo e com o período transitório atual (gra-
ças à liquidação do Estado e da aplicação das forças livres no trabalho econômico, 
graças à liquidação da economia doméstica e da educação familiar, graças à incor-
poração de milhões de mulheres na produção etc.), é necessário agregar a redução 
de força de trabalho e de recursos gastos nos aparatos de controle de todo tipo. Na 
sociedade burguesa se gasta uma enorme quantidade de forças na pequena conta-
bilidade “privada” das pequenas empresas, vigilância e controle sobre os operários, 
vigilância de materiais etc. No período transitório atual, na Rússia, uma enorme 
quantidade de forças é gasta também nos órgãos de distribuição e estabelecimento 
das normas de consumo, no controle e em determinadas funções burocráticas que 
a economia comunista organizada não verá (N. do A.).
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liza o trabalho assalariado para seu enriquecimento. No Estado pro-
letário se permite que participe do poder somente quem trabalha, 
quem vive de seu trabalho e não de rendas obtidas de mãos alheias.
Antes se considerava a nobreza como a classe mais alta da socieda-
de; todas as demais eram “classes baixas”. Mais tarde, a classe alta foi 
constituída de todos os grandes proprietários de terras, toda a alta e 
média burguesia e a intelectualidade burguesa. No Estado proletário, a 
classe dirigente é constituída pelos trabalhadores da cidade e do cam-
po, enquanto os latifundiários, os burgueses e os sabotadores da inte-
lectualidade burguesa são despossuídos de seus direitos governamen-
tais. Mas a classe operária, ao se tornar classe governante, não fecha 
as portas a ninguém que queira entrar em suas fileiras. Ao contrário, 
faz as coisas de modo que todos se tornem trabalhadores, que toda a 
humanidade sem exceção seja composta por privilegiados. Em outras 
palavras, que o poder não seja um privilégio especial para ninguém.
No Estado autocrático da nobreza, o privilégio do poder era aces-
sível somente a poucas pessoas pertencentes às camadas mais altas 
da sociedade. Quem não tinha nascido nobre já estava privado deste 
direito desde seu nascimento e não tinha nenhuma possibilidade de 
chegar às fileiras da classe governante, exceto por alguns indivíduos 
isolados que compravam títulos de nobreza.
No regime burguês, domina o capital. É verdade que os capitalistas, 
descrevendo as bondades do regime burguês e sua “justiça”, têm o cos-
tume de dizer que qualquer um pode enriquecer. Mas esta afirmação, 
compreende-se, é apenas uma mentira porque se todos se tornassem 
burgueses, onde estaria então o proletariado, com cujo trabalho se 
criam as riquezas dos capitalistas? João e Pedro podem ficar ricos e 
se tornarem milionários, mesmo tendo sido antes mendigos, mas isto 
significa que Diego e José empobreceram e foram lançados para fora 
da classe burguesa, enquanto dezenas de milhares de operários e cam-
poneses nunca estiveram nem estarão nas fileiras da classe burguesa.
Como se vê, o privilegio de estar entre os capitalistas e dirigentes 
do Estado se limita a um grupo insignificante de pessoas.
No Estado proletário, ao contrário, todos podem participar da di-
reção do Estado. Todos que trabalham, qualquer um que não pertença 
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à classe exploradora pode, por exemplo, eleger delegados para os so-
viets e ser eleito também. E quando os burgueses, e especialmente seus 
lacaios mencheviques e socialistas-revolucionários de direita, dizem 
que a classe operária e os camponeses pobres afastam todos os demais 
grupos do poder e se tornam uma classe privilegiada, isto é algo com-
pletamente falso. Se o banqueiro for semear ou regar o pasto, limpar 
quartos, ou se ele entrar como porteiro ou zelador no banco que lhe foi 
tirado e nacionalizado, ou se trabalhar até mesmo como escriturário 
em um escritório, ele então terá direito a voto nas eleições do soviet.
Um passo desta natureza, do ócio ao trabalho, não só dá a pos-
sibilidade ao ex-banqueiro de participar da direção do Estado (caso 
queira dirigir o Estado soviético), como será útil para sua saúde, como 
pode atestar o médico que hoje o adverte contra o sedentarismo.
O Estado proletário e camponês é indiscutivelmente um Estado 
de classe porque os Estados sem classe existiram até agora somente 
nos livros dos cientistas burgueses que enganam as massas com suas 
fábulas sobre o parlamento burguês, no qual “todo o povo governa o 
país”. Porém, o Estado proletário de classe não somente não fecha a 
possibilidade de qualquer um participar da direção, como faz disto, 
até certo ponto, uma obrigação, pois, ao introduzir o dever de tra-
balhar, destrói as classes abastadas e privilegiadas, com o que abre 
a todos a possibilidade e a necessidade de participar na decisão dos 
assuntos gerais. No Estado proletário governa aquele que trabalha, e 
dependerá das próprias classes abastadas se elas receberão ou não o 
direito de participar do poder.
Cessem a resistência contra o Estado proletário; reconheçam que 
foram vencidos, igualando-se em sua posição aos operários e emprega-
dos, e então poderão receber os direitos que possuem os trabalhadores 
no Estado proletário. O burguês que deseje continuar sendo burguês 
tira de si mesmo a possibilidade de ter direitos políticos.
Na Rússia, o Estado proletário foi constituído como uma república 
de soviets eleitos pelas massas trabalhadoras. Existem todos os funda-
mentos para pensar que, como regra geral, a ditadura do proletariado 
acontecerá nos demais países exatamente através dos soviets, através 
da dissolução dos parlamentos burgueses e da passagem do poder aos 
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soviets de operários e camponeses pobres. Mas isto não significa, na-
turalmente, que esta regra não possa ter exceções. A Comuna de Paris, 
em 1871, por exemplo, que foi o primeiro órgão de governo proletário, 
foi eleita por voto universal13. Na República do Extremo Oriente14, os 
comunistas obtiveram a maioria na Assembleia Constituinte eleita 
ainda em base ao sufrágio universal, quer dizer, segundo todas as re-
gras da democracia burguesa. Pode ocorrer em algum país que o pro-
letariado consiga a maioria nas eleições ao parlamento e expulse dele a 
minoria burguesa com o objetivo de não juntar-se com seus inimigos 
de classe dentro do Estado-maior da luta operária. Pode acontecer o 
caso de que em algum país a minoria comunista, depois de ter expul-
sado do parlamento os deputados burgueses e social-traidores, seja 
declarada governo supremo com o apoio das organizações operárias 
revolucionárias e governe o país até as eleições dos soviets e até a orga-
nização de um poder soviético bem constituído.
Na conquista do poder não é a forma o que importa para o proleta-
riado (neste caso, a forma de democracia soviética), mas sim a questão 
de fundo. De fato, existiram soviets conciliadores, como por exemplo os 
soviets russos nos primeiros meses da revolução de fevereiro, ou ainda os 
soviets alemães nos primeiros meses depois da derrubada do Imperador 
Wilhelm15. Mesmo agora existem na Áustria soviets conciliadores16.
13 - A Comuna de Paris foi implantada como resultado de uma revolta na capital 
francesa, e durou de 18de março a 28 de maio de 1871. Após uma aguda crise resul-
tante da derrota francesa em sua guerra contra a Prússia (1870-1871), a população 
de Paris se sublevou, derrubando a monarquia de Napoleão III e implementando 
uma série de medidas socialistas. Isolada do resto do país (majoritariamente cam-
ponês e conservador), a revolta em Paris foi massacrada pelo governo de Versalhes. 
Entre 30.000 e 50.000 operários foram mortos na defesa da Comuna e nos fuzila-
mentos em massa que se seguiram à retomada da cidade pelo exército (N. do E.).
14 - Refere-se à República do Extremo Oriente, formada na Sibéria durante a 
Guerra Civil, cuja primeira eleição deu uma maioria de votos para o bloco cam-
ponês e comunista. Em 1922 essa república se unificará com a URSS (N. do E.).
15 - Wilhelm II foi o último imperador da Alemanha, derrubado pela primeira 
onda da revolução alemã em novembro de 1918 (N. do E.).
16 - Soviets de operários e soldados se constituíram espontaneamente em diversos 
países europeus durante o período de instabilidade política do pós-Primeira Guerra 
Mundial, mesmo que nem sempre defendessem posições revolucionárias (N. do E.).
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Deve-se levar em conta que, encontrando-se nas mãos da bur-
guesia quase toda a imprensa, assim como todos os meios para a 
opressão, só excepcionalmente o proletariado pode obter, como 
partido comunista, a maioria no parlamento através das eleições. 
E não faz qualquer sentido esperar tal momento quando é possível 
conquistar o poder por um caminho mais curto e direto, quer dizer, 
através da insurreição.
Os capitalistas expulsos pelo proletariado gritam a respeito das 
infrações, por parte dos bolcheviques, contra o sufrágio universal, a 
liberdade etc. Os senhores Tchernov17, ideólogos dos kulaks russos 
e dos intelectuais expulsos de seus cantinhos quentes, lhes declaram 
seu apoio entusiasmado. No entanto, a própria burguesia, em sua 
luta pelo poder, apenas se utilizou das formas de luta que em um 
dado momento lhes eram mais propícias, aplicando-as de forma va-
riada e sem temor de infringir os princípios ou leis proclamadas por 
ela própria.
Os burgueses ingleses da época da primeira revolução inglesa utiliza-
ram o parlamento em sua luta pelo poder, expulsando deste, duas vezes, 
a bancada de deputados contrarrevolucionários. A burguesia francesa, 
durante os três primeiros anos da revolução de 1789, introduziu res-
trições eleitorais baseadas na renda dos cidadãos, com o que tirou das 
camadas mais baixas da população o direito à participação no poder.
Depois, ao contrário, a grande burguesia foi afastada do poder pela 
pequena burguesia revolucionária. Os representantes da burguesia 
comercial das províncias foram expulsos da Convenção18 pelos jacobi-
nos19. Posteriormente a burguesia, tanto na França quanto nos demais 
países, colocou abertamente em prática seu domínio de classe, per-
mitindo que fossem eleitos para o parlamento somente proprietários, 
possuidores de grandes propriedades, e afastando completamente o 
proletariado e os pobres. O parlamento eleito em base ao voto dos pro-
prietários era uma espécie de soviet de deputados burgueses.
17 - Victor Tchernov (1873-1952) foi membro fundador e teórico do Partido 
dos Socialistas-Revolucionários (N. do E.).
18 - Durante a Revolução Francesa, órgão encarregado de redigir uma nova 
Constituição (N. do E.).
19 - Partido da pequena burguesia radical francesa (N. do E.).
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 Quando se tornou necessário ocultar de alguma forma a desa-
vergonhada vitória dos grandes capitalistas, os burgueses começaram 
a ampliar os direitos eleitorais do povo trabalhador, marcando cada 
passo nesse sentido com grande alarde.
Mas de fato, o governo da classe burguesa continuava, desta vez 
sob a máscara do parlamento e da ampliação do direito eleitoral. 
E aquilo que não podia ser votado ou que se apresentava de forma 
inconveniente para ser votado pelo parlamento era acordado nos 
bastidores, às escondidas do povo. Desta maneira, assim como a 
ditadura da burguesia adotava as formas mais variadas, sem deixar, 
no entanto, de ser uma ditadura, também a ditadura do proletaria-
do pode ter as formas mais diversas, desde que assegure o esma-
gamento mais rápido e eficaz das classes abastadas e a construção 
mais rápida do sistema socialista de propriedade. 
Mas justamente no interesse de sua finalidade última, o governo pro-
letário não pode utilizar em caso algum o aparato estatal deixado pela 
sociedade burguesa. A burguesia, que constitui a minoria no país, possui 
um aparato de poder especialmente adaptado para esmagar a maioria 
que são os trabalhadores. É claro que este aparato não é necessário aos 
operários e camponeses que esmagaram hoje a minoria de exploradores 
vencidos, mas que ainda continuam oferecendo resistência.
Em lugar da polícia, educada para executar as incumbências do 
governo burguês, está a guarda vermelha, que, na medida do pos-
sível, é eleita pela população trabalhadora. No lugar de um exército 
permanente, existe o armamento geral da classe trabalhadora, quer 
dizer, o Exército Vermelho e, em tempos de guerra, o exército clas-
sista, o exército de operários e camponeses. A burguesia, que grita 
contra o exército de classe e a milícia de classe, esquece que durante 
a Revolução Francesa ela mesma possuía, nos momentos em que 
era ameaçada por seus inimigos, uma força militar e civil de classe, 
representada pela Guarda Nacional, sem contar que mesmo o exér-
cito regular, criado com base no serviço militar obrigatório, é um 
instrumento cego em suas mãos.
O aparato jurídico também deve ser destruído para que se crie um 
novo, baseado na eleição dos juízes. No que diz respeito ao tribunal 
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para assuntos políticos, diferente do que faz a burguesia, que oculta 
de maneira hipócrita suas ações, o proletariado não tem nenhuma 
necessidade de ocultar que julga seus inimigos de classe e que cria 
para isso tribunais revolucionários.
No que diz respeito ao aparato de direção, em vez de uma buro-
cracia designada de cima para baixo, esta tarefa é levada a cabo por 
soviets eleitos em cada localidade, cujos responsáveis realizam seu 
trabalho mais ou menos nas mesmas condições em que se encontra 
cada operário na fábrica, não possuindo nenhum privilégio especial, 
exceto o privilégio da jornada de 16 horas em vez da de 8 horas20, 
como frequentemente exigem as circunstâncias, e tendo provisoria-
mente o direito de receber mais que um operário ou um camponês 
da base, somente na medida em que seja estritamente necessário para 
poder realizar seu trabalho. Eleição e destituição a qualquer momen-
to: eis aqui a base sobre a qual se constrói o governo proletário.
Como resultado da destruição do aparato governamental burguês, 
a classe operária e o camponês pobre constroem um tipo especial de 
Estado nunca antes visto, Estado que adquiriu na Rússia a forma de 
república soviética. Este Estado dirige suas baionetas contra as classes 
exploradoras; para elas, este Estado é a organização da violência.
No que diz respeito aos operários e camponeses, os soviets cons-
tituem órgãos para a determinação e realização prática dos interesses 
de todos os operários e camponeses da Rússia. Nos congressos pan-
-russos dos soviets estes interesses gerais são estudados, esclarecidos 
e se elabora um plano de ação. Se depois da discussão ainda existem 
soviets locais que não concordam com esse plano, são ainda assim 
obrigados a acatar a decisão da maioria do povo trabalhador.
Desta maneira o governo soviético é a organização da violên-
cia contra as classes abastadas e órgão de autogestão das massas 
trabalhadoras.
20 - O autor alude aqui à dupla jornada de grande parte dos membros do soviet, 
que para além da jornada de trabalho de oito horas, tinham ainda de cumprir 
suas tarefas e encargos enquanto representantespolíticos (N. do E.).
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O ESTADO PROLETÁRIO E SEU 
DESAPARECIMENTO PROGRESSIVO
O Estado proletário é eterno e absolutamente indispensável em 
todas as etapas do desenvolvimento do comunismo? Ou se tornará 
supérfluo uma vez alcançado o comunismo integral? Os grandes mes-
tres do comunismo, Karl Marx e Friedrich Engels, deram em mais de 
uma ocasião uma resposta perfeitamente clara. Esta resposta se resume 
a que o Estado proletário, assim como todas as formas anteriores de 
Estado, é uma organização provisória. Existirá enquanto não sejam re-
solvidas aquelas tarefas para as quais ele foi criado, e deixará de existir 
quando se tornar supérfluo. Engels diz textualmente que “A sociedade, 
reorganizando de uma forma nova a produção […], mandará toda a 
máquina do Estado para o lugar que lhe há de corresponder: o museu 
de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze.”21.
Porém, se subentende que não é possível relegar o machado de 
bronze ao museu, enquanto a humanidade não tenha aprendido a 
usar o machado de ferro ou a desempenhar eficazmente seu traba-
lho utilizando outros instrumentos em seu lugar. Do mesmo modo, 
o Estado proletário morrerá quando tiver realizado o trabalho para o 
qual foi criado, e nunca antes.
21 - ENGELS, Friedrich, A origem da família, da propriedade privada e do 
Estado. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978. p.196 (N. do E.).
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Evgueni Preobrazhenski42
O que o cabe ao Estado proletário realizar? Em primeiro lugar, 
ele deve acabar definitivamente com a resistência das classes abas-
tadas que tentam recuperar o poder com a ajuda do capital estran-
geiro, destruir em sua burguesia a ideia da possibilidade de voltar 
ao velho estado das coisas, tornando impossível qualquer tentativa 
de sublevação interior, tanto para ela como para os elementos pró-
ximos a ela. Enquanto esta tarefa não tenha sido realizada, o Estado 
proletário deve existir, armado com todos seus meios de repressão e 
defesa. Qualquer um que, nestas circunstâncias, se manifeste contra 
a existência do Estado proletário é, de fato, um contrarrevolucionário 
e companheiro ideológico de Wrangel22 e Milyukov.
O Estado proletário deve acabar não somente com a resistência 
armada das classes abastadas, mas com qualquer outra resistência das 
mesmas, seja na forma de sabotagem, descumprimento das leis ou 
outros aspectos ocultos da luta. O Estado proletário deve existir até 
que tenha sido destruída a divisão da sociedade em classes, até que 
todos os antigos fabricantes, banqueiros, latifundiários e pequeno-
-burgueses se tornem cidadãos trabalhadores da sociedade socialista 
e se fundam com o proletariado em um único exército do trabalho.
Todos devem compreender que, neste sentido, o Estado proletário 
tem ante si uma tarefa árdua e enorme. Primeiro é necessário liqui-
dar as altas camadas da burguesia, o que pode ser realizado de forma 
mais ou menos fácil. Mais complicado é liquidar todos os setores da 
média burguesia. E, finalmente, as maiores dificuldades serão encon-
tradas durante a luta contra a pequena burguesia de todos os tipos e 
matizes, com os milhões de mestres artesãos, comerciantes, campo-
neses ricos etc. Esta luta será especialmente difícil na Rússia, país no 
qual prevalece a pequena burguesia. Controlar o pequeno patrão não 
será simples porque este, por sua própria natureza, é um anarquista, 
e desconfia de qualquer Estado, ainda que este Estado seja operário 
e camponês.
22 - Piotr Wrangel (1878-1928) foi um dos oficiais que lideraram as forças con-
trarrevolucionárias no sul da Rússia e Ucrânia durante a Guerra Civil, em especial 
o “Exército Voluntário”, notório por sua crueldade com a população e com prisio-
neiros de guerra (N. do E.).
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Anarquismo e comunismo 43
Eis aqui o programa do pequeno-burguês: produzir mais barato 
e vender mais caro. Por isso se manifestará contra qualquer poder, 
inclusive contra o poder socialista, se este atrapalhar suas ativida-
des, mesmo quando isto é feito no interesse de toda a população 
trabalhadora.
O Estado proletário tende a não expropriar os pequenos proprie-
tários, mas deve controlar a pequena economia. Então os pequenos 
proprietários vão acabando progressivamente, devido ao fato de que 
ser pequeno proprietário durante o socialismo não será muito bom, 
sendo mais conveniente se tornar um membro da comunidade socia-
lista. Nestas circunstâncias, ser pequeno produtor significará traba-
lhar mais e receber menos, e como ninguém é inimigo de si mesmo, a 
pequena economia irá se dissolvendo gradualmente sem a necessida-
de de que o Estado proletário tenha de adotar medidas de violência. 
No entanto, devemos ser conscientes de que no momento inicial os 
pequenos proprietários oferecerão resistência ao controle, particular-
mente, por exemplo, à adoção do monopólio estatal do trigo. Nestes 
momentos o Estado proletário deverá se manter firme como uma 
pedra em sua posição.
O Estado surge quando aparecem as classes. Isto significa que o 
Estado proletário deverá existir enquanto não tenham sido destruí-
das todas as classes definitivamente e para sempre. No entanto, a luta 
do proletariado contra a burguesia do próprio país não pode alcançar 
a vitória definitiva enquanto esta receber o apoio de forças contrar-
revolucionárias estrangeiras. Eis mais um motivo para a existência 
do Estado proletário em um país como a Rússia, rodeado pelas for-
ças inimigas do capital mundial, que tentam sufocar esta fogueira da 
revolução proletária universal. Ao se colocar a questão da defesa da 
revolução, da guerra socialista, fica totalmente claro que esta guerra 
não acabará em êxito sem uma poderosa organização governamen-
tal. Logo, onde há guerra, há exército; e onde há exército, também há 
disciplina e subordinação absoluta dos soldados ao governo proletá-
rio, quer dizer, subordinação à classe operária em geral. Se os impe-
rialistas alemães venceram a Rússia czarista, foi apenas graças à sua 
férrea organização governamental.
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Se a Rússia soviética rechaçou Denikin23, Kolchak24 e Wrangel, 
isto foi graças à férrea organização de seu Estado operário e campo-
nês e à solida disciplina de seu Exército Vermelho, disciplina que não 
poderia ser alcançada sem o aparato governamental que fornecia ao 
Exército Vermelho tudo o que era necessário. Sem isso, não teriam 
sido possíveis suas gloriosas vitórias. Somente o férreo Estado prole-
tário está em posição de organizar as forças de resistência ao capital 
internacional e de defender e preservar as conquistas da revolução 
socialista.
Desta maneira, a existência do Estado proletário será indispen-
sável enquanto não tenham sido vencidas as classes abastadas no 
interior do país, enquanto não tenham sido derrotadas as classes bur-
guesas dos demais países, enquanto não se tenha destruída a divisão 
da sociedade em classes e enquanto todos os grupos privilegiados 
da sociedade não tenham se fundido no exército único de trabalho 
da sociedade socialista. No momento atual é muito difícil dizer com 
certeza como se realizará a liquidação do Estado e é ainda mais difí-
cil prever em que prazo este processo será concluído em suas linhas 
gerais. 
Em 1921, vemos no futuro próximo, em traços gerais, o seguinte: 
devido à incapacidade do capitalismo de se recuperar das consequên-
cias da guerra mundial (aumento da miséria, recessão da economia, 
desemprego e indignação das massas proletárias da Europa), a suble-
vação socialista começará nos países ocidentais e a Europa se tornará, 
depois de uma cruel guerra civil, uma união de repúblicas soviéticas. 
A luta no interior da Europa pode se prolongar e adquirir o aspecto 
de uma guerra entre duas coalizões: a união dos países soviéticos e a 
união das nações burguesas. Naturalmente, durante todo este perío-
do de luta na Europa, na Rússia soviética

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