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Clarisse Zaitz SEÇÃO 3 FUNGOS FILAMENTOSOS SEPTADOS DEMÁCIOS Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios 18 DERMATOMICOSES POR FUNGOS FILAMENTOSOS SEPTADOS DEMÁCIOS São micoses ocasionadas por uma variedade de fungos filamentosos septados e demácios que produzem principalmente lesões na pele, pelos e unhas. Na classificação das feo-hifomicoses, as dermatomicoses por fungos filamentos septa- dos demácios correspondem às feo-hifomico- ses superficiais. Fungos filamentosos septados demácios são geofílicos e estão amplamente distribuí- dos na natureza, em matéria orgânica e em detritos vegetais. O contato do homem se faz através do solo e plantas. O papel desses fun- gos como agentes patogênicos em paciente imunocompetente não era considerado. No entanto, atualmente observa-se um aumento considerável na prevalência e na incidência de dermatomicoses tanto em pacientes imu- nodeprimidos como em imunocompetentes. Nenhum desses fungos é considerado ce- ratinofílico. Todos vivem à custa do cimento intercelular ou da ceratina desnaturada pre- viamente, por trauma ou doença. São consi- derados invasores secundários, mas perma- necem colonizando ativamente a epiderme. A Hendersonula toruloidea é exceção, pois tem efeito patogênico na superfície cutânea que- ratinizada e permanece viável em escamas à temperatura ambiente por seis meses. Alguns autores citam a possibilidade de transmissão antropofílica de Hendersonula toruloidea em pacientes que residem ou visitam áreas onde o fungo é prevalente.V Alguns critérios são citados na literatura para diferenciar os fungos filamentosos sep- tados demácios agentes de dermatomicoses de outros fungos contaminantes ou sapróbios. Um fungo filamentoso septado demácio é con- siderado agente de dermatomicose quando: • determina infecção na pele, pelo ou unha; • o isolamento do fungo em meio de cultura é compatível com sua morfologia em mate- rial clínico; • pode-se recuperar repetidamente o fungo a partir de material clínico; Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios • não ocorre isolamento de outros patógenos em meio de cultura, com ou sem ciclo-hexi- mida; - • o agente etiológico suspeito é capaz de cres- cer à temperatura de 37°C. Vários fungos filamentosos septados demácios têm sido citados na literatura como responsáveis por infecções crônicas no homem. Variantes clínicas Tinha negra Infecção fúngica crônica e as sintomática da camada córnea caracterizada por máculas acastanhadas causada pelo fungo demácio Hortaea werneckii. Castro Pinto Cerqueira, em 1916, na Bahia, relata nove casos de tinha negra em sua tese de doutoramento, sendo o primeiro observado por seu pai Alexandre Cerqueira em 1891. João Ramos e Silva e José Torres, em 1921, descrevem o primeiro caso no Rio de Janeiro. Parreiras Horta, no mesmo ano, isola o fun- go, denominando-o Cladosporium. werneckii em homenagem a Werneck Machado, chefe da Clínica de Dermatologia da Policlínica do Rio de Janeiro. Com base em estudos de conidiogênese, Von Arx, em 1970, denomina o fungo Exoplui- la werneckii. McGinnis e cols., em 1985, criam um novo gênero e passaram a denominar o fungo Pha- eoannellomyces werneckii; atualmente, em homenagem a Parreiras Horta, o agente da ti- nha negra é denominado Hortaea werneckii. A tinha negra é considerada doença de zo- nas tropicais e temperadas. Foi descrita nas Américas do Sul e do Norte, na África e na Ásia. Atinge ambos os sexos e todas as idades, sendo mais prevalente entre jovens em torno dos 20 anos; atinge mulheres três a cinco vezes mais frequentemente do que homens. Muitos pacientes apresentam hiperidrose.ê Hortaea uiernechii é fungo filamentoso de- mácio geofílico que às vezes se torna leveduri- 181 Fig. 18.1 Tinha negra - mácula acastanhada em região palmar. forme, atingindo a camada córnea, principal- mente das regiões palmar e plantar (Fig. 18.1). O diagnóstico é confirmado pelo exame micológico direto revelando hifas septadas demácias e crescimento de colônia do fungo filamentoso, de coloração que varia do cas- tanho-esverdeado ao negro. Ao microcultivo, presença de células leveduriformes com divi- são por cissíparidade'' (Figs. 18.2, 18.3 e 18.4). Ao exame anatomopatológico, na camada córnea, são visualizadas hifas demácias sep- tadas e ramificadas (Fig. 18.5). Fig. 18.2 Tinha negra - exame direto: hifas septadas demácias. 182 Fig. 18.3 Hortaea werneckii - cultura: filamentosa demácia. Fig. 18.4 Hortaea werneckii - microcultivo: células leve- duriformes com divisão por cissiparidade. Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios Fig. 18.5 Tinha negra - anatomopatológico: hifas septa- das demácias coradas pelo HE. A tinha negra responde a agentes quera- tolíticos e antifúngicos de uso tópico. Não há tendência a recidivas, exceto se houver reex- posição a materiais contaminados.ê Piedra preta Infecção fúngica crônica e assintomática da cutícula do pelo, caracterizada pela presença de nódulos firmes irregulares, de coloração preta, causados por Piedraia hortae. A doença foi descrita por Malgoi-Hoes em 1901. Parreiras Horta, em 1911, diferenciou clinicamente as duas piedras (branca e pre- ta), e em 1913 Brumpt denominou o fungo Trichosporon hortai. Fonseca e Arêa Leão, em 1928, passaram a denominar o fungo Piedraia hortae, devido ao reconhecimento da reprodu- ção sexuada e sua relação com a subdivisão Ascomycotina.ê Piedraia hortae é fungo filamentoso demá- cio que forma nódulos de coloração enegrecida, firmes, de várias formas e tamanhos, encon- trados apenas em pelos de homens e animais, principalmente macacos, que habitam regiões Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios tropicais da América do Sul e ilhas do Pacífi- co. Os folículos pilosos não são envolvidos, e a infecção é assintomática." No Brasil, é muito comum na população indígena da Amazônia. Casos esporádicos são observados na Ásia e na África. Afeta ambos os sexos, com discreta prevalência no sexo masculino. Os reservatórios do fungo são as florestas úmidas e águas paradas das mar- gens dos rios.f O exame direto do pelo contaminado com KOH permite a visualização de nódulos pre- tos firmes e aderentes. Os nódulos contêm vá- rios ascos, que contêm de dois a oito ascoporos fusiformes e encurvados. A cultura enegreci- da é de crescimento muito lento" (Figs. 18.6, 18.7 e 18.8). O tratamento da piedra preta consiste no corte dos cabelos. Antifúngicos de uso tópico associados ao corte podem evitar as recorrên- cias frequentes. Onicomicose É a invasão da lâmina ungueal por fungos fi- lamentosos septados demácios. Afecção rara e pouco diagnosticada, sua prevalência varia de 1,45% a 17,6%.4As alterações ungueais po- dem ser idênticas às da tinha da unha ou po- dem apresentar lâmina ungueal enegrecida, inflamação da prega ungueal proximal, colo- ração amarelada da cutícula, dor e secreção Fig. 18.6 Piedra preta - nódulos enegrecidos aderidos ao cabelo. Colaboração do Praf. Sinésio Talhari. 183 Fig. 18.7 Piedra preta - exame direto: nódulos pretos fir- mes e aderentes contendo vários ascos com dois a oito ascoporos fusiformes e encurvados. Fig. 18.8 Piedraia hortae - cultura: filamentosa demácia. 184 purulenta (Figs.18.9 e 18.10). Os agentes mais frequentemente isolados são Hendersonula toruloidea e Scytalidium dimidiatum.êéê-' Gentles e Evans, em 1933, descreveram pela primeira vez a presença de lesões nas unhas e nos pés, provocadas por fungo consi- derado não patogênico ao homem: Henderso- nula toruloidea. Scytalidium dimidiatum no passado era chamado de Scytalidium ligni- cola. Uma revisão da matéria sob o ponto de vista taxonômico considera o anamorfo Hen- dersonula toruloidea sinônimo de Nattrassia mangiferae, tendo como sinanamorfo princi- pal o Scytalidium dimidiatum. Fig. 18.9 Dermatomicose - onicomicose por FFND: Scyta- lídium dimidiatum. Fig. 18.10 Dermatomicose - onicomicose por FFND: Scytalídium dimidiatum. Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios Hendersonula toruloidea(atualmente Nat- trassia mangiferae) vive somente em raízes de determinadas plantas (Pinus e Platamus, principalmente). Produz picnídios e não é con- siderado agente patogênico, a não ser quando aparece provocando lesões fúngicas oportu- nistas. O diagnóstico é confirmado pelo exame mi- cológico direto revelando hifas septadas de- mácias e crescimento de colônias do mesmo fungo (FFND) em três amostras consecutivas de material (Figs. 18.11 e 18.12). Ao microcultivo, observam-se hifas demá- cias artrosporadas (Fig. 18.13). Fig. 18.11 Scytalídium dimidiatum - exame direto: hifa septada demácia. Fig. 18.12 Scytalídium dimidiatum - cultura: filamentosa demácia. Dermatomicoses por Fungos Filamentosos Septados Demácios Fig. 18.13 Scytalidium dimidiatum - microcultivo: hifas septadas demácias artrosporadas. o tratamento das onicomicoses por fungos filamentosos septados demácios é difícil, e as recidivas são frequentes. O ideal é a terapêu- tica combinada dessas onicomicoses. Para a terapêutica tópica, a melhor opção é um an- tifúngico em veículo esmalte (amorolfina, ci- clopirox a 8%) que pode ser associado a avul- são química ou abrasão da lâmina ungueal.j Para o tratamento sistêmico, o itraconazol é a droga de escolha," por ser um antifúngico com amplo espectro de ação. Em casos de difícil re- solução, podem-se associar dois antifúngicos sistêmicos. O tempo de tratamento varia de 8 a 12 meses. Dermatomicose dos pés e mãos Alguns fungos filamentosos não dermatófi- tos têm sido descritos como agentes de lesões de pele dos espaços interdigitais dos pés ou região plantar, semelhantes clinicamente à tinha dos péS.9,10 Mais raramente, podem aco- meter as mãos. Os agentes isolados com maior frequência são: Hendersonula toruloidea, Al- ternaria alterna ta, Alternaria chlamydospora, Cladosporium sphaeroepermum, Curvularia verrucosa e Curvularia senegalensis. A tera- pêutica das dermatomicoses pode ser tópica, sistêmica ou combinada. Os antifúngicos de uso tópico são, em geral, de amplo espectro, como os derivados imidazólicos e a ciclopirox 185 olamina. A droga de escolha no tratamento sistêmico das dermatomicoses por FFND é o itraconazol. Dermatomicose quérion-símile Não há relatos na literatura, mas que é pos- sivel um FFND demácio ser responsável por uma dermatomicose quérion-símile. Dermatomicose da pele glabra São poucos os relatos de dermatomicose cutâ- nea na literatura. Foram descritos casos por Alternaria spp. em pacientes imunocompeten- tes.!' Na terapêutica, são utilizados antifún- gicos de usos tópico (derivados imidazólicos e ciclopirox olamina) e sistêmico (itraconazol). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Summerbell RC, Kane J, Krajden S. Onycho- mycosis, tinea pedis and tinea manum caused by non-dermatophytid filamentous fungi. My- coses 1989; 32:609-19. 2. Elewski BE, Greer DL. Hendersonula toruloi- dea and Scytalidium hyalinum. Arch Dermatol 1991; 127:1041-4. 3. 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