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23 Cromoblastomicose Iphis Campbell CONCEITO Cromoblastomicose é micose crônica, granu- lomatosa e supurativa da pele e tecido subcu- tâneo causada pela implantação traumática de uma variedade de fungos demácios que formam corpos escleróticos no tecido. ETIOLOGIA Os agentes etiológicos da cromoblastomicose são: Fonsecaea pedrosoi, Fonsecaea compac- ta, Phialophora verrucosa e Cladosporium carrionii. Foram descritos alguns casos de cromomicose por Rhinocladiella aquaspersa+ No Brasil, o agente mais frequente é a Fonse- caea pedrosoi. ECOLOGIA Os agentes da cromoblastomicose são fungos geofílicos da família Dematiaceae que vivem como saprófitas na natureza, sendo encon- trados no solo, em plantas, troncos e pedaços de madeira. Já foram isolados em todos os continentes. 1-3 A grande maioria dos pacientes é habitan- te de áreas rurais, homens entre 30 e 50 anos de idade que estão mais expostos a pequenos traumas repetidos e consequente inoculação. É doença infectiva, pois as lesões tissulares estão sempre associadas à presença do pató- geno, não havendo evidências de que seja tam- bém infecciosa, pois não existe documentação de transmissão entre humanos ou animais. A doença é muito mais comum em climas tropicais e subtropicais, e a maioria dos casos é oriunda da África e das Américas, especial- mente Madagascar e Brasil, onde já foi descri- ta em todas as regiões, com maior frequência na Amazônia.vf MANIFESTAÇÕES CLíNICAS A doença surge em local de pequenos traumas prévios, que muitas vezes não são percebidos pelo paciente. Os membros inferiores são os Cromoblastomicose mais frequentemente acometidos, seguidos dos superiores e da região glútea. Outros lo- cais acometidos incluem dorso, pescoço, ore- lha e face. A lesão inicial é uma pápula, que aparece vários meses após a inoculação e que pode ser pruriginosa. Essa pápula cresce lentamente e evolui para formar as lesões das duas varian- tes clínicas mais frequentes da cromoblasto- micose: noduloverrucosa e em placas. As lesões evoluem gradualmente para formar placas eritematoescamosas, muitas vezes com aspecto psoriasiforme e lesões no- duloverrucosas que lembram couve-flor. Em ambos os tipos, podem ser observados pon- tos enegrecidos - black dots -, que são na realidade crostas sero-hemáticas em que os micro-organismos seriam preferencialmente encontrados. Essas lesões noduloverrucosas na maioria das vezes se elevam abruptamen- te em pele aparentemente normal - lesões vegetantes - e frequentemente se ulceram. Disseminam-se regionalmente por via linfáti- ca e provavelmente hematogênica, formando conglomerados que podem se alternar com áreas de fibrose cicatricial e ocupar grandes áreas do membro afetado, causando incapaci- dade funcional (Figs. 23.1, 23.2 e 23.3). Infecção secundária bacteriana ocorre fre- quentemente, e, além de ser responsável pelo odor característico, contribui para a estase linfática e a elefantíase. Há disseminação por contiguidade para ossos, provocando lesões osteolíticas.? Fig. 23.1 Cromomicose. Forma verrucosa. 213 Fig. 23.2 Cromomicose. Forma vegetante. Fig. 23.3 Cromomicose. Forma eritematoinfiltrada e ver- rucosa. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Exame micológico direto As escamas devem ser coletadas dos pontos enegrecidos e clareadas com KOH a 20%. Fita adesiva pode ser utilizada na coleta de escamas para visualização direta do para- sita.f Material de biópsia também pode ser utilizado. 214 Ao exame, observam-se células arredonda- das, acastanhadas, com ou sem septações: são os corpos escleróticos ou fumagoides, comuns a todas as espécies (Fig. 23.4). Cultura o crescimento desses fungos em ágar Sabou- raud-dextrose se dá em aproximadamente 4 semanas. A colônia é escura, filamentosa, e não permite o diagnóstico de gênero e espécie (Fig. 23.5). Fig. 23.4 Exame direto. Corpúsculos fumagoides. Fig. 23.5 Cromomicose. Colônia filamentosa demácia. Cromoblastomicose Cultivo em lâmina Essa técnica pode permitir a diferenciação entre os gêneros Fonsecaea, Phialophora, Cladosporium e Rhinocladiella. Os diferentes agentes da cromomicose podem apresentar os três tipos de esporulação, com predomínio de um deles para cada gênero e/ou espécie. Frutificação tipo Cladosporium As cadeias de esporos originam-se de uma cé- lula do conidióforo que possui três disjunto- res. É o tipo de frutificação predominante nos microcultivos de Fonsecaea pedrosoi, apesar de ser encontrada também nos outros gêne- ros (Fig. 23.6). Frutificação tipo Phialophora O conidióforo tem a forma de vaso. Os esporos se dispõem ao redor do conidióforo, lembrando ''vaso de flores". Predomina nos microcultivos de Phialophora verrucosa, apesar de ser encon- trada também nos outros gêneros (Fig. 23.7). Frutificação tipo Rhinocladiella Esporos dispostos ao longo e na extremidade do conidióforo. Aparece esporadicamente em microculti- vos de todos os gêneros responsáveis pela cro- momicose, mas é predominante em Rhinocla- diella aquaspersal (Fig. 23.8). Fig. 23.6 Microcultivo. Frutificação tipo Cladosporium. Cromoblastomicose Fig. 23.7 Microcultivo. Frutificação tipo Phialophora. Fig. 23.8 Microcultivo. Frutificação tipo Rhinoc/adiella. Anatomopatológico A epiderme mostra hiperplasia pseudoepi- teliomatosa bem característica, e a presença do fungo provoca na derme uma reação in- flamatória granulomatosa e supurativa com células gigantes. Reação granulomatosa com plasmócitos, linfócitos, eosinófilos,neutrófilos, macrófagos, células gigantes multinucleadas e microabscessos é bastante característica. Fibrose pode ser vista em casos mais antigos. O fungo, com sua típica parede espessa, é de cor acastanhada, arredondado, medindo de 2 a 4 micra. São agrupados ou isolados, e mui- tos apresentam septação central muriforme (em forma de muro ou parede). É facilmente visualizado nas lâminas coradas pelo HE, não havendo necessidade de coloração especial. É encontrado mais frequentemente dentro 215 de células gigantes ou no interior de micro- abscessos na derme, ou também na epiderme, pelo processo de eliminação transepidérmica (Figs. 23.9, 23.10 e 23.11). Fig. 23.9 Cromomicose. Anatomopatológico - HE. Fig. 23.10 Cromomicose. Anatomopatológico - HE. Fig. 23.11 Cromomicose. Anatomopatológico - HE. 216 PROGNÓSTICO o prognóstico quanto à vida é bom, porém as ulcerações, linfedema, elefantíase e a croni- cidade podem ser responsáveis por incapaci- dade funcional do membro afetado. As lesões ulceradas e cicatrizes antigas podem evoluir para carcinomas espinocelulares. TRATAMENTO As melhores chances de cura da cromoblasto- micose ocorrem em lesões pequenas, em geral menores de 15 em e localizadas. Nesses casos, o uso de antifúngicos, especialmente o itraco- nazol, termoterapia, crioterapia, cauterização, laser de CO2 e exérese cirúrgica, isolados ou combinados, curam a totalidade das lesões.9,10 As dificuldades para o tratamento dos casos extensos e de evolução mais arrastada podem ser evidenciadas pelas numerosas modalida- des terapêuticas tentadas ao longo de quase um século, no início com o arcaico iodeto de sódio endovenoso, iodeto de potássio, vitami- na D2, iontoforese e radioterapia, que não são mais usados, até entrarmos, há cerca de 50 anos, na era dos antimicóticos. Drogas como Cromoblastomicose 5-fluorocitosina, anfotericina B, cetoconazol, itraconazol e terbinafina, são usadas isolada- mente ou associadas a exérese cirúrgica, ele- trocauterização, crioterapia, termoterapia ou laser de CO2. Atualmente, os melhores resultados, em- bora ainda não ideais, são obtidos com a associação de itraconazol e crioterapia ou termoterapia.ê+v'ê Itraconazol é usado em dose diária que varia de 200 a 400 mg, e a duração depende da extensão das lesões e da resposta clínica, podendo se estender de 6 me- ses a vários anos9,12 (Fig. 23.12). Crioterapia com nitrogênio líquido, que mostra excelentes resultados em lesões pequenas e isoladas, é ótima opção quando associada a itraconazol em lesões extensas. O tempo de congelamento pode variar de 30 segundosa 4 minutos, e o número de ciclos vai de 1 a mais de 4014(Fig. 23.13). Embora isoladamente não leve à erradica- ção do fungo, a termoterapia é ótima associa- ção para maximizar a ação do itraconazol.l'v'? Largamente utilizada em oncologia, em com- binação com quimioterapia infusional regio- nal, aumenta de modo bastante evidente a efi- cácia do tratamento. Seu possível mecanismo de ação na cromoblastomicose seria direta- Fig. 23.12 Cromomicose. Pré e pós-tratamento (itraconazol). Cromoblastomicose mente sobre o fungo e sobre as respostas imu- nes do hospedeiro, aumentando a eficácia do itraconazol (Figs. 23.14 e 23.15).15,16,17Embo- ra de difícil implementação, pois a fonte de Fig. 23.13 Cromomicose. Pré e pós-tratamento (itraconazol + crioterapia). Fig.23.14Cromomicose. Pré e pós-tratamento (itraconazol + termoterapia). 217 calor deve ser mantida entre 40-42°C e per- manecer continuadamente em contato com a região afetada, seus benefícios compensam o esforço (Fig. 23.16). Fig. 23.15 Cromomicose. Pré e pós-tratamento (itraconazol + termoterapia). Fig. 23.16 Cromomicose. Pré e pós-tratamento (termote- rapia). 218 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Kwon-Chung KJ, Bennett JE. Chromoblasto- mycosis. In: Medical Mycology. pt ed. Pennsyl- vania. Lea & Febiger, 1992. p. 327-35. 2. Silva CM, da Rocha RM, Moreno JS et ai. 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