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O que Significa Aprender e Ensinar Filosofia

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES 
FACULDADE DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
 
Ingrid Müller Xavier 
 
 
O que significam aprender e ensinar filosofia? Notas a partir de 
uma experiência no Colégio Pedro II 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Fevereiro de 2010 
 
 
 
 
Ingrid Müller Xavier 
 
 
O que significam aprender e ensinar filosofia? Notas a partir de 
uma experiência no Colégio Pedro II 
 
 
Tese apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Educação da 
Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro, como parte dos requisitos 
curriculares obrigatórios para a 
obtenção do título de doutor em 
Educação. 
 
 
 
 
 ORIENTADOR: WALTER OMAR KOHAN 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Fevereiro de 2010 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Autor Xavier, Ingrid Müller 
 Cód 
O que significam ensinar e aprender filosofia? Notas a partir de 
uma experiência no Colégio Pedro II– Rio de Janeiro, RJ, [s.n] 
2010 
 
 
 Orientador: Walter Omar Kohan 
 
Tese de Doutorado. Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro. Bibliografia:f. 
 
 1. Ensinar 2. Aprender. 3 Filosofia. I. Walter Omar Kohan. 
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ingrid Müller Xavier 
 
O que significam ensinar e aprender filosofia: Notas a partir de uma 
experiência no Colégio Pedro II 
 
COMISSÃO EXAMINADORA 
 
 
Prof. Dr. Walter Omar Kohan 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ 
(orientador) 
 
______________________________________ 
Prof. Dr. Alejandro Ariel Cerletti 
Universidad de Buenos Aires - UBA 
 
______________________________________ 
 
Prof. Dr. Miguel Angel de Barrenechea 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO 
______________________________________ 
 
Prof. Dr. Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo 
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP 
 
______________________________________ 
Profa. Dra. Siomara Borba 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ 
 
_________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 ao wok, são muitos os porquês 
 
 
 
 
 
aGradEcimentos 
 
 
 
 
 
Aos corações que me dão ritmos, respiros e silêncios e 
com seus pulsos fazem do viver sinfonia. 
 
 
 
Mamiméri, Julika, Nonó, Tweeta, Rena, Celinzin, FLP, Gi , Filó, 
IU, Tita, Juanita, Sierpe, Paulinho, Paulão, Mig e Pipa, 
NEFI,V, Sandra e Francisco. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. 
- Mas qual a pedra que sustenta a ponte? – pergunta 
Kublai Kahn. 
- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – 
responde Marco -, mas pela curva do arco que estas 
formam. 
 Kublai Kahn permanece em silêncio refletindo. Depois 
acrescenta: 
- Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. 
Polo responde: 
- Sem pedras o arco não existe. 
 
 
 Ítalo Calvino, As cidades invisíveis 
RESUMO 
 
O presente trabalho é uma investigação sobre os sentidos de uma tríade 
de conceitos considerados problemas que atravessam a prática dos ensinantes 
e aprendizes de filosofia: ensinar, aprender e filosofia. O exame parte de um 
diagnóstico das inflexões nas subjetividades operadas por duas condições da 
cultura hipermoderna: a vídeo-imagem e a corpolatria e sugere que a 
repercussão sobre o ensinar e o aprender filosofia destas condições impulsiona 
à descentralização do ensino de filosofia do marco eminentemente focado na 
leitura e na escrita. 
O solo do trabalho é um conjunto de experiências realizadas no marco 
de uma tradicional instituição escolar pública da cidade do Rio de Janeiro 
tendo em vista uma educação filosófica. As experiências nele relatadas 
incluem encenações teatrais, uso de filmes e o trabalho realizado com textos 
do corpus filosófico. Os procedimentos adotados para pensar o que é ensinar, 
aprender e filosofia são de inspiração nietzschiana e privilegiam a filologia e a 
genealogia. Os filósofos escolhidos para pensar os problemas implicados nas 
relações entre ensinar, aprender e filosofia são Rancière, Kant, Nietzsche, 
Ortega y Gasset, Heidegger, Deleuze e Platão. 
A investigação visita a noção de problema desde três perspectivas 
filosóficas, examina a questão do sentido e considera a formação de 
professores de filosofia. Problematiza o modelo ensinar e aprender norteado 
pela transmissão, bem como a noção de formação e o vínculo filosofia e 
conhecimento e propõe as noções de experiência e de signo como sugestivas 
para pensar uma educação filosófica orientada pelo lema pindárico “venha a 
ser o que és”. 
 
 
PALAVRAS-CHAVE 
Ensinar, Aprender, Filosofia, Problema, Sentido, Ensino médio, Formação de 
professores 
 
 
 
 
RESUMEN 
 
El presente trabajo es una investigación sobre los sentidos de una tríade 
de conceptos considerados como problemas. Estos conceptos atraviesan la 
práctica de los enseñantes y aprendices de filosofía: enseñar, aprender y 
filosofía. La investigación parte de un diagnóstico de las inflexiones operadas 
en las subjectividades por dos condiciones de la cultura hipermoderna: el 
vídeo-imagen y la corpolatría y sugiere que la repercusión de estas 
condiciones sobre el enseñar y el aprender filosofía direcciona hacia un 
descentramiento de la enseñanza de la filosofía marcada predominantemente 
por la lectura y la escritura. 
El suelo del trabajo es un conjunto de experiencias realizadas en una 
tradicional institución escolar pública de la ciudad de Rio de Janeiro con la 
finalidad de promover una educación filosófica. Las experiencias relatadas 
incluyen puestas en escena de piezas teatrales, uso de películas 
cinematográficas y trabajo a partir de textos del corpus filosófico. Los 
procedimientos adoptados para pensar los sentidos para enseñar, aprender y 
filosofía son de inspiración nietzscheana y privilegian la filología y la 
genealogía. Los filósofos elegidos para ayudar a pensar los problemas 
implicados en las relaciones entre enseñar, aprender y filosofía son Rancière, 
Kant, Nietzsche, Ortega y Gasset, Heidegger, Deleuze y Platón. 
La investigación visita la noción de problema desde tres perspectivas 
filosóficas, examina la cuestión del sentido y considera la formación de 
profesores de filosofía. Problematiza el modelo de enseñar y aprender 
regulado por la idea de transmisión, el concepto de formación y el vínculo 
entre filosofía y conocimiento. Propone las nociones de experiencia y signo 
como inspiradoras para pensar una educación filosófica orientada por el lema 
pindárico “llega a ser el que eres”. 
 
PALABRAS CLAVE 
Enseñar, Aprender, Filosofía, Problema, Sentido, Enseñanza media, Formación 
de profesores 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
Uma escrita em es/xtratos: onde se prefere procedimento a método 1 
 
 
Es/xtrato 0: TRAÇANDO UM HORIZONTE: 
 relações entre ensino de filosofia, educação e cultura 
 13 
Laranja: Sentido, novidade 13 
Branco: Tradição, novidade, filosofia 17 
Azul: Possibilidades e impossibilidades do ensino de filosofia na 22 
 escola 
 
 Azul marinho: Filosofia em tempos de adrenalina 25Azul celeste: Escrita e vídeo-imagem, espaço/tempo e pensamento 25 
 Azul cobalto: O declínio da interioridade e o novo indivíduo exterioridade 31 
 Azul turquesa: Repercussões destas duas condições culturais no ensino de 
 filosofia na escola 37 
 
 
Es/xtrato I: SOBRE POSSIBILIDADES DE ENSINAR FILOSOFIA NO 43 
 COLÉGIO PEDRO II 
 
Preto: O contexto institucional: breves apontamentos sobre a 
 filosofia na escola brasileira 43 
Roxo: A filosofia no Colégio Pedro II: possibilidade de experiências 
 singulares 
 
 Lilás:Dramatizações 56 
 Ametista: O banquete (2000) 56 
 Lavanda: Admirável mundo novo (2003) 61 
 Orquídea: Em torno ao problema “Relação Homem-Natureza” (2007) 66 
 Vinho: Cinegreve (2005 e 2006) 73 
 Violeta: Dois cursos “regulares” 78 
 
 
Es/xtrato II: PROBLEMA: a noção como problema filosófico; 81 
 ENSINAR E APRENDER COMO PROBLEMAS 
 
Vermelho: Problema: a noção como problema filosófico 82 
 
 Carmesin: Aristóteles 83 
 Coral: Ortega y Gasset 85 
 Cereja: Deleuze 87 
 Escarlate: O problema, os filósofos e filosofia 90 
Verde: Ensinar e aprender como problemas filosóficos 93 
 
 Verde limão: Ensinar (filosofia) como problema: a impossibilidade de 
 ensinar filosofia 94 
 Verde mar: Ensinar e aprender (filosofia): problemas de uma relação 102 
 Verde folha: Aprender (filosofia) como problema: o enigma de aprender 
 filosofia 109
 
 Esmeralda: Aprendizagem e experiência 110 
 Jade: Aprendizagem e signos 113 
 
 
Es/xtrato III: FILOSOFIA, FILOSOFIAS, FILOSOFAR: 
 PENSANDO UMA EDUCAÇÃO FILOSÓFICA 119 
 
Amarelo: Filosofia, utilidade e sentido 119 
Âmbar: Filosofia terreno e territórios 122 
Açafrão: Um ideal de mestre: o buscador de verdades 124 
Topázio: Um ideal de mestre: o criador de sentidos 128 
Jalde: Filosofar como inventar-se 133 
Ouro: Vir a ser o que se é 140 
 
 
Pós-es/xtratos: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE FILOSOFIA 144 
 
Bibliografia 158 
 
Anexos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Uma escrita em es/xtratos: onde se prefere procedimento a método 
 
Um homem nunca se eleva mais alto 
senão quando desconhece para onde seu 
caminho poderia levá-lo. Emerson 
 
 Esta tese parte de uma constatação: ensino filosofia em uma escola e 
não sei muito bem o que seja ensinar. Tampouco me atrevo a dizer o que seja 
exatamente filosofia, ainda que tenha pensadores favoritos e prefira pensá-la 
não somente como disciplina teórica e uma relação de problematização com os 
saberes, mas também como uma maneira de viver. 
 Venho experimentando dar aulas de filosofia há treze anos, inspirando-me 
nos meus mestres, improvisando segundo a circunstância, o humor e o convite 
de um problema, buscando dar espaço para o acaso e o imprevisto. Aluna 
durante os tempos da ditadura, não me foi apresentada a filosofia na escola. A 
proximidade com a filosofia adveio com os estudos de filologia que sucederam 
uma primeira formação em medicina. O estudo sistemático de filosofia só 
aconteceu de fato em um terceiro momento de formação quando, incentivada 
por um professor de filologia, acabei por me desviar da filologia para então me 
dedicar à filosofia e ao seu ensino. Ainda que meus professores e professoras 
de filosofia na universidade tivessem interesses e preocupações filosóficas as 
mais diversas, um ponto, pelo menos lhes era comum: o trabalho de leitura e 
interpretação do texto filosófico. Herança que perpetuei nos primeiros anos de 
ensinante ao fazer do texto filosófico o principal caminho de iniciação à 
filosofia. Alguns dos meus alunos dizem que aprenderam filosofia na escola 
comigo e que isso vem sendo importante para a vida deles. Não sei bem como 
isso acontece, mas parece que ensino, ao menos para alguns, e alguns 
acreditam ter aprendido. 
 Neste trabalho, pretendo explorar os sentidos de aprender e ensinar 
filosofia a partir de minha experiência como professora desta chamada 
“disciplina” no Colégio Pedro II (CPII), instituição que será oportunamente 
apresentada mais adiante. O que aqui se quer avaliar é a pluralidade de 
possíveis encaminhamentos e desdobramentos que emergem quando nos 
propomos a investigar um campo conceitual ineludível: aquele presente nas 
diferentes práticas e teorias que fundamentam e promovem o ensino de 
filosofia; notadamente o território delineado por conceitos centrais como 
sejam ensinar, aprender e filosofia. A escolha do tema desta tese, ao se 
concentrar nos três conceitos supracitados, deve-se à insistência sempre 
renovada com a qual estes conceitos vêm exigindo cada vez mais 
esclarecimento com vistas a criar sentidos para a minha própria prática 
docente. Penso ser mesmo impossível aos que se dedicam com cuidado a 
ensinar filosofia dispensar-se da ocupação de problematizar o que entendem 
por filosofia, o que consideram ser ensinar e o que julgam ser aprender. 
O que aqui se apresenta é, pois, um exercício despojado de pretensões 
outras que tão somente repensar algumas etapas de um percurso, apontar 
questões, colocar problemas que possam deixar ver minhas próprias 
dificuldades e algumas que percebo no meu trabalho com os jovens e com os 
professores em formação com os quais convivo na prática cotidiana. Se 
algumas das orientações que propus para mim mesma puderem vir a ser úteis 
para outros professores, isso se deve ao fato deles serem atravessados por 
inquietações semelhantes e estarem,como eu, em busca de outras 
experiências na tentativa de exercitarmos encaminhamentos que revigorem e 
ressituem nossas maneiras de pensar e de agir como ensinantes de filosofia e 
que nos façam mais capazes de movimentar os problemas, introduzindo-lhes 
novos elementos e ampliando as questões. 
 E por isso penso que faz sentido não apenas se debruçar sobre os 
sentidos de ensinar hoje filosofia no ensino médio de uma instituição de ensino 
federal do Brasil, mas também ter feito disso espaço para uma pesquisa e a 
redação desta tese. Outro sentido que pode nascer daqui é se o problema de 
buscar uma política afetiva interessante para o ensino de filosofia for capaz de 
inspirar também a prática de outros professores neste momento de retomada 
e renascimento da filosofia como disciplina escolar. 
O trabalho se pretende um exercício exploratório de três campos 
constituintes do território a investigar: 
 
I. Análise de experiências pedagógicas vinculadas ao ensino e à 
aprendizagem de filosofia na escola; 
II. Apresentação, descrição e avaliação de contribuições filosóficas para 
entender a complexidade das relações entre filosofia e seu ensino, 
tendo como interlocução preferencial os estudos teóricos referentes 
às perspectivas educacionais presentes nas filosofias de F. Nietzsche, 
J. Rancière e G. Deleuze; 
III. Problematização dos conceitos e modelos pedagógicos que circulam na 
tradição do ensino de filosofia. 
 
De modo algum se trata de campos sem relação. Portanto, eles não serão 
abordados isolada ou separadamente. Ao contrário, eles se cruzam e 
perpassam este trabalho em vários planos. O tratamento que a eles dispenso 
está atravessado por duas linhas procedimentais que apresento a seguir. 
 
Procedimento e método 
 Ainda que se tenda a apresentar como sinônimos as palavras método e 
procedimento, creio que se possa fazer uma distinção significativa entre elas. 
A palavra método, do grego méthodos, é uma composição do antepositivo 
metá, com, de acordo com e odós, via, caminho. “Tem-se um método quando 
se dispõe de um ‘caminho’ para alcançar um determinado fim, proposto de 
antemão” (FERRATER MORA, J. 2001. p. 2400). Vemos que a palavra está 
comprometida não apenas com um caminho, mas com uma finalidade 
previamente estabelecida. Isso parece bastante claro quando no Sofista, 
Platão ainda bem no início do diálogo (218d -219a) faz uso repetido da 
palavra método para estabelecer as primeiras coordenadas do caminho ao 
encalço de uma definição de sofista. A palavra procedimento, claramente 
derivada de proceder, abstém-se de um caminho já traçado e de finalidades 
prefixadas e aponta em direção a uma ação, um comportamento, um modo de 
realizar, desenvolver, nascer e dar origem. 
Esta tese, de certo modo, buscará fazer-se com alguns recursos 
tomados de empréstimo a maneira de operar nietzschiana: a filologia e a 
genealogia. Procedimentos estes que além de influenciarem a minha prática 
docente contribuíram para ajudar a pensá-la. 
Filologia 
“Toda atividade filológica deve estar embasada e delimitada por uma 
Weltanschaung filosófica”, dirá Nietzsche em seu discurso inaugural de 28 de 
maio de 1869 (apud HAYMAN,1980 p.110). O filólogo promissor, aos 24 anos 
indicado para ocupar a cátedra de filologia na Universidade de Basiléia, 
redimensionará as perspectivas da filologia, “disciplina mortalmente perversa” 
segundo as palavras de Richard Wagner. Já em seus primeiros trabalhos sobre 
Teógnis, Diógenes Laércio e Demócrito, Nietzsche buscara desviar-se do 
cientificismo-lógico atravessado pelo “espírito de gravidade”, distanciando-se 
da escrita pesada, da explicação gramatical exata, da minudência e da 
erudição pretensiosa cara aos filólogos. Será seu segundo desvio. O filho e 
neto de pastores destinado à teologia, uma vez seduzido pela Antiguidade, 
acabara por migrar do estudo da religião para “a consciência científica”, indo 
então ocupar-se do estudo científico das letras clássicas. Convertido à filologia 
– campo do saber fundado sistematicamente no final do século XVIII com a 
preocupação de se manter no registro, método e perspectiva da ciência1 – 
Nietzsche busca multiplicar pontos de vista, ampliar horizontes: “Atualmente 
ciência, arte e filosofia se unem em mim tão fortemente que um dia 
conceberei centauros”. E seu primeiro centauro será O Nascimento da 
tragédia, livro no qual a filologia recebe um tratamento inovador ao reunir arte 
e filosofia. 
As críticas ferozes não demoram, está aberta a Philologenkrieg, a guerra 
dos filólogos. Acusado pela comunidade filológica de denegrir o método 
histórico-crítico da “ciência da Antiguidade”, comprometido com a verdade, e 
com o controle rigoroso das hipóteses, bem como de “não levar nossa ciência 
a sério”, Nietzsche estaria subordinando a filologia à filosofia e à música e com 
isso e por isso estaria a “fundar uma nova religião” ao contaminar a filologia 
com considerações estéticas e filosóficas. Ou seja, Nietzsche não investe a 
filologia de uma aura de legitimidade acadêmica e científica; antes, se propõe 
a comprometê-la com a questão do valor, o que resulta em uma nova 
estratégia para pensar a linguagem relacionando-a a uma hierarquia dos 
estados da alma e a formas de vida. Nietzsche, que tem plena convicção de 
ser um avant-gard, um explosivo outsider e estar fundando uma nova 
filologia, a “filologia do futuro” – como dirá Rohde, o único filólogo que sai em 
sua defesa – garante estar confiante de que serão necessárias várias décadas 
para os filólogos compreenderem “um livro tão esotérico e científico”. 
“Não sei que sentido poderia ter a filologia clássica se não o de atuar de 
uma maneira intempestiva, quer dizer, contra o tempo, e, portanto sobre o 
tempo e, assim espero, em favor de um tempo vindouro”, diz Nietzsche, dois 
 
1 Com Prolegomena ad Homerum de 1795, o kantiano Friedrich A. Wolf postula as tarefas, as possibilidades 
e os limites da “ciência da Antiguidade”. A fundação da filologia representa uma virada significativa na 
maneira de abordar a cultura clássica, pois as exigências de Wolf de “explicação gramatical exata, nada de 
estética ou poética” pretendem demolir a aura de magia e encantamento que acompanhava a imagem 
humanista do mundo antigo. 
anos depois, no prefácio da Segunda Consideração Intempestiva” (2000a, 
p.34). O que ele está encaminhando é pensar diferentemente a filologia e, ao 
estabelecer aliança com a estética e a poética, inventar um procedimento 
filológico afastado da via empoeirada e cinzenta da erudição presa à 
meticulosa investigação de documentos, maçante e massuda, e que tem por 
lema recusar a obsessão pela verdade. Este gesto – ampliar o horizonte da 
“ciência da Antiguidade”, inserindo-a em um campo multirrelacional 
atravessado pela arte – é expressão de uma problematização filosófica da 
filologia. Ao entendê-la como um conhecimento científico ressequido, “cega 
atividade de toupeira”, o que orienta o pensador é uma visada bastante 
desconfiada da “vontade de verdade” aliada ao instinto de conhecimento e à 
“objetividade” que anima a filologia. 
 Em um texto de 1872, portanto do ano mesmo em que é publicado O 
Nascimento da tragédia, ele dirá: “A história e as ciências da natureza foram 
necessárias contra a Idade Média: o saber contra a crença. Contra o saber 
dirigimos neste momento a arte: regresso à vida” (1984. p. 31). Em última 
instância, o que Nietzsche postula é que arte e ciência são ambas, igualmente, 
ilusões; a segunda, ilusão de dar conta da verdade objetiva do mundo, a 
primeira, ilusão de torná-lo suportável. Sua formação filológica não lhe 
impediu2 de ver que conceitos não são senão resíduos de metáforas e que 
estas, por sua vez, resultam de um complexo processo constituído por 
diferentes transformações e transposições analógicas e singulares que têm 
início na maneirapela qual somos afetados pelas coisas. Desde essas 
primevas reações, excitações nervosas são convertidas em imagens que, 
sofrendo uma segunda transposição e submetidas à identificação do não 
idêntico, acabam por culminar na linguagem, no entanto, ao se esquecerem 
de sua misteriosa proveniência, conceitos pretendem-se objetivos, universais 
e verdadeiros espelhos das coisas. Em um texto de 1873, portanto apenas um 
ano após O Nascimento da tragédia, Nietzsche reativa a velha questão dos 
cínicos: 
O que é então a verdade? Uma multidão móvel de metáforas, 
metonímias, antropomorfismos, enfim uma soma de relações 
humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, 
transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um 
povo firmes, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, 
 
2 Por outro lado, a sua imaginação filológica lhe permitiu ver os conceitos como resíduos de linguagem, 
metáforas. 
das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram 
gastas e sem força sensível, moedas que perderam seu cunho e 
agora só entram em consideração como metal, não mais como 
moedas. (NIETZSCHE, 1984. p.94)3
 
Apropriando-me do procedimento filológico de Nietzsche, buscarei 
revisar algumas ilusões de verdade consolidadas em torno do aprender e 
do ensinar para propor outras ilusões e metáforas que possam 
desestabilizar sentidos cristalizados. Sem desmedidas pretensões, 
tentaremos fazer à didática – ou melhor, a uma experiência precisa, 
limitada da didática do ensino de filosofia – o que Nietzsche fez à filologia: 
uma invenção filológica que seja também problematização filosófica, por 
via da estética, sem qualquer ambição de se constituir em ciência, de dar 
conta de uma verdade objetiva. O que se tenta é apenas retomar e expor o 
que reiteradas vezes foi feito nos cursos junto com os alunos: ater-se a 
forças muitas vezes escondida nas palavras pensando-as desde as suas 
entranhas. Procedimento cuja intenção foi sempre a de contagiar os alunos 
com o prazer de descobrir os mundos que se ocultam nas palavras. 
 
Genealogia 
Ex-teólogo, ex-filólogo, o filósofo Nietzsche inventa um procedimento 
que tem por estratégia a genealogia. O procedimento genealógico tem suas 
raízes na filologia, pois foi a partir de uma “invenção filológica” que ele se 
configurou4. A genealogia não se limitará a determinar a gênese histórica de 
um acontecimento, ou fato, mas, sobretudo, avaliar as forças que o 
engendram, sopesar-lhes o quantum de potência que deflagram ou 
sequestram, em suma, entendê-las como vetores de valor e atrever-se a 
examinar a psicologia das formas de vida que consolidam esses valores. 
 O pensamento de Nietzsche, ao introduzir a questão do valor e do 
sentido, se pretende uma critica total, uma vez que, segundo nosso autor, 
Kant não teria explorado suficientemente as possibilidades da crítica, uma vez 
que não se atreveu a defrontar-se com o problema do valor. A genealogia em 
Nietzsche se faz como procedimento crítico de investigação que visa detectar 
as condições de possibilidade de uma pretensão, de uma teoria ou de um 
 
3 Tradução de Ana Lobo, levemente modificada. 
4 Será a partir da análise filológica da palavra “bom” em várias línguas que Nietzsche assentará o 
procedimento genealógico. Cf. A genealogia da moral, Ia dissertação “bom e mau”, ”bom e ruim”. 
valor observando as condições concretas que determinaram seu 
aparecimento. Explora também a legitimidade dos valores e assim 
desmascara-lhes as ilusões através um percurso histórico interessado em 
revelar os jogos antagônicos das vontades de potência configuradas nas redes 
múltiplas e complexas dos acontecimentos que concorrem para a gênese de 
um valor, idéia ou teoria. O procedimento, portanto, não busca a origem, o 
fundamento originário de um valor ou idéia, antes quer rastrear sua 
proveniência constituída pelas diversas articulações históricas que permitem 
mostrar a emergência de uma pretensão ao se consolidar como valor. 
Genealogia é sempre interpretação e avaliação de uma proveniência. 
Interpretação e avaliação que devem ter uma referência concreta a partir das 
observações recolhidas pela filologia e pela história, continuamente 
dependentes das condições vitais. Interpretar e avaliar tem como principal 
parâmetro os efeitos de potenciação ou coação da vida, única pedra de toque 
da genealogia. Neste procedimento ressoa a afetividade da ética de Spinoza, 
onde o aumento da potência de afetar e ser afetado que uma vida 
experimenta indica a força de um valor. 
 O procedimento genealógico, arma daquele que se diz dinamite, 
filosofa a marteladas. A genealogia, martelo do pensador, explode ilusões, 
critica saberes. Insurge-se contra o positivismo, uma vez que este se limita 
aos fatos e às leis pretensamente objetivas e invariáveis da natureza, ao que 
a genealogia afirma que todo e qualquer fato é já sempre uma interpretação. 
A genealogia recusa também o historicismo teleológico que confere à história 
humana uma finalidade última, ao mesmo tempo em que crê na existência de 
um progresso científico e moral da humanidade. Nietzsche sustenta que 
ideias, teorias e valores só podem ser avaliados em razão de seus efeitos: 
plenificam e potencializam a vontade de vida ou a empobrecem e minguam? 
A genealogia investiga as práticas da cultura, é um procedimento de 
relação de palavras, conceitos e valores a formas de vida, a tipos que têm sua 
realidade configurada pelo modo como vivem, pelas escolhas que fazem. A 
educação também está associada a modos de vida, a modos de ser, de avaliar 
e de apreciar. A genealogia e a filologia através do exame das palavras, fazem 
estes tipos aparecer, mostram as forças que estão agindo, os interesses que 
estão sendo mobilizados ao conformar uma pretensão, um valor. 
 Assim, uma tese de filosofia da educação, com ênfase no ensino de 
filosofia, que apela a procedimentos afinados com o modo de fazer filosofia de 
Nietzsche, tentará investigar e explicitar mediante pesquisa filológico-
genealógica, os termos que os problemas do campo aberto pelo ensino de 
filosofia necessariamente reclamam, tais como, neste estudo: ensinar, 
aprender e filosofia. 
Para problematizar os sentidos do que se experimentou no início do 
século XXI, no Rio de Janeiro, numa escola – embora pública e de massa – 
herdeira de uma longa tradição que lhe garante um lugar privilegiado no 
panorama do ensino escolar público, o presente trabalho se ocupa do exame 
do que pode significar ensinar e aprender filosofia; propõe-se a pensar 
também algumas orientações e condições para a formação de professores de 
filosofia. Levando-se em conta o movimento de ampliação deste campo no 
Brasil atual, apresentar para sua consideração pública os procedimentos e as 
propostas pedagógicas que tiveram lugar no âmbito de uma instituição 
também pública, e sugerir gestos que indiquem possíveis linhas inspiradoras 
para pensar e praticar o ensino de filosofia em nível médio é uma forma de 
tentar contribuir para o exame do território sempre móvel e por construir que 
o desafio de fazer filosofia na escola abre. 
A experiência que provoca esta escrita é, pois, a de uma professora 
que, por não saber muito bem o que é ensinar, nem como alguém aprende e 
tampouco que é a filosofia, experimentou algumas cumplicidades possíveis 
entre os três termos. Cumplicidades que se constituíram como experiências de 
ensinar e aprender filosofia na escola, algumas das quais este trabalho traz à 
luz pela escrita. 
Deste modo, o presente trabalho carrega consigo uma tríplice 
experiência, ou talvez três dimensões de uma experiência: a) experiência de 
escrita inscrita numa b) experiência de tornar-se professora de filosofia a 
partir de c) experiências numa instituição pública de ensino. Porum lado, é 
experiência de escrita uma vez que não parte de uma verdade pré-concebida 
que a escrita procuraria transmitir. Ao contrário, é na própria escrita que se 
constituem os saberes afirmados por ela. Afinal, “Ao escrevermos, como evitar 
que escrevamos sobre aquilo que não sabemos, ou sabemos mal?” (DELEUZE, 
1988, p.18). Esses saberes não são aqui colocados para serem transmitidos, 
mas para contribuir à problematização do sentido de ensinar filosofia entre 
nós, ou seja, para contribuir ao segundo nível da experiência, o que diz 
respeito a um modo de vir a ser professora de filosofia que, por sua parte, 
alimenta-se de um nível “primário” de experiências concretas que aqui são 
narradas. 
Assim, esta tese é uma experiência com a própria escrita, com as 
palavras ao experimentar seus sentidos, ao arriscar sentidos e inventar 
palavras. Como apresentar uma experiência dinâmica em forma de uma tese? 
De que maneira tornar compatível uma experiência de escrita com o formato 
exigido pelos padrões acadêmicos? De um modo geral espera-se deste tipo de 
trabalho uma divisão ordenada em capítulos, contendo seções claramente 
definidas: delimitação do problema; metodologia; desenvolvimento; 
conclusões. Um capítulo, do latino caput, cabeça, é propriamente uma cabeça 
pequena. Talvez por isso, prefiro não outorgar esse nome às seções do 
presente trabalho, porque isso suporia um corpo dividido e porque alude a 
uma tradição da qual pretendo desviar, inclusive nos modos dominantes de 
compreender o ensino de filosofia. Penso num trabalho que, embora remeta a 
uma experiência de vida profissional, seja menos pessoal e afirme uma 
concepção de ser humano menos dissecado e iluminista. Por isso, considero 
que as partes deste trabalho estão mais próximas de serem camadas, planos 
e passagens que se entrecruzam e se complicam – estratos – do mesmo modo 
que se implicam e atravessam os termos que as animam e dos quais este 
trabalho buscou extrair algo – extratos; es/xtratos. 
Conjugo o estrato como plano ou camada, com aquilo que nele foi 
extraído: extrato. Assim, es/xtrato sinaliza o modo múltiplo e dinâmico de 
fazer-se desta narrativa. Dessa forma, os sentidos de ‘es’- e ‘ex’- confluem 
para indicar um movimento para fora e a partir de fora. Um es/xtrato é a 
tentativa de colocar para fora o que foi tratado, de estar sensível aos signos 
de fora e de mostrar o tratamento dado aos problemas postos por esta tríplice 
experiência de escrita. A extensão e subdivisão dos es/xtratos tampouco 
obedece a uma estrutura convencional. O es/xtrato I, o solo concreto de onde 
as experiências de ensino e aprendizado emergem, tem um peso, ocupa um 
espaço diferenciado porque aí é narrado o percurso em torno do qual os 
demais es/xtratos gravitam. Em vez de numerar as partes e sub-partes de 
hipotéticos capítulo, foram atribuídas cores e tons às seções e linhas que 
atravessam cada um dos planos ou camadas chamados es/xtratos. As 
ramificações dessas seções interiores aos es/xtratos receberam o nome de 
variações de cor, as linhas que as desenham são suas tonalidades. 
Para efeito de sua apresentação, o conjunto das experiências foi 
organizado em quatro es/xtratos. Um primeiro es/xtrato, 0: Traçando um 
horizonte: relações entre ensino de filosofia, educação e cultura, se 
apresenta como diagnóstico de um horizonte – desenhado desde uma 
perspectiva, de um modo de ver e compreender a cultura contemporânea – e 
sua implicação no ensino de filosofia. A perspectiva se organiza em torno às 
noções de sentido, novidade, tradição e filosofia. O movimento para traçar as 
linhas desse horizonte sublinha duas condições supostas como significativas 
na formação das subjetividades em uma cultura hipermoderna: a vídeo-
imagem e a corpolatria. O horizonte traçado pelo declínio da escrita e um 
corpo superexcitado sinaliza a importância de explorar outras situações 
educativas que considerem a imagem e a dramatização descentrando o ensino 
de filosofia da leitura e escrita. 
O es/xtrato I: Sobre possibilidades de ensinar filosofia no Colégio 
Pedro II, de viés eminentemente descritivo, considerando o horizonte antes 
desenhado, recupera algumas experiências de ensinar filosofia no Colégio 
Pedro II entre os anos 2000 e 2007 e apresenta o marco em que elas tiveram 
lugar. Desde a inserção em uma tradicional instituição federal de ensino 
mostro como certas práticas constituíram o meu próprio processo de 
aprendizado de ensinar filosofia. Dramatizações, projeção de filmes, ocupação 
do espaço escolar em situações inusuais, cursos organizados a partir de 
algumas problemáticas, temáticas ou pensadores específicos foram direções 
orientadoras dessas tentativas de aprender a fazer filosofia na escola. 
Os es/xtratos sucessivos são menos descritivos e mais conceituais, 
embora essa distinção seja em si mesma problemática. O es/xtrato II: 
Problema: a noção como problema filosófico; Ensinar e aprender como 
problemas organiza-se em duas seções. Em vermelho investiga-se a noção 
de problema em três filósofos de orientações diferentes e em verde são 
examinados alguns sentidos dos conceitos de ensinar e de aprender com apoio 
na filologia e, recorrendo ao pensamento de Rancière, Deleuze e Platão, 
problematiza o ensino e a aprendizagem de filosofia centrados na transmissão. 
Avalia-se a concepção dominante do que seja ensinar e aprender e as 
problemáticas relações entre a impossibilidade de ensinar filosofia e o enigma 
de aprender filosofia. Para buscar caminhos para pensar o aprender e o 
ensinar filosofia, são exploradas as noções de experiência e signo. 
O es/xtrato III: Filosofia, filosofias, filosofar: pensando uma 
educação filosófica mostra como pensar o que é filosofia na escola, desde 
uma trajetória de experiências que busca uma educação filosófica, tem uma 
orientação, implica algumas compreensões e apostas do que pode a filosofia 
nesse ambiente. Por entender que o fazer filosofia na escola está, de algum 
modo, comprometido com um ideal de mestre, em lugar de concentrar a 
discussão sobre ensinar filosofia no âmbito da clássica disjuntiva 
filosofar/filosofia, ou seja, privilegiar a atividade, filosofar (Kant) ou enfatizar 
o conteúdo, filosofia (Hegel), são comparados dois ideais de mestre Kant e 
Nietzsche. 
O último movimento desta tese, Pós-es/xtratos: Formação de 
professores de filosofia, problematiza a noção de formação e mostra uma 
proposta para pensar o aprender a vir a ser ensinante como trabalho 
compartilhado e experimental que se atualiza no fazer cotidiano da prática 
docente. 
Quanto à pessoa de enunciação e o tempo verbal, o trabalho se assume 
transgressor/ infringente. O problema da pessoa de enunciação, a regra da 
“boa escrita” impõe escolher: pessoal ou impessoal; se é pessoal, eu ou nós. 
Decida-se: quem é a primeira pessoa que escreve, a singular ou plural? Quem 
é o “sujeito” que fala, o que recorda, rememora; quem escreve este texto? 
Durante a escrita apareceu com força esta tensão entre o impessoal e o 
pessoal, e nesta última dimensão, entre eu e nós. Ao rever o trabalho fiz 
algumas modificações, mas aceitei a ambiguidade. Se em vários momentos 
não há um sujeito específico de enunciação, em alguns outros me situo no 
corpo coletivo de ensinantes ou no de ensinantes e aprendentes, e em outros 
reconheço a impossibilidade de extrapolar a singularidade de uma experiência. 
Embora evitado o gerundismo, o gerúndio foi por vezes empregado quando, 
para expressar uma idéia de progressão ou de uma ação em curso, o infinitivo 
precedido por ao, como por exemplo, ‘ao fazer’ no lugar de ‘fazendo’ se 
mostrou uma forma que parecia debilitar a força de atualidade do movimento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Es/xtrato 0: TRAÇANDO UM HORIZONTE: relações entre ensino de 
filosofia, educação e cultura 
 Se a palavra perdida se perdeu,se a 
palavra usada se gastou 
Se a palavra inaudita e inexpressa 
Inexpressa e inaudita permanece, então 
Inexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito 
Verbo, 
O Verbo sem palavra, o Verbo 
Nas entranhas do mundo e ao mundo oferto; 
E a luz nas trevas fulgurou 
E contra o Verbo o mundo inquieto ainda 
arremete 
Rodopiando em torno do silente Verbo. 
 T.S. Elliot , Quarta-feira de cinzas, versos 157 e ss 
 
 Na condição de professora de filosofia na escola comprometida com o 
ensino desta “disciplina” e com a formação de professores para multiplicá-lo, o 
que desde aqui interessa, sobretudo, é se e como o ensino de filosofia na 
escola pode contribuir para uma educação filosófica. Mais que reiterar a 
monótona e tão propalada, mas talvez nunca suficientemente legitimada 
“função instrumental” da filosofia como disciplina redentora que “ensinaria a 
pensar”, o que me proponho é primeiramente buscar sentidos específicos ao 
ensinar filosofia e como esta atividade pode ressoar no campo da educação. 
Pensar o ensino de filosofia não pode dispensar problematizar de início seu 
‘para que’. Para que, em uma sociedade niilista, midiática e pós-industrial 
ensinar filosofia aos jovens? Penso ser o sentido o que orienta o como e o que 
de todo ensinar. 
 
Laranja: Sentido, novidade 
Parodiando Aristóteles poder-se-ia dizer que o sentido se diz de muitas 
maneiras; o termo ‘sentido’ é multívoco, abre vários caminhos, portanto, há 
diferentes perspectivas e diversas vias para uma aproximação a esta noção. 
Segundo Ferrater Mora uma das vias de acesso seria entender sentido como 
equivalente a significado e significação (op.cit, p.3233 e ss.), termos estes 
que, por sua vez, oferecem também várias possibilidades – o filósofo 
dicionarista aponta dez delas para o termo significação. Sentido pode também 
ser usado para indicar a direção ou tendência de algo, bem como apontar 
finalidade, objetivo ou propósito. Diz Deleuze5 que o sentido é uma entidade 
que não existe e guarda com o não-senso “relações muito particulares” (1974 
p.XV); desde este viés o sentido é inseparável de alguma das formas do 
paradoxo, posto que tem em si traços da presença do não-senso (ibid.73). O 
sentido, segundo este autor, ao recuperar o λεκτόν dos estóicos, é um 
incorporal, não sendo jamais origem ou princípio e, já que todo sentido é 
produzido, vem a ser um efeito, não apenas causal – ainda que coextensivo e 
imanente à sua causa –, mas efeito de superfície. “o sentido é como a esfera 
em que estou instalado para operar as designações possíveis e mesmo para 
pensar suas condições. O sentido está sempre pressuposto desde que o eu 
começa a falar” (ibid. p.31). 
Diante desta profusão de possibilidades convém aclarar que tomarei, 
primeiramente, de empréstimo a Heidegger a noção de sentido. E isto porque 
este filósofo apresenta dela uma definição que, ademais de parecer bastante 
abrangente, dá lugar a uma dimensão afetiva, particularmente, interessante 
 
5 Em Lógica do sentido, Deleuze investiga a questão do sentido no âmbito da linguagem e afirma que o 
sentido seria a quarta dimensão da proposição; para além da designação, da manifestação e da significação, o 
sentido seria o “expresso da proposição”. E, como o expresso não existe fora de sua expressão, o sentido a 
bem dizer não existe, somente insiste ou subsiste. 
ao que importa pensar quanto às relações entre filosofia e educação. Contudo, 
há também que guardar de Deleuze a idéia de que o sentido é sempre 
produzido e mais, produtor, uma vez que o sentido, ao manter com sua causa 
uma relação imanente, preserva seu poder genético (ibid. p. 98). 
 “Sentido é aquilo em que se sustenta a compreensibilidade de alguma 
coisa. Chamamos de sentido aquilo que pode articular-se na abertura da 
compreensão” (HEIDEGGER, 1988, p.208). No contexto do pensamento de 
Heidegger, portanto, sentido e compreensão são termos intimamente 
associados, a bem dizer, mutuamente correlativos. A compreensão, por sua 
vez, é um existencial do Dasein6, ou seja, um constituinte ontológico do ente 
que somos nós e que, juntamente com a tonalidade afetiva7 constitui nossa 
abertura para o mundo. Pari passu dessa relação do termo sentido com a 
noção de compreensão, vale recordar que a palavra sentido é, originalmente, 
o particípio passado do verbo sentir, com o que a posição de Heidegger para o 
que aqui se encaminha ganha uma força especial, uma vez que a 
compreensão não se restringe a uma dimensão estritamente racional ou 
teórica, mas se reveste de uma tonalidade afetiva. Assim sendo, o 
entendimento que dará orientação quanto à questão do sentido está em 
copertinência com a afetividade. 
Ao retomar a preocupação em justificar a presença do ensino de 
filosofia na escola mais algumas interrogações se impõem. Qual o sentido de 
fazê-lo, para além das legítimas, mas também insuficientes finalidades 
pessoais e institucionais? Se é o sentido o que orienta o como e o que de todo 
ensinar, que efeitos se está pretendendo desencadear quando o que se está 
propondo é ensinar filosofia hoje? O hoje que fecha a pergunta marca a 
necessidade de situar bem a pretensão de, nos dias que correm, assegurar a 
importância da filosofia na escola. Dizer que filosofia e educação sempre foram 
companheiras de viagem não é defesa consistente, ou pelo menos suficiente, 
em especial em tempos de descartabilidade fácil. Para que a educação 
precisaria hoje da filosofia, num contexto em que a própria noção de sentido 
está em crise face à transitoriedade de uma cultura que valoriza a novidade 
 
6 O conceito de Dasein, ser-aí ou presença, termo proposto por Heidegger para marcar o caráter distintivo da 
existência humana, é sempre possibilidade, ou melhor, um repertório de possibilidades de abertura para a 
experiência. O conceito será retomado no es/xtrato II, linha verde limão. 
7 Da tonalidade afetiva, disposição e humor, aqui apenas mencionada, nos ocuparemos com mais detalhe 
também no es/xtrato II, linha verde limão. 
dos modismos e a flexibilidade adaptativa ao sistema em detrimento de todo 
movimento que possa desestabilizar o estado das coisas? 
Na segunda parte de Ser e tempo, Heidegger (1990, p.226 e ss.) 
examina as três estruturas existenciais que configuram a abertura do Dasein 
em seu estado de decadência: o falatório, a ambiguidade e a curiosidade. 
Curiosidade, ainda que seja a tradução dada pelos dicionários, não aponta de 
modo evidente o propósito do autor em questão ao fazer uso da palavra alemã 
neugier. Formado pela composição de neu, novo e gier, avidez, este 
“novidadeirismo” que neugier indica é um modo de estar no mundo que busca 
vorazmente o novo pelo novo; é o saltar incessantemente de uma novidade 
para outra, não para compreender o que se vê, ou para transformar-se pela 
diferenciação no encontro com o diverso, mas para nesta inquietude excitada 
abandonar-se à impessoalidade de maneira a estar sempre na impermanência 
e na dispersão. Incapaz de manter-se na atenção, neugier está em todos os 
lugares e, portanto em lugar algum e, ao sequer compreender o que vê, 
mantém o Dasein sistematicamente desenraizado. 
Em concordância com o anteriormente dito, a sociedade de consumo, ao 
fazer da novidade rotina, promove certa imobilidade de fundo, pois, em um 
dos seus sentidos, “a novidade nada tem de ‘revolucionária’, nem 
perturbadora, mas é aquilo que permite que as coisas continuem da mesma 
maneira” (Vattimo 1998, p. 12). Eis uma forma de pensar a novidade, própria 
de nossos tempos: ela, paradoxalmente, jogaria a favor do que já existe, do 
estado das coisas, contraposta a um porvir revolucionário capaz de afetar 
radicalmente o fluxo que leva à repetição monocórdica do mesmo. Contudo, as 
coisas não são tão simples quanto parecem à primeiravista. Inspirados na 
filosofia de Ortega y Gasset pensar é, em alguma medida, exagerar ou, em 
outras palavras, todo pensamento ou conceito leva consigo uma exageração. 
Certamente, o que se acaba de apresentar com relação à novidade parece 
exagerado e unilateral. Porém, o é tão somente para explicitar uma face ou 
aspecto da busca pelo novo e pela novidade que em geral é menos evidente e 
costuma passar despercebido. Pois também se aprende, com Foucault (1994c, 
p.178-182), que pensar é, além de exagerar, perceber o que não aparece à 
primeira vista ou tornar complexas as percepções mais óbvias do mundo. 
Portanto, a preocupação com o novo não se resume unicamente à busca 
irrefletida pela novidade, é ao mesmo tempo uma força de conservação e 
transformação do homem e seu mundo. 
O conceito de novidade foi explorado por Hannah Arendt8 nos dois 
sentidos acima descritos. Por um lado, ela relaciona a novidade ao 
nascimento, ao fato de seres novos chegarem ao mundo, o nascimento tem a 
força de introduzir-nos em um tempo em que o porvir não pode ser inferido do 
presente. Os novos são os que nascem, um novo começo que se afirma, e os 
velhos os que já habitam o mundo recebem o novo sob o nome das 
instituições educacionais que preparam para acolhê-los. A novidade então, 
desde esta perspectiva, a princípio não se desdobra na própria educação, na 
medida em que o seu trabalho consiste essencialmente em apresentar e 
inserir os novos na cultura já existente no mundo. A instituição educativa 
administra aos novos os saberes já instituídos, é um espaço que se sustenta 
essencialmente na repetição, é “uma estrutura complexa de repetição” 
(CERLETTI, 2008a, p.82). É na política que a novidade está essencialmente 
ligada à ação e à criação, pois no germe de toda ação em geral e da ação 
política em particular se concentra a possibilidade de inventar outro começo. O 
que caracteriza o novo enquanto tal é sua força de atualização uma vez que a 
novidade supõe a irrupção de algo imprevisível e capaz de produzir efeitos. A 
novidade pode ser pensada como desvio, ruptura que exige que o que havia 
seja reordenado de modo inédito, inaugurando e fundando outras relações. 
 
Branco: Tradição, novidade, filosofia 
Se dermos atenção aos termos, e às possibilidades que por vezes eles 
têm de escorregar em direções opostas, vemos que na noção de tradição pode 
haver o mesmo deslizamento que recém encontramos na de novidade. E se 
pode mesmo reconhecer uma tradição da novidade e pensar a novidade na 
tradição. Jorge Larrosa sinaliza que na atualidade se haveria alojado uma 
tradição: a de instaurar a novidade pela mercadoria. “Nosso mundo baseia-se 
na inovação permanente e sistemática (...) já se converteu numa tradição (...) 
solicitarmos constantemente a novidade para convertê-la imediatamente em 
mercadoria”. (LARROSA, 2004, p.191-192). Nosso mundo regido pela lógica 
 
8 O conceito de novidade é examinado na obra de Arendt tanto em Origens do totalitarismo como em Entre o 
passado e o futuro. 
do capital funda uma ‘nova tradição’ orientada pelo consumo na qual a 
‘novidade’ encontra seu lugar predominantemente nas lojas. 
Tradição não aponta tão somente imobilismo e permanência, 
manutenção intocada do que já foi, veneração e clausura sem mais em um 
passado estático, mas indica, outrossim, movimento de entregar, confiar, dar 
em mãos, passar a outro – ações contidas no antepositivo do latino trado que 
está na raiz de traditionis – a memória. É no próprio gesto de transmissão da 
memória que se abriga a possibilidade de que ela possa vir a ser atualizada 
pelas mãos dos que a recebem para reinventá-la e reinaugurá-la ao acolher os 
atravessamentos do acaso. Certamente, a tradição tem também uma força no 
sentido de auxiliar-nos a conhecermo-nos a nós mesmos, pois, apropriar-se da 
memória significa conhecer-se a si mesmo como devedores e tributários 
daquilo que nos foi legado. Mas também a tradição é algo a construir, a 
inventar com vistas a situar-se criticamente na ordem do mundo existente. 
Tradição implica uma dinâmica complexa, agenciamentos de continuidades e 
rupturas. 
Que credenciais pode então exibir o ensino de filosofia para reclamar 
sua presença na educação básica uma vez que a filosofia é intempestiva, ou 
seja, algo nela impede de ser apreendida como uma moda: ela se ocupa 
justamente dos conceitos que não são transitórios senão perenes. A filosofia 
instaura um lugar tão fora da moda que umas das suas imagens mais 
populares diz que ela está justamente entre o que há de mais vetusto no 
campo do saber. Nada pior para aspirar a um bom ranking na mídia 
contemporânea. Mesmo assim, nossa época é tão sofisticada em dispositivos 
de cooptação e despotencialização, que inclusive certa filosofia hoje pretende 
ser introduzida na mídia como forma de pensamento light, que outorgaria as 
“competências” que os cidadãos da ordem deveriam dominar para uma 
inserção mais exitosa no mercado. Da lógica que busca o sentido na utilidade 
e esta na competência não escapa sequer o ensino terciário da filosofia: Tania 
Lemarie (2008, p.526) assinala que a Universidade de Granada desde 2003 
começou a investigar alternativas para a inserção de filósofos no mercado de 
trabalho sob o ditame da “competência” que incluem entre outras o coaching 
operacional e a consultoria para o controle ético da internet. Decididamente, 
não é essa a imagem da filosofia que se quer afirmar. 
Contudo, certos apelos à tradição filosófica também se revestem de ares 
conservadores e até românticos, como se a sua história contivesse um tesouro 
incomparável ao qual seria sempre necessário voltar. A tradição da filosofia 
pode tornar-se então um fetiche, um totem, uma figura que, paradoxalmente, 
poderia inibir mais do que favorecer a potência do pensar. Curiosamente, 
nesse ponto se encontram e coincidem os que desconsideram ou vangloriam a 
tradição: ambos pressupõem com ela uma relação passiva, como se ela 
pertencesse a um mundo que já não é o nosso, seja a filosofia para ser 
consumida como produto nobre, nostálgico ou folclórico, ou para ser 
desprezada por ser vetusta, obsoleta, não contemporânea. 
Nesse aspecto, a “tradicional” e atual incumbência da filosofia de 
responsabilizar-se pelo ensino do pensamento parece ter pressupostos 
incômodos. Pois, se, por um lado, a pretensão de “ensinar a pensar”, e pensar 
equiparado ao conhecer, é fardo demasiado pesado para qualquer saber 
isoladamente, cabe então à filosofia, à amizade ao saber, declinar tamanha 
responsabilidade, ou pelo menos esquivar-se de assenhorear-se dela com 
exclusividade. Por outro lado, quem sabe se, ao destiná-la única ou 
principalmente a “ensinar a pensar” em vez de enobrecê-la, esse 
endereçamento não contribuiria para apoucá-la ao subtrair-lhe, ou 
desconsiderar outras possibilidades de seus efeitos em dimensões diversas 
como, por exemplo, o trabalho de resistência ao ilegítimo, seja esta falta de 
legitimidade de ordem política ou ética, ou o incentivo e encorajamento à 
produção de sentidos para uma vida mais digna e criativa. Por que a filosofia 
garantiria, mais do que a história, a literatura ou a matemática, para citar 
apenas alguns outros saberes, um ensino mais potente e provocador do 
pensamento? 
Finalmente, as implicações epistemológicas e políticas de uma disciplina 
que se arrogasse a pretensão de “ensinar a pensar” - como se o pensar 
pudesse ser ensinado sem mais, ou como se houvesse uma forma privilegiada 
de situar-se no pensamento – são por demais inquietantes. O que 
exatamente, para além de uma frívola arrogância – aliás, bem pouco 
sustentável e de fato em nada engrandecedora de suas potências – conferiria 
à filosofia o privilégio de incumbir-se da missão de ensinar a pensar? 
Dispensando-se desta tarefa de encarregar-se de ensinar a pensar, a filosofia, 
únicaforma de saber que traz em si um afeto, pode libertar-se do peso desta 
exigência para afirmar outra relação com o saber: experimentá-lo desde a 
amizade, afeto, relação que se fortalece desde a aposta de que o hoje poderia 
ser diferente. E que se confirma num mundo de afetos para pensar o sentido 
deste modo de se relacionar com o pensamento que contém a philía na sua 
própria denominação. 
A clássica defesa da inutilidade da filosofia, como sendo um saber 
nascido e revitalizado do ócio em tempos dos antigos gregos, carece de 
interesse, em especial quando praticada por sujeitos para os quais o ócio não 
é e não pode ser um privilégio ou uma condição. Deleuze foi ainda mais longe 
na desqualificação dessa possibilidade: o argumento de que a filosofia não 
serve para nada não causa nenhuma graça, não há do que rir no mundo; ao 
contrário, a filosofia pode servir para entristecer, uma filosofia que não 
entristece não é filosofia (DELEUZE ; GUATTARI, 1992, p.17 e DELEUZE, 
1973, p.87). Embora caiba perguntar com Spinoza se afinal uma filosofia que 
serve para entristecer não teria por efeito despotenciar e desvitalizar, indo a 
contrapelo das forças de uma vida intensa, mesmo assim vale a pena levar a 
sério a recusa deleuziana de destituir a filosofia de utilidade. 
A filosofia é intempestiva, extemporânea: “O filósofo (...) sempre se 
achou e teve de se achar em contradição com seu hoje: seu inimigo sempre 
foi o ideal de hoje” (NIETZSCHE, 2000, p. 118). O mundo poderia ser 
diferente. Sempre. Nunca há um mundo só. Um mundo nunca desperta um 
único afeto. A filosofia nasce de certo inconformismo com o mundo. Com este 
mundo, com outros mundos, com todos os mundos. É confrontando-se ao 
incômodo com o presente que a filosofia pode encontrar um sentido que 
justifique sua prática e lugar na escola; para espantar a besteira, para 
compartilhar, junto aos jovens, certo incômodo com a besteira, e para 
desacomodar e desinstalar os que dela se aproximam. 
Assim, o que foi dito leva a pensar que uma educação filosófica pode ser 
extremamente fértil no terreno da escola como instauradora de um espaço de 
resistência capaz de incentivar o rechaço aos imperativos hodiernos que 
convocam incessantemente ao apetite consumista, à acomodação dissimulada 
em conforto, ao hedonismo disfarçado em carpe diem, ao salve-se quem 
puder do cada um por si que vem solapando o interesse pela vida política. No 
entanto, resistir não é somente rechaçar, não é a mera negação passiva do 
que há – o que no caso aproximaria a resistência do niilismo –, mas resistir 
consiste, sobretudo, em afirmar possibilidades e sentidos que permitam 
inventar e experimentar coletivamente outras formas e modelos de 
convivialidade passíveis de emigrar do espaço construído através de uma 
educação filosófica na escola ao ter nos jovens seus intercessores. Insisto: o 
que parece mais próprio, sugestivo e fecundo para uma educação filosófica é a 
sua força de impulsionar à desacomodação; efeito que pode ser conquistado 
pela resistência à platitude dos modos de vida, muitas das vezes, 
empobrecidos e anódinos nos quais, contemporaneamente, quase que apenas 
sobrevivemos desencantados e incrédulos. 
Do mesmo modo que mais vale saber o que pode um princípio do que 
saber o que ele é, antes de estar dando voltas ao que é a filosofia afirmemo-la 
pelo seu efeito desnaturalizador. A filosofia de certa forma sempre se nutriu do 
desconforto provocado pelo estado de coisas, perplexidade que nasce do atrito 
e do estranhamento com o hoje. Sabemos o que merece ser sabido? O hoje 
mostra que o tantíssimo saber dos sábios serve bem a aprofundar a 
desigualdade e alargar as distâncias entre os povos, as classes sociais e as 
instituições9. Que saberes instauram e configuram este hoje que nos é dado? 
Que hoje é este que, apoderado pela ciência da técnica, tem no mercantil a 
significação a priori capaz de in-formar semanticamente as redes simbólicas e 
conceituais da convivência (DOTTI 1998)? 
Pensar este tempo, que empoderado como nunca para efetuar 
velozmente destinações, avança desabalado e pouco tempo se dá para pensar 
as forças que o orientam, é uma das outras maneiras de expressar um 
possível sentido para filosofar hoje. Talvez por isso, pela obstinação e 
voracidade do modo de vida dominante na chamada sociedade pós-moderna 
para negar ou combater os modos de vida verdadeiramente alternativos, esse 
sentido aparece como particularmente significativo quando a filosofia situa-se 
no espaço da formação dos jovens. Em concordância com o dito acima, 
avalia-se que os sentidos clássicos outorgados à filosofia, tais como ‘ensinar a 
pensar’, ‘promover a cidadania’, ‘desenvolver o pensamento crítico’, entre 
outros que vêm sido há tanto reiterados, talvez não sejam os mais 
significativos ou pelo menos suficientes para promover uma educação 
 
9 Um dos exemplos que toca diretamente a nós professores é a maneira pela qual os órgãos de fomento à 
pesquisa distribuem as verbas entre as instituições. Outro, de muito maior abrangência, é o do acesso aos 
serviços de saúde. 
filosófica comprometida com a construção de subjetividades preocupadas em 
inaugurar outros modos de vida. Por isso, pensar as possibilidades do ensino 
da filosofia em nível médio deve ocupar-se dos mesmos incômodos que 
indicam hoje os sentidos que a própria filosofia sinaliza para filosofar. 
 Se hoje a filosofia passa a ser objeto de atenção da mídia, ganha a 
televisão, se multiplicam os cafés-filosóficos, a filosofia clínica e demais 
práticas filosóficas extra-acadêmicas10, se a filosofia vem progressivamente 
ampliando sua presença na escola cabe, mais que nunca, dedicar-se a pensar 
o sentido de sua prática e de seu ensino. A seguir, uma análise de algumas 
das condições culturais e sociais nas quais se insere hoje o problema do 
sentido, das possibilidades e impossibilidades do ensino de filosofia. 
 
Azul: Possibilidades e impossibilidades do ensino de filosofia na 
 escola 
 A discussão que pretendo encaminhar é atravessada por uma sugestão 
de Foucault de atribuir à filosofia o trabalho de diagnóstico do presente. Num 
debate do início dos anos setenta (1994b, p.369), ele nos esclarece que 
entende diagnóstico “como uma forma de conhecimento que define e delimita 
diferenças”. Essa tarefa reveste diversas formas e dimensões que Foucault 
associa ora à filosofia, ora à crítica e que, em diversos trabalhos, remonta a 
Kant. Por exemplo, num texto célebre sobre Kant (1994c, p. 568), destaca 
como novidade no filósofo de Könisberg a atribuição à filosofia da tarefa de 
refletir sobre o presente. Num seminário nos Estados Unidos (1994c, p. 135), 
atribui à filosofia o papel de “vigiar os abusos da racionalidade política”, 
retomando o sentido kantiano da crítica, como aquele que impede a razão de 
extrapolar os limites da experiência. Na política, no exercício do poder, 
Foucault daria à filosofia uma função semelhante à que Kant dava, na filosofia, 
à crítica. 
 Certamente, Foucault exerce a crítica filosófica não sobre estruturas 
formais ou universais, mas sobre as formas históricas que nos constituem no 
que somos. A crítica, diz Foucault num texto já citado, é genealógica em sua 
finalidade e arqueológica no seu método (1994c, p. 574). Em todo caso, ela 
busca não apenas dar conta do que somos, mas também mostrar possíveis 
 
10 CEPPAS, F. Sobre as práticas filosóficas extra-acadêmicas. In: KOHAN, W. (org.) Filosofia: Caminhos 
para seu Ensino. RJ: DP&A, 2004, p. 155-167. 
caminhos para a transformação do que somos: eis uma ontologia crítica de 
nós mesmos (ibid., p. 574-5). Numa entrevista no mesmo ano (1994c, p. 110, 
Foucault sugere que a filosofia consiste não apenas em refletir sobre a relação 
que temos com a verdade, mas como devemosnos conduzir a partir das 
relações estabelecidas. 
 Tendo esta sugestão como orientação duas questões se colocam: como 
pensar hoje as relações entre filosofia, cultura e educação no marco da 
denominada “crise de paradigmas” no contexto insinuado nos parágrafos 
anteriores? E, decorrente da anterior, em que medida a filosofia na escola e 
em outros espaços culturais pode contribuir para configurar outras 
subjetividades dispostas a engendrar diferentes modos de convivência? A 
primeira questão aponta a vigência de chamadas “crises de paradigmas” e 
convida a pensar a filosofia como experiência de pensamento disponibilizando-
se a considerar os efeitos destas crises no panorama atual da educação e da 
cultura – esta aqui pensada como o conjunto de instâncias simbólicas, códigos 
de ação e conduta de um povo. Creio que pensar este panorama implica hoje 
atentar para o papel da mídia11 e seus dispositivos de antropotécnica no 
horizonte da cultura da visualidade e do espetáculo. 
Utilizo o termo antropotécnica para fazer referência aos processos 
produtores de subjetivação e de modelagem corporal que vem, progressiva e 
sistematicamente ao longo da história, reconfigurando o que entendemos por 
homem. Há inclusive que considerar que o nosso futuro parece depender bem 
mais de antropotécnicas possibilitadas pela tecnociência, que progride 
celeremente à margem da participação da sociedade civil, do que dos 
processos eleitorais ditos democráticos. Os procedimentos milenares de 
antropotécnica são correlatos das peripécias que, através de sucessivas 
rupturas, modificaram o nosso modo de estar e compreender o mundo, de 
forma a construir e educar o que hoje somos. 
 Entre esses movimentos de transformação destacam-se desde a 
apropriação do fogo, o ingresso na vida sedentária, a domesticação de 
animais, a agricultura, a criação de cidades, passando pela invenção da escrita 
 
11Com base em Sloterdijk, (2000, p.18) entenderemos por mídia “os meios comunitários e comunicativos 
pelos quais os homens se formam a si mesmos para o que podem e o que vão se tornar” 
e seu consequente enorme poder na formação de classes sociais12, até o 
domínio e produção crescente de tecnologias que hoje, ao atravessar todos os 
modos de vida e avançar no sentido de produzir não somente objetos, mas 
também seres vivos, anuncia um período de decisões biotecnopolíticas em que 
as reformas genéticas poderão intervir de forma inaudita nos caminhos e 
destinações do homem como espécie. Nesse contexto de produção de modos 
de ser e subjetivação, por suposto não há como negar que também o ensino 
de filosofia, com seus discursos de cuidado dos homens é, tanto na dimensão 
gnosiológica como ética e política, um dispositivo de antropotécnica. 
 O que se pretende mais especificamente nesse momento do percurso é 
aquilatar em que medida as transformações nos processos de percepção, 
cognição e socialização, operadas pela imagem televisiva e pela informática 
em seus rápidos fluíres, interferem na organização do corpo social e do corpo 
individual e no próprio sentido da historicidade com que nos percebemos. 
Sloterdijk (2000, p.14) afirma que, com o estabelecimento da cultura de 
massa – iniciada com a radiodifusão, impulsionada pela televisão e hoje 
alavancada pela internet –, a coexistência nas sociedades passou a se 
organizar em outras bases “decididamente pós-literárias, pós-epistolares” e 
que apenas marginalmente os meios literários servem à produção da cultura e 
da política, uma vez que a cultura letrada passou a ser uma “sub-cultura sui 
generis”. E vai mais longe ao declarar que o modelo de escola e de formação 
esgotou-se, posto que a derrocada do modelo da sociedade literária não mais 
sustenta as sínteses culturais que vigiam no humanismo moderno. O autor em 
questão advoga que o embrutecimento está, e esteve desde sempre, 
associado à escalada e ao desenvolvimento dos regimes de poder, quer estes 
sejam de ordem bélica, quer sejam as formas de bestialização pelo 
entretenimento desinibidor da mídia. Para ilustrar sua tese, ele nos lembra o 
militarismo e os espetáculos sangrentos que marcaram o Império romano. 
Qualquer semelhança com nossos dias não é simples coincidência, a fórmula 
romana forneceu alguns modelos que marcaram a cultura ocidental e a 
máxima de Juvenal, panem et circenses, não nos é de modo alguma estranha. 
 
12 Novamente, segundo Sloterdijk (op.cit., p.44), a cultura escrita teve um imenso papel seletivo ao criar entre 
os letrados e os iletrados distâncias de tal modo incomensuráveis que “alcançou quase a rigidez de uma 
diferença de espécie”. 
Segundo Jonathan Crary, (2001, p.71) a televisão é o meio mais 
penetrante e eficiente de controle da atenção. E, uma vez que a atenção é um 
âmbito estratégico para o controle social, a televisão como um meio que está 
entrelaçado à vida social e subjetiva emerge como um poderoso modo de 
produção do imaginário contemporâneo. Do mesmo modo, a internet contribui 
para confiscar a atenção, bem como para estabelecer novas formas de 
sociabilidade em que as relações interpessoais são, cada vez mais, mediadas 
pela tela e pela tecla. Vattimo (op. cit., p.14) fala da “progressiva redução da 
experiência da realidade a uma experiência de imagens (...) em que tudo se 
vê em monitores televisivos”. 
 
 
Azul marinho: Filosofia em tempos de adrenalina 
O cenário que proponho avaliar pode ser examinado a partir de duas 
condições que marcam a cultura hipermoderna. A primeira aponta uma crise 
que abala um dos sustentáculos da educação: o registro verbal; e a segunda, 
ao ter no corpo sua destinação, delineia por outro viés alguns contornos do 
novo sujeito da educação. Esta seção examina algumas das dificuldades que 
atravessam o campo da educação e repercutem de maneira particular no 
ensino de filosofia no qual a leitura e a escrita, por tradição, ocupam um papel 
relevante. 
 
Azul celeste: Relações entre vídeo-imagem, espaço/tempo e 
pensamento. Crise do paradigma da cultura letrada versus paradigma da 
cultura imagética. 
Os informatizados pós-modernos já dão sinal de 
aprisionamento num mundo pobre de linguagem criativa. 
Daí a voga crescente das siglas, dos logotipos, das 
fórmulas de toda espécie. Um processo de graves 
conseqüências políticas que a globalização promove e 
planetariza. A linguagem natural vai perdendo sempre 
mais autoridade, num mundo em que se necessita cada 
vez menos das línguas naturais. Emmanuel Carneiro 
Leão13
 
 
No Fedro (274c ss.), Platão nos conta o mito de Toth, a quem os 
egípcios creditariam a invenção de várias ciências entre elas a da escrita. 
Toth, de posse de suas invenções, procura o então rei do Egito, Thamouz, no 
 
13 http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rfaced/article/view/2687/1897 (acesso em setembro de 2009) 
 
http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rfaced/article/view/2687/1897
intuito de que este divulgue seus saberes. Thamouz interroga a Toth quanto à 
utilidade de cada uma de suas artes e quando chega a vez da escrita, o rei lhe 
adverte que uma coisa é inventar uma arte, bem outra é julgar seus 
benefícios. A resistência de Thamouz em relação ao cultivo da escrita repousa 
na desconfiança de que esta nova arte faria os homens esquecidos, pois, ao 
deixarem de exercitar a memória, seriam capazes de lembrar, não dos 
assuntos em si mesmos, mas apenas dos seus sinais. A memória, com a 
difusão da escrita, seria substituída pela rememoração. A escrita teria também 
uma influência nefasta sobre a pedagogia, pois, ao não promover a sabedoria, 
e apenas disponibilizando uma grande quantidade de informações sem a 
devida educação, tornaria os homens sábios imaginários. 
 Cerca de dois mil anos separam Platão de Gutenberg e este antecedeu 
em quinhentosanos a televisão e em mais algumas décadas a internet. A crise 
atual dos paradigmas da cultura e da educação – estes até bem recentemente 
orientados pela discursividade – se dá na vigência da mudança dos registros 
comunicacionais, em que a progressiva passagem de uma cultura letrada à 
cultura da imagem provoca em muitos de nós inquietações nas quais ressoam 
preocupações com ecos platônicos. Enquanto Platão alerta para as 
transformações na configuração das subjetividades que poderiam advir da 
passagem de uma cultura centrada na transmissão oral para outra que 
assentaria suas bases na escrita, nós presenciamos a progressiva derrocada 
da escrita e sua suplantação pela vídeo-imagem14. Pierre Lévy (1995, p.77 e 
ss.) mostra que nas sociedades ágrafas15, anteriores à distinção 
escrito/falado, a palavra – para além da prática comunicativa cotidiana – 
cumpre a função de gerir a memória social de uma cultura edificada sobre as 
lembranças de seus membros. Nestas sociedades, a inteligência é muitas 
vezes identificada à memória, em particular a auditiva, o que pode ser 
exemplificado pelos sumérios, ainda muito próximos da tradição oral, para os 
quais uma cabeça com grandes orelhas grafa a sabedoria. Nas sociedades 
anteriores à escrita, o tempo sob a forma do círculo, inspirado no movimento 
dos astros e das estações, se afirma na reiteração dos movimentos de 
 
14 Inclusive os aparelhos de controle remoto mais recentes já substituíram as palavras indicativas das funções 
operativas por ícones. 
15 Lévy as denomina sociedades de oralidade primária as que antecedem a adoção da escrita, por oposição às 
sociedades de oralidade secundária em que o estatuto da palavra é complementar ao da escrita. 
recomeço transmitidos pelos mitos e revividos através dos ritos na roda das 
gerações. 
Repete-se, reouve-se, rememora-se, recorda-se, revive-se. É o saber 
escutar e manter em si a escuta que garante a bardos e aedos o saber 
narrado ao auditório de ouvidos em pé. A experiência da cena dramática é 
escuta encarnada que ressoa na proximidade dos corpos. Com a escrita, a 
memória obtida pela dramatização nas representações que a narrativa dos 
ritos revive, gradativamente, vai cedendo à criação de séries sistemáticas 
conectando causas e efeitos sob a forma: se X então Y. A forma hipotético-
dedutiva da teoria – que tem seu germe nos tratados de adivinhação e de 
medicina nos quais a semiologia nascente propõe determinado diagnóstico ou 
prognóstico inferido a partir de um determinado sinal – constitui uma nova 
antropotécnica de subjetivação. O olhar de quem lê percorre experiências já 
desencarnadas narradas à distância. A escrita, de início usada para 
administrar estoques, a princípio traduziu o espaço-tempo de um mundo 
agrícola, mas vai ganhando independência de sua função gerencial-
adminstrativa à medida que abre a outra experiência de pensamento: a teoria 
e a especulação. Havelock (apud. LÉVY, op. cit., p. 94) chega mesmo a situar 
o nascimento da filosofia na transição da oralidade para a escrita; em Hesíodo 
a Justiça personificada, age e é afetada, na escrita de Platão torna-se 
conceito. Essa virada mostra o ultrapassamento dos personagens míticos da 
oralidade pelos princípios abstratos da teoria. A prosa escrita, mais do que 
apenas modo de expressão da filosofia, é uma de suas forças de constituição. 
“O declínio da prosa (...) destronada pelas formas de representação que a 
informática traz (...) anunciaria o declínio da relação com o saber que ela 
condiciona” (LÉVY, op.cit., p. 94). Contudo, há que se considerar as 
possibilidades da informática infletindo não apenas nas formas de saber e 
conhecer, mas também seus efeitos como produtora de formas de 
subjetividade ao traçar rumos em direção a figuras desconhecidas. 
 É interessante pensar que o que nos preocupa, a falência de um modelo 
determinado de educação – ocupado antes com a formação16 do que com a 
informação – é exatamente o que preocupava Platão, no entanto, nós nos 
 
16 No entanto, a própria idéia de formação, tão cara à educação, é algo que merece ser examinado, pois, em 
princípio, na aspiração a ‘formar’, de algum modo, está presente a pretensão de partir de algo que já se supõe 
de antemão, um molde ou modelo, uma forma enfim, para, a partir dela adequar e dar os contornos àqueles 
aos quais se quer educar. O problema será retomado em pós-es/xtratos. 
ressentimos de perder a escrita, justamente aquilo que para ele nos 
desencaminharia. Há uma nostalgia comum, um discurso de perda, de 
conservação, um apelo a um passado impossível de ser mantido. Todavia, há 
que se considerar as diferenças, não apenas quanto ao ser da palavra e o ser, 
mero clichê, da imagem midiática, mas também a diferença nos modos/efeitos 
de suas “capturas” e suas relações com a experiência da temporalidade. É, no 
entanto, de suma importância para o que se propõe aqui circunscrever o tipo 
de imagem ao qual faço referência neste trabalho. Claro está que, de modo 
algum qualquer vídeo-imagem é um simples clichê e por certo é infundado e 
arbitrário valorizar toda palavra e denegrir, sem mais, qualquer imagem. Não 
se trata, portanto, de uma condena moral, satanização reacionária e 
catastrofista da ‘imagem em geral’, mas a preocupação em pensar modos de 
recriar a educação reconhecendo que vivemos uma era predominantemente 
imagética e que nos cabe saber como fazer uso da imagem em situações 
educativas. O termo imagem é, pois, aqui esvaziado de sua possível 
complexidade de elaboração e apreensão, sendo reduzido àquela imagem 
veiculada pela mídia mercadológica e pela tecnologia de processamento de 
dados que, nas palavras de Antonio Negri: 
Parece-nos totalmente evidente que a máquina da mídia não produz 
em absoluto esses efeitos com inocência. No atual sistema de poder, 
produz conscientemente códigos infectos e epidêmicos destinados a 
curto-circuitar os mecanismos de produção simbólica. 
 (NEGRI. A. In: PARENTE, 1993, p.173) 
 
 As vídeo-imagens com as quais nos confrontamos na maior parte das 
experiências cotidianas são aquelas redundantes, cujo poder de distorção e 
ocultação servem à manipulação e encobrimento da realidade. Grosso modo, 
poderíamos entender a vídeo-imagem midiática como uma representação de 
objetos e realidades que se oferecem “resolvidas”, sua apreensão é 
instantânea. Diferentemente, a linguagem verbal conta com a ambiguidade da 
palavra, exige deciframento, pede distância, penetrá-la implica outro tipo de 
esforço de mediação simbólica. Diz Jean Baudrillard: 
Diferentemente da fotografia, do cinema e da pintura, onde há uma 
cena e um olhar, a imagem-vídeo, como a tela do computer, induz a 
uma espécie de imersão (...) entramos na imagem fluída (...) e desde 
o momento em que estamos diante da tela não percebemos mais o 
texto enquanto texto, mas como imagem. 
 (1999, p.146) 
 
 
A pergunta que não pode ser eludida é como nós, educadores herdeiros 
da tradição letrada, atuaremos diante da pregnância e a ascensão do poder da 
mídia de massa que substitui a primazia das cadeias narrativas? Como lidar 
com a sedução e o impacto pedagógico da TV, dos chats, Orkut, Facebook e 
outros cada vez mais efêmeros dispositivos da internet e o desinteresse 
progressivo pela leitura? De que maneira avaliar as repercussões na 
subjetividade operadas nesta viragem? Mais que me ater aos conteúdos 
específicos da imagem midiática, o que se tenta entender é o impacto do fluxo 
de imagens nas rítmicas perceptiva e cognitiva. O fluxo de imagens, veículo 
das novas tecnologias dos meios de comunicação de massa, em especial da 
televisão e da mídia cada vez mais popularizada como internet, participa 
significativamente na constituição,

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