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CURSO: Direito PERÍODOS: 1º/2º TURNO: Diurno DISCIPLINA: Teoria Geral do Crime CARGA HORÁRIA SEMANAL: 03 horas/aula CARGA HORÁRIA SEMESTRAL: 60 horas/aula PROFESSOR: TITO SOUZA DO AMARAL 1. Síntese Histórica do Pensamento Jurídico-Penal. As diversas fases da evolução da vingança penal deixam claro que não se trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de cada um de seus estágios. A doutrina mais aceita tem adotado uma tríplice divisão, que é representada pela vingança privada, vingança divina e vingança pública, todas elas sempre profundamente marcadas por forte sentimento religioso/espiritual.1 Evolução da vingança penal: 1.1. Tempos Primitivos. 1.1.a Fase da vingança privada; A vingança privada constituía-se numa reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica. Código de Hamurabi – Lei de Talião - lex talionis (lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico) – 1780 AC - Olho por olho, dente por dente – reciprocidade. No seu epílogo, Hamurabi afirma que elaborou o conjunto de leis "para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos" e "para resolver todas as disputas e sanar quaisquer ofensas". Foi adotado no Código de Hamurabi: 1 Tratado de direito penal : parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. "Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto". "Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele". 1.1.b - Fase da vingança divina; "Homens, resisti à dor, e sereis salvos" A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usa como meio de intimidação. No Oriente Antigo, pode-se dizer que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam- se leis vigentes. A legislação típica dessa fase era o Código de Manu2, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel. 1.1.c Fase da vingança pública. Com uma sociedade um pouco mais organizada, especialmente no que tangia ao desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembleia. A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, a qual representava os interesses da comunidade em geral. Não era mais o ofendido, ou mesmo os sacerdotes, os agentes responsáveis pela sanção, mas sim o soberano (rei, príncipe, 2 O código de Manu é tido como a primeira organização geral da sociedade sob a forte motivação religiosa e política. Nele, há uma série de ideias sobre valores, tais como verdade, justiça e respeito. Mas o mais importante é que seu conteúdo é baseado no sistema de Varnas (castas), que define que a casta é preponderante para determinar o valor da honra e da situação da pessoa dentro do direito. (http://www.cidadederibeiraopreto.com.br/descritivo5085-o-que-e-o-codigo-de- manu.html). regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades. A pena de morte nesta época era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e estender a pena além da pessoa do apenado, geralmente atingia-se até os familiares do delinquente. Embora a criatura humana vivesse aterrorizada período da história, devido à falta de segurança jurídica, verificou-se um grande avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado. 1.2. Direito Penal Romano, Germânico, Canônico, Comum. 1.2.a Direito Penal Romano3 A história do Direito Romano divide-se em várias etapas, as quais percorreram 22 séculos (de 753 a.C. a 1453 d.C.) de grandes transformações. Em matéria penal, o poder dos magistrados, intitulado coercitio, era totalmente discricionário e limitado apenas pela apelação ao povo (provocatio ad populum), direito exclusivo do cidadão romano. Portanto, dele não se podiam valer as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Por força da possibilidade de apelação ao povo, mesmo não existindo o princípio da reserva legal, as decisões passaram a se revestir de fundamentação, proporcionando maior segurança jurídica aos cidadãos romanos. A elaboração da Lei das XII Tábuas foi fundamental para a evolução do Direito Romano, já que disciplinou a utilização da vingança privada. Com o passar do tempo a administração da justiça foi transferida do particular para um poder estatal central. 3 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. De igual modo, o Direito Romano passou por um período de laicização, deixando a lei de ser uma mensagem dos deuses. Prescrevia a Lei das XII Tábuas: “O que os sufrágios do povo ordenaram em último lugar, essa é a lei”4. 1.2.b Direito Penal Germânico5 Não tinha leis escritas. Caracterizava-se como direito consuetudinário, concebido como uma ordem de paz. Sua transgressão poderia assumir caráter público ou privado: se público, impunha-se a perda da paz, consistente na ausência de proteção jurídica, podendo o agressor ser perseguido e morto por qualquer pessoa; se privado o crime, o infrator era entregue à vítima ou a seus familiares para que exercessem o direito de vingança. Havia penas de morte, corporais (mutilação), exílio etc. Mais tarde, por influência do Direito Romano e do Cristianismo, foram adotadas a Lei do Talião e a composição, demonstrando traços de proporcionalidade no Direito Penal germânico. Em decorrência da instituição de um poder público, representante da vontade do povo, a pena de morte passou a poder ser substituída por um preço da paz (semelhante a uma fiança), em que o violador da lei pagava uma pecúnia em troca de sua liberdade. Como destaca Aníbal Bruno: A porção penal das leis germânicas – Leges barbarorum, da época franca, e outras posteriores a essa compilação – tornou-se, na sua maior parte, um minucioso tabelamento de taxas penais, variáveis segundo a 4 Em 451 a.C. um decenvirato (um grupo de dez homens) foi designado para preparar o projeto do código. Supõe-se que os romanos enviaram uma embaixada para estudar o sistema legal dos gregos, em especial as leis de Sólon, possivelmente nas colônias gregas do sul da península Itálica, conhecida então como Magna Grécia. Os dez primeiros códigos foram preparados em 451 a.C. e, em 450 a.C., o segundo decenvirato concluiu os dois últimos. As Doze Tábuas foram então promulgadas, havendo sido literalmente inscritas em doze tabletes de madeira que foram afixados no Fórum romano, de maneira a que todos pudessem lê-las e conhecê-las. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_Tábuas 5 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Decenvirato https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Leis_de_S%C3%B3lon&action=edit&redlink=1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Pen%C3%ADnsula_It%C3%A1lica https://pt.wikipedia.org/wiki/Pen%C3%ADnsula_It%C3%A1lica https://pt.wikipedia.org/wiki/Magna_Gr%C3%A9cia https://pt.wikipedia.org/wiki/Segundo_Decenvirato https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%B3rum_romano gravidade das lesões e também a categoria do ofendido, ou a sua idade ou sexo. Era o sistema da composição pecuniária (Vehgeld), que muito bem substituía a vingança privada, no qual predominava a responsabilidade penal objetiva.Em relação às provas, acolhiam-se as ordálias ou juízos de deus, caracterizadas por superstições e atos cruéis, sem chances de defesa para os réus, que deveriam, por exemplo, caminhar sobre o fogo ou mergulhar em água fervente, sem suportar ferimentos, para que fosse provada a sua inocência, razão pela qual quase nunca se livravam das bárbaras punições. 1.2.c Direito Penal Canônico6 É o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana, e a primeira consolidação de suas normas e regras se deu por volta do ano de 1140, por decreto de Graciano. Inicialmente, teve caráter meramente disciplinar, destinando-se apenas aos seus membros. Aos poucos, com a crescente influência da Igreja e enfraquecimento do Estado, estendeu-se a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. Serviu-se do procedimento de inquisição: início de ofício, utilização de tortura e penas cruéis. Nada obstante predominasse à época o caráter retributivo da pena, no Direito Penal canônico a pena se dirigia à cura do delinquente, à sua recuperação, pois se destinavam ao seu arrependimento perante a divindade (poenas medicinales). E, como destaca Aníbal Bruno: Era natural que nesse Direito a pena tivesse caráter sacral, mas, embora fosse, em princípio, de base retribucionista, vingança divina, vingança zelo justitiae et bono animo e não vingança amore ipsius vindictae, dirigia-se também à correção do criminoso. Apesar da rudeza dos tempos e dos 6 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. excessos e crueldades dos hereges, deve-se à Igreja ter contribuído para a disciplina da repressão anticriminal e o fortalecimento da autoridade pública; pelo combate à prática da vingança privada com a instituição das tréguas de Deus e do asilo religioso. Reagiu, assim, contra o espírito individualista do Direito germânico, apressando a marcha do Direito punitivo para a pena pública como única sanção justa e regular. Diferentemente dos germanos, aqui preponderava o elemento subjetivo para a incriminação de alguém. A jurisdição eclesiástica era dividida em dois grupos: em razão da pessoa (ratione personae) e em razão da matéria (ratione materiae). Na primeira, o religioso era sempre julgado por um Tribunal da Igreja, independentemente do crime praticado. Na segunda, por seu turno, a competência eclesiástica era fixada ainda que o crime fosse cometido por um leigo. Os delitos se dividiam em: Delicta eclesiastica: ofendiam o direito divino, eram da competência dos tribunais eclesiásticos e punidos com penitências; Delicta mera secularia: ofendiam apenas a ordem jurídica laica, eram julgados pelos tribunais do Estado e suportavam as penas comuns. Eventualmente, sofriam punição eclesiástica com as poena medicinales; e Delicta mixta: violavam as ordens religiosa e laica, e eram julgados pelo Tribunal que primeiro tivesse conhecimento da ofensa. Pela Igreja eram punidos com as poena vindicativae (vingança). Contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, principalmente no tocante à reforma do criminoso. Do vocábulo “penitência” derivam os termos “penitenciária” e “penitenciário”. O cárcere, como instrumento espiritual de castigo, foi desenvolvido pelo Direito Canônico, uma vez que, pelo sofrimento e pela solidão, a alma do homem se depura e purga o pecado. A penitência visava aproximar o criminoso de Deus. Nas palavras de João Bernardino Gonzaga: De acordo com o pensamento da Igreja, a prisão penal não se destinava a castigar o condenado, mas a levá-lo ao isolamento propício à reflexão salvadora, bem como servia para impedir que ele continuasse a exercer más influências no rebanho cristão. Com a doutrina da Igreja, a prática das ordálias7 ou juízos de Deus, comum ao povo germânico, decaiu significativamente. 1.2.a Direito Penal Comum8 O Direito comum, produto da reunião do Direito Romano, do Direito germânico e do Direito Canônico com os direitos locais. Importante ressaltar que essa época foi palco de grandes injustiças e horrores, caracterizada pela arbitrariedade do Judiciário, o qual criava e extinguia definições de crimes ao seu bel-prazer, de acordo com seus interesses, bem como pela crueldade na execução das penas que, aliás, eram diferentes para nobres e plebeus, muito mais brutais para os últimos. Podem ser apontadas como penas desse tempo: forca, fogueira, arrancamento das vísceras, enterramento com vida, afogamento, esquartejamento, mutilações (pés, mãos, lábios, orelhas e castração), entre outras de semelhante natureza. Os condenados eram julgados mediante o arbítrio do Estado, intimamente vinculado com a ordem cristã, sem a possibilidade de defesa ou de um devido processo legal. Torturava-se para a obtenção de confissões e da verdade, mormente em relação às “feiticeiras” (mulheres que detinham conhecimentos medicinais). 7 Ordálio ou ordália, também conhecida como juízo de Deus (judicium Dei, em latim), é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo divino. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordália) 8 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. https://pt.wikipedia.org/wiki/Latim https://pt.wikipedia.org/wiki/Prova https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_processual https://pt.wikipedia.org/wiki/Culpa https://pt.wikipedia.org/wiki/Natureza A razão da vingança social ou divina e o objetivo da intimidação e exemplaridade justificavam os excessos, amparados pelas leis confusas e indeterminadas, normalmente prolixas, e interpretadas em conformidade com o arbítrio da Igreja e dos juízes por ela doutrinados. 1.3. Escolas Penais: Clássica, Positiva, Técnico-Jurídica. Escola penal pode ser conceituada como um conjunto de princípios e teorias cujo escopo e estudar e explicar o Direito Penal, no que tange ao comportamento do indivíduo e à aplicação das penas. 1.3.a – Escola Clássica9 A nomenclatura Escola “Clássica” foi desenvolvida pejorativamente pelos positivistas, em face da divergência de pensamentos sobre os conceitos estruturais do Direito Penal. A Escola Clássica nasceu entre o final do século XVIII e a metade do século XIX como reação ao totalitarismo do Estado Absolutista, filiando-se ao movimento revolucionário e libertário do Iluminismo. Vivia-se o “século das luzes”. Seus fundamentos tiveram origem nos estudos de Beccaria10 e foram lapidados e desenvolvidos, principalmente, pelos italianos Francesco Carrara, autor da obra Programa del corso di diritto criminale, publicada em 1859; Carmignani, que escreveu Elementa juris criminalis, publicado em 1847; e Rossi, que contribuiu com o Trattato di diritto penale, de 1859. Outros famosos representantes da Escola Clássica foram Mittermaier e Birkmeyer, na Alemanha, Ortolan e Tissot, na França, e F. Pacheco e J. Montes, na Espanha. Todos eles tinham em comum a utilização do método racionalista e dedutivo (lógico) e eram, em regra, jusnaturalistas, ou seja, aceitavam 9 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. 10 Dos Delitos e Das Penas que normas absolutas e naturais prevalecessem sobre as normas do direito posto. Basicamente, suas notas fundamentais eram: a) entendiam o crime como um conceito meramente jurídico, tendo como sustentáculo o direito natural. Para Francesco Carrara, crime é “a infração da lei do Estado promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamentedanoso”; b) predominava a concepção do livre-arbítrio, isto é, o homem age segundo a sua própria vontade, tem a liberdade de escolha independentemente de motivos alheios (autodeterminação). Logo, por ser possuidor da faculdade de agir, o homem é moralmente responsável pelos seus atos; e por ser responsável, àquele que infringiu a norma penal deve ser imposta uma pena, como forma de retribuição pelo crime cometido. Se, ao contrário, o agente não estava em suas perfeitas condições psíquicas (ausência da faculdade de agir, inimputabilidade), não pode ser punido. Foi sob a influência dos pensamentos de Kant e Hegel que a concepção retribucionista do Direito Penal se desenvolveu. Ou seja, a única finalidade da pena consistia na aplicação de um mal ao infrator da lei penal. A sanção penal era, na verdade, um castigo necessário para o restabelecimento do Direito e da justiça. Para Moniz Sodré, em relação ao condenado, a pena: Não lhe é imposta somente como um meio eficaz de defesa social, senão também, e muito principalmente, como um castigo devido a todo culpado; não é considerada um remédio contra o crime, mas uma punição merecida, em vista do mal que voluntariamente fez. Ela é aplicada, não em nome da conservação da sociedade, mas para a satisfação da justiça. Em decorrência do ideal iluminista, prevaleceu a tendência de eliminar as penas corporais e os suplícios. Além disso, outra contribuição dessa escola refere-se à passagem do caráter de vingança real ou religioso da pena para aquela tida como uma resposta da própria sociedade, a fim de manter sua própria segurança. 1.3.b – Escola Positiva11 O avanço das ciências humanas e biológicas operado no final do século XIX marcou a decadência da Escola Clássica. Além disso, cumpre lembrar que os anseios em face do Direito Penal eram outros. Já não se via mais o antigo absolutismo do Estado ou o antigo arbítrio, violência e injustiça penal da época da Idade Média. A maior preocupação na segunda metade do século XIX era a crescente criminalidade: “Os homens sentiam-se solidários com a ordem social e jurídica, e desejosos de opor proteção eficaz à ameaça do crime”. A maior distinção entre as duas escolas reside menos nas conclusões particulares e mais no método “[...] – dedutivo, de lógica abstrata, para a escola clássica, – indutivo e de observação dos fatos para a escola positiva; aquela tendo por objeto o ‘crime’ como entidade jurídica, esta, ao contrário, ‘o delinquente’ como pessoa, revelando-se mais ou menos socialmente perigosa pelo delito praticado”. Ao voltarem os olhos ao delinquente, os positivistas centraram sua análise na morfologia e na psicologia. Analisaram a criminalidade, observando suas causas, e se utilizaram, com frequência, da estatística. Note-se que a Escola Clássica via o crime como “entidade jurídica”, enquanto a Escola Positiva o encarava como fato social e humano. Roberto Lyra, representante do positivismo no Brasil, asseverou que, ao assim procederem, os positivistas contemplavam o delito em “seu aspecto real”, isto é, como um “fenômeno natural e social”. Com referência ao fundamento da pena, a Escola Positivista discordava seriamente da Clássica. 11 Direito penal : parte geral (arts. 1º a 120) / André Estefam. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. A questão do livre-arbítrio, defendida pelos clássicos, era completamente rejeitada em nome de um verdadeiro determinismo. Ou o homem nasce livre e deve ser punido conforme suas escolhas voluntárias ou, desde o nascimento, já está determinado a ser um criminoso, em função de sua raça, sua psicologia, sua fisionomia e demais fatores biológicos e sociais. Para os positivistas (com diferentes matizes), a segunda assertiva era a verdadeira. Ademais, segundo os positivistas, a Escola Clássica, com seu método dedutivo ou de lógica abstrata, perdera de vista o “protagonista vivo e presente” da justiça penal, isto é, o criminoso. Sendo esta uma das razões pelas quais suas proposições teriam contribuído para um “contínuo aumento da criminalidade e da recidiva”. Em função desse quadro, Ferri, Garofalo e, sobretudo, Lombroso reagiram com a criação da antropologia criminal, ciência auxiliar do Direito Penal. Embora louváveis suas intenções (redução da criminalidade, defesa social, entre outras), o que chama mais atenção são os exageros a que chegaram. Na célebre classificação de criminosos desenvolvida por Lombroso e aplaudida pelos demais positivistas, havia, ao lado do criminoso louco, habitual, ocasional e passional, a famigerada figura do criminoso nato, uma variedade particular da raça humana! Diz-se que fora em 1871, ao abrir o crânio de um criminoso chamado Vilela e verificar determinadas anomalias, que Lombroso teve sua inspiração. Além disso, partindo de seu método indutivo (em contraposição ao método dedutivo da Escola anterior), chegaram ao absurdo de traçar características morfológicas dos delinquentes (atavismo). Acrescente-se, ainda, o fato de que, nesta Escola, a pena não tinha papel retributivo, mas fundamentalmente preventivo. Não sendo possível corrigir os criminosos, serviria como instrumento de defesa social. A sanção aplicável não se balizava somente pela gravidade do ilícito, mas, sobretudo, pela periculosidade do agente. 1.3.c – Escola Técnico-Jurídica Conforme síntese de Bitencourt (2007, p. 62): “Pode -se apontar como as principais características da Escola Técnico-Jurídica: a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança — preventiva — deve ser aplicável aos inimputáveis; d) responsabilidade moral (vontade livre); e) método técnico-jurídico; e f) recusa o emprego da filosofia no campo penal”. 2. Evolução Histórica do Direito Penal Brasileiro: Períodos Colonial, Imperial, Republicanos. O Direito Penal brasileiro, num primeiro período, regeu-se pela legislação portuguesa, e, só num segundo período, por legislação genuinamente brasileira. Essa história pode ser, para fins didáticos, ser resumida em três fases principais, a saber: período colonial, imperial e período republicano. 2.1. Período Colonial12 A partir do descobrimento do Brasil, em 1500, passou a vigorar em nossas terras o Direito lusitano. Nesse período, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, sob o reinado de D. Afonso V, consideradas como primeiro código europeu completo. Em 1521, foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas, por determinação de D. Manuel I, que vigoraram até o advento da Compilação de Duarte Nunes de Leão, em 1569, realizada por determinação do rei D. Sebastião. Os ordenamentos jurídicos referidos não chegaram a ser eficazes, em razão das peculiaridades reinantes na imensa colônia. Na realidade, havia uma 12 Tratado de direito penal : parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018 inflação de leis e decretos reais destinados a solucionar casuísmos da nova colônia; acrescidos dos poderes que eram conferidos com as cartas de doação, criavam uma realidade jurídica muito particular. O arbítrio dos donatários, na prática, é que estatuía o Direito a ser aplicado, e, como cada um tinha um critério próprio, era catastrófico o regime jurídico do Brasil Colônia. Pode-se afirmar, sem exagero, que se instalou tardiamente um regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro, com pequenos senhores, independentes entre si, e que, distantes do poder da Coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar os seus interesses. De certa forma, essa fase colonial brasileira reviveu os períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade,vividos em outros continentes. Formalmente, a lei penal que deveria ser aplicada no Brasil, naquela época, era a contida nos 143 títulos do Livro V das Ordenações Filipinas, promulgadas por Filipe II, em 1603. Orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção aplicável. Esta rigorosa legislação regeu a vida brasileira por mais de dois séculos. O Código Filipino foi ratificado em 1643 por D. João IV e em 1823 por D. Pedro I. 2.2. Período Imperial13 A Constituição brasileira de 1824 determinou a urgente e imperiosa necessidade de elaboração de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade” (art. 179, XVIII). Em 1827, Bernardo Pereira de Vasconcellos e José Clemente Pereira apresentaram, 13 Tratado de direito penal : parte geral 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 24. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018 individualmente, um projeto de código criminal, ambos de excelente qualidade. Preferiu-se, no entanto, o de Bernardo Pereira de Vasconcellos “por ser aquele que, mais amplo ao desenvolvimento das máximas jurídicas e equitativas, e por mais munido na divisão das penas, cuja prudente variedade muito concorria para a bem regulada distribuição delas, poderia mais facilmente levar-se a possível perfeição com menor número de retoques acrescentados àqueles que já a comissão lhe dera, de acordo com seu ilustre autor”. Em 1830, o imperador D. Pedro I sancionou o Código Criminal, primeiro código autônomo da América Latina. Destacava Aníbal Bruno que o novo texto fundou-se nas ideias de Bentham, Beccaria e Mello Freire, no Código Penal francês de 1810, no Código da Baviera de 1813, no Código Napolitano de 1819 e no Projeto de Livingston de 1825. Todavia, não se filiou estritamente a qualquer deles, “tendo sabido mostrar-se original em mais de um ponto”. Com efeito, o Código Criminal do Império surgiu como um dos mais bem elaborados, influenciando grandemente o Código Penal espanhol de 1848 e o Código Penal português de 1852, por sua clareza, precisão, concisão e apuro técnico. Dentre as grandes inovações, nosso Código consagrou, como destacam Régis Prado e Zaffaroni, o sistema dias-multa em seu art. 55, tido, equivocadamente, como de origem nórdica. O Código de Processo Criminal somente surgiu em 1832. 2.2. Período Republicano14 Com o advento da República, João Baptista Pereira foi encarregado de elaborar um projeto de Código Penal, que restou aprovado e publicado em 1890, antes, portanto, da Constituição de 1891. Esse Código, criado às pressas, desapontou pelas suas inúmeras falhas. Ignorou os avanços e tendências mundiais que se faziam sentir em 14 Direito penal esquematizado – Parte geral – vol.1 / Cleber Masson. – 9.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. razão do positivismo, bem como os exemplos de códigos estrangeiros, notadamente o Código Zanardelli15. Seus equívocos e deficiências acabaram transformando-o em verdadeira colcha de retalhos. Era enorme a quantidade de leis extravagantes que, finalmente, se concentraram na Consolidação das Leis Penais, de Vigente Piragibe, promulgada em 1932. Durante o Estado Novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um projeto de Código Penal brasileiro, o qual foi sancionado em 1940, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, alterado por diversas leis contemporâneas, tais como a Lei 6.414/1977, atualizando as sanções penais, e a Lei 7.209/1984 – Reforma da Parte Geral do Código Penal. A reforma da Parte Geral humanizou as sanções penais e adotou penas alternativas à prisão, além de reintroduzir o sistema de dias-multa. Em 1969 foi aprovado o Projeto de Nélson Hungria para criação de um novo Código Penal. Entretanto, deu-se sua revogação quando ainda se encontrava em vacatio legis. 15 Giuseppe Zanardelli (Brescia, 29 de Outubro de 1826 — 26 de Dezembro de 1903) foi um político italiano. Ocupou o cargo de primeiro-ministro da Itália entre 15 de Fevereiro de 1901 até 3 de Novembro de 1903. Ele se formou em direito na Universidade de Pavia como um estudante do Colégio Ghislieri. https://pt.wikipedia.org/wiki/Brescia https://pt.wikipedia.org/wiki/29_de_Outubro https://pt.wikipedia.org/wiki/1826 https://pt.wikipedia.org/wiki/26_de_Dezembro https://pt.wikipedia.org/wiki/1903 https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro-ministro https://pt.wikipedia.org/wiki/It%C3%A1lia https://pt.wikipedia.org/wiki/15_de_Fevereiro https://pt.wikipedia.org/wiki/1901 https://pt.wikipedia.org/wiki/3_de_Novembro https://pt.wikipedia.org/wiki/1903
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